Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

História da Igreja no Sul de Minas: A criação das Dioceses de Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé
História da Igreja no Sul de Minas: A criação das Dioceses de Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé
História da Igreja no Sul de Minas: A criação das Dioceses de Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé
E-book878 páginas9 horas

História da Igreja no Sul de Minas: A criação das Dioceses de Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Esta obra buscar compreender como, em apenas quinze anos, foram criadas três dioceses (Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé) em uma região em que duzentos anos de presença da Igreja nenhum bispado havia sido fundado. As três dioceses são focalizadas conjuntamente, pelo fato de que os acontecimentos referentes ao surgimento delas estarem estreitamente interligados. Entre as constatações o leitor verá que o processo que levou à criação dos três bispados do Sul de Minas se inseria no amplo contexto de desenvolvimento da Igreja no Brasil, após a extinção do Padroado, e no movimento de reforma católica em ato na Igreja inteira desde meados do século XIX. Esta publicação é destinada a interessados pelos estudos sobre a igreja católica no Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de mai. de 2021
ISBN9786587782317
História da Igreja no Sul de Minas: A criação das Dioceses de Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé

Relacionado a História da Igreja no Sul de Minas

Ebooks relacionados

História (Religião) para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de História da Igreja no Sul de Minas

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    História da Igreja no Sul de Minas - Hiansen Vieira Franco

    Historia_da_Igreja_no_Sul_de_Minas_a_criacao_das_Dioceses_de_Pouso_Alegre_Campanha_e_GuaxupeHistoria_da_Igreja_no_Sul_de_Minas_a_criacao_das_Dioceses_de_Pouso_Alegre_Campanha_e_GuaxupeHistoria_da_Igreja_no_Sul_de_Minas_a_criacao_das_Dioceses_de_Pouso_Alegre_Campanha_e_Guaxupe

    Copyright © 2020 by Paco Editorial

    Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

    Revisão: Marcia Santos

    Capa e Diagramação: Matheus de Alexandro

    Imagem da capa: Mapa do Bispado Sul-Mineiro © [1899] Arquivo Apostólico Vaticano, por concessão do Arquivo Apostólico Vaticano, todos os direitos reservados

    Edição em Versão Impressa: 2020

    Edição em Versão Digital: 2020

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Conselho Editorial

    Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

    Paco Editorial

    Av. Carlos Salles Bloch, 658

    Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Salas 11, 12 e 21

    Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

    Telefones: 55 11 4521.6315

    atendimento@editorialpaco.com.br

    www.pacoeditorial.com.br

    É na indagação atenta de seu próprio passado que a Igreja acumula uma sabedoria divina e forma o seu senso de discernimento profético. O mesmo, aliás, vale para as igrejas locais. Talvez a Igreja do Brasil se sinta tão surpreendida pelas crises em que é envolvida, por falta precisamente desta experiência acumulada na meditação do próprio passado.

    Fernando Bastos de Ávila, SJ, 1918-2010

    SIGLAS E ABREVIATURAS

    SUMÁRIO

    Folha de rosto

    Epígrafe

    Siglas e Abreviaturas

    Introdução

    Capítulo I

    O Sul de Minas: evolução civil e eclesiástica

    1. Descoberta e exploração do território aurífero

    1.1. As minas de ouro chamadas Gerais

    1.2. Decadência aurífera e desafios da sociedade mineira

    2. Cetro e báculo na disputa pelo Sul de Minas

    2.1. Litígio pela posse civil do Sul de Minas

    2.2. Disputa pela jurisdição eclesiástica sul-mineira

    3. Progresso sul-mineiro e projeto de emancipação

    3.1. Panorama do Sul de Minas Oitocentista

    3.2. Tentativas pioneiras em prol de um bispado sul-mineiro

    Capítulo II

    Criação e primeiros tempos do bispado sul-mineiro

    1. Impulso decisivo à criação da diocese e disputa pela sede

    1.1. Padre José Paulino e o novo projeto pró-bispado

    1.2. Cidades que pleiteavam sediar a primeira diocese da região

    1.3. A escolha de Pouso Alegre para sediar o bispado

    2. Criação da diocese e eleição do primeiro bispo

    2.1. O decreto Regio latissime patens concretiza o projeto

    2.2. A eleição do primeiro bispo de Pouso Alegre

    3. O governo episcopal de dom João Nery

    3.1. Desafios e perspectivas nos primeiros tempos do bispado

    3.2. Últimos anos do episcopado de dom Nery e transferência

    Capítulo III

    Ação dos bispos de Pouso Alegre de 1909 a 1925

    1. Escolha do segundo prelado para a sé pouso-alegrense

    1.1. Resistência do eleito em aceitar a nomeação

    1.2. Dom Assis em visita ad limina e em busca de religiosos

    2. Dom Assis, o clero e mudança da sede diocesana

    2.1. O bispo pouso-alegrense em dificuldades com o seu clero

    2.2. Mudança da sede episcopal à Guaxupé 174

    3. Eleição do terceiro bispo e primeiros anos de episcopado

    3.1. Nomeação, sagração e posse de dom Otávio

    3.2. Empenho do bispo na melhoria do clero

    3.3. Atuação de dom Otávio no período da Grande Guerra

    3.4. O bispo e o Regimento de Artilharia em Pouso Alegre

    4. Aspectos da vida diocesana até 1925

    4.1. Visita ad limina de 1920, cartas pastorais e protestantismo

    4.2. Visita apostólica na diocese e visita ad limina de 1925

    Capítulo IV

    Campanha, a segunda diocese sul-mineira

    1. O bispado de Campanha, um projeto que vinha de longe

    1.1. Iniciativas pró-bispado e a revolução campanhense

    1.2. Projeto de mudança da sede episcopal e visita do Núncio

    1.3. Insistência pela criação da diocese campanhense

    1.4. A magna questão campanhense em sua fase definitiva

    2. A criação e a instalação do bispado

    2.1. O decreto Spirituali fidelium bono

    2.2. Instalação e primeiros tempos da nova diocese

    3. Um bispo próprio para a diocese de Campanha

    3.1. A eleição do primeiro bispo campanhense

    3.2. Sagração episcopal e posse de dom Ferrão

    3.3. Pastoral de saudação e panorama do novo bispado

    4. Governo episcopal do primeiro bispo de Campanha

    4.1. Ações pastorais e sociais do antístite campanhense

    4.2. Litígios de limites com a diocese de Pouso Alegre

    4.3. Leigos versus autoridade diocesana

    4.4. A relação do bispo com o clero e os religiosos

    4.5. Visita ad limina e visita apostólica na diocese

    5. Um bispo coadjutor para dom Ferrão

    5.1. Invés de auxiliar, coadjutor com plenos poderes

    5.2. Relutância do novo eleito em aceitar o cargo

    5.3. A diocese campanhense em 1925

    Capítulo V

    Diocese de Guaxupé: origens e desenvolvimento

    1. De residência episcopal a sede de novo bispado

    1.1. O bispo de Pouso Alegre muda-se para Guaxupé

    1.2. Projeto de um novo bispado em Guaxupé

    1.3. Coronel Ribeiro do Vale: benfeitor do bispado

    1.4. A criação do bispado guaxupeense

    1.5. Bulas pontifícias e cartas pastorais de dom Assis

    1.6. Instalação da diocese e posse do primeiro bispo

    2. Dom Assis, primeiro prelado no sólio guaxupeense

    2.1. Primeiras realizações do seu episcopado

    2.2. Sobram-nos dívidas e faltam-nos recursos

    2.3. Povo, religiosos e clero no episcopado de dom Assis

    2.4. Renúncia de dom Assis e vacância da sede

    3. A trabalhosa eleição do sucessor de dom Assis

    3.1. Candidatos que recusaram a diocese guaxupeense

    3.2. Dom Ranulfo da Silva Farias, segundo bispo

    3.3. Sagração episcopal e carta pastoral de saudação

    3.4. Chegada e posse do segundo bispo de Guaxupé

    4. O governo pastoral de dom Ranulfo até 1925

    4.1. Primeiros desafios enfrentados pelo novo bispo

    4.2. Medidas diversas do seu governo pastoral

    4.3. Os leigos, os religiosos e o clero diocesano

    4.4. Visita apostólica na diocese e visita ad limina

    4.5. Perspectivas do bispado de Guaxupé em 1925

    Considerações Finais

    Fontes e Bibliografia

    Página final

    INTRODUÇÃO

    O presente livro, desenvolvido como tese doutoral, defendida em 2014, na Pontíficia Universidade Gregoriana, em Roma, se ocupa da organização da Igreja Católica na parte meridional do Estado de Minas Gerais, comumente chamada Sul de Minas, onde, em um período de quinze anos, foram erigidas três dioceses: Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé.

    A opção por focalizar os três bispados, conjuntamente, se deve ao fato de que, desde o início das pesquisas, persuadimo-nos que os fatos referentes ao surgimento dos mesmos achavam-se tão estreitamente interligados que, praticamente, resultaria impossível falar de um prescindindo-se dos outros. Por essa razão achamos conveniente assumir os três como objeto da presente abordagem.

    No desenrolar deste estudo o leitor notará que o papel dos representantes pontifícios no Brasil (internúncios, núncios e encarregados da Nunciatura) representa o leitmotiv ou fio condutor, da presente investigação histórica. Isso se justifica pelo fato de que, com a extinção do Padroado régio no Brasil, em 1890, a Igreja adquiriu uma grande liberdade de ação para se organizar, seguindo critérios eclesiásticos emanados diretamente de Roma, e nesse processo o papel dos representantes papais revestiu-se de singular importância. Destarte, nos aproximamos da temática em questão colocando em relevo a atuação deles, especialmente no apoio às iniciativas leigas ou clericais em prol da emancipação eclesiástica do Sul de Minas, bem como da estruturação e consolidação dos novos bispados.

    As motivações para a realização deste estudo partiram da necessidade de se compreender como, em um breve espaço de tempo, foram criadas três dioceses em um território no qual, em quase duzentos anos de presença ativa e efetiva da Igreja, não se tinha conseguido fundar nenhuma circunscrição eclesiástica. Posta esta interrogação fundamental, outras se seguiram, quase que espontaneamente: quais elementos teriam concorrido para um desenvolvimento tão singular? Por que as iniciativas leigas verificadas desde os últimos anos do Império, em prol de um bispado na região, não lograram êxito? Em que medida a criação dessas dioceses beneficiou (ou dificultou) a vida das pessoas na região sul-mineira? Quais foram as medidas adotadas pelos representantes pontifícios no processo que resultou da implantação de três bispados? E qual foi a participação do episcopado nacional, das autoridades civis, do clero, dos religiosos e do povo na organização eclesiástica do território em questão? A todas essas interrogações procuramos dar uma resposta ao longo das páginas que se seguem.

    Sendo necessário delimitar o período a ser estudado, preferimos estabelecê-lo entre os anos de 1890 e 1925, os quais se justificam pelas seguintes razões: o ano inicial assinala a separação entre Igreja e Estado no Brasil, com a extinção do Padroado, e o último refere-se à fase na qual as três mencionadas dioceses estavam praticamente consolidadas. Além disso, o ano de 1925 encontra-se no centro de um amplo movimento de restauração católica no país, isto é, de reaproximação entre Igreja e Estado depois de quase quarenta anos de relações frias e tensas. Este recorte cronológico nos permitiu estudar, consequentemente, o decênio que precedeu a criação do primeiro bispado sul-mineiro (Pouso Alegre), bem como aquele que sucedeu à criação da última das três dioceses (Guaxupé).

    A análise do status quaestionis do objeto do presente estudo revela-nos que, em geral, até o presente, ele foi escassamente considerado. Nas poucas publicações existentes sobre o tema, como se pode constatar da bibliografia final, seus autores não tomaram por base uma documentação específica, como é o caso da que constitui o fundo da Nunciatura Apostólica no Brasil, depositado no Arquivo Secreto Vaticano¹, mas se valeram de informações esparsas, não raras vezes ocultando as fontes de suas pesquisas. Nota-se também, nesses escritos, a ausência de recurso aos próprios arquivos das dioceses sul-mineiras. Geralmente, o argumento é abordado apenas em modo superficial, genérico e assaz apologético. Na maioria das vezes, seus autores apenas repropõem o que, no passado, outros já haviam escrito. A existência de uma abordagem específica sobre o assunto em questão, que sublinhe a ação dos representantes pontifícios e que analise a criação dos bispados do Sul de Minas, relacionando-os entre si, permanece desconhecida. Portanto, com a presente investigação histórica, temos em vista lançar uma luz nessa direção.

    A relevância da pesquisa apresentada nesta obra está ligada à sua tentativa de proporcionar o conhecimento do processo que conduziu à emancipação eclesiástica da ampla região do Sul de Minas, cujo território supera o de países como Eslováquia, Suíça e Dinamarca². Almejamos que esta abordagem lance luzes que auxiliem na elucidação da história que envolve a gênese dos bispados sul-mineiros e sua consolidação, pois, ao encetarmos esta pesquisa, a fazemos convictos da sua real necessidade para a vida da própria Igreja hodierna, visto que a ignorância do passado não se limita a danificar o conhecimento do presente, mas compromete a própria ação do presente³.

    No que diz respeito aos recursos utilizados para atingirmos o fim a que nos propomos, eles consistem, sobretudo, na utilização de documentos inéditos conservados em arquivos brasileiros, portugueses, suíços e, sobretudo, vaticanos, mas também de diversas publicações e ensaios.

    Quanto às fontes inéditas, é na documentação que constitui o fundo da Nunciatura Apostólica no Brasil, existente no Arquivo Secreto Vaticano, que nos apoiamos, fundamentalmente, para a realização deste estudo. Esta documentação, diríamos, responde por quase noventa por cento das fontes que compulsamos.

    Referente às publicações, servimo-nos de variada bibliografia, sobretudo para a contextualização da dinâmica política e geográfica do ambiente no qual se insere o objeto deste estudo, bem como para a compreensão do papel dos representantes pontifícios no período precedente àquele da nossa delimitação cronológica. Ademais, utilizamos fontes produzidas pela imprensa sul-mineira e nacional, quer religiosa, quer civil, incluída a anticlerical. De modo que todos os documentos fidedignos – dos quais tomamos conhecimento – que pudessem ser úteis para elucidar algum aspecto do objeto estudado foram tomados em consideração.

    Na avaliação e verificação da atendibilidade das fontes utilizadas, inéditas ou publicadas, aplicamos o método histórico-crítico, mediante o processo já bem conhecido, isto é, o procedimento heurístico, a individualização dos diversos tipos de documentos, passando, em seguida, à crítica interna e externa dos mesmos, para se chegar, enfim, à síntese.

    Em todo percurso realizado, procuramos deixar uma abertura ao transcendente, cujos mistérios são insondáveis, já que o nosso ponto de vista não exclui um sentido meta-histórico da realidade. Esse modo de proceder nos auxilia na medida em que nos possibilita aceitar que existe um sentido histórico mesmo naquelas situações em que, aparentemente, não há nenhum sentido. A aceitação de que esta história é perpassada por outra, mais profunda, como afirma Ricoeur, nos permite superar aquela aparência absurda de um fato histórico, que por vezes mais se assemelha a ‘uma história maluca contada por um idiota’⁴.

    Estruturalmente, a presente obra está dividida em cinco capítulos. O primeiro é de contextualização e os demais se ocupam, propriamente, sobre a organização eclesiástica sul-mineira. Em linhas gerais, o conteúdo de cada capítulo se resume da seguinte maneira:

    O primeiro capítulo tem por objeto a evolução histórica do território no qual se encontram as dioceses estudadas. Para tal, faremos uma retrospectiva até os tempos da descoberta das jazidas de ouro no interior brasileiro, propriamente na região que, posteriormente, viria a se chamar Minas Gerais. Veremos, também, que o povoamento da região sul-mineira ocorre justamente na última fase do chamado ciclo do ouro, em meados do século XVIII, quando as primitivas minas se acham esgotadas. Como zona limítrofe entre as capitanias de São Paulo e Minas Gerais, nela se instala um litígio, entre os respectivos governadores e bispados pela posse de suas terras, que se estende por longas décadas. Se, no governo temporal, a situação é solucionada, quase totalmente, ainda nos anos setecentistas, com vitória dos mineiros, o mesmo não se dá quanto ao espiritual, e o referido território continua dividido até 1900, com uma parte sujeita ao bispado de São Paulo e outra ao de Mariana. No final desse primeiro capítulo abordaremos as iniciativas pioneiras de um grupo de intelectuais leigos de Campanha para a criação de uma diocese no referido território com sede nessa cidade, visto que, por situar-se distante das respectivas sedes episcopais, sua população vivia praticamente isolada.

    No segundo capítulo analisaremos o surgimento e encaminhamento do projeto de emancipação eclesiástica sul-mineira, lançado pelo padre José Paulino de Andrade, sob inspiração e supervisão do bispo de São Paulo, e que culminou com a criação do bispado Sul-Mineiro, nome pelo qual foi conhecida a primeira diocese da região com sede na cidade de Pouso Alegre. Este capítulo se ocupará ainda, do processo de nomeação, posse e episcopado do seu primeiro bispo, sublinhando os seus principais desafios e perspectivas. Dentre esses desafios, destacaremos o descontentamento dos campanhenses pela escolha de Pouso Alegre para primeira sede episcopal sul-mineira, em detrimento de Campanha. Analisaremos, ainda, o procedimento adotado pelos representantes pontifícios no Brasil para a resolução desses problemas.

    Quanto ao terceiro capítulo – na realidade, uma continuação do segundo – nele a atenção se voltará para os governos pastorais dos dois sucessores imediatos do primeiro prelado pouso-alegrense, até 1925. Abordaremos, sobretudo, os desafios enfrentados pelos bispos de Pouso Alegre, mormente no período da Primeira Guerra Mundial e da Gripe Espanhola, bem como o relacionamento dos mesmos com a Nunciatura, o clero, os religiosos e os leigos em geral.

    Esses dois capítulos (segundo e terceiro) constituem, por assim dizer, o centro de nosso estudo, enquanto mostram como, da diocese de Pouso Alegre, são desmembradas duas outras dioceses sul-mineiras, Campanha e Guaxupé, em 1907 e 1916, respectivamente. Veremos que a criação da primeira dessas duas dioceses resulta da persistência de seus habitantes para verem a sua cidade elevada à sede episcopal, depois da vitória obtida por Pouso Alegre; quando à segunda, o seu surgimento resulta do êxodo do prelado pouso-alegrense para Guaxupé, à época uma pequena vila na região norte do bispado de Pouso Alegre, iniciando, destarte, o processo que conduz à fundação da diocese guaxupeense. Portanto, nesses dois capítulos, as três dioceses do Sul de Minas se encontram estreitamente vinculadas, quase ao ponto de serem indissociáveis.

    O quarto capítulo é dedicado à diocese de Campanha. Nele analisaremos as reivindicações dos campanhenses pela criação de um bispado no Sul de Minas desde os anos 90 do século XIX. Veremos que, entre as causas que fizeram naufragar o projeto, encontrava-se o movimento separatista que visava a criação de um estado independente na região, com capital naquela cidade, fator que, aliado a outros, levaria à decadência daquela que era a mais antiga urbe sul-mineira. Todavia, a perseverança e insistência dos seus habitantes, como também o apoio de alguns núncios apostólicos, não permitiriam que o projeto caísse no esquecimento, até que a Santa Sé o tornasse realidade. Além da consideração desses aspectos, este capítulo tratará também da eleição do primeiro bispo de Campanha e do seu governo pastoral, até 1925.

    Por fim, o quinto e último capítulo se ocupará da criação e consolidação da diocese de Guaxupé. A formação desse bispado, pouco mais de dois anos após o prelado pouso-alegrense ter-se mudado para Guaxupé, completa o quadro das circunscrições eclesiásticas no Sul de Minas. Analisaremos, portanto, os aspectos principais que envolveram o surgimento da diocese guaxupeense, bem como a primeira década de sua existência, evidenciando algumas situações e circunstâncias particulares, especialmente a questão de suas dívidas. A nova diocese, de fato, nasceria endividada, em virtude de o primeiro bispo – que antes o era de Pouso Alegre – haver transferido consigo para a nova circunscrição eclesiástica todos os débitos do bispado pouso-alegrense. Além dessa problemática, tomaremos em consideração a delicada questão da venda dos patrimônios paroquiais, a renúncia do primeiro bispo e a difícil escolha do seu sucessor, como também o governo deste até o ano de 1925.

    São estas, em linhas gerais, as motivações, os procedimentos e aspectos estudados que resultaram no texto que adiante se vai ler acerca da organização eclesiástica no Sul de Minas, cujo território, com poucas exceções⁵, permaneceu inalterado em termos de circunscrições eclesiásticas após a criação do bispado guaxupeense.

    Ao convidarmos o leitor a nos acompanhar nessa aventura histórica de diálogo com figuras do passado, através dos documentos, o fazemos com a convicção de que o estudo da história [...] mostra quanto é diverso o presente do passado e assim nos adverte sobre o risco de canonizar o presente como se fosse o único modo no qual pode ser expressa a tradição da Igreja⁶. À vista disso, auguramos que o presente trabalho preste um serviço a todos quantos, no presente e no porvir, se interessarem por percorrer os caminhos da história referente à implantação das estruturas diocesanas nas terras sul-mineiras.


    Notas

    1. Em 22 de outubro de 2019, com uma carta apostólica em forma de Motu Proprio, o Papa Francisco mudou o nome do Arquivo Secreto Vaticano para Arquivo Apostólico Vaticano. Contudo, neste livro, produzido antes daquela data, é usada sempre a denominação antiga.

    2. O Sul de Minas histórico tinha uma superfície de cerca de 50.245,6 km². Esse território corresponde, atualmente, ao da Mesorregião do Sul e Sudoeste de Minas, segundo divisão, para fins estatísticos, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com área de 49.523,893 km². As dioceses de Pouso Alegre, Campanha e Guaxupé, contudo, totalizam uma área de 45.999,4 km². Essa diferença resulta do fato de que, em 1960, a diocese campanhense cedeu uma parte de seu território para a criação do bispado de São João del Rei e, em 2008, a diocese de Guaxupé incorporou dois municípios antes pertencentes à diocese de Luz. A população dos três bispados, em 2014, era de 2.541.374 habitantes (IBGE-2014). Cf.: Anuário Católico do Brasil/2015, p. 335, 548 e 856 e Franco, Hiansen Vieira. O Clero Paulista no Sul de Minas (1801-1900). Passos: Gráfica e Editora São Paulo, 2003, p. 14.

    3. Bloch, Marc. Apologia della storia: o mestiere di storico. Trento: Einaudi, 2010, p. 33.

    4. Ricoeur, Paul. Storia e Verità. Lungo de Consenza: Marco Editore, 1991, p. 96.

    5. As alterações territoriais verificadas nas dioceses do Sul de Minas foram as seguintes: a Diocese de Campanha cedeu uma parte do seu território, em 1960, para a criação da diocese de São João Del Rei; em 1968, para a criação da Abadia Territorial de Claraval, foram desmembradas duas paróquias da Diocese de Guaxupé, as quais lhe foram restituídas no ano 2002, com a supressão da referida Abadia Territorial; e, em 2008, os territórios das paróquias de Delfinópolis e São João Batista do Glória, que antes pertenciam à Diocese de Luz, foram incorporados, oficialmente, à Diocese de Guaxupé, que já os atendia, pastoralmente, havia muitos anos.

    6. O’Malley, John W. Rileggere i concili di Trento e Vaticano II. La Gregoriana, v. 44, p. 14, 2013.

    CAPÍTULO I

    O SUL DE MINAS: EVOLUÇÃO CIVIL E ECLESIÁSTICA

    Conhecido desde o tempo das expedições pioneiras que cruzaram suas terras em busca das minas de ouro, o Sul de Minas se liga, umbilicalmente, à complexa história da mineração aurífera no centro da capitania das Minas Gerais. Exauridas as minas, povoa-se o território sul-mineiro. Seus veios de ouro e a fertilidade de suas terras, situadas a meio caminho entre São Paulo e Minas, motivaram duradouro litígio – civil e eclesiástico – entre paulistas e mineiros pela sua posse.

    Ao efêmero ciclo do ouro sul-mineiro sucederam-se outros ciclos econômicos, impulsionando o desenvolvimento regional. Sobretudo com a chegada do café e da ferrovia, nas últimas décadas dos anos oitocentos, o Sul de Minas viu despontar uma era de novas perspectivas, inclusive no campo eclesiástico. A liberdade concedida à Igreja, com a extinção do Padroado, permitiu iniciativas pioneiras e decisivas para a criação do primeiro bispado na região, medida reclamada pelo povo sul-mineiro em vista das distâncias que o separavam dos seus pastores.

    A abordagem do presente capítulo é, pois, uma contextualização imprescindível para afrontarmos o tema principal deste estudo.

    1. Descoberta e exploração do território aurífero

    1.1. As minas de ouro chamadas Gerais

    Tendo os portugueses aportado à costa do Brasil, em 1500, tardaram-se, várias décadas, a adentrarem o interior do país. As primeiras incursões feitas no território que viria a se chamar Minas Gerais foram feitas lentamente a partir do penúltimo quartel do século XVI.

    Teoricamente o território mineiro estaria compreendido dentro das capitanias hereditárias de Porto Seguro, Ilhéus, Espírito Santo, Paraíba do Sul (ou São Tomé) e São Vicente⁷, estabelecidas em 1534, as quais eram enormes faixas de terra que começavam no litoral e avançavam pelo interior até os confins com as possessões espanholas. Na prática, porém, estando longe da costa, sua exploração era estranha aos donatários de tais capitanias, cujas ações colonizadoras se restringiam a uma pequena área litorânea. Desse modo as Minas jamais pertenceram a um donatário⁸.

    A expectativa de Portugal em encontrar ouro nas novas terras conquistadas era grande. Em 1542, Duarte da Costa, donatário da Capitania de Pernambuco, escrevera ao Rei de Portugal, dizendo-lhe que o ouro ainda não tinha sido encontrado, contudo, existiam sempre mais notícias favoráveis a respeito dele e que, embora ele não se descuidasse do assunto, não podia esconder-lhe que as dificuldades de adentrar o interior eram grandes, sobretudo por causa dos índios bravios de cuja existência se tinha notícia⁹. Embora vagos, abundavam boatos sobre riquezas minerais existentes no sertão a sudoeste da Bahia, na parte que coincide com a região aurífera de Minas Gerais¹⁰. Gandavo afirmava, em 1575, que era certo ser a terra rica e haver esperança de nela encontrar ouro e outras pedras, o que se sabia por dizerem os índios¹¹.

    A primeira das expedições – conhecidas também por entradas – a explorar o interior brasileiro atingindo a região das futuras Minas Gerais, foi a do castelhano Francisco Bruza de Espinosa, em 1553. Tinha por capelão o jesuíta João de Aspilcueta Navarro¹², que dela fez uma detalhada relação. Espinosa, Navarro e onze companheiros entraram no território de Minas, até a região do rio Jequitinhonha e Itacambira¹³. Mem de Sá, segundo governador-geral do Brasil, afirmou que Espinosa encontrou apenas indícios de ouro e prata entre os indígenas, mas que não adentrou o interior mais do que duzentas e tantas léguas¹⁴.

    A Espinosa seguiram-se outras expedições à região das Minas, tentando alcançá-las da parte do litoral baiano e capixaba. Tais foram as de Vasco Rodrigues Caldas (1561), Martim Carvalho (1568), Sebastião Fernandes Tourinho (1573) e Antônio Dias Adorno (1576)¹⁵.

    Em 1591 foi a vez de Gabriel Soares de Souza organizar a sua expedição. Tendo já vivido no Brasil, onde prosperara e obtivera notícias de possíveis riquezas minerais, Souza retornou a Portugal e foi nomeado capitão-mor da Conquista e Minas. Regressando ao Brasil, naquele mesmo ano, com uma comitiva de 360 homens, organizou a expedição que, partindo da Bahia, subiu pelo rio Paraguaçu visando atingir o rio São Francisco e por ele continuar à montante. Todavia, não obteve êxito e, na altura das nascentes do Paraguaçu, adoeceu e morreu, sucedendo o mesmo também a vários dos seus companheiros. Em 1627, comentando a morte de Gabriel Soares de Souza, escreveu Frei Vicente do Salvador: levava por guia um índio por nome Guaraci, que quer dizer sol, o qual também [...] morreu no caminho, ficando de todo as minas obscuras até que Deus, verdadeiro sol, queira manifestá-las¹⁶.

    Êxito maior teve Marcos de Azeredo Coutinho, o qual, partindo do Espírito Santo, subiu pelo rio Doce e andou pelos sertões das futuras Minas Gerais, tendo encontrado amostras de esmeraldas¹⁷.

    Essas expedições, mesmo não logrando o êxito esperado, serviram ao menos para abrir caminhos e aumentar a esperança de que as terras interioranas guardavam riquezas.

    Se da parte do Norte era grande o interesse em descobrir minas de ouro, o mesmo se dava da parte do Sul. Em São Vicente, Sorocaba e Cubatão, na segunda metade do século XVI, os paulistas haviam descoberto algumas minas, mas isso não lhes saciava a ânsia de atingir a lendária montanha do Sabarabuçu¹⁸ que se acreditava existir no interior do Brasil, à semelhança de Potosí, onde os espanhóis extraíam a prata.

    Motivados pela busca do precioso metal, mas também pela captura de índios, os paulistas começaram a organizar expedições, às quais chamavam bandeiras, com o fim de abrir caminhos para o território das Minas. A primeira de que se tem notícia foi a de André de Leão, em 1601. Partindo de Piratininga, passou pelo vale do Paraíba, atravessou a serra da Mantiqueira e adentrou o planalto. Dali seguiu para as nascentes do rio São Francisco, na serra da Canastra, sempre enfrentando os índios Cataguases que dominavam a região. À de Leão se seguiriam outras bandeiras, entre elas a de Lourenço Castanho Taques, em 1675, que foi dar na região de Araxá¹⁹.

    Nenhuma dessas expedições, contudo, ficaria tão célebre quanto a do bandeirante Fernão Dias Paes Leme. Este havia dado amostras de desbravador e aprisionador de índios, capturando cerca de cinco mil deles no reino da nação Guaianá, na serra de Apucarana, os quais, com o estabelecimento dos portugueses na região de São Vicente tinham migrado em direção ao Sul. Com tal fama, em 1672, o governador Afonso Furtado de Mendonça concedeu-lhe o título de chefe e governador das esmeraldas, que se esperava descobrir na região das futuras Minas Gerais. Embora já sexagenário, acompanhado de seu ajudante, Matias Cardoso de Almeida, dos seus filhos Garcia Rodrigues e José Dias, do seu genro Manoel de Borba Gato, alguns escravos e numerosos índios guaianases, Fernão Dias partiu de São Paulo em 21 de julho de 1674. Entrou pelo vale do Paraíba, transpôs a Mantiqueira pela garganta do Embaú²⁰ e saiu no vale do rio Verde, na região do atual sul de Minas. Atravessando depois o rio Grande, foi estabelecer-se em Ibituruna, o mais antigo lar da pátria mineira²¹. De Ibituruna a bandeira seguiu para a região central do hodierno território mineiro, fundando-se o arraial de Sumidouro, região do rio das Velhas. As dificuldades eram muitas e os êxitos eram poucos. Alguns companheiros de Fernão Dias o abandonaram, entre eles Matias Cardoso, que depois de dois anos de expedição, voltou a São Paulo. A situação chegou a tal ponto que seus companheiros, fatigados e revoltados contra a pertinácia do chefe bandeirante em prosseguir com a expedição, não obstante os mil obstáculos, passaram a conspirar contra a sua vida, sendo logo descoberto que o chefe da conspiração era o seu próprio filho natural, o mameluco José Dias. Conhecido o malvado plano, Fernão Dias perdoou aos outros, mas mandou enforcar o filho, para lhes servir de exemplo. Depois de três anos no Sumidouro, continuou a viagem, indo descobrir a lagoa de Vapabuçu, onde se acreditava existir as esmeraldas. Encontrou poucas pedras preciosas e muita febre ocasionada pelo clima local. Doente, pôs-se em marcha de regresso, mas em maio de 1681, perto de Sumidouro, a morte o alcançou²². Sua bandeira praticamente se dissolveu e o que dela restou foi continuado por seu genro Borba Gato, que logo também precisou sair de cena, por ter mandado assassinar em sua presença, em outubro do ano seguinte, o técnico em mineralogia dom Rodrigo de Castelo Branco. Este era um fidalgo espanhol que o governo de Lisboa havia mandado para auxiliar Fernão Dias, mas Borba talvez pensasse se tratar de um intruso. O êxito da bandeira de Fernão Dias residiu não tanto em encontrar pedras preciosas, mas no fato de consolidar a passagem para o território das Minas. Com ela os caminhos, por parte do Sul, também estavam abertos; faltava encontrar o ouro²³.

    Aberto o caminho para as Minas, multiplicaram-se as bandeiras paulistas em direção a elas. Segundo Torres, poder-se-ia traçar um paralelo entre os descobrimentos marítimos portugueses e a epopeia bandeirante paulista. Uma política de sigilo, semelhante à dos antigos navegadores, existia no planalto de Piratininga e em Taubaté, os dois centros nos quais os paulistas maturavam seus planos quanto ao caminho para as Minas Gerais. E, assim como os portugueses tinham se lançado mar a fora, os paulistas continuaram terra a dentro²⁴.

    Determinar com precisão a data e o local da primeira descoberta de ouro nas Minas Gerais não é tarefa fácil, segundo Taunay, já que as informações documentais não são concordes²⁵. Sua afirmação é corroborada por Boxer, o qual observa que é possível que o ouro tenha sido encontrado simultaneamente em locais diversos, entre 1693 e 1695²⁶. A única convergência que se verifica entre os autores é quanto à primazia dos paulistas em tais descobrimentos. Quanto a um possível protagonista do encontro do precioso metal a versão que mais prevalece é a que atribui à bandeira de Antônio Rodrigues Arzão a descoberta do primeiro ouro das Gerais, conforme esta fonte, de 1750, aproximadamente:

    Na época de 1693 veio Antônio Roiz Arzão, natural da Vila, hoje cidade de São Paulo, homem sertanejo conquistador do gentio dos sertões da Casa da Casca, com muitos outros naturais das outras vilas de Serra acima, em cuja paragem esteve aquartelado alguns anos, onde fazia entradas e assaltos ao gentio mais para o centro do sertão. E vendo por aquelas veredas alguns ribeiros com disposição de ter ouro, pela experiência que tinha das primeiras minas que se tinham descoberto em São Paulo, Curitiba e Paranaguá [...] fez algumas experiências, com uns pratos de pau ou de estanho, e foi ajuntando algumas faíscas [...] E juntou três oitavas de ouro²⁷.

    Permanece ignorado o local dessa descoberta. Alguns pensam tratar-se da região de Caeté, onde se achava a bandeira de Arzão, composta por mais de cinquenta homens²⁸.

    O jesuíta padre Antonil, sem citar data precisa, afirma que fora um mulato que estivera nas minas de Paranaguá e Curitiba o primeiro a descobrir ouro nas Minas. Este, acompanhando uns paulistas à caça de índios nas proximidades do Tripuí, desceu ao ribeirão para apanhar água com uma gamela e ali encontrou ouro finíssimo, no local que mais tarde viria a se chamar Vila Rica do Ouro Preto, capital das Minas Gerais²⁹. Esse mulato, segundo Lima Júnior, era o cristão novo Duarte Nunes³⁰. Depois desse achado ser divulgado em Taubaté e São Paulo, amiudaram-se as excursões para o território que os paulistas apelidaram de as minas gerais dos Cataguases – por ali predominarem tais indígenas – sendo este o primeiro nome dado ao território aurífero, o qual foi oficializado em 1701³¹. Nessa ocasião, por duas vezes, entre 1700 e 1702, esteve nas Minas o governador da capitania do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Meneses, com ordens reais para tomar as primeiras providências quanto à organização das mesmas. Ali estando, regulou a cobrança do quinto e estabeleceu as recebedorias para coibir os descaminhos do ouro³², não obstante ele mesmo, ávido do precioso metal, ter ficado rico com as canastras repletas das mais de trinta arrobas de ouro que extraiu nas suas viagens às Minas³³.

    À descoberta de Ouro Preto, seguiu-se a do Ribeirão do Carmo (hoje Mariana), em 1698, por obra de João Lopes de Lima, morador de Atibaia, e depois as de Caeté, Sabará e tantas outras na mesma região³⁴.

    Uma questão fundamental era a das rotas de acesso feitas pelos bandeirantes aos descobertos. O conhecimento delas era garantia do êxito inicial das expedições. Inicialmente, existia apenas o Caminho Geral para o sertão, aberto pelos paulistas com o auxílio dos índios que lhes iam indicando rotas milenárias. Partindo do vale do Paraíba, subia a Mantiqueira, atravessava-a pela garganta do Embaú e depois seguia por Baependi e rio Grande, indo sair na região do rio das Mortes, onde já começava a haver certa abundância de ouro. A viagem de São Paulo à região aurífera levava cerca de dois meses. Anos depois, Garcia Rodrigues, que tinha fazenda no vale do Paraíba, abriu outro caminho para ir do Rio de Janeiro às Minas, rota que ficaria conhecida com o Caminho Velho e pela qual a viagem se fazia em trinta dias. Navegava-se do Rio até Parati e depois subia a serra do Mar, saindo em Guaratinguetá onde se unia ao primitivo caminho. Uma terceira rota, chamada o Caminho Novo, foi aberta do Rio de Janeiro direta às Minas, que reduzia a dez ou doze dias a inteira jornada. Pelo norte, os fazendeiros baianos serviam-se dos rios São Francisco e das Velhas para chegarem à mesma região³⁵. Por volta de 1700, tentou-se abrir novo caminho, mais curto, partindo da capitania do Espírito Santo, porém, a Coroa vetou sua abertura, considerando que quanto menos caminhos tivessem para as Minas era melhor, para vigiá-las mais facilmente³⁶. Por essas vias, especialmente pelo Caminho Velho, passava o ouro extraído nas Minas, com destino ao porto de Parati, a caminho do Rio e da Metrópole.

    À medida que se divulgava a notícia do aparecimento de ouro nas Gerais, milhares de pessoas se enveredavam por esses caminhos para tentarem a sorte. A auri sacra fames³⁷ atraiu gente de todas as categorias à região das Minas. Entre os forasteiros que se aventuravam no Brasil, contavam-se muitos cristãos novos (judeus e árabes) e ciganos. Todos fugiam das perseguições religiosas e da miséria que grassava no Reino. Animava-os também a certeza de serem menos perseguidos nos sertões brasileiros, onde dificilmente seriam alcançados pelo Santo Ofício. Além do mais, segundo Carvalho, nas Minas não era impossível que o ouro em pó ou em barra fizesse desaparecer muitos processos³⁸.

    Ao entusiasmo dos mineradores opôs-se logo um verdadeiro desequilíbrio econômico em toda a colônia portuguesa americana no início dos anos setecentos: em São Paulo o êxodo dos trabalhadores para as Minas fez os preços dos gêneros alimentícios triplicarem. Na Bahia e Pernambuco vendia-se um boi por 5 e 8 mil réis, respectivamente, mas se o mesmo fosse levado para a região aurífera valia entre 80 e 120 mil réis. Destarte todos queriam ir para as Minas, senão para extrair ouro, ao menos para vender aos que lá estavam minerando³⁹. No Rio de Janeiro, em 1702, queixava-se o governador que faltava carne e farinha, pois aqueles que os vendiam tinham ido para as Minas. No Nordeste começou a faltar escravos, pois quem os importava da África levava-os direto ao Rio de Janeiro, onde eram vendidos a melhor preço, para serem destinados às Minas⁴⁰. E, sem a mão de obra escrava nas Minas ninguém fazia nada, pois conforme informação do governador do Rio de Janeiro à Coroa, em 1726, do momento que os reinóis brancos colocavam os pés no Brasil não mais queriam saber de trabalhar. Existia até mesmo um provérbio brasileiro que dizia: Trabalho é para cachorro e para negro⁴¹.

    Não tardou e a própria Metrópole começou a sentir os efeitos negativos do grande número de portugueses, sobretudo do Douro e Minho, que todos os anos iam para o Brasil, especificamente para as Minas. O Rei baixou leis enérgicas em 1709, 1711 e 1720 para coibir tantas saídas, mas foi em vão. Ao invés de diminuírem, aumentavam⁴².

    Autor contemporâneo do auge da corrida pelo ouro, o padre Antonil, cuja obra Cultura e Opulência do Brasil, sobre o assunto, foi publicada em 1711, dizia que, estimulados pela esperança de fácil enriquecimento, das cidades, vilas e recôncavos iam todos, brancos, pardos e negros e mesmo índios e a mistura era total nas Minas. Muitos religiosos, que chegavam de Portugal, cada ano em meio a grandes grupos de portugueses e estrangeiros, também entravam àquelas terras atrás de ouro. Como não havia autoridades, o caos logo se instalou. Havia desordens de todo tipo e os crimes, homicídios e furtos foram-se multiplicando⁴³. Com a atenção voltada exclusivamente para a mineração, ninguém se preocupava em plantar. O resultado foi uma crise de fome generalizada, à que se somou uma epidemia de bexigas que levou inúmeros à morte⁴⁴. No ano de 1697 não se minerou. Tal era a fome que os mineradores e seus escravos fugiam para as matas a fim de procurar alimentos⁴⁵.

    O ouro fez crescer a arrogância de muitos, segundo Antonil, e abriu as portas a todo tipo de abuso e vício. Segundo ele, o pior de tudo era que o ouro extraído nas Minas, em pó ou em moedas, passava a outras nações, ficando a menor parte a Portugal e a poucas cidades brasileiras. A prudência, para o escritor jesuíta, levava a concluir que se Deus havia permitido tais descobertas minerais era para castigar com elas o Brasil, assim como na mesma época a Europa era castigada com guerras⁴⁶.

    A ideia de castigo divino nas Minas havia sido também defendida pelo padre Antônio Vieira, em um sermão que pregara em Belém do Pará, em 1656, sobre o tema da mineração. Nele, Vieira advertia os portugueses para as desgraças que poderiam advir-lhes dos descobrimentos dos metais preciosos: Essas minas, que tanto se desejam, e estimam, ordinariamente não as descobre, nem as dá Deus por merecimentos, senão em castigo de grandes pecados⁴⁷. Se a providência divina já havia escondido nas profundezas da terra o ouro e a prata era para preservar o ser humano do perigo de cobiça e desordens que destes se originavam, dado que debaixo do preço e do esplendor do ouro escondiam-se aflições e misérias⁴⁸.

    Ao ambiente das minas auríferas se aplicava, mais do que em qualquer outra parte do Brasil, um provérbio então em voga que dizia: o Brasil é inferno de negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos e mulatas⁴⁹.

    Os negros eram numerosos e constituíam, no dizer de Antonil, os pés e as mãos de seus senhores. No geral, eram muito maltratados e não raro um proprietário valorizava mais um cavalo do que meia dúzia de negros cativos⁵⁰. A severidade nos castigos beirava às vezes o sadismo e mesmo quando o castigo parecia ser brando, ainda era horripilante como se vê dessa prescrição de um regimento de um feitor-mor, de 1663:

    O castigo que se fizer ao escravo não há de ser com pau nem atirar-lhe com pedras ou tijolos, e quando o merecer, o mandará botar sobre um carro, e dar-se-lhe-á com um açoite seu castigo, e depois de bem açoitado, o mandará picar com navalha ou faca que corte bem, e dar-se-lhe-á com sal, sumo de limão e urina e o meterá alguns dias na corrente, e sendo fêmea, será açoitada a guisa de baioneta dentro em uma casa e com o mesmo açoite⁵¹.

    Para os brancos, imigrantes voluntários (a maioria) e degredados, o Brasil funcionava como purgatório dado que, após certo tempo de sofrimento, grande parte encontrava uma oportunidade de se enriquecer.

    A melhor sorte recaía sobre os mulatos que, tendo tanto o sangue dos brancos quanto dos negros, conseguiam dos senhores o melhor tratamento, os quais não lhes negavam o perdão e nem mesmo os repreendiam. Havia até mesmo patrões brancos que deixavam ser governados por mulatos e somente por ciúmes é que a situação se invertia. Para Antonil as mulatas desinquietas não deviam jamais ser alforriadas, pois o dinheiro que elas davam para a alforria raramente saía de outras minas senão dos seus próprios corpos e, depois de forras, continuavam a arruinar a vida de muita gente⁵².

    A confusão que continuava a reinar nas minas gerais dos Cataguases, não demorou a opor paulistas e reinóis na disputa pelos mesmos arraiais auríferos. Os primeiros, sendo descobridores ou deles descendentes, achavam-se com mais direito a minerar; os segundos, chegados depois das minas já descobertas, também reivindicavam sua parcela. Os desentendimentos entre ambos os grupos se intensificaram, particularmente depois do assassinato de um português, casado com uma paulista, na região do rio das Mortes. Os reinóis suspeitaram que o autor daquele delito tivesse sido um paulista e, a partir de então, foi inevitável o enfretamento entre as duas facções, culminando na Guerra dos Emboabas⁵³, nome com o qual o episódio ficaria conhecido.

    O conflito estendeu-se de 1707 a 1709, na região central de Minas, que à época não tinha ainda um governo organizado, estando sujeita à capitania do Rio de Janeiro.

    Do lado dos reinóis a figura de maior expressão era Manoel Nunes Viana, que vivia de introduzir boiadas e outros produtos na região das Minas, trazendo-as de suas fazendas, ou mesmo da Bahia, através do rio São Francisco. Homem de grandes cabedais detinha muito poder. Tendo se indisposto com Borba Gato, superintendente paulista das terras do ouro, este quis expulsá-lo da região por considerá-lo contrabandista e defraudador da Coroa. Recusando-se a deixar a região, Viana armou os reinóis e tentou proclamar-se governador das Minas. Chegou mesmo a ser sagrado como Rei durante uma missa oficiada por frei Francisco de Menezes, um trinitário forasteiro, em Cachoeira do Campo. Intensificando o conflito, iniciaram-se as batalhas entre paulistas e emboabas, especialmente em Sabará e Cachoeira do Campo. Mas foi nas margens do rio das Mortes, para onde os paulistas haviam se retirado a fim de preparar o contra-ataque, que se travou a batalha final que selou a vitória dos reinóis. Ali o comandante emboaba Bento do Amaral Coutinho prometeu aos paulistas que não os matariam se entregassem suas armas, contudo, quando os viu desarmados os fez massacrar. Foram cerca de trezentos os mortos. O local ficou conhecido como o Capão da Traição⁵⁴.

    Frente à gravidade do caso, o governador dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre, mesmo prescindindo-se da ordem régia que era obrigado a solicitar, se dirigiu às Minas para acalmar os ânimos exaltados. Os portugueses (emboabas) o receberam mal e Lencastre teve de regressar ao Rio de Janeiro. O novo governador, Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho, nomeado em 1709, seguiu sem demora às Minas, indo a Caeté onde se divisou com Nunes Viana, ao qual conseguiu que deixasse o território mineiro, ainda que por pouco tempo⁵⁵.

    Findo o conflito, as autoridades portuguesas decidiram estabelecer um governo independente para a região e assim, por força de carta régia de 9 de novembro de 1709, os territórios de São Paulo e Minas foram separados da capitania do Rio de Janeiro e com eles se formou uma nova capitania, cujo primeiro governador foi o mesmo Antônio Albuquerque acima referido⁵⁶. Buscava-se desse modo, unindo paulistas e reinóis sob uma mesma administração, fazer cessar a desarmonia reinante.

    A ação dos bispos nas Minas tardou a se manifestar porque, tratando-se de região de nova descoberta, não havia acordo entre eles sobre a qual jurisdição pertencia aquele território. Além do mais, a organização de paróquias parecia impossível dada a constante mobilidade dos mineiros os quais, segundo Antonil, estavam sempre mudando "de um lugar para outro, como os filhos de Israel no deserto⁵⁷". Mais tarde, porém, a região aurífera foi colocada sob a jurisdição do bispo do Rio de Janeiro, mas isso não foi suficiente para conter os abusos que por lá se multiplicavam.

    Pertencendo, pois, à diocese do Rio de Janeiro, receberam as Minas a primeira visita de um delegado do bispo dessa diocese, em 1701, na pessoa do cônego Manoel da Costa Escobar. A este, naquele mesmo ano, coube a criação do primeiro curato na capela então existente na Vila do Ribeirão do Carmo (atual Mariana), a qual, em 1703, seria elevada a paróquia, a primeira das Minas Gerais⁵⁸. A Escobar seguiram-se outros visitadores que percorreram as terras íngremes da região mineira com comissão do bispo fluminense. Tais visitas eram geralmente temidas, pois se constituíam em verdadeiras sindicâncias sobre o procedimento do clero e do povo.

    Dom frei Antônio de Guadalupe foi o primeiro bispo que esteve pessoalmente nas Minas, onde chegou em 1726, tendo demorado dois anos nessa visita pastoral. Repetiu a visita em 1733 e 1735⁵⁹. Achando-se esse prelado em São João del Rei, em 3 de novembro de 1727, expediu longa carta pastoral a todo o clero e povo que habitavam na região das Minas, dando orientações para vida religiosa naquela parte de sua diocese. Referindo-se ao comportamento dos homens, dizia:

    E porque estão cheias estas Minas de homens casados em partes distantes esquecendo-se de suas mulheres talvez por viverem divertidos com outras, mandamos que nenhum pároco admita a desobrigar-se da quaresma o homem ou mulher que estiver apartado do seu consorte⁶⁰.

    Proibiu também ao povo os bailes e serenatas onde houvesse mistura de pessoas de ambos os sexos. Às parteiras, recomendou-lhes que aprendessem com os párocos como batizar, os quais deviam fornecer-lhes um certificado. Aos padres, entre outras coisas, recomendou o estudo das Constituições do Arcebispado da Bahia, a devoção na celebração dos sacramentos, o dever de trajar com hábito eclesiástico e da pregação nos dias de preceito, bem como a solicitude para com os enfermos. Por último, dirigia-lhes esta veemente exortação: "Proibimos com pena de excomunhão, que os eclesiásticos tenham de portas adentro mulheres de qualquer qualidade que sejam, ou seja, livres ou escravas, exceto se forem de cinquenta anos de idade; mas ainda nem estas poderão ter, se com elas fossem infamados algum dia⁶¹".

    Também o sucessor de dom Guadalupe, o carmelita dom frei João da Cruz, subiu, pessoalmente, em visita pastoral à porção mineira de seu bispado no ano de 1741, mostrando-se de tal forma prepotente com o clero e com o povo que não deixou ali boa impressão⁶². Contudo, o problema maior que teve de enfrentar nessa visita foi com o ouvidor de Vila Rica, o qual decidiu opor-se às suas severas medidas. Em 15 de setembro de 1743 dom João da Cruz escrevia ao Rei para relatar-lhe o que se passara em Vila Rica, durante sua visita, acusando o ouvidor de abuso de poder e de dar proteção aos escandalosos. Do modo extremamente rigoroso de agir do prelado, ele mesmo o diz em sua carta:

    A tanto tem chegado a perseguição do Ouvidor de Vila Rica Caetano Furtado de Mendonça contra a Igreja e contra mim em nome dela, depois do excesso que obrou na dita Vila vindo de assuada à minha porta com gente e armas amotinando o povo [...] tendo notícias dos procedimentos, e provimentos, que eu fazia em visita sobre qualquer matéria [...] Alguns públicos amancebados, a quem eu repreendia, e obrigava a lançar fora as mancebas fora de casa, diziam contra mim todas e quantas blasfêmias queriam, indignas dos católicos ouvidos, como o fez um Manuel João, a quem depois de autuado pelas ditas escandalosas blasfêmias mandei prender, e logo o Ouvidor publicou em audiência que agravasse o dito preso, como com efeito fez, e conseguira ser solto, senão fora remetido da dita Vila com pressa para o aljube do Rio de Janeiro⁶³.

    Continuando sua denúncia ao Rei, o bispo dizia que o ouvidor de Vila Rica queria ter muito poder não para castigar delitos, mas para impedir quem os queria castigar. Ele dizia ainda já ter tido notícia, pelo arcebispo da Bahia, ex-provisor na diocese portuguesa de Miranda, que o referido ouvidor era contra Deus, além de contra a Igreja, pois, ainda em Portugal, tinha sido excomungado e nunca procurara a absolvição, antes, dizia que era "acostumado a amansar bispos⁶⁴".

    Na Vila do Carmo (Mariana), onde permanecera por três meses, o bispo visitador destituiu o vigário da Vara, padre Francisco Pinheiro da Fonseca, que vivia em guerra com o padre João Ferreira Ribeiro, pároco local, e transferiu este último para outra paróquia. Tal fato, que muito desagradou aos paroquianos locais, somado aos desencontros com o ouvidor ocasionou um episódio que fez exaltar enormemente os ânimos de dom João da Cruz. O padre Pinheiro da Fonseca, que havia sido destituído da vigararia da Vara, aliado a dois outros padres também descontentes com o procedimento do bispo, fizeram tirar, às escondidas, os badalos de todos os sinos das igrejas da Vila, de modo que à partida do prelado nenhum pudesse soar, o que era uma ofensa de primeira grandeza. Indo já o bispo à longa distância, notou que os sinos não soavam. Ferido em sua dignidade, voltou com sua comitiva e procedeu a três devassas, simultaneamente, para descobrir os culpados daquela desatenção à sua pessoa. Mandou prender, primeiro, ao padre Pinheiro e depois a dezenas de outras pessoas, remetendo-as todas ao Rio de Janeiro, e interditou por longo tempo as igrejas da vila. O processo durou cerca de dois anos.

    À Metrópole chegariam tanto às reclamações do bispo quanto as do ouvidor, cada um com sua versão própria dos fatos. A ambos tal episódio traria ainda outros dissabores. O bispo, terminada a visita às Minas, em 1745, renunciou à diocese do Rio de Janeiro, sendo nomeado para a diocese portuguesa de Miranda, onde faleceu onze anos mais tarde. Consta que nesse bispado o povo festejou o seu falecimento com demonstrações públicas⁶⁵. O ouvidor de Vila Rica, por ordem de dom João V, foi preso e conduzido para os cárceres do Limoeiro, em Lisboa⁶⁶.

    No mesmo ano de 1745, foi criada a primeira diocese nas Minas, com sede em Mariana, tendo seu primeiro bispo, dom frei Manuel da Cruz, tomado posse em 5 de dezembro de 1748⁶⁷. O novel bispado, na data de sua ereção, compunha-se de 51 paróquias⁶⁸.

    A vida social nas Minas desenvolvia-se à sombra das igrejas edificadas nas sedes dos arraiais auríferos, sobretudo por iniciativa das diversas irmandades. Muitos desses templos, reluzentes de ouro que recobrem as artes dos protagonistas do barroco mineiro, como Aleijadinho e mestre Ataíde, ainda hoje testemunham o agitado período vivido pela capitania quando a mineração ditava o ritmo do cotidiano.

    Embora repleta de igrejas, nas Minas foi proibida, desde cedo, a presença de religiosos (frades), pois, na visão da Metrópole, os que para elas se dirigiam eram, normalmente, apóstatas ou fugitivos, já que nenhum convento existia nos novos territórios descobertos⁶⁹. A mesma proibição se estendia a qualquer clérigo que não se achasse incumbido da cura de almas. Em 1711, dom João V determinou ao governador da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, Antônio de Albuquerque que, com uso de força e violência, caso fosse necessário, expulsasse das Minas todos os frades e clérigos de ruim procedimento e incitadores de revoltas entre o povo⁷⁰. Em 1732, não tendo tal determinação sido executada a contento do Rei, ele a reiterou, acrescentando, em sua carta régia a dom Lourenço de Almeida, que o bispo do Rio de Janeiro não cumprira com a ordem de suspender do uso de ordens os clérigos que passavam às minas sem estarem providos. Sob o governo de Gomes Freire de Andrade, o Monarca ainda voltaria a dar-lhe ordens para a prisão dos clérigos e frades que sem sua licença continuavam indo para o território aurífero. Isso o fez em 1738 e 1744⁷¹.

    A insistência do governo contra a presença dos religiosos nas minas fundava-se, sobretudo, pelo uso que faziam da imunidade clerical nos postos de controle, nas estradas, para contrabandearem o ouro. Para isso, não raro serviam-se das imagens dos santos, esculpidas na madeira e ocas⁷², dentro das quais escondiam o ouro a ser contrabandeado⁷³.

    Se, por um lado, o governo considerava necessária a expulsão de tais religiosos, por outro a considerava prejudicial à desobriga dos povos, como se referiu o governador dom Braz Baltazar da Silveira em carta a dom João V, em 1715⁷⁴. Isso explica porque o bispo do Rio de Janeiro era lento na aplicação das determinações reais a esse respeito.

    1.2. Decadência aurífera e desafios da sociedade mineira

    Em 1709 a população ocupada com a mineração, agricultura e comércio nas Minas Gerais chegava a cerca de trinta mil pessoas⁷⁵. O governador Albuquerque tratou logo de organizar as instituições públicas na nova capitania e criou as três primeiras vilas mineiras, em 1711, que foram Vila do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (Mariana), Vila Rica de Albuquerque (Ouro Preto) e Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará. A essas três primitivas vilas foram acrescentadas, pouco depois, a de São João del Rei (1713), a Vila Nova da Rainha (Caeté) e a Vila do Príncipe (Serro), em 1714, já no governo de dom Braz Baltazar da Silveira. Nesse mesmo ano foram criadas ainda as três primeiras comarcas de Minas: Vila Rica (bacia do rio Doce), Rio das Velhas (bacia do rio São Francisco) e Rio das Mortes (bacia do rio Grande)⁷⁶.

    A criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro havia melhorado o governo das regiões auríferas, mas ainda não tinha sido o suficiente para evitar o contrabando de ouro. O território continuava a ser muito extenso. Dom João V então decidiu que, para melhor administração e defesa das ditas regiões, fossem elas separadas em governos distintos. Assim, pelo Alvará Régio de 2 de dezembro de 1720, foi criada a Capitania de Minas Gerais, independentemente da de São Paulo. À época ocupava o governo das capitanias unidas dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos – o conde de Assumar – que continuou no governo de Minas. Foi-lhe determinado colocar os limites no sertão, onde a jurisdição mineira haveria de confinar com a paulista⁷⁷. A questão dos limites entre os dois novos governos – sobre a qual voltaremos mais à frente – constituiria, doravante, um novo e sério problema a somar aos muitos então já existentes à administração daqueles territórios. Por esse ato do soberano português, que também desmembrou uma parte do litoral (Ubatuba, até então pertencente ao Rio de Janeiro) e a incorporou a São Paulo, essas duas capitanias ganhavam fisionomia mais próxima da que as distingue na atualidade.

    À corrida do ouro viria somar, a partir de 1729, a dos diamantes, descobertos na região da Vila do Príncipe (Serro) e Arraial do Tijuco (Diamantina). Logo uma multidão de aventureiros passaria da região aurífera à do distrito diamantino, o que, porém, não tardaria a ser proibido pela fiscalização radical que o governador dom Lourenço de Almeida, orientado pela Metrópole, estabeleceria naquela região⁷⁸.

    Se a nova configuração política das terras minerais proporcionaria relativa tranquilidade à Coroa portuguesa, o mesmo não ocorreria em relação aos aventureiros e seus escravos que cada vez mais ocupavam e alargavam os caminhos em demanda do ouro. A vida nos arraiais auríferos continuava a ser um pesadelo para a maioria dos mineiros. Os preços sempre mais altos, as doenças que se multiplicavam dado o clima desfavorável e a constante presença

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1