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Desafios e perspectivas das ciências humanas na atuação e na formação docente
Desafios e perspectivas das ciências humanas na atuação e na formação docente
Desafios e perspectivas das ciências humanas na atuação e na formação docente
E-book496 páginas6 horas

Desafios e perspectivas das ciências humanas na atuação e na formação docente

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Sobre este e-book

Pesquisadores de diferentes áreas de formação e linhas de atuação apresentam suas experiências docentes em espaços e campos de ensino diversos. Este livro se destina a professores de diferentes áreas, níveis e modalidades de ensino, assim como aos estudantes de cursos de licenciatura. Os autores são professores do ensino superior que se propuseram a pensar sobre sua prática em diferentes cursos de graduação. Os textos apresentados tratam de paradigmas de ensino, ferramentas, instrumentos e estratégias de docência, além de questões contemporâneas com as quais os professores se deparam em sala de aula.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de abr. de 2014
ISBN9788581483627
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    Desafios e perspectivas das ciências humanas na atuação e na formação docente - Eraldo Leme Batista

    instrumento.

    Prefácio

    Há mais de quatro décadas as ciências humanas se debruçam em um amplo debate em torno daquilo que se convencionou chamar de crise dos paradigmas. A premissa da discussão parte da compreensão de que as antigas estruturas de organização da vida social já não correspondiam às demandas vindas da própria sociedade. Existiria, portanto, um descompasso entre as instituições e os organismos sociais que as mesmas deveriam representar. O efeito prático disso estaria na verificação da ineficácia do Estado-nação, passando pela crise da família, dos modelos políticos ideológicos vigentes e atingindo, até mesmo, as formulações sobre a identidade e a alteridade.

    Para o historiador Michel de Certeau, os eventos protagonizados pelos jovens estudantes franceses no famoso Maio de 1968 exemplificam substancialmente esta crise. Ainda que objetivamente questionassem o acesso das camadas populares às universidades, a estrutura hierarquizada das cátedras e a infalibilidade do conhecimento científico produzido pela academia, numa perspectiva mais ampla, o movimento estudantil tocava em pontos nevrálgicos do mundo ocidental, como: a capacidade do Estado-nação de representar e defender seus cidadãos, a relação hierárquica do poder e a supervalorização da razão. Tais reivindicações deixavam claro que o modelo educacional, bem como o social, deveria ter mecanismos menos rígidos de interação, propondo uma superação da concepção uniformizadora da educação e do papel passivo do cidadão. Assim, ao mesmo tempo em que questionavam a hierarquia de seus professores, também o faziam em relação às demais interações interpessoais: pais e filhos, jovens e idosos, patrões e empregados, e assim por diante.

    A partir de então muitos trabalhos passaram a discutir de maneira teórica os novos rumos da educação diante da realidade de questionamento de sua estrutura piramidal e do acesso escalonado ao conhecimento. Ao mesmo tempo, a expansão da democracia como sistema político ideal para o Ocidente e o brutal impacto das tecnologias da informação no cotidiano das relações pessoais e profissionais, pressionaram ainda mais a necessidade de se encontrar uma interpretação não vertical para o processo de ensino-aprendizagem. O professor e a escola, assim como o saber, deveriam perder seus aspectos de autoridades do conhecimento e se inserir num modelo de construção interativa e coletiva do conhecimento. No campo da educação, o tema da quebra de paradigmas norteou a produção de autores e títulos em busca de se estabelecer uma forma de aprendizagem que contemplasse as novas demandas de uma sociedade mais participativa, como demonstram as obras de Edgar Morin, Pierre Levy e Maurice Tardif.

    É justamente na esteira dessas preocupações que se insere o livro Desafios e perspectivas das Ciências Humanas na Atuação e na Formação Docente, organizado por Eraldo Leme Batista, Semíramis Corsi Silva e Tatiana Noronha de Souza. Conforme o próprio título sugere, trata-se de uma obra que apresenta a reflexão de autores oriundos de várias áreas das ciências humanas e que possuem um grande propósito: pensar a atuação e a formação do docente diante das necessidades da educação contemporânea. O diferencial deste livro está no enfoque dado ao professor. Muito mais do que literatos, geógrafos, filósofos, pedagogos, antropólogos, historiadores ou sociólogos, as reflexões partem do ponto de vista do educador ao mesmo tempo em que, a partir de suas áreas, elaboram interpretações sobre o mesmo.

    É muito interessante folhear as páginas deste livro e perceber que, ao invés de grandes ensinamentos ou lições de moral sobre o que um professor deve ou não fazer, o que encontramos são profissionais pensando suas práticas docentes à luz de sua própria formação, compartilhando estratégias pedagógicas e revelando erros e acertos de suas atuações, sem perder de vista as teorias que as fundamentam. Por conta disso, engana-se quem imagina que, por ter um enfoque centrado na prática e na formação do professor, o livro corresponde a um manual de regras e estratégias que pouco leva em conta a participação do aluno nesta dinâmica. Ao contrário, a relação professor/aluno é encarada de maneira dialética e, por isso, as preocupações dos docentes devem ser compreendidas como frutos das inquietações de seus discentes e sua herança sociocultural.

    Neste sentido, a palavra desafio contida no título deste trabalho não está lá apenas com o intuito de instigar o público leitor. Está, pois os textos apresentados são resultado da tentativa de seus autores superarem obstáculos educativos encontrados em seu cotidiano profissional e estabelecer uma prática educacional que se ajuste às necessidades de seu tempo. Assim, as temáticas desenvolvidas não se dão apenas com o propósito de se discutir métodos, teorias, técnicas de ensino, mas também de apresentar as barreiras encontradas em sua vida profissional, como: a diversidade e preconceitos étnicos no ambiente escolar; os descompassos entre a legislação, os regimentos escolares e a prática docente, o uso de novas plataformas de ensino, como a educação a distância; a função social do professor diante das tramas da modernidade; e a constante formação do educador num mundo de assombrosa velocidade informacional.

    Para finalizar, uma advertência: uma falsa sensação que este prefácio pode causar é a de que os autores estão vinculados a uma linha de educação pós-modernista. Ainda que a temática da diversidade, das tecnologias, da descontextualização do ensino e a relativização dos enfoques pedagógicos estejam presentes no horizonte problemático dos autores, os textos possuem uma carga crítica sobre a relação do ensino com as estruturas econômicas, políticas e filosóficas da sociedade. Capitalismo e mercado não estão alheios à compreensão de sociedade e cultura e, portanto, a educação é pensada em seus objetivos sociais e ideológicos.

    Para os educadores, sempre em formação, a leitura de Desafios e perspectivas das Ciências Humanas na Atuação e na Formação Docenteé altamente recomendável, uma vez que, em tempos em que as ciências humanas falam muito sobre discursos de relatividade cultural e da necessidade de se construir um novo olhar sobre a alteridade, é muito bom poder compartilhar das experiências e reflexões de professores sobre os seus problemas, os nossos problemas.

    Franca, 08 de setembro de 2011.

    Marcos Sorrilha Pinheiro

    Departamento de História

    Universidade Estadual Paulista – UNESP/Franca

    Apresentação

    Nos últimos trintas anos intensificou-se a produção teórica e empírica sobre a formação e atuação de professores dos diferentes níveis de ensino. Acreditamos que tal fato tenha ocorrido, especialmente, devido à democratização da educação básica em nosso país, reforçada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB de 1996. Nessa esteira, percebemos um aumento substancial na oferta de cursos superiores de formação de professores. No entanto, tal democratização vem sendo acompanhada por uma preocupação com a qualidade do ensino ofertado, que reflete e é refletida pela formação do profissional educador.

    Dentro desta preocupação encontra-se Desafios e perspectivas das Ciências Humanas na Atuação e na Formação Docente, umacoletânea de textos de professores de diferentes áreas de formação e linhas de atuação que visam apresentar experiências docentes em espaços e campos de ensino. Este livro se destina a professores de diferentes áreas, níveis e modalidades, assim como está voltado também a estudantes de cursos de licenciatura preocupados com a qualidade de sua prática.

    Os autores dos textos são professores do ensino superior que se propuseram a pensar sobre sua prática em diferentes cursos de graduação voltados para a formação e futura atuação de docentes da educação básica. Neste sentido, os textos aqui apresentados tratam de paradigmas de ensino, ferramentas, instrumentos e estratégias de atuação docente, além de questões contemporâneas com as quais os professores se deparam em sala de aula. Desta forma, o leitor irá se deparar com uma multiplicidade de caminhos metodológicos e abordagens teóricas, encontrando análises sobre desafios e estratégias da atuação do docente no ensino superior, a formação em Pedagogia e de professores de Filosofia, Sociologia, Geografia, História, Literatura e Artes, reflexões sobre temas atuais, tais como as diferenças dentro da sala de aula e o preparo do docente para lidar com as mesmas, a qualidade das interações professor-aluno na relação ensino-aprendizagem e a docência e formação de professores no ensino a distância.

    O livro é composto por três partes articuladas em torno de paradigmas e desafios na formação docente, instrumentos e estratégias na prática do professor e estudos sobre o uso de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. Embora os textos estejam divididos em três partes com temas específicos, os mesmos continuam articulados em torno do desafio de formar bons professores, capazes de refletir sobre ações cotidianas, repensar e criar novas estratégias que repercutam em um ensino efetivo e prazeroso.

    A primeira parte do livro, Ciências Humanas e Formação Docente: reflexões sobre paradigmas, desafios e contribuições pedagógicas, é composta por seis capítulos. O capítulo 1, de Tatiana Noronha de Souza, utiliza-se da discussão trazida por Selma Garrido Pimenta para tratar os desafios para a melhoria das práticas de ensino do docente universitário. O capítulo 2, de Fábio Pestana Ramos, traz diferentes referências acerca da formação dos professores de Filosofia para refletir sobre a atuação dos mesmos em sala de aula. O capítulo 3, de Karina Elizabeth Serrazes, trata do ensino de História na formação de professores que irão atuar no Ciclo I e no Ciclo 2, assim, este texto reflete tanto sobre graduandos em Pedagogia, quanto graduandos em cursos de História. Para tanto, o texto do capítulo 3 utiliza-se de documentos oficiais produzidos pelo Ministério da Educação, assim como perspectivas de diferentes autores formadores de docentes. O capítulo 4, de Renata Belleboni Rodrigues e Semíramis Corsi Silva, objetivou refletir sobre a disciplina de História Antiga nos currículos dos cursos de licenciatura em História. Este texto discute a atualidade do ensino de História Antiga, suas especificidades, além de aspectos importantes do mesmo, como definições e usos de certos conceitos em sala de aula. O capítulo 5, de Fernando de Figueiredo Balieiro e Karina Almeida de Sousa, parte de uma perspectiva metodológica da Sociologia das Diferenças, visando contribuir para a formação de professores, no sentido de alargar os olhares para as diferenças que compõem o cenário escolar. O capítulo 6, de Marcelo Donizete da Silva, tem como objetivo compreender os fundamentos conceituais da teoria da complexidade e seu papel de base nos discursos educacionais contemporâneos.

    A segunda parte do livro, Atuação docente e competências do professor: instrumentos, estratégias e práticas de ensino em análise, é composta por cinco capítulos. O capítulo 7, de Eraldo Leme Batista e Gustavo Henrique Cepolini Ferreira, objetiva refletir sobre metodologias de trabalho de campo e estudos do meio na formação do educador, analisando tais atividades em um estudo de caso de dois cursos de licenciatura em Geografia e História. O capítulo 8, de Renato Alessandro dos Santos, objetiva auxiliar docentes para a formação de leitores por meio de um relato de experiência do autor. O capítulo 9, de Mary Del Priore e Fábio Pestana Ramos, trata as biografias e trajetórias individuais dentro do trabalho em sala de aula de professores de História, Filosofia e Sociologia. O capítulo 10, de Taciana Mirna Sambrano e Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula Lopes, apresenta parte de uma pesquisa de campo que trata dos estilos interativos do professor de educação infantil por meio de uso de instrumentos de observação. O capítulo 11, de Everton Luis Sanches e Maria Cecília Oliveira Adão, discute as possibilidades do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, para os alunos de graduação, por meio de um estudo com base na lei que regulamenta essa disciplina. Tal texto relata uma experiência em um curso de licenciatura em Artes.

    A terceira parte do livro, Tecnologias e Processo de Ensino-Aprendizagem: estudos sobre formação e atuação docente, apresenta cinco capítulos. No capítulo 12, de Ricardo Basílio Dalla Vecchia, temos a possibilidade de refletir sobre o papel do professor na era da técnica, assim como retomar as origens da mesma e suas características na Era Moderna. O capítulo 13, de Ricardo Boone Wotckoski e Nilvânia Aparecida Spressola, visa tratar os desafios e as especificidades da docência e tutoria na Educação a Distância. O capítulo 14, de Andréa Vettorassi, parte de alguns conceitos construídos pelo sociólogo Erving Goffman visando refletir sobre a relação entre docentes e discentes no universo da educação a distância. O capítulo 15, de Nilvânia Aparecida Spressola, apresenta um instrumental para mensurar competências dos tutores em educação a distância para subsidiar a gestão de tutorias de instituições de ensino. Finalmente, o capítulo 15, que encerra esse livro, de autoria de Pricila Bertanha e Eraldo Leme Batista, apresenta um relato de experiência do uso do instrumento avaliativo portfólio como apoio à avaliação da aprendizagem em um curso de Licenciatura em Pedagogia.

    Com isso, esperamos que os textos reunidos neste livro possam subsidiar a formação de professores, assim como a reflexão sobre a prática docente de profissionais de diferentes áreas das Ciências Humanas, com vistas à melhoria da qualidade da educação.

    Os organizadores.

    1ª Parte

    Ciências humanas e formação docente: reflexões sobre paradigmas, desafios e contribuições pedagógicas

    Formação do professor universitário: desafios para a melhoria da qualidade das práticas de ensino

    Tatiana Noronha de Souza¹

    Nos últimos anos, a discussão sobre docência no ensino superior vem ganhando destaque na sociedade brasileira. Isso pode ser observado pelo volume de publicações, e pelo espaço destinado ao tema em vários congressos, além do surgimento de cursos de especialização voltados à docência nesse nível de ensino.

    Várias são as razões que impulsionam a discussão deste tema, dentre elas, a preocupação com a formação profissional oferecida em nível superior. Essa preocupação ganha relevância ao se constatar o baixo nível de qualidade da formação dos egressos do ensino superior no Brasil, resultado também de uma expansão desenfreada, iniciada na década de 1990.

    Essa queda da qualidade do ensino é tratada por vários pesquisadores que analisam os efeitos na educação, da presença de políticas neoliberais que advogam pela diminuição da participação do Estado no oferecimento e controle da qualidade do ensino, seja ele básico ou superior (DE TOMMASI; WARDE; HADDAD, 1998). Essa queda da qualidade do ensino superior pode ser vista tanto na rede privada quanto na rede pública, contudo, suas características são diversas, tendo em vista as diferentes condições de entrada e permanência dos alunos, durante a graduação, assim como as condições de trabalho dos docentes.

    Nesse contexto de preocupação com a qualidade da formação oferecida no ensino superior, é necessário refletir sobre aspectos que promovem e dificultam o desenvolvimento da formação continuada dos docentes universitários, em prol de práticas pedagógicas ajustadas às necessidades de ensino-aprendizagem dos alunos.

    Para tanto, o capítulo foi organizado da seguinte maneira: inicialmente são apresentados Alguns desafios para a melhoria das práticas pedagógicas nas Instituições de Ensino Superior, posteriormente apontamos Saberes necessários ao ato de ensinar. Em seguida, apresenta-se uma reflexão em torno dos Novos alunos e a necessidade de novas práticas pedagógicas, e A formação continuada de professores universitários. Ao final, são apresentadas as considerações acerca da formação docente nas Instituições de Ensino Superior.

    1. Alguns desafios para a melhoria da qualidade das práticas pedagógicas nas Instituições de Ensino Superior – IES

    Longe de abarcar todos os problemas que envolvem a qualidade do ensino superior, tais como os aspectos políticos, econômicos, sociais, históricos e pedagógicos, foram selecionados aqueles que podem sofrer intervenção em níveis locais.

    Dentro de um universo de problemas relacionados ao ensino superior brasileiro, destaca-se a baixa qualidade na formação de professores universitários no que diz respeito aos conhecimentos básicos necessários para ensinar. Neste caso, verifica-se, assistematicamente, um grande número de professores bacharéis (além de licenciados malformados) que desprezam as disciplinas pedagógicas que tratam dos processos de ensino. Desse modo, atuar na formação de docentes do ensino superior tem se mostrado um desafio extremamente complexo, que precisará de um bom tempo para construir um repertório de conhecimentos específicos visando ao trabalho com esse público.

    Ao participar de formações continuadas de professores verificamos que grande parte dos docentes assume a postura de que não precisa aprender mais nada. Muitos consideram como inúteis os conhecimentos advindos da Pedagogia e da Psicologia, e encaram as reuniões para formação continuada como entediantes. Diante dessa realidade, como ainda conseguem pensar que sabem ensinar?

    Essa postura é assumida por muitos bacharéis e, infelizmente, ainda conta com o apoio de licenciados, evidentemente malformados. O que esses profissionais realmente entendem sobre o que é a Pedagogia? O que conhecem sobre Psicologia da Educação? Absolutamente nada, muito provavelmente. Qualquer profissional bem formado, que conheça os fundamentos principais dessas duas ciências, jamais se posicionaria de maneira preconceituosa; ao contrário, refletiria sobre esses conhecimentos, como forma de instrumentalizar a sua ação.

    Esse descompromisso com a formação pedagógica é reforçado pelo sistema de gestão de Instituições de Ensino Superior – IES, tanto públicas quanto privadas. Ao indicarem para cargos de coordenação pedagógica bacharéis sem formação pedagógica, ou licenciados malformados, descaracterizam completamente a função daquele que deveria coordenar as ações de ensino-aprendizagem de um curso. Verifica-se, então, um imenso contingente de coordenadores pedagógicos que se tornam verdadeiros burocratas, que servem de mediadores de exigências burocráticas institucionais, e jamais promovem a reflexão coletiva sobre o curso. Evidentemente, nesse grupo, encontram-se iniciativas isoladas de muitos bacharéis e licenciados que encaram o desafio, disponibilizando-se em aprender o ofício de coordenar pedagogicamente um curso.

    Em função de exigências do Ministério da Educação, muitas IES já implantaram projetos para formação de professores, assim como cursos sobre docência no ensino superior, a fim de melhorar a qualidade da formação pedagógica dos professores. Observa-se, de início, uma adesão muito mais preocupada em responder aos desejos da instituição, para manutenção do emprego, do que um real interesse dos professores em refletir acerca das próprias práticas.

    Essa postura de rejeição ao conhecimento advindo das ciências da educação, muito provavelmente, se apoia em ideias preconcebidas acerca do ato de ensinar. Essas ideias se materializam na postura do professor frente às propostas de formação continuada. Diante dessa realidade nos perguntamos: se o ato de ensinar é algo complexo, por que muitos consideram que não necessitam de um repertório de conhecimentos específicos para fazê-lo?

    O ato de ensinar, desde a Grécia Antiga, tem um papel fundamental na formação e organização das sociedades. Entretanto, infelizmente, sabe-se muito pouco sobre os aspectos que são inerentes ao processo de ensino. Um desses aspectos é o fato de mal se identificar quais são as ações do docente que exercem influência concreta e objetiva na aprendizagem dos alunos (GAUTHIER, 1998)

    O fato é que o conhecimento desses aspectos relativos ao saber profissional docente é a condição sine qua non para o sucesso do processo de ensino. Dessa forma, inúmeros pesquisadores se empenham em identificar o que é fundamental saber para que se possa ensinar. Gauthier (1998) aponta que as pesquisas realizadas desde o início do século XX podem ser compreendidas como instrumento de autoconhecimento do docente, no sentido de identificar o que constitui sua identidade, seus saberes, habilidades e atitudes envolvidas na ação pedagógica. O que se observa nos últimos anos é um empenho maior na realização de pesquisas, em sala de aula, que descrevam diferentes práticas. Entretanto, verifica-se que esses dados ainda não são suficientes para apresentar resultados convincentes, tendo em vista que, a cada dia, verifica-se o alto nível de complexidade que envolve as ações de ensino-aprendizagem.

    Ao promover uma reflexão sobre o repertório de conhecimentos próprios ao ato de ensinar, Gauthier (1998, p. 12) discute algumas ideias preconcebidas que mantêm o ato de ensinar em uma cegueira conceitual, e que acreditamos que devam ser constantemente combatidas. Essas ideias promovem um desserviço ao ato de ensinar e advogam que, para o professor, basta: saber o conteúdo, ter talento, ter bom-senso, seguir a intuição, ter experiência e ter cultura.

    O autor inicia pela ideia de que basta saber o conteúdo. Neste caso, grande parte das pessoas ainda pensa que o saber algo implica em saber ensinar, deste modo, os saberes necessários para ensinar ficam reduzidos ao conhecimento do conteúdo de determinado assunto. Seria possível pensar que, por saber ler e escrever, isso já dá condições de ensinar qualquer um a ler e escrever? Acreditamos que não, pois, para saber ensinar é necessário adquirir conhecimentos que vão além do conteúdo da matéria, tais como saber planejar as estratégias adequadas e avaliar suas ações constantemente. Defendemos que esse saber pode ser comparado ao ofício de um pesquisador que se preocupa com o conhecimento das variáveis presentes em seus experimentos, de forma a considerá-las e, quando possível, controlá-las.

    Quanto à ideia de que basta ter talento, percebemos que a mesma pode ser associada também à noção de dom, uma naturalização do saber profissional: ou se sabe ou não se sabe. Todavia, Gauthier indica que a necessidade de talento existe em qualquer profissão, mas esse talento só pode ser construído mediante a reflexão de seu próprio fazer, ao praticar habilidades específicas e nutrir-se de novos conhecimentos. Com relação à ideia de que bastaria ter bom-senso, a consciência de que o senso é plural e de que ele varia de acordo com as perspectivas do contexto já mostra que poderá ter inúmeras variações. Essas variações, associadas à realidade da educação, plena de conflitos, jamais vão encontrar uma unidade de ações. Tendemos a acreditar que se trata de uma afirmação um quanto tanto nefasta para a educação, considerando que:

    [...] clamar pelo bom senso é simplesmente colocar em evidência, de maneira retórica, a sua própria posição e desqualificar a do outro, pois, quando os apóstolos do bom senso proclamam a sua necessidade, estão exigindo, na verdade, a adesão ao seu próprio ponto de vista em detrimento do de seus adversários. Mais insidiosa ainda é a ideia daí decorrente – também defendida por esse discurso a favor do bom senso – de que não há nada para aprender no ensino, que qualquer um que dê provas de bom senso pode ser bem sucedido. (GAUTHIER, 1998, p. 14)

    Verifica-se, então, que esse discurso desconsidera, totalmente, a necessidade da aquisição de um arcabouço de conhecimentos para que se saiba ensinar, ou ainda pior, que não existe esse repertório de conhecimentos necessários à realização do ensino. Para ensinar, bastaria usar a capacidade de discernir o certo do errado; no entanto, como bem apontado pelo autor, para usarmos o discernimento é necessário que nos apoiemos em conhecimentos. Esses conhecimentos devem ser cientificamente construídos e não em concepções pautadas no senso comum.

    Quanto à ideia de que basta seguir a intuição, Gauthier aponta que se trata de uma negação do saber, no sentido de que implica em seguir mensagens da consciência, fazendo o sujeito seguir um comando interior, sem que o mesmo passe por uma deliberação racional, num abandono completo do senso crítico (GAUTHIER, 1998, p. 14).

    Outra ideia predominante, infelizmente, é a de que basta ter experiência para ensinar. Neste caso, não negamos totalmente o saber da experiência para qualquer prática profissional, mas apenas ela não basta. Todo saber profissional precisa ser orientado por um saber construído e formalizado, que vai servir de norteador das ações, no seu acompanhamento e na avaliação e busca de soluções. A prática pela prática, sem o exercício reflexivo de articulação com o conhecimento formal, é acéfala. Não permite a revisão das ações, frente ao que já foi conquistado de conhecimento na área.

    A última ideia equivocada, apresentada pelo autor, refere-se à de que basta ter cultura para saber ensinar. Neste caso, conhecer os grandes clássicos e ser erudito seriam características que dariam as condições para saber ensinar. Entretanto, apesar de concordarmos que ter um repertório cultural amplo é importantíssimo para se ensinar, de maneira alguma podemos considerá-lo como condição que garante saber como ensinar. Um exemplo recorrente disto pode ser verificado nos discursos de muitos estudantes "Esse professor sabe muito, mas não sabe passar...".

    Verificamos, então, que essas ideias preconcebidas sempre colaboraram, e ainda colaboram, para a não construção de saberes acerca do ofício de ensinar. Por outro lado, ao longo do século XX, algumas iniciativas que buscavam a construção desses saberes específicos acerca do ensinar não consideravam o professor real, que está na sala de aula. Construiu-se, assim, um vasto repertório de propostas e ações que colocavam professores em situações fictícias, sem as variáveis existentes na sala de aula real. Isso reforça enormemente o discurso, também equivocado, de que "na teoria é uma coisa e na prática é outra", ditocomizando aquilo que não pode ser dicotomizado, mas tratado como duas faces da mesma moeda. Agrega-se a isso, a visão, por parte dos professores, de que a pesquisa universitária em nada pode ajudar e, por essa razão, continuam se apoiando unicamente nas próprias experiências. Tem-se aí uma situação verdadeiramente caótica: as ideias preconcebidas impedem o desenvolvimento do conhecimento específico acerca do que é ensinar, e a pesquisa científica nega as condições complexas que envolvem as situações de ensino, não produzindo conhecimento científico que possa ser útil aos professores.

    O que se verifica é a construção de uma teoria, para uma situação determinada, com uma série de variáveis controladas. Somente no final do século XX houve um aumento de pesquisas na sala de aula real para que se pudesse debater e pensar em ações de ensino na sala de aula que temos. Isso não significa que acreditamos que, independentemente das condições de trabalho, o professor pode ser um bom estrategista e ter sucesso na sua prática pedagógica. Neste caso, pensando no ensino superior, salas contendo acima de cinquenta alunos tornam a prática pedagógica, ajustada às necessidades de aprendizagem dos alunos, algo impraticável. Uma perspectiva de ensino que discute a estratégia, mas não considera as condições de produção do trabalho, nos remete ao antigo tecnicismo, que coloca o poder das estratégias e materiais como aspecto principal para vencer os desafios do ensino.

    O mais preocupante é que se trata de um discurso não limitado aos docentes bacharéis, que não tiveram formação pedagógica específica. Infelizmente, também está presente no discurso de licenciados. Perguntamo-nos então: como está sendo feita a formação de professores, tanto voltada para a educação básica quanto superior, se não conseguimos desconstruir essas ideias preconcebidas? O que cursos de especialização, mestrado e doutorado têm acrescentado à formação desses profissionais? São pressupostos que acabam por negar a necessidade de estabelecer uma reflexão contínua sobre os saberes necessários à profissão docente.

    2. Saberes necessários ao ato de ensinar

    Autores como Tardif, Lessard e Lahaye (1991) apontam que a situação de ensino mobiliza uma série de saberes, tais como: os saberes disciplinares (a matéria), curriculares (o programa), das ciências da educação, da tradicional pedagogia (o uso), as experiências, da ação pedagógica (validado). Já Pimenta (2005), aponta a existência de três saberes da docência: a experiência, o conhecimento e os saberes pedagógicos.

    Os saberes disciplinares não são produzidos pelo professor, mas construídos historicamente no contexto científico. Neste caso, o professor deve saber o conteúdo da matéria a ser ensinada. Um problema que ronda esse aspecto é a atribuição de aulas para professores que desconhecem o conteúdo da disciplina. Muitas IES privadas realizam as atribuições de aula baseadas em critérios econômicos ou titulação, sem se preocupar se aquele docente domina a área a ser ensinada. Quando se fala em dominar a matéria refere-se a conhecer a história da disciplina, seus fundamentos, autores de destaque, estrutura e conceitos principais, formas de ensiná-la, além de contextualizá-la no campo da atuação profissional. Por exemplo, um professor de matemática necessita possuir saberes diversos de um matemático (Tardif; Lessard; Lahaye,1991).

    O saber curricular (do programa) influencia a constituição das disciplinas, que não podem mais serem vistas como ilhas, isoladas uma das outras. O programa precisa ter uma lógica interna, coerente com o que foi estabelecido no Projeto Político Pedagógico. Por essa razão é fundamental que se abra espaço para discussão das ementas e planos de ensino, de forma a verificar o encadeamento coerente (pré-requisitos) para posicionar as disciplinas no programa, além de analisar se há ou não sombreamento de conteúdo, e de verificar se todos os conteúdos fundamentais da área estão sendo trabalhados nas disciplinas. Esse diálogo deve buscar o compromisso dos docentes em fazer com que suas aulas sejam, realmente, resultado daquilo que foi debatido pelo colegiado e materializado nas ementas e no seu plano de ensino. Já os saberes das Ciências da Educação dizem respeito às várias informações sobre questões que compõem o mundo das instituições educacionais, tais como, questões que envolvem antropologia social, sistemas de ensino, conselhos, diversidade religiosa, cultural, etc.

    Quanto ao saber da Tradição Pedagógica, refere-se ao conhecimento historicamente construído e cristalizado nas instituições de ensino. É um saber pautado na ideia da ordem e disciplina, que constitui nas lembranças infantis sobre a escola, e que compõe as representações sociais sobre ensinar e aprender, presente antes da formação inicial de professores. A desconstrução dessas representações constitui um dos maiores desafios do ensino superior. Esse desafio refere-se à desconstrução dessas concepções trazidas pelos alunos, assim como aquelas que estão presentes nos próprios docentes das IES, pois acabam por impregnar a postura do professor, dando forma às suas ações.

    Parece-nos que o saber da Tradição Pedagógica de Tardif, Lessard e Lahaye (1991) equivale ao saber da experiência, apontado por Pimenta (2005). A autora define como um saber que corresponde às experiências prévias vivenciadas na sua história escolar. Essa vivência permitirá que se fale quais professores foram mais significativos e quais contribuíram efetivamente para sua aprendizagem e formação humana. Soma-se a esse saber o conhecimento acerca das representações sociais (assim como estereótipos) que a sociedade tem dos professores, assim como os desafios enfrentados por eles em seu cotidiano. O saber da experiência também pode ser entendido como aquele saber produzido pelos professores no cotidiano de suas atividades, por meio do processo de reflexão sobre sua prática (PIMENTA, 2005). É um saber construído por meio das ações dos outros, que podem ser tanto os colegas de trabalho, como textos produzidos por outros educadores. Para a construção deste saber, destacamos a importância das ações de formação continuada enquanto espaço para reflexão da prática educativa. Essa segunda definição de saberes da experiência, como algo produzido ao longo da atividade docente, se aproxima do saber experiencial, descrito a seguir, baseado em Tardif, Lessard e Lahaye (1991).

    Para esses autores, o saber experiencial refere-se aos saberes construídos por meio da experiência docente, que, na maioria das vezes, fica restrita à sala de aula. Essa experiência pode ser carregada de erros e acertos, por isso, deve vir associada a uma reflexão que a articule aos conhecimentos científicos construídos, buscando, como um pesquisador, o aperfeiçoamento de suas ações.

    O saber da Ação Pedagógica é aquele que associa o saber experiencial, tornado público, à pesquisa realizada em sala de aula, passada por uma revisão sistemática de outros professores. Para Gaulthier (1998), são os saberes menos desenvolvidos e, por outro lado, mais fundamentais à profissionalização do ensino. Só com reconhecimento da importância desses saberes, para a formação docente, é que podemos superar as ideias preconcebidas e equivocadas, juntamente com a ação docente pautada no senso comum.

    O saber da Ação Pedagógica se aproxima do que Pimenta (2005) indica como saberes pedagógicos. São saberes produzidos na ação por meio do contato com os saberes sobre Educação e Pedagogia, tendo sua utilização como instrumento que possa auxiliar sua prática educativa. É um saber-fazer produzido a partir do próprio fazer. Dessa maneira, os cursos de formação podem somente fornecer saberes sobre a Educação e Pedagogia. Contudo, esses saberes não geram saberes pedagógicos por si só, pois estes se constituem a partir da prática reflexiva, que os analisa e reelabora (PIMENTA, 2005).

    Pimenta ainda aponta o conhecimento como um saber docente que não se reduz à mera informação, mas a capacidade de trabalhar com essa informação, no sentido de classificar, analisar e contextualizar. Além disso, uma capacidade de dar sentido a esse conhecimento e vinculá-lo de maneira útil (não no sentido utilitarista), para produzir novas formas de desenvolvimento social com vistas ao processo de humanização (PIMENTA, 2005). Para isso é necessário que o docente compreenda a função social do conhecimento, ou seja, seu significado e sua relação com as necessidades da sociedade contemporânea. Saber a função do conhecimento em sua especialidade é parte do processo da construção da identidade profissional.

    Dentro desse campo de saberes, destacam-se os saberes ligados à Psicologia da Educação. Assim, verifica-se a existência de duas correntes relativas à relação da Psicologia com a Educação. Uma trata do conhecimento da Psicologia aplicado à educação, tendo o objetivo de oferecer conhecimentos adequados à compreensão e explicação dos fenômenos educacionais. A outra trata do oferecimento de instrumentos que subsidiam as análises das questões educacionais para a elaboração de novos conhecimentos sobre a realidade escolar. Algumas contribuições da Psicologia afetam diretamente a prática docente, tais como os processos psicológicos envolvidos na aprendizagem. Entretanto, ainda falta enriquecer esse conhecimento com visões e referenciais advindos das outras ciências da educação (COLL SALVADOR, 1999).

    Em função do que Coll Salvador destaca sobre a heterogeneidade de concepções atuais na Psicologia: evolutiva, do desenvolvimento, da aprendizagem, social, etc, aplicadas à educação, acreditamos ser necessário que o docente tenha clareza de sua posição sobre: para que serve a Educação? Como a Psicologia da Educação poderá contribuir para a efetivação da aprendizagem? Como ocorre a aprendizagem e como o docente prepara as suas estratégias de ensino, de forma que os alunos aprendam?

    Defendemos a perspectiva proposta por Vygotsky, na qual a visão de desenvolvimento é baseada em uma concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído num ambiente social e histórico. Nesse sentido, essa teoria fornece ao docente a ideia de

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