O Theatrum Mundi pós-moderno: o jogo da vida, a vida como jogo
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O Theatrum Mundi pós-moderno - Douglas Borges Candido
© 2021, Douglas Borges Candido e Fabiano Incerti
2021, PUCPRESS
Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por escrito da Editora. As opiniões, hipóteses, conclusões ou recomendações emitidas neste material são de responsabilidade dos entrevistados.
Este livro contém a seleção criteriosa de artigos de Michel Maffesoli, publicados originalmente em francês na revista Sociétés, da editora De Boeck Supérieur. Agradecemos ao autor e à Cairn.info, na pessoa de Thomas Parisot, atuais detentores dos direitos autorais dos textos originais, pela cessão dos direitos relativos às traduções para o português.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
Reitor
Waldemiro Gremski
Vice-reitor
Vidal Martins
Pró-reitor de Missão, Identidade e Extensão
Ir. Rogério Renato Mateucci
Diretor do Instituto Ciência e Fé
Fabiano Incerti
Gerente de Identidade Institucional
José André de Azevedo
Curadoria da Coleção
Fabiano Incerti
Douglas Borges Candido
Tradução
Eduardo Portanova Barros
Revisão Técnica
Douglas Borges Candido
Eduardo Portanova Barros
Fabiano Incerti
PUCPRESS
Coordenação
Michele Marcos de Oliveira
Edição
Susan Cristine Trevisani dos Reis
Edição de arte
Rafael Matta Carnasciali
Preparação de texto
Juliana Almeida Colpani Ferezin
Revisão
Juliana Almeida Colpani Ferezin
Capa
Indianara de Barros
Projeto gráfico
Rafael Matta Carnasciali
Diagramação
Indianara de Barros
Imagem de capa e miolo
AdobeStock_ 270842553
Produção de ebook
S2 Books
PUCPRESS / Editora Universitária Champagnat
Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prédio da Administração - 6º andar
Campus Curitiba - CEP 80215-901 - Curitiba / PR
Tel. +55 (41) 3271-1701 | pucpress@pucpr.br
Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central
Edilene de Oliveira dos Santos CRB/9-1636
O theatrum mundi pós-moderno: o jogo da vida, a vida como jogo / Douglas
T374
Borges Candido, Fabiano Incerti, organizadores ; Michel Maffesoli;
2021
tradução e notas Eduardo Portanova Barros. --
Curitiba : PUCPRESS, 2021
160 p. ; 21 cm
Inclui bibliografias
ISBN 978-65-87802-44-2
ISBN 978-65-87802-45-9 (PDF)
ISBN 978-65-87802-43-5 (e-book)
https://doi.org/10.7213/ICFBook_003
1. Ciências sociais – Filosofia. 2. Sociologia do conhecimento. 3. Identidade social. 4. Pós-modernismo. I. Candido, Douglas Borges. II. Incerti, Fabiano. III. Maffesoli, Michel.
21-074
CDD 23. ed. – 300.1
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Prefácio
Tribalismo pós-moderno
Net-ativismo
: do mito tradicional à cibercultura pós-moderna
O estofo do real
O mundo como jogo, o jogo do mundo
Deontologia ‘presenteísta’
A sociedade de consumação...
Comunhão e comunicação: pensar o mistério da socialidade contemporânea
A propósito do imaginário da mídia
Posfácio
PREFÁCIO
Mais uma vez Michel Maffesoli nos surpreende com sua sensibilidade aguçada para detalhes e nuances sobre a pós-modernidade. Olhar atento, capaz de enxergar No fundo das aparências[ 01 ] várias mudanças que se colocaram em curso desde a segunda metade do século XX – a estetização gradativa do mundo e da existência que denunciam o retorno do emocionalismo e do sensualismo; o neotribalismo, os comunitarismos; o juventudismo como o Graal da condição pós-moderna; o nomadismo existencial; o retorno da dimensão trágica da existência que nos leva ao presenteísmo – hic et nunc, ici et maintenant, aqui e agora; o reavivamento de uma filosofia de vida do carpe diem; a pulsão das paixões em todos os domínios da vida humana – tanto na vida privada como no âmbito da esfera pública e social, sendo isso uma das ‘novidades’ desse período. O que se pode perceber, afinal, com a ajuda de Maffesoli, nada mais é do que um reencantamento do mundo.[ 02 ]
Observador do espírito do tempo (Zeitgeist), Michel Maffesoli enfatiza a transição da Modernidade à Pós-modernidade. Aponta-nos, a partir disso, que a matéria/conteúdo que considerávamos substancial para fundamentar nossos ‘valores’, também se modificou. Para o sociólogo, esse movimento, irrefreável e natural do corpo social, não deveria nos preocupar, pois, como ele próprio nos diz, o fim de um mundo não significa o fim do mundo
.[ 03 ] Mas isso só é percebido pelos espíritos livres que pairam por aí! Para os que necessitam de certezas para sobreviverem e vociferarem suas doses de ‘moralina’[ 04 ] pelo mundo afora, essa conclusão é por demais insuportável. Por quê? Porque, como nos demonstrou Thomas Kuhn, toda ‘revolução científica’ implica em abrir mão dos antigos e assentados pressupostos e reiniciar a trajetória. É urgente reconhecer a tão proclamada, mas pouco vivida, sabedoria socrática do eterno aprendiz. E mais revolucionariamente ainda é admitir que podemos apreender muito com as experiências tidas como ‘banais’, ‘triviais’ e ‘irrelevantes’, segundo o ponto de vista dessa certa intelligentsia.[ 05 ]
O mundo não é só fruto das nossas projeções – econômicas, sociais, estéticas, políticas... A Pós-modernidade revela um momento de saturação desse progressismo e racionalismo exacerbado da Modernidade e nos aponta para uma outra perspectiva – a de que se quisermos entendê-la, precisamos antes, compreendê-la.[ 06 ] Por essa razão é necessário desenvolvermos um pensamento enraizado, que cresce com a experiência. É a isso que Maffesoli se refere quando fala de um pensamento progressivo. Um pensamento encarnado, um corpo que possui um intelecto – colocando nessa ordem, não em vão, a primazia do corpo na Pós-modernidade. Corpo que se pavoneia nas academias de ginásticas que se transformaram nos novos templos; nos procedimentos estéticos em busca do rejuvenescimento; nos estudos em prol da superação da morte;[ 07 ] e a lista de banalidades poderia ser enorme.
Em meio, inclusive, a todos os problemas trazidos pela pandemia vemos surgir aos montes as características desses novos tempos. A capa protetora do individualismo moderno rompe-se e os inúmeros atos de solidariedade perfilham no dia a dia das cidades. Diante das medidas de precaução e contenção do vírus, vemos surgir inúmeros encontros online, os aperitivos Skype
,[ 08 ] onde amigos, familiares, enamorados, conversam, fofocam, bebem..., em síntese, ‘gastam tempo’ numa série de atividades que não têm em vista nenhuma finalidade específica ou racionalmente pretendida. A experiência vale por si própria. Exploram o que há de melhor naquele momento. Sentido trágico da existência, como dissemos, que reanima um espírito dionisíaco no qual a fruição dos sentidos é sempre o primeiro caminho que nos aparece. Isso nos coloca na rota de uma transcendência imanente, tema dos últimos estudos de Michel Maffesoli.[ 09 ] O próprio movimento de saída de si, de abertura ao Outro, à Casa Comum, já tem algo de sagrado – aquilo que Maffesoli compara, nas tribos pós-modernas, à concepção católica de comunhão dos santos.[ 10 ] Passa-se da noção de indivíduo centrado sobre si mesmo e autônomo a um sujeito que se abre para o Outro; é o Outro que me diz quem sou; é com-ele (o ser-com do qual Maffesoli nos fala) que sou. Em suma, o que temos agora é uma heteronomia.
O que o leitor encontrará nos textos a seguir é um pouco desses aspectos que nos colocam em novas rotas existenciais. Os conteúdos abordados nessa obra passam da noção de imaginário e mídias sociais; do tribalismo pós-moderno; da ética; da moral; da deontologia; da crise da Modernidade; entre outros tantos temas do momento em que vivemos.
Registramos aqui nosso profundo agradecimento ao autor, Michel Maffesoli, por nos autorizar a tradução e a publicação desses textos no Brasil e por nossa crescente parceria em diversos projetos; à Editora De Boeck Supérieur pela cessão de direitos autorais; assim como à toda equipe da Editora PUCPRESS e ao tradutor dessa obra, Eduardo Portanova Barros.
Aos leitores,
Bem-vindos à Pós-modernidade e boa leitura.
Douglas Borges Candido
Fabiano Incerti
Instituto Ciência e Fé PUCPR.
TRIBALISMO PÓS-MODERNO[ 11 ]
É sabido que quando não existe mais, aí é que os amantes, transtornados, falam, na maior parte do tempo, do amor que os uniu. Lembremo-nos, nesse sentido, do grito de Rimbaud pedindo para ser resolutamente moderno. Encantamento? Invocação? De qualquer forma, uma injunção paradoxal na medida em que chega num momento no qual a modernidade, justamente, atingiu seu apogeu e só pode, a partir de então, declinar.
Paradoxo, também, de assistir, mais de um século depois, a dificuldade que os intelectuais têm de abordar, serenamente, os problemas ligados a esse fim, ainda que hipotético, dos tempos modernos e em considerar suas consequências sociais, epistemológicas, existenciais que isso não deixa de ter.
"Sine ira et odio". Não é assim que convém estudar a mudança societal. A cólera ou o medo sendo, muitas vezes, o elemento inconsciente da análise intelectual. Quanto ao ódio do mundo, é quase uma segunda natureza para aqueles mesmos que se arrogam a si mesmos o poder de dizer o que deve ser
o indivíduo e a sociedade. Em detrimento, claro, do dever de reconhecer aquilo que é. Serenidade, pois, no ato de saber trabalhar para nascer com
(cum nascere) uma realidade complexa.
Para retomar uma expressão de Schopenhauer, essa realidade é puramente relativa
. Ou seja, que todo objeto ou fenômeno está ligado a outros e determinado por eles. E, por isso mesmo, sujeito a mudanças e chances. Impermanência geral das coisas, de qualquer sorte. O que quer dizer que o que é nem sempre o fora, necessariamente, e nem sempre o será. Da mesma forma que as categorias elaboradas em um determinado momento não são eternas e devem estar sujeitas a revisão se quisermos apreender, o menos mal possível, a evolução em questão e da qual é muito difícil, empiricamente, negar ou denegar os efeitos.
O relativismo de que se trata aqui consiste, pois, em relacionar os vários elementos da vida e em perceber o fluxo vital, que é, por construção, incessante. Todas essas coisas tornam obsoleto qualquer dogmatismo que seja e favorecem uma sensibilidade teórica, preferindo a humildade das coisas à pretensão dos conceitos. É nesse sentido que não se trata de ser pós-moderno
, como se pudéssemos ter ou ser esta ou aquela identidade, mas antes de utilizar uma palavra, uma noção simples como alavanca metodológica, a mais pertinente possível, a fim de compreender as relações e os fenômenos sociais que estão, ainda, em seu estado nascente, mas cuja importância, tanto quantitativa quanto qualitativamente, é difícil negar. Em suma, ser um sociólogo da pós-modernidade antes que um sociólogo pós-moderno.
É durante esses períodos de mudanças civilizacionais que importa ser, citando, ainda, o revigorante Schopenhauer, um Selbstdenker, o que se pode traduzir como um pensador livre. Isto é, que convém se preocupar mais com uma abordagem de longo curso do que com esta prática acadêmica pequena – e bastante comum – que consiste em adaptar os grandes conceitos a pensamentos pequenos. É isso que poderá nos permitir não ter medo da