Direito Constitucional às Cotas Raciais: A Constituição de Joaquim Nabuco
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Direito Constitucional às Cotas Raciais - Lúcio Antônio Machado Almeida
A LUTA POR IGUALDADE SOCIAL
Lutamos, porque lutar é preciso.
Lutamos por conquistas que ainda nos distanciam: cultura, educação e renda.
Não nos serve mais o básico.
Não vamos aceitar!
Enquanto o sistema nos diz que assim está bom, devemos ter consciência de que não! Não! Não está bom!
Lutamos por mais incentivos, valorização e renda.
Lutamos por transformações sociais, então!
Lutamos pelos meios que nos possibilitem a renda, que nos livrem da escravidão.
Renda! Pois a renda é a solução.
Isabete Fagundes Almeida
Poetisa
AGRADECIMENTOS
Este livro teve a contribuição de muitas pessoas, especialmente nas pesquisas que realizei na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, no ano de 2009. Poderia citar os funcionários Carlos Ramos e Lúcia Gaspar, que me possibilitaram o contato com o acervo – cartas, recortes de jornais, documentos pessoais e iconográficos (fotos).
Meus agradecimentos aos professores Luís Fernando Barzotto, José Alcebíades de Oliveira Júnior, Alfredo Flores e demais professores da Faculdade de Direito da UFRGS, por terem me dado a oportunidade de ter feito o mestrado e o doutorado em uma instituição tão tradicional no direito brasileiro.
Meu reconhecimento à Faculdade Dom Bosco e ao apoio dos especiais professores José Nosvitz e Marcos Sandrini. Gratidão eterna por terem me recebido tão bem nessa especial Faculdade de Direito, sempre promovendo e garantindo meu crescimento pessoal e profissional.
Meu carinho aos amigos de mestrado e doutorado da UFRGS, especialmente Marcelo Sgarbossa, Leandro Cordiolli, André, Sílvia Câmara, Alejandro Alvares, Guilherme Boff, Ana, Paula Garcez, Giovanni, Elton, hoje, quase todos, em sua maioria, professores de Direito.
Meus agradecimentos aos professores da Faculdade de Direito da PUCRS, especialmente às professoras Lívia Pithan e Clarice Sohngen.
Meu respeito ao Núcleo de Estudos de Ações Afirmativas João Cândido, que teve vida curta, mas um empenho enorme na efetivação das cotas raciais na UFRGS no ano de 2003. Cito, especialmente, Gleydson, Miriam, Pérola e Pietra.
Minha gratidão à Haja Luz, organização que cuida da efetivação dos estudos de História africana nas escolas do estado do Rio Grande do Sul, especialmente Isabete Fagundes Almeida, Lourdes Helena e Jane .
Agradecimento à Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Porto Alegre, especialmente ao Hélio, que me proporcionou sempre um convívio respeitoso.
Agradecimento aos meus alunos da Faculdade de Direito da Ulbra de Torres, da UFRGS e da Faculdade Dom Bosco. Continuem lutando pela igualdade social, por um país onde negros, brancos, índios, mestiços, mulheres, homossexuais e tantos outros grupos sejam efetivamente respeitados em seus direitos fundamentais.
Minha gratidão aos meus queridos amigos da Fase, em especial, Iara Santana, Magda Lobo, Rosângela Rodrigues, Luís Alves, Felipe Fogaça, Amália e Roberto Guedes.
Aos meus irmãos queridos, Lúcia, Janaína e Valmir, especialmente este último, por me proporcionar debates acalorados sobre a questão racial no Brasil. Em um ponto concordamos: o maior problema de direitos humanos no Brasil é o que permeia a questão do negro (violência policial, racismo institucional, renda abaixo da renda dos brancos, pouca representatividade social, invisibilidade das pesquisas acadêmicas, especialmente no direito, quanto ao problema do racismo sofrido pelos negros no Brasil).
Fico agradecido a pessoas especiais como Dona Sécia Leal e Márcia Leal, Simone e Gabriel Telleria, Dona Meg, meus familiares de Pelotas e Rio Grande, como a Dinda Dalva, meus colegas e amigos de trabalho, Jerônimo Almeida, Renata Rieguer, Renata Mariano, Luís Ronaldo, Eduardo Dutra, Márcia Aguiar, Cristine Bruck, Marioneide, Magali Castilhos, Andrea Molmann, Zaira, Vilma, Vera Anita, Margarete e todos os demais que por acaso esqueci. Meu muito obrigado!
Agradeço ao amigo advogado Guilherme Dutra, pela cuidadosa revisão deste trabalho. Suas incisivas correções e sugestões, bem como as intensas discussões que travamos sobre justiça e minorias, foram essenciais para a concretização deste livro.
Meu profundo agradecimento à Editora Buqui, pela pronta atenção dispensada.
Por fim, meu agradecimento especial a cinco pessoas que iluminam minha jornada nessa vida, pelo amor e pela companhia dispensada, ainda que com justificáveis críticas pela minha ausência: a minha companheira, Lisiane (Lisi), e os meus adoráveis filhos, Gabrielle (Gaby), Eduardo (Dudu), Anita (Nitinha) e à amiga Isabete (Isa). Sem a presença de vocês em minha vida, nada disso teria ocorrido. Muito obrigado! Amo vocês!
SUMÁRIO
1 - Introdução 9
2 - Ação afirmativa como instrumento para a realização da igualdade social – o problema das cotas raciais nas universidades brasileiras 21
2.1 - A recepção dos termos raça, cor e
etnia em documentos estatísticos e constitucionais 21
2.2 - O mapa da desigualdade entre negros e
brancos no Brasil 26
2.3 - Ação afirmativa: a experiência incipiente de cotas
nas universidades do estado do Rio de Janeiro 31
2.3.1 - O que é Ação Afirmativa 34
2.3.2 - Objetivos da ação afirmativa 41
2.4 - A audiência pública e o papel da universidade
na construção da igualdade social 43
2.4.1 - A audiência pública e a discussão
sobre as cotas raciais 48
2.4.2 - Audiência pública e a problemática da miscigenação 53
2.4.3 - Audiência pública e o quase consenso
das cotas sociais 56
3 - Joaquim Nabuco e a igualdade social 59
3.1 - O liberal Joaquim Nabuco 59
3.2 - A escravidão como fundadora do
estado social brasileiro 67
3.3 - O percurso abolicionista de Nabuco 74
3.4 - O problema da imigração chinesa:
medida para regenerar o trabalho livre? 85
3.5 - Nabuco e sua visão sobre o futuro das duas raças
que habitam o território do Brasil 90
3.5.1 - O Brasil pode ser um país dividido racialmente? 101
4 - O pensamento de Nabuco como fundamento
para ações afirmativas 111
5 - Considerações finais 117
6 - Referências 119
1 - INTRODUÇÃO
A igualdade social tem sido constantemente problematizada no mundo contemporâneo¹. No Brasil, o termo igualdade social tem sido conceituado como igualdade no acesso aos bens como educação, trabalho e renda; com isso, cresce a discussão sobre as barreiras existentes para a realização do acesso a esses bens². A filosofia do direito não fica alheia a essas discussões, inclusive discorrendo sobre as formas de garantir a igualdade social³.
Umas das políticas para a realização da igualdade social no Brasil que vem tomando espaço em termos acadêmicos é a política de ação afirmativa. O termo ação afirmativa é conceituado, de modo geral, como uma política que visa combater as situações de desigualdades concretas existentes na sociedade e que são engendradas por condições características dessa sociedade. A essas políticas sociais que, segundo Gomes⁴, nada mais são do que tentativas de concretização da igualdade substancial ou material
se dá a denominação de ação afirmativa⁵.
A partir dessas considerações, apresenta-se um dos problemas para a filosofia do direito, a saber, a verificação da adequação do critério utilizado como resposta ao mandamento clássico da justiça Suum cuique tribuere
, ou seja, como identificar um critério para determinar o que é de cada um. O problema a ser enfrentado por este estudo será, por um lado, a verificação de se é possível a realização da igualdade social por meio do emprego da categoria raça/cor como critério para definição do que é cabido a cada um no acesso à universidade brasileira e, por outro, se essa escolha tem coerência com o pensamento de Joaquim Nabuco.
De modo mais específico, esta obra almeja responder à seguinte pergunta: é admissível, em um processo que visa à concretização da igualdade social via ação afirmativa, estabelecer cotas para negros com base no pensamento de Joaquim Nabuco?
As ações afirmativas, embora estivessem já há algum tempo no ordenamento jurídico brasileiro⁶, ganham protagonismo como políticas de desenvolvimento da população negra no Brasil a partir de 2001, com a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Outras Formas de Intolerância. Em 2001, tem início a implantação de cotas para negros, índios e estudantes de escolas públicas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro⁷ (UERJ) e, em 2004, na Universidade de Brasília (UnB). As duas experiências foram alvos de muitas críticas do ponto de vista acadêmico e objeto de ações nos Tribunais Superiores no Brasil.
A justificativa deste livro decorre da constatação segundo a qual, na audiência pública realizada em março de 2010, com o escopo de oferecer subsídios ao STF – Supremo Tribunal Federal – na decisão a respeito da constitucionalidade das ações afirmativas, em especial no que diz respeito às cotas raciais, muitas das autoridades fizeram em seus pareceres referências diretas ao movimento abolicionista ou a Joaquim Nabuco para defesa de suas teses, fossem elas favoráveis, fossem contrárias às cotas raciais.
Um dos objetivos deste estudo é, portanto, apresentar as semelhanças e dessemelhanças entre os argumentos desenvolvidos por aqueles que defendem a igualdade social via ação afirmativa nos dias atuais no Brasil, e os argumentos desenvolvidos por Joaquim Nabuco na sua luta pela igualdade social realizada no período entre 1870 e 1889: quais argumentos, dentre os produzidos pelos defensores e pelos críticos das cotas raciais, são coerentes com o pensamento de Joaquim Nabuco? O que se quer com isso é trazer a verdade sobre o tema, visto que, durante a audiência pública, os argumentos pró e contra cotas raciais de notáveis especialistas e autoridades públicas utilizaram-se do pensamento de Joaquim Nabuco para defender suas teses. Como dizia Io a Prometeu: Não me iludas com uma mentira (...), trair a verdade é o mais vergonhoso dos vícios
⁸. Temas como miscigenação, raça, dentre outros, poderão ser verificados sob a análise do pensamento de Joaquim Nabuco.
Constitui base para análise dos argumentos referentes à ação afirmativa a audiência pública realizada no STF que teve por objetivo prover o tribunal com informações e opiniões de autoridades sobre o tema, por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186 – cujo requerente é o Partido Democratas (DEM) e cujos requeridos são o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB (Cepe) e o reitor da UnB –, e também subsidiar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 597.285/RS – em que figura como recorrente um candidato ao sistema universal do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, como recorrido, a UFRGS: o Recurso Extraordinário 597.285 teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 18 de setembro de 2009⁹. É importante esclarecer que o tema que será objeto desta obra é o conjunto das questões trazidas pela ADPF 186.
Por que a audiência pública? A audiência pública tem importância vital para este estudo na medida em que coloca o debate político sobre um problema jurídico no âmbito da corte constitucional brasileira. Nesse sentido, o debate sobre as cotas raciais nas universidades insere-se em um processo democrático que Barzotto definiu como democracia deliberativa: a democracia deliberativa almeja o diálogo sobre as decisões fundamentais da comunidade política, no sentido de não se acreditar em uma verdade a priori, pois a deliberação é uma busca, no sentido teleológico aristotélico
¹⁰.
Nesse aspecto, foi fundamental a audiência pública, pois ela estabeleceu uma confrontação entre as ideias de especialistas e autoridades políticas que defendem a ação afirmativa como instrumento para realização da igualdade social e as ideias de outros especialistas e autoridades políticas que relativizam sua utilização, demonstrando problemas e desafios a serem enfrentados. O que está em jogo a respeito da constitucionalidade da ação afirmativa é a busca da verdade prática que Barzotto considera como resultado da prudência orientadora do homem em sua ação. A democracia fundada na razão prática, que tem como telos a busca da verdade prática, será,