A Eterna Despedida da Modernidade: Da Subjetividade à Intersubjetividade
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A Eterna Despedida da Modernidade - Zionel Santana
1989.
Sumário
INTRODUÇÃO
PARTE I - HABERMAS E A FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
1. O DISTANCIAMENTO DO PARADIGMA DA SUBJETIVIDADE
1.1 INVALIDAÇÃO DO PARADIGMA DA CONSCIÊNCIA
1.2 DESDOBRAMENTOS CONCEITUAIS RESULTANTES DA CRÍTICA
AO PARADIGMA DA SUBJETIVIDADE
1.3 OBJEÇÕES AO PARADtIGMA DA INTERSUBJETIVIDADE
1.4 EM QUE CONSISTE A FILOSOFIA DO SUJEITO EM HABERMAS
1.5 A CONSTITUIÇÃO DO PARADIGMA MONOLÓGICO
1.6 OS PRIMEIROS CONTORNOS DA CRÍTICA AO PARADIGMA DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
1.7 A SUBSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM MONOLÓGICA PELA COMUNICAÇÃO HERMENÊUTICA
1.8 AS CONCEPÇÕES OBJETIVISTA E SUBJETIVISTA ROMPIDAS PELO DISCURSO
1.9 AS TENTATIVAS HUSSERLIANAS DE SUBSTITUIÇÃO DO
PARADIGMA DA INTENCIONALIDADE PELO ENTENDIMENTO LINGUÍSTICO
2. A ETERNA DESPEDIDA DA SUBJETIVIDADE MODERNA
2.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DA MODERNIDADE
2.2 CRÍTICA ÀS FORMAS UTÓPICAS DE VIDA
2.3 A DESPEDIDA DA SUBJETIVIDADE NA MODERNIDADE
2.4 UMA RACIONALIDADE COM UM FIM EM SI MESMA
2.5 A CRÍTICA À RAZÃO DESEMBOCA EM UM CONTRA DISCURSO
2.6 O RISCO DE O CONCEITO DE RAZÃO COMUNICATIVA CAIR EM UM IDEALISMO:
ARGUMENTOS CONTRA APEL
2.7 O DUALISMO MONOLÓGICO DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
2.8 A DESCENTRALIZAÇÃO DO DUALISMO METODOLÓGICO
2.9 O ROMPIMENTO COM A MOLDURA KANTIANA E A PASSAGEM PARA A AUTORREFLEXÃO
2.10 O FUNDAMENTALISMO DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
2.11 CRÍTICAS ÀS IDEIAS DO FUNDAMENTALISMO ÚLTIMO
2.12 A RECONSTRUÇÃO RACIONAL DAS ESTRUTURAS DO MUNDO DA VIDA
PARA EVITAR A SUBORDINAÇÃO DA PERSPECTIVA OBJETIVA
2.13 RACIONALIDADE COMUNICATIVA: RACIONALIDADE DO ENTENDIMENTO MÚTUO
SEGUNDO A TEORIA DOS ATOS DE FALA (UMA SAÍDA POSSÍVEL)
2.14 O ENTRELAÇAMENTO DA RAZÃO PELO MEDIUS DA LINGUAGEM
3. SUPERAÇÃO DO PRAGMATISMO TRANSCENDENTAL
3.1 A NECESSIDADE DE UM CONCEITO DE PRÁXIS ENTRE
O MUNDO DA VIDA E A AÇÃO COMUNICATIVA
3.2 A MUDANÇA DO PARADIGMA DA FILOSOFIA DA PRÁXIS PELA
TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO
3.3 A PASSAGEM DAS ESTRUTURAS PROCESSUAIS E METODOLÓGICAS
PARA AS ESTRUTURAS CORPORIFICADAS E PRÁTICAS
3.4 A PASSAGEM DA CONCEPÇÃO DE MUNDO DUALISTA PARA
O MUNDO DA VIDA PARADOXAL
3.5 O ACESSO AO MUNDO É NEGADO DE FORMA DIRETA, SEM A MEDIAÇÃO DA LINGUAGEM
3.6 A PRÁXIS PÚBLICA DA COMUNIDADE LINGUÍSTICA COMO
ALTERNATIVA AO PRAGMATISMO TRANSCENDENTAL
3.7 A CONSERVAÇÃO DO MUNDO OBJETIVO
3.8 A RECONSTRUÇÃO DO MUNDO OBJETIVO RACIONALMENTE
3.9 A CONSTITUIÇÃO DO MUNDO INTERSUBJETIVO
PARTE II - DESDOBRAMENTOS CONCEITUAIS RESULTANTES
DA CRÍTICA AO PARADIGMA DA SUBJETIVIDADE
4. A PRAGMÁTICA UNIVERSAL COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO PARA A RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DO PARADIGMA DO SUJEITO
4.1 O PROFERIMENTO LINGUÍSTICO COMO FORMA DE AGIR NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
4.2 O ENTRELAÇAMENTO DOS INDIVÍDUOS SOCIALIZADOS E A
LINGUAGEM NO AGIR COMUNICATIVO
4.3 A INTEGRAÇÃO ENTRE REPRESENTAÇÃO E COMUNICAÇÃO
4.4 A TRANSFORMAÇÃO DA FILOSOFIA PRAGMÁTICA KANTIANA
POR HUMBOLDT EM FUNÇÕES LINGUÍSTICAS
4.5 O ENTRELAÇAMENTO ENTRE O EU
, O FENÔMENO E A LINGUAGEM
4.6 A LINGUAGEM COMO ELEMENTO CONSTITUINTE DO MUNDO SOCIAL
4.7 A LINGUAGEM COMO MECANISMO DE MEDIAÇÃO PARA O ENTENDIMENTO INTERSUBJETIVO
4.8 O USO LINGUÍSTICO E OS PAPÉIS DOS INDIVÍDUOS NOS ATOS DE FALA
4.9 COMPETÊNCIA COMUNICATIVA
4.10 ELEMENTOS PARA A PRÁTICA COMUNICATIVA
4.11 O ENTRELAÇAMENTO DA RAZÃO PELO MEDIUS DA LINGUAGEM
4.12 O RECONHECIMENTO DOS PROFERIMENTOS E SUA VALIDADE NOS ATOS DE FALA
4.13 O DILEMA DA CONSCIÊNCIA MONOLÓGICA:
A CONSTITUIÇÃO DO OUTRO
COMO REPRESENTAÇÃO DO EU
5. A PASSAGEM DO CONCEITO DE VERDADE EPISTÊMICA PARA
O CONCEITO DE VERDADE COMO CORREÇÃO NORMATIVA
5.1 RECONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE VERDADE DISCURSIVA
5.2 A COMPREENSÃO IMANENTE À LINGUAGEM DE VERDADE COMO ASSERTIBILIDADE IDEAL
5.3 A RECONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE VERDADE DISCURSIVA
5.4 A VERSÃO EPISTÊMICA DO CONCEITO DE VERDADE
5.5 A CORRESPONDÊNCIA ENTRE PRETENSÕES DE VALIDEZ E DE VERDADE NA
REFERÊNCIA À REALIDADE OBJETIVA DE FORMA CONSENSUAL
5.6 O USO COMUNICATIVO E COGNITIVO DA LINGUAGEM NOS ATOS DE FALA
6. CAMINHOS APONTADOS PELA FILOSOFIA DA LINGUAGEM PARA SAIR A PRIORI DA TRADIÇÃO ONTOLÓGICA, DO IDEALISMO E DO EMPIRISMO
6.1 A GUINADA LINGUÍSTICA
6.2 A GUINADA DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA PARA A FILOSOFIA DA LINGUAGEM
6.3 POSSIBILIDADES DE DISTANCIAMENTO DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
6.4 A POSSIBILIDADE DE ABANDONO DO PARADIGMA DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
6.5 A SUBSTITUIÇÃO DO USO COGNITIVO DA LINGUAGEM PELO USO COMUNICATIVO
COMO RECURSO PARA A RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DO PARADIGMA DO SUJEITO
6.6 A RUPTURA COM A RAZÃO CENTRADA NO SUJEITO
6.7 AS CONSEQUÊNCIAS EPISTEMOLÓGICAS DA VIRADA LINGUÍSTICA
6.9 OS ESTRANGULAMENTOS DA PASSAGEM DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
PARA A FILOSOFIA DA LINGUAGEM
6.10 A SUBSTITUIÇÃO DO PARADIGMA DA CONSCIÊNCIA PELO PARADIGMA DA
FILOSOFIA DA LINGUAGEM
6.11 COMO A FILOSOFIA HERMENÊUTICA E A FILOSOFIA ANALÍTICA SE RELACIONAM
DEPOIS DA GUINADA LINGUÍSTICA
PARTE III - OBJEÇÕES AO PARADIGMA DA INTERSUBJETIVIDADE
7. A DESCENTRALIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE
DA RAZÃO INSTRUMENTAL
7.1 A SUBSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE TRANSCENDENTAL POR UMA
INTERSUBJETIVIDADE QUASE
TRANSCENDENTAL
7.2 A QUEBRA DO TRANSCENDENTALISMO SUBJETIVO DA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
7.3 A DESCENTRALIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA RAZÃO INSTRUMENTAL
7.4 A RECONSTITUIÇÃO DOS ARGUMENTOS PARA A ELABORAÇÃO DO PARADIGMA DA
INTERSUBJETIVIDADE A PARTIR DA CONCEPÇÃO FENOMENOLÓGICA HUSSERLIANA
7.5 CARACTERÍSTICAS DA INTERSUBJETIVIDADE COM A SUBSTITUIÇÃO DA FILOSOFIA
DA CONSCIÊNCIA PELA FILOSOFIA DA LINGUAGEM
7.6 A CONCEPÇÃO DE INTERSUBJETIVIDADE EM WITTGENSTEIN
8. A CONSTITUIÇÃO DA AÇÃO DOS INDIVÍDUOS
A PARTIR DO AGIR COMUNICATIVO
8.1 A CONSTITUIÇÃO DA AÇÃO DOS INDIVÍDUOS A PARTIR DO AGIR COMUNICATIVO
8.2 A RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DAS REGRAS A PARTIR DO PARADIGMA DA INTERSUBJETIVIDADE
8.3 O RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO DAS REGRAS NAS PRÁXIS COMUNICATIVAS
8.4 AS REGRAS AINDA COMO FUNDAMENTO ÚLTIMO
8.5 OBJETO DA PRAGMÁTICA FORMAL: A RECONSTRUÇÃO DO SISTEMA DE REGRAS
8.6 A IDEIA DE UM HORIZONTE DE INTERPRETAÇÕES GERADORAS DE SENTIDOS
8.7 AS VANTAGENS DO ENTENDIMENTO MÚTUO COMO MODELO
9. O PARADIGMA DA INTERSUBJETIVIDADE:
OS LIMITES DA PROBLEMÁTICA DA CONSCIÊNCIA TRANSCENDENTAL
9.1 SUPERAÇÃO DA METAFÍSICA DE POUCO ALCANCE
9.2 O NATURALISMO FRACO COMO ALTERNATIVA À DESTRANCENDENTALIZAÇÃO
DO SUJEITO NA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA
9.3 O ABANDONO DO MODELO REPRESENTACIONISTA DO CONHECIMENTO
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O Paradigma da Intersubjetividade surgiu como possibilidade de substituição do Paradigma da Subjetividade, que tomava o indivíduo como fundamento de toda a realidade, tendo seu marco referencial no pensamento moderno,principalmente a partir de Descartes e Kant. Assim, a realidade cognitiva era entendida monologicamente, isto é,com uma razão centrada no sujeito e universalista. Contrários a essa concepção, filósofos apresentaram seus contra-argumentos, tanto ao entendimento da noção de Sujeito quanto ao de Razão, que receberam críticas e a acusação de dominação na constituição do Conhecimento de forma monológica, partindo do modelo sujeito-objeto;pois acreditam que a construção do Conhecimento na contemporaneidade já não pode ser pensada como ocorrendo de forma subjetiva.
Entre esses pensadores, Jürgen Habermas estabelece sua crítica, pois também pensa que o Paradigma da Subjetividade é inadequado a uma reconstrução crítica da sociedade contemporânea. Dessa forma, nosso autor compartilha as críticas de Hegel, Nietzsche, Henrich, Mead e Apel ao Paradigma Monológico, mas, ao mesmo tempo, não abre mão de ele mesmo construir sua crítica ao Paradigma da Consciência. Sua crítica a esse paradigma diferencia-se das demais por considerar elementos fundamentais: uma teoria crítica social, a constituição do alter
na elaboração da consciência fenomeno lógica do ego
e o mundo da vida como folha de contraste para os indivíduos em situações de comunicação. Dessa forma, Habermas acredita que sua crítica ao Paradigma da Consciência responde melhor às dificuldades da superação. O Paradigma da Intersubjetividade surge, em seu pensamento, como alternativa para pensar as relações entre o eu
e o outro
na constituição das relações sociais, via Razão Comunicativa, que tem como pano de fundo o mundo da vida.
Assim, este trabalho constitui-se na tentativa de compreensão do Paradigma da Intersubjetividade em Jürgen Habermas, com o objetivo de mapear as linhas de seu pensamento, identificando os momentos em que ele trabalha com a possibilidade do Paradigma da Intersubjetividade (mesmo quando ainda uma categoria intuitiva). Em suas obras, principalmente no primeiro período (1961 a 1981), o Paradigma da Intersubjetividade aparece (como uma categoria ainda intuitiva), em Mudança estrutural na esfera pública (1961). Ali, Habermas analisa a Consciência burguesa
e a Consciência plebeia
¹como uma relação dialética e já acena para o espaço público como possibilidade de entendimento mútuo. Em Teoria e Práxis (1963), ao contra por a teoria e a prática a partir de Hegel e a teoria de Valor e de classe de Karl Marx,² já se desenvolvia a possibilidade da descentralização do sujeito e se quebrava o idealismo kantiano, elementos fundamentais à constituição de uma teoria crítica para o Paradigma da Intersubjetividade.
Em Conhecimento e Interesse (1968) e em Teoria do Agir Comunicativo (1981), Habermas critica o Paradigma da Subjetividade presente na constituição do Conhecimento e realiza ensaios que acredita serem capazes de derrubar o sujeito transcendental de seu pedestal e constituir, em suas relações subjetivas, o outro
na formação de uma consciência fenômeno lógica. E, ao mesmo tempo, a percepção de uma realidade imanente, a elaboração de liberdades individuais e a individuação fora de uma relação sujeito-objeto. Já no Discurso Filosófico da Modernidade (1985), Habermas analisa as contribuições de diversos filósofos para a superação do Paradigma da Consciência e a elaboração de um conceito de intersubjetividade, a partir da tomada de consciência da modernidade, que justifica a relação sujeito-objeto como um modelo já superado. Seus argumentos partem de Nietzsche e sua crítica à razão pela estética, passando por Heidegger e Luhmann com a Teoria do Sistema.³ Habermas posiciona-se de forma crítica aos argumentos desses filósofos, pois acredita que não podem fazer frente à razão monológica e não conseguem distanciar-se de seu raio de ação. Em Pensamento pós-metafísico (1988), Habermas retoma a questão do Paradigma da Intersubjetividade com Henrich, demonstrando a incompatibilidade da volta de um pensamento metafísico-kantiano na sociedade contemporânea, que não aceita mais pensamentos totalizadores. Ao contrário: a constituição da elaboração dos saberes como o Direito, a Ciência e a Ética exige uma postura intersubjetiva, pois o modelo sujeito-objeto, o idealismo do positivismo e o kantismo já estão superados, constituindo uma postura anacrônica em relação à evolução do pensamento. E,ainda nesse contexto, deixa bem claro que tanto a teoria de Luhmann quanto a de Henrich não conseguem responder às questões cruciais da Filosofia da Consciência. Assim, para Habermas, sua teoria responde melhor a tais desafios. Sua posição, contudo, não permanece imune a críticas.
Em Verdade e Justificação (1999),ele responde a essas críticas em tom de defesa de sua teoria e ressalta que o Paradigma da Intersubjetividade se constitui a partir da Filosofia da Linguagem, da Pragmática universal e do mundo da vida, elementos fortes para a superação da Filosofia da Consciência. Mas isso não o livra de retomar essa discussão, mais à frente, em Naturalismo e Religião (2005), de forma mais modesta, afirmando que o Paradigma da Intersubjetividade permanece aberto, mas se reafirma como alternativa possível para o entendimento mútuo dos indivíduos na sociedade contemporânea pluralista.
O propósito deste texto é responder, então, à questão de como se constitui o Paradigma da Intersubjetividade em Habermas e o distanciamento da modernidade. Para tanto, foi preciso abrir um leque de diálogos em torno da tradição filosófica traçada pelo próprio autor, demonstrando a concepção e a construção do que seja a Filosofia da Consciência, presente em suas obras. Dessa maneira, o ensaio habermasiano da superação do Paradigma da Subjetividade configura-se a partir da Razão Comunicativa como uma das possibilidades de rompimento com a Razão Cartesiana. A Razão Comunicativa denuncia a Razão Instrumental, que se configurou, com o advento da modernidade, na busca desenfreada pela técnica como única saída para a emancipação do sujeito. Todavia, influenciado por um pensamento burguês que se instalou nas bases da construção do Conhecimento e na concepção de Racionalidade deslocada, o sujeito habermasiano emigra do status de centralizador e objetivante para o de cooperador, compartilhando sua subjetividade com o outro, na intenção de, cooperativamente, construir o Conhecimento. É um sujeito intersubjetivo, que usa o discurso dialógico para a interpretação do mundo diante das pretensões de validade.
Na Teoria do Agir Comunicativo, encontramos seus ensaios como alternativas para a superação do Paradigma do Sujeito. A questão a ser colocada é: como se configurou a passagem do método monológico para o dialógico; da Razão Instrumental para a Razão comunicativa?
Habermas abriu outras possibilidades de rompimento com a Razão Cartesiana, além das que os filósofos modernos já tinham apresentado. Mas, por outro lado, também se serviu das reflexões deixadas por esses filósofos −nos ensaios da superação da Filosofia do Sujeito−, na tentativa de superar a razão objetiva e monológica. A contribuição desses filósofos para os ensaios de Habermas foi que a superação da Filosofia do Sujeito não pode ser feita sem uma teoria crítica social, pois isso levaria ao fracasso, já que o sucesso estaria em ter uma teoria aberta como pressuposto de uma teoria crítica social. Enquanto os filósofos não tiveram a preocupação de estabelecer uma conexão entre a crítica e a teoria social, Habermas partiu exatamente desse ponto negligenciado por eles para a constituição do Paradigma da Intersubjetividade. Dessa maneira, Habermas precisou ter como folha de contraste os ensaios desses filósofos em seu projeto de superação da Razão Cartesiana. Assim, Habermas abriu-se para a elaboração de um conceito de Razão Comunicativa e dialógica em substituição do conceito de razão monológica e subjetiva. É o que pretende mostrar este trabalho sobre os ensaios habermasianos para a superação da Filosofia do sujeito e a constituição do Paradigma da Intersubjetividade.
Será possível sustentar em suas obras a visão de que não há rompimento solipsista do Paradigma da Subjetividade, mas sim uma passagem para o Paradigma da Intersubjetividade,diferentemente de seus críticos?
Com a obra Conhecimento e interesse (1968), Habermas discutiu a crise do Conhecimento, concentrando-se em explicar, sobretudo, os meandros da Filosofia da Consciência, para demonstrar a razão centrada no sujeito (que teve início com Descartes, passando por Kant e Hegel). Sua preocupação era demonstrar os argumentos arquitetônicos do positivismo na elaboração do Conhecimento e, ao mesmo tempo, a existência de uma ciência técnica e ideológica. Por outra via, tentava recusar o positivismo como possibilidade fundante de um Conhecimento autorreflexivo. Para tal, perpassou a história da produção do Conhecimento e percebeu a tentativa de rompimento com esse fundamento positivista em Hegel e Marx, quando estes elaboraram uma teoria social crítica. Mas no final de seu texto Habermas demonstra que essa tentativa de afastamento da Filosofia do Sujeito também aparece em Nietzsche, quando tem a intenção de denunciar a íntima relação entre o interesse e o Conhecimento na razão monológica. A tentativa de Nietzsche foi de levar a cabo aquilo que Hegel empreendera e Marx continuara a seu modo: a autossupressão da teoria do conhecimento como autorrecusa da reflexão.
Com a obra Técnica e Ciência como Ideologia (1968), Habermas ocupou-se em demonstrar os fundamentos da Filosofia do Sujeito de Descartes até Hegel. Demonstrou, portanto, a evolução da razão centrada no sujeito, para um Conhecimento técnico como critério de falso
e verdadeiro
. Observava-se, nessa obra, a nítida instrumentalização das coisas como caminho para a libertação do homem que, ironicamente, tornou-se escravo da ação tecnicista voltada para as relações de produção individualista.
Depois de 17 anos, em O Discurso Filosófico da Modernidade (1985), retoma as reflexões da Filosofia do Sujeito. Nesse texto, a questão da racionalidade ainda aparecia como desafio para a Filosofia Moderna,pois ainda se mantinham como principais os argumentos formulados pela pós-modernidade e o pós-estruturalismo em torno do princípio da subjetividade. Para Habermas, a Filosofia do Sujeito permanece inalterada mesmo na modernidade. Mesmo assim, com tantas controvérsias, Nietzsche é o primeiro a elaborar uma crítica radical à Filosofia do Sujeito. Com esse feito, provocou profundas mudanças na Filosofia e na Modernidade, abrindo caminhos para um distanciamento da Filosofia do Sujeito e a possibilidade de instauração do Paradigma da Intersubjetividade.
Três anos mais tarde, na obra Pensamento Pós-Metafísico (1988), Habermas introduziria a reflexão sobre a razão não derrotista
em relação às críticas recebidas de Henrich, que colocou a Filosofia do Sujeito como um pensamento totalizador
e, ao mesmo tempo, autorreferente,que produzia uma racionalidade do método científico e passava a decidir sobre o certo
e o falso
. Em Verdade e Justificação (1999), passados 30 anos, Habermas retomaria a discussão do conceito Filosofia da Consciência
apresentado em Conhecimento e Interesse, sobre a Filosofia do Sujeito calcada em princípios positivistas que se mantêm até hoje em relação à Filosofia da Consciência,que se estrutura em princípios objetivantes. Em 1968, apresentava a teoria crítica social, partindo de Hegel e Marx, como crítica à Filosofia do Sujeito e possível ruptura com a razão centrada no sujeito. Demonstra que na raiz do conhecimento estava o interesse. E, em 1999, aponta outra saída com a guinada linguística, como distanciamento do Paradigma da Consciência.
Essas obras apontam, após leituras cuidadosas, críticas e argumentos do empreendimento habermasiano de distanciamento dos conceitos de Paradigma da Subjetividade, que nos conduzirão a uma melhor compreensão da discussão em torno dessa questão. Pretendemos apresentar aqui os argumentos habermasianos, em seus ensaios, para sair do Paradigma da Subjetividade,bem como a evolução, em suas obras, das críticas aos fundamentos da Filosofia do Sujeito. Ainda, a que conclusões podemos chegar ao analisarmos esses argumentos e suas implicações como pressupostos na elaboração do Paradigma da Intersubjetividade na sua Teoria da Ação Comunicativa.
Na primeira parte, mostrarei em que consiste a Filosofia da Consciência para Habermas e como ela se constitui. Abordarei também o Paradigma Monológico da razão centrada no sujeito, de Descartes até Hegel, não obstante autor es que, antes de Habermas, também buscaram caminhos para a superação do Paradigma do Sujeito. Tanto os elementos da primeira quanto os da segunda fase contribuem para a constituição de uma teoria crítica social. Esses elementos aparecem na parte introdutória do texto. Depois, abrirei a discussão em torno das cinco lições de Habermas presentes na obra Teoria do Agir Comunicativo: complementos e estudos prévios (1971).Especificamente nessa parte demonstrei as estratégias adotadas por Habermas para a reconstrução crítica do Paradigma da Consciência via Filosofia da Linguagem com os atos de fala e a Pragmática universal.
Na segunda parte, abordarei as questões suspensas na primeira parte do trabalho. Os problemas levantados pela superação do Paradigma da Filosofia do Sujeito pelas Pragmáticas linguística e universal. A Pragmática Linguística serviu à formulação de uma teoria do Agir Comunicativo e da Racionalidade, constituindo,assim, um dos fundamentos da teoria crítica social e abrindo caminho para as concepções de moral e Direito ancoradas na Teoria do Discurso. Mas esse caminho tornou-se unilateral ao longo de suas reflexões. Portanto, a segunda parte resgata, em um segundo momento, o modo pelo qual nosso autor corrigiu seu caminho, colocando-se entre as perspectivas do naturalismo e do realismo. O primeiro, do normativismo de um mundo da vida linguisticamente estruturado, onde já nos encontramos como sujeitos, capazes de falar e agir nas conciliações socioculturais; o segundo, conciliando a suposição de um mundo independente de nossas decisões, idêntico para todos os observadores, pois nos é negado o acesso direto à realidade nua e crua
sem a mediação da linguagem. Como pano de fundo, discutirei as questões da modernidade e a recolocação da razão nos moldes do pensamento pós-metafísico.
Na terceira parte, discutirei a constituição, em Habermas, da transformação do Paradigma do Sujeito no Paradigma da Intersubjetividade como reconstituição crítica. Ainda nessa parte, apresentarei reflexões sobre o Paradigma da Intersubjetividade no pensamento habermasiano, bem como o