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Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil
Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil
Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil
E-book289 páginas4 horas

Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil

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Sobre este e-book

Em sua tese de doutorado, defendida em 2002 na Faculdade de Educação da USP, agora transformada em livro, o próprio autor diz que a intenção de seu trabalho foi resgatar os sentidos diversos e justapostos assumidos pelo ideário educacional, tomando como referência os discursos políticos de figuras de destaque no pensamento social brasileiro, nos quais o tema educacional nem sempre é o centro da preocupação. Ou seja, Marlos buscou entender o pensamento educacional no campo mais vasto da cultura política.
Para tanto, faz ampla e inovadora leitura de expoentes que vão da geração da ilustração brasileira aos pioneiros da educação. Rui Barbosa e Alberto Salles, na leitura do autor, fazem parte daquela geração que antecedeu a geração dos críticos republicanos, esta formada por autores aqui trabalhados, de Alberto Torres e Oliveira Vianna até Vicente Licínio Cardoso e Fernando de Azevedo, este como representante do republicanismo paulista. Os pioneiros da educação são um desdobramento dos críticos republicanos, mas que já escapam em muitos sentidos dos supostos dessa geração, apontando para um certo sentido de moderno na educação brasileira. Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira são expressões diferenciadas desse "ator moderno". Nesta vasta leitura e na rica análise que dela deriva, o livro resgata as contribuições de outros importantes educadores, entre eles Carneiro Leão, nos anos de 1920, e Jorge Nagle, nos anos de 1970.
Novamente usando as palavras do autor na tese citada: "O trabalho resgata trajetórias de deslocamentos históricos, tanto do ponto de vista institucional como do conceitual. E o conceito não é nele percebido como reflexo; é tomado como constitutivo do próprio deslocamento. Ele muda o registro de uma percepção. Nesse sentido, torna-se objeto por excelência do estudo". E, por fim, "O trabalho pretende agregar ao debate educacional contemporâneo dimensões críticas que possam situar certos fundamentos de nossas convicções, sempre alertando para a concepção de modernidade subjacente".
Osmar Fávero (Professor titular da Universidade Federal Fluminense)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2019
ISBN9788574964379
Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil

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    Matrizes da modernidade republicana - Marlos Bessa Mendes da Rocha

    Montesquieu.

    CAPÍTULO UM

    A CULTURA POLÍTICA REPUBLICANA, O CONTRAPONTO MONÁRQUICO E A GERAÇÃO DOS CRÍTICOS REPUBLICANOS

    O objeto de estudo neste capítulo será precisamente buscar significados políticos das falas dessa geração que Vicente Licínio Cardoso chamou de nascidos com a República, que se costumam referir à educação como problema número um da nação brasileira. Fazê-lo implica situar esses significados num campo de cultura política que chamarei de paradigma republicano, do qual também participa a geração que imediatamente lhes antecede, a dos fundadores da República. Entretanto, essas duas gerações atualizam o paradigma republicano de maneira distinta, encontrando-se nas diferenças precisamente o contraditório de suas disputas; mais do que isso, daí se abrem possibilidades para novas formulações, já não mais comprometidas com o velho paradigma fundador da República. A busca da percepção dessa dimensão maior, mais genérica, comum aos atores políticos republicanos, leva-me, porém, a outro confronto. Trata-se agora de perceber as diferenças entre dois grandes paradigmas do fazer político: o do Império, que expressou o tema educação por meio de alguns de seus críticos, e o da República, que enfrentou a questão a partir da geração de Vicente Licínio Cardoso. Liberato Barroso e Tavares Bastos, críticos da política imperial, situam a educação num amplo projeto de formação da cidadania nacional. Aquelas duas gerações dizem a mesma coisa quando falam de educação? Penso que não. A demonstração, porém, é difícil e requererá o descortino de significados que extrapolam o âmbito estritamente da história intelectual. A análise recorrerá então a uma história conceitual, como a define Koselleck (2006), pois é preciso se dar conta das virtualidades e dinâmicas do conceito.

    Numa primeira abordagem, sem qualquer consideração mais matizada no interior do paradigma republicano, antecipo que a proposição educacional desse paradigma vincula-se a uma matriz de pensamento, de fundamento sociológico, que formula tanto a ideia da exigência de incorporação do povo à nação como a da insuficiência do povo para o exercício da cidadania. Tal matriz, de espectro paradoxal, surge com a República, com base nas características que a constituíram. A questão educacional na República surge justamente de uma reflexão política sobre a fragilidade dos processos decisórios sustentados em um povo sem instrução. É importante notar que, se a questão nasce da reflexão política, o seu argumento é sociológico. Os dois supostos então referidos fundamentam-se em uma visão sociológica da política, vale dizer, em uma compreensão da política como fato social, reflexo das condições impostas pela sociedade, e com limitadas possibilidades de transformá-la.

    Não foi sob essa matriz que a questão da educação colocou-se no Império. De um ponto de vista da cultura política ou do paradigma do fazer político, ali se tratou, tanto entre liberais como conservadores, de pensar a reforma das instituições para captar a verdade do povo¹. Na concepção desse fazer político do Império, a política antecede a dimensão sociológica do povo. Busca-se a legitimidade do que se propõe pelo que a política é capaz de expressar da natureza da sociedade. A vertente conservadora fez isso mediante a centralidade monárquica que se expressou, seja pela regência centralizada da administração do Império, seja pela exacerbação da capacidade de intervenção do Poder Moderador. A finalidade de tal interferência, na alegação de Visconde de Uruguai, líder do Partido Conservador, é a continuidade da tradição para que se evite a mudança radical, brusca e revolucionária que se constituiria como negação de valores enraizados na sociedade (VISCONDE DE URUGUAI, 1960). Portanto, a política como dimensão de resgate da sociedade, porém de uma sociedade que se expressa legitimamente pelas suas facções. Sublinhando, trata-se de um fazer político que se efetiva por um processo de interação das partes. Uruguai justifica o Poder Moderador não enquanto violador do mecanismo partidário, mas dentro da tradição conservadora de continuidade e preservação, anteriormente referida, advinda talvez da influência de Edmond Burke². Há, portanto, no pensamento de Uruguai a exigência da legitimidade. Percebe-se que isso está na própria condição de ser da monarquia parlamentar, herdeira que é do princípio da legitimação pública, da mesma forma que os governos republicanos. O enraizamento dessa exigência em nossa história certamente pode ser buscado nas lutas políticas desde a Independência, nas lutas sufocadas pela imposição constitucional de 1824, porém retomadas a partir de 1831, com a renúncia do príncipe, e presentes em todo o período da Regência.

    Os liberais, por sua vez, especialmente a partir da crise do Gabinete Liberal de Zacarias (1868), não se limitaram a exercer o jogo político que legitima as facções em disputa, mas insistiram na denúncia dos mecanismos institucionais do Império que fragilizavam ou falsificavam a disputa política. A minha compreensão acerca do campo político liberal do Império remete a diferenciações no tempo histórico de constituição desse ator. A obra de Ilmar Rohloff de Mattos (1994) restringe-se ao Tempo Saquarema (1837-1862), quando o campo liberal foi expresso pelos luzias. Ela tem o mérito de destacar a diferenciação entre liberais e conservadores (luzias e saquaremas), demonstrando o comprometimento da política conservadora na montagem do Estado imperial. Nesse sentido, a obra de Mattos contraria vasta tradição interpretativa sobre o Império que não diferencia esses atores. Para o autor, há uma incapacidade dos liberais (os luzias) para fugirem da política conservadora por conta da subordinação de suas questões, ou não pertinência delas, perante as questões e respostas implementadas pelos conservadores. Antes de tudo, porque são os conservadores que dão as respostas consequentes diante do risco de ruptura colocado no âmago de uma estrutura de sociedade (escravagista, hierarquizada e hierarquizante), da qual os liberais são parte, incapazes de romper com os limites dessa estruturação. Os liberais não conseguem estar no governo do Estado porque insistem em privilegiar o governo da Casa, e ao fazê-lo distinguem-se tanto por uma negatividade quanto por um embaraço (MATTOS, 1994, p. 149).

    Penso que a análise pode estar correta para o período atribuído. Ela, porém, não dá conta da fase posterior, especialmente a partir de 1869, ou seja, a partir do Manifesto Liberal e da formação do Centro Liberal. A diferença estaria, segundo minha hipótese, em que, na nova fase, os liberais já não propõem mais simplesmente o recuo do Estado, ou mesmo do governo central, mas uma política que favoreça uma dimensão pública expandida, não restrita às elites do poder. Eles já não têm uma dimensão negativa da liberdade³.

    Assim, se tomarmos como expressão legítima do pensamento liberal no Império, naquela nova fase, o que foi formulado pelo Centro Liberal, surgido da crise de 1868, formado por políticos de extração conservadora, designados de progressistas, e por políticos liberais, chamados de históricos, afirmo que ali se constituiu uma dimensão inédita da política nacional. Por um lado, tornou-se mais intensa a luta pela urgência de reformas institucionais, que não apenas moralizassem a política, mas que impedissem também o funcionamento dos mecanismos de poder que falsificavam o jogo político. É nesse aspecto que a política é vista pelos liberais como resgate da sociedade, do fulcro de verdade que nela está instalado. Participam, assim, da matriz da cultura política do Império, de busca da verdade do povo, ainda que por caminhos inversos aos conservadores que apregoavam a exacerbação do controle. Pode-se dizer também que ali surgiu uma proposta consistente de reforma social, de caráter emancipacionista, e que aponta para a formação de uma cidadania nacional em longo prazo, única forma possível de dar substância social ao jogo político⁴.

    Na concepção desses liberais, a educação vincula-se intrinsecamente aos temas das reformas institucionais propostas, que traziam a crença na capacidade de intervenção política do povo, quando não submetido aos mecanismos do poder central que alimentavam o arbítrio do domínio social local; ao contrário de como os conservadores concebiam as reformas, que viam na intervenção do poder imperial o único contraponto a esse domínio. Para alguns liberais mais radicais, como Tavares Bastos, a expansão educacional se constituía como uma das dimensões básicas da formação de uma cidadania nacional, com outras reformas sociais, como a necessária reforma da estrutura agrária, mas sobretudo a urgentíssima eliminação do trabalho servil. Para esse autor e político liberal, as reformas sociais devem atingir o trabalhador escravo tanto na abolição da condição servil como no acesso aos bens promovidos pelas reformas (BASTOS, s/d., p. 145-160). Elas sinalizam, assim, outra estratégia de realização da nação, marcada pela extensão dos bens sociais ao povo e pela natural expansão política de sua participação. Diria, sem receio, contrariando muitos intérpretes, de Euclides da Cunha a Guerreiro Ramos, passando por Oliveira Vianna, bem como outros mais contemporâneos, que foram as expressões liberais do Império, tanto do Partido Liberal como do Conservador, emancipadores e depois abolicionistas, que expressaram o que há de mais realista na política nacional de então, contrariamente às imputações de idealistas feitas por aqueles autores⁵.

    O que muda, com a República, quanto ao processo do fazer político? Essa é uma questão difícil para a qual pretendo aqui apenas esboçar, ajudado por intérpretes mais específicos do período, uma possível resposta. Passado o período de anarquia e incertezas que durou até o final do governo de Prudente de Morais, como analisa Renato Lessa, a estabilidade republicana estabeleceu-se com Campos Sales, por meio do modelo de política conhecido como política dos governadores (LESSA, 1988, especialmente capítulo 6). Para José Murilo de Carvalho, tratou-se mais do que nunca de colocar no palco político os que têm força para exercê-la, numa concepção liberal pré-democrática, darwinista, reforçadora do poder oligárquico, afinada com o modelo contratual de liberalismo dominante na política (CARVALHO, 1987, p. 161-163). É precisamente na crítica a esse modelo de República que se forjará o pensamento da geração dos críticos republicanos.

    A instalação da República, porém, apresentou questões institucionais e valorativas mais genéricas, quais sejam, aquelas que se explicitaram com o primeiro modelo político que trouxe estabilidade à República. Do ponto de vista da cultura política, a questão da construção da nação apresentou-se logo em seus primórdios. Buscarei mais adiante a compreensão dessa prevalência, o que me levará a uma reflexão sobre a mutação do pensamento político, a começar pelo modo como se deu o processo de independência nacional. Por ora, destaco que a questão da construção da nação desdobra-se em duas ideias a ela vinculadas, às quais já me referi:

    1. a exigência da incorporação do povo à nação;

    2. a insuficiência do povo para o exercício da cidadania.

    Trata-se de ideias matriciais que estruturam o pensamento republicano até o período que é objeto deste capítulo. Imagino que esse campo valorativo paradigmático possui virtualidade que se atualiza de modos distintos. O ideário do modelo político de Campos Sales é uma de suas formas de atualização. Outra possibilidade será a de seus críticos: a geração dos críticos republicanos.

    1. As duas dimensões valorativas do paradigma republicano

    Assinalo, de início, que se preserva nas diferentes atualizações do paradigma republicano a raiz comum: a ideia de incorporação do povo à nação, bem como a da insuficiência do povo, fazendo a matriz republicana distinta da do Império. Desde a justificação do nascimento da República como fruto do amadurecimento gradativo da sociedade, como aparece em Euclides da Cunha⁶, ou ainda em suas análises sobre a etnia do povo brasileiro como fulcro do dualismo básico, litoral e sertão, que nos conformaria, passando pelas considerações relativas à má qualidade moral dos políticos dirigentes da nação, expressa pelos doutrinadores liberais, como os chamou Wanderley Guilherme dos Santos, ou ainda nas considerações de Alberto Torres sobre as dificuldades de constituir sociedade nas novas nações que nascem da exploração colonial, chegando às sofisticadas análises de Oliveira Vianna sobre a impossibilidade de uma política liberal em uma sociedade não liberal, mas clânica, parental… Enfim, todas essas reflexões são herdeiras de um mesmo paradigma de pensamento, de caráter sociológico, que aponta para a insuficiência do povo para o exercício da cidadania, no seu sentido clássico, europeu. A despeito de toda a crítica desses autores à impropriedade das importações políticas, teóricas e culturais, ainda assim eles são herdeiros, no contraponto, do velho referencial de medida⁷.

    Mas o que faz a matriz de cultura política da República tão distinta da do Império? José Murilo de Carvalho, em A formação das almas, afirma que a busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, seria tarefa que iria perseguir a geração intelectual da 1ª República (CARVALHO, 1990, p. 32). A obra de Alberto Torres está fortemente comprometida com essa busca de formação da nação brasileira. A minha leitura do autor leva-me exatamente a destacar sobretudo essa dimensão da nação, mais do que a do Estado, a despeito de todos os traços autoritários, de hiperbolização do Estado, contidos em sua obra. Antes, porém, de tecer considerações sobre a obra de Alberto Torres, cabe a pergunta: O que faz da construção da nação a questão por excelência daquela geração de intelectuais da Primeira República?

    A resposta precisa ser buscada num retrospecto da cultura política, a começar pelo entendimento do processo de independência nacional. Parece-me pertinente o que uma historiografia brasileira mais contemporânea assinala, referindo-se ao caráter diferenciado de nossa independência, quando confrontado com outros movimentos de independência nacional. Aqui não ocorreu o processo clássico de luta anticolonial, como nos demais países latino-americanos, e mais contemporaneamente em países africanos e asiáticos. Tratou-se de um caso inédito de transferência da metrópole para a colônia, inaugurando a partir de então o processo de independência (MATTOSO, 1992; ENDERS, 1992). Um traço profundo dos acontecimentos ocorridos de 1808 a 1831 é a continuidade das elites políticas que encabeçam todo o processo da independência, bem como a homogeneidade, não tanto social, mas ideológica de sua composição⁸. Os historiadores destacam que havia mais identidade dessa elite com a da antiga metrópole que com os diferentes grupos sociais internos que viriam formar a nacionalidade brasileira. Em relação ao período imperial, o compromisso da elite política com os grandes proprietários agrários, de manutenção da escravidão, é fator suficientemente forte para marcar uma diátese social interna dificultadora do ideal de nacionalidade. Em contrapartida, como explica José Murilo de Carvalho, a homogeneidade da elite pela educação comum na tradição do absolutismo português e pela participação na burocracia estatal fazia com que o fortalecimento do Estado constituísse para ela não só um valor político como também um interesse material muito concreto (CARVALHO, 1996a, p. 317).

    As razões citadas anteriormente, conforme tratadas por historiadores e cientistas políticos, apontam para as dificuldades no surgimento da ideia de nação no período imperial, ali prevalecendo questões relativas à construção do Estado. Aparentemente, trata-se de um paradoxo para a interpretação que aqui elucido: justo na fase histórica em que a matriz do fazer político consiste na compreensão da representação política como devendo retratar a verdade da sociedade, colocaram-se fundamentalmente as questões sobre o fortalecimento da centralidade, que são aquelas relativas à unidade nacional e à construção institucional. Afirmo, entretanto, que essas questões e seus critérios não sufocaram os temas da representação que perpassaram numerosos debates parlamentares tanto nos gabinetes conservadores quanto nos liberais⁹. O paradoxo aparente explica-se: a construção do Estado, ou o exercício da prática da centralidade, ainda que deixasse de lado as questões relativas à ampliação cívica da nação, não pretendeu a tutoria do povo. A comprovação da afirmativa está no fato de que as questões sobre a representação não apenas se expressaram no Império, mas chegaram até mesmo a prevalecer quando se confrontaram com o controle estatal sobre a representação, como demonstram as reformas eleitorais do Marquês de Paraná em 1855 (NABUCO, 1997, p. 199-208; CARVALHO, 1996b, p. 364).

    O fim do Império, na leitura que faço, está fundamentalmente relacionado com a incapacidade de renovação de suas bases sociais de apoio. A exacerbação do Poder Moderador não se explicaria estritamente pelo predomínio das funções do Estado no estabelecimento da ordem. O aspecto simbólico desse poder o remete ao resgate da dimensão holística da nação, suposta a impossibilidade do jogo político parlamentar de expressá-la sempre a contento. Em contrapartida, segundo Joaquim Nabuco, a interferência do Poder Moderador, a despeito de se fazer em nome da nação, resulta no enfraquecimento da política parlamentar, transformando-a num jogo ficcional ao qual chamou de teatro de sombras. Esse raciocínio induz à percepção de que o excesso de representação do Poder Moderador relaciona-se precisamente com a preservação da restrição da dimensão cívica da nação, pois é exatamente esse aspecto que impossibilitaria que a política parlamentar adquirisse substância e renovação. O alargamento da representação da nação seria inversamente proporcional à capacidade de interferência desse poder. Assim o perceberam os líderes do Centro Liberal, que estiveram à frente do Manifesto Liberal de 1869 (ARAÚJO, 1979), mais tarde, também os líderes do movimento abolicionista, encabeçado por Joaquim Nabuco.

    Parece-me que nesse entendimento está um aspecto importante da significação do fazer político do Império e, por meio dele, a possibilidade de percepção dos limites de qualquer ideia de nacionalidade pensada nos termos daquela estrutura constitucional. Se é assim, o advento da República não traz apenas um ideal de maior universalidade da cidadania; ele explode, no plano ideal, com qualquer concepção de representação da nação para além de sua expressão cidadã. É nesse novo contexto de cultura política agora republicana que surge a ideia de incorporação do povo à nação. Essa é uma exigência para um projeto de nação a ser constituída, já que nada mais há, além do povo, para ser colocado em seu lugar. O ideal de incorporação aponta para políticas de longo prazo que se façam nesse sentido. À dimensão temporal das políticas de longo prazo, por sua vez, prende-se a percepção de que a cidadania entre nós está longe de ser plena, nos termos em que essa plenitude poderia ser pensada naquele

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