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Do corpo místico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736 - 1808
Do corpo místico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736 - 1808
Do corpo místico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736 - 1808
E-book401 páginas5 horas

Do corpo místico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736 - 1808

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Do Corpo Mistico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736-180 é um livro inédito e instigante, pois, o que à primeira vista, poderia aparentar ser algo homogêneo entre as Irmandades de devoção e com Termo de Compromisso e Confrarias e não apresentar novidades, seja em razão da existência de congêneres ou em Portugal ou noutras Capitanias, tendo este ou aquele orago ou padroeiro como referência comum, a obra revela uma enorme e rica diversidade entre essas associações religiosas do estado de Goiás.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de nov. de 2020
ISBN9788581486642
Do corpo místico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736 - 1808

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    Do corpo místico de Cristo - Cristina de Cássia Pereira Moraes

    Cristina de Cássia Pereira Moraes

    Do Corpo Místico de Cristo

    Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736 - 1808

    Copyright © 2014 by Paco Editorial

    Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

    Coordenação Editorial: Kátia Ayache

    Capa: Bruno Fonseca

    Diagramação: Bruno Fonseca

    Edição em Versão Digital: 2014

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Conselho Editorial

    Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

    Paco Editorial

    Av. Carlos Salles Block, 658

    Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21

    Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

    Telefones: 55 11 4521.6315 | 2449-0740 (fax) | 3446-6516

    atendimento@editorialpaco.com.br

    www.pacoeditorial.com.br

    Esse livro é dedicado ao Abrahão, companheiro de meia existência, presente em todos os momentos e aos meus arcanjos Rafael e Miguel que iluminam meus dias.

    Ao eterno mestre e amigo Dr. Jose Antonio de C.R.de Souza, sem seu apoio e carinho não conseguiria levar a termo essa tarefa.

    Sumário

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Dedicatória

    Prefácio

    Introdução

    CAPÍTULO 1: A VONTADE HUMANA DE CRISTO

    O descobrimento, povoamento e urbanização dos sertões dos Guayazes no século XVIII

    A religiosidade como fator de enraizamento

    A urbanização de Vila Boa

    A criação das prelazias de Goiás e Cuiabá

    CAPÍTULO 2: A UNIDADE DO CORPO MÍSTICO: AS IRMANDADES DE BRANCOS

    As irmandades de São Miguel e Almas

    A Irmandade de São Miguel e sua atuação como Misericórdia

    A Irmandade do Glorioso Santo Antônio: a devoção ao gloriozo Santo Antônio nos Guayazes

    A Irmandade de Nossa Senhora da Lapa: a devoção a Nossa Senhora da Lapa nos Guayazes

    As irmandades do Santíssimo: o culto ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia

    As irmandades de Nosso Senhor dos Passos: o culto ao Senhor dos Passos da Paixão nos Guayazes

    Organização hierárquica das congregações religiosas

    CAPÍTULO 3: A UNIDADE DO CORPO MÍSTICO

    As irmandades dos homens pretos e as de brancos, pardos, pretos forros e crioulos livres

    As irmandades de brancos, pardos, pretos forros e crioulos livres

    As irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte

    A Irmandade de São Benedito

    A Irmandade do Arcanjo São Miguel e Almas de Bonfim

    A Irmandade de Nossa Senhora da Abadia de Moquém

    CAPÍTULO 4: A UNIDADE DO CORPO MÍSTICO

    As irmandades de brancos, pardos, crioulos, pretos forros e escravos

    As irmandades de Nossa Senhora do Rosário (de Meia Ponte e de Bonfim) e de São Benedito (de Meia Ponte)

    A Irmandade de Santa Efigênia, de São José do Tocantins

    A Irmandade de Nossa Senhora das Mercês dos Cativos, do arraial de São Joaquim do Cocal

    A Irmandade e Confraria do Patriarca São José dos quatro ofícios

    CAPÍTULO 5: OS CAMINHOS DA SALVAÇÃO

    As irmandades e as festas

    A Semana Santa

    As celebrações reais

    As irmandades e a morte

    Bibliografia e Fontes

    Referências

    Página final

    Lista de Figuras e Gráficos

    Figura 1 - Prospecto de Vila Boa - Vista no sentido inverso, isto é, do norte para o sul, em 1751 (original da Casa da Insua, Portugal)

    Gráfico 1 – Produção do ouro Goiás – Brasil

    Gráfico 2 - Rendimentos do dízimo e da Real Fazenda da Capitania de Goiás 1762 – 1802

    Gráfico 3 - Enraizamento Vila boa de Goiás (AHU: Devassa 1803)

    Gráfico 4 - Enraizamento Vila boa de Goiás (AHU: Devassa 1803)

    Gráfico 5 - Categorias de irmandades RETIREI

    Gráfico 6 - Irmandades: ereção e localidade

    Gráfico 7 – Irmandades: cargos e valor de entrada (em oitavas de ouro)

    Gráfico 8 - Compromissos das irmandades do Santíssimo Sacramento da capitania de Goiás

    Gráfico 9 - Fonte: AFSD: Documentos Avulsos: Livro do Cartório do 1º Ofício de Goiás: Testamentos e Inventários (livro 062) 1765; Livro do Cartório do 1º Ofício de Goiás: Testamentos e Inventário (livro 063) 1781; Livro do Cartório do 1º Ofício de Goiás, Inventário (Livro 039) 1792 – 1799

    Prefácio

    Do Corpo Mistico de Cristo: Irmandades e Confraria na Capitania de Goiás 1736-1808, que agora vem a lume é o resultado de laboriosa pesquisa de Cristina de Cássia Pereira Moraes que, como ela própria diz, é fruto de sua tese de doutoramento, elaborada sob a orientação da Professora Doutora Maria Fernanda Dinis Teixeira Enes, apresentada e defendida junto à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 30 de janeiro de 2006, a qual tive a honra e o prazer de acompanhar de perto e, igualmente, de participar do Júri que a examinou.

    Trata-se de um livro, no mínimo, inédito e instigante, pois, o que à primeira vista, poderia aparentar ser algo homogêneo entre as Irmandades – de devoção e com Termo de Compromisso – e Confrarias e não apresentar novidades, seja em razão da existência de congêneres ou em Portugal ou noutras Capitanias, tendo este ou aquele orago ou padroeiro como referência comum, a pesquisa estribada em trinta e um documentos do mencionado tipo, nos Inventários dos bens e nas Atas das reuniões, compulsados nos arquivos da Cidade de Goiás, de Goiânia, do Rio de Janeiro, de S. Paulo e de Lisboa – Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo da Torre do Tombo, Biblioteca da Ajuda e Biblioteca Nacional de Lisboa, – acabou revelando uma enorme e rica diversidade entre essas associações religiosas locais.

    Ademais, sua leitura nos obriga também a por de lado as categorias, por meio das quais, normalmente o assunto é considerado, a fim de, sem preconceitos, ser receptivo à abordagem proposta pela autora. Tal abordagem no tocante ao estudo das mencionadas associações religiosas obedeceu a dois critérios cronológicos e tipológicos. Inicialmente, nos primeiros decênios da história da Capitania, no critério estribado na devoção aos santos e santas protetores. Mais tarde, com o passar do tempo, devido à expansão das mesmas, nos critérios de hierarquia social e cor, de modo que nos Guayazes chegou a haver quatro tipos dessas agremiações, a saber, 1 – irmandades que só aceitavam só brancos; 2 – irmandades que só admitiam pretos; 3 – irmandades que aceitavam pessoas de quaisquer cores desde que fossem livres; 4 – irmandades que admitiam como membros pessoas de quaisquer cores, livres, forros e escravos.

    Portanto, na senda de um punhado de historiadores pioneiros e ousados que se dedicaram à História de Goiás do século XVIII, bem como nas pegadas de um número de estudiosos mais numeroso que se dedicou a estudar a História da Igreja no Brasil Colonial e, das associações religiosas, ancorada nas fontes documentais que recolheu e, depois analisou e comentou e na bibliografia pertinente, a Profa. Cristina oferece uma contribuição inédita e relevante para a história da religião Católica na Capitania, em especial, em Vila Boa e noutros lugares de mineração, no período que se estende de 1733 a 1808, demonstrando a importância do sentimento e da vivência religiosa dos arrivistas no sertão dos Guayazes, manifesta não só nas celebrações cultuais próprias e oficiais, mas principalmente, no dia a dia das Irmandades e Confrarias religiosas de brancos, negros e pardos e de seus positivos desdobramentos nas esferas social e econômica.

    É oportuno frisar que o surgimento e a existência das Irmandades e Confrarias haure-se na doutrina do Corpo Místico de Cristo, (cf. 1ª Cor, 15, 27 e seguintes, Ef., 1, 22-23), de acordo com a qual todos os batizados em Jesus, são seus membros, os quais constituem um corpo uno e único, cuja cabeça é o próprio Senhor. Consequentemente, todos, então, são responsáveis ou pela conservação, edificação e propagação desse corpo, mediante a crença na Boa Nova e a prática efetiva do Mandamento do Amor ou, por outro lado, culpados por seu enfraquecimento, estagnação e degeneração, devido ao mal que praticam ou ao bem que deixam de fazer aos outros.

    Por conseguinte, no interior do Corpo Místico de Cristo, as Irmandades e Confrarias, pequenas células desse imenso corpo, eram constituídas pelos irmãos que, devotos de um santo protetor comum, se comprometiam a promover e a manter a devoção privada ou pública ao mesmo, vivendo mais intensamente a sua Fé e Caridade e, de quem, passavam a receber uma proteção especial, em meio às vicissitudes, labutas e tentações do Inimigo invisível.

    Essa vivência religiosa mais intensa os levava não só a participar das missas dominicais e Festas de Guarda da Igreja Romana, das celebrações em louvor ao orago protetor, das reuniões da própria Irmandade e ou Confraria, mas também, a se engajar em inúmeras obras assistenciais aos seus membros, tais como, a manutenção de hospitais, asilos, hospícios e orfanatos; a contribuir finaceiramente para os funerais, casamento e, até mesmo, para a alforria de seus confrades. Todos esses aspectos contribuíram, sem dúvida, para a fixação dos arrivistas no sertão dos Guayazes, fazendo com que, geograficamente, o Tratado de Tordesilhas ficasse letra morta e o Brasil tivesse a face que tem hoje, ratificada pelos tratados de Madri e de Santo Ildefonso.

    Entretanto, deixemos a Profa. Cristina Moraes relatar o resultado do seu profícuo labor.

    Aracaju, agosto de 2009.

    Dr. José Antônio de Camargo Rodrigues de Souza

    Prof. Titular da Universidade Federal de Goiás

    Introdução

    Após pesquisar, ler e reler a produção historiográfica sobre o século XVIII em Goiás e garimpar nos principais arquivos na Cidade de Goiás e Goiânia, percebemos que a religiosidade foi o fator mais intenso e profundo entre os habitantes dos Guayazes. Enquanto compunhamos o histórico de algumas Irmandades na antiga capital Vila Boa, deparamo-nos com a necessidade de resgatar as origens de outras associações religiosas dispersas pela região, marcadas por resistências, conformismos, silêncios obstinados dos irmãos e confrades. Alem de buscar suas origens no reino português de Dom João V, Dom José I e Dona Maria, deveríamos também resgatar essas raizes em Belém do Pará e no Rio de Janeiro, pois, a capitania esteve ligada em sua divisão eclesiástica ao Bispado do Pará e ao Bispado do Rio de Janeiro.

    Inicialmente, propusemos analisar essa capitania a partir das irmandades e confrarias existentes desde 1733, momento em que se estrutura a sociedade por meio da formação de grupos que erigiram as irmandades a partir de sua devoção trazida de além-mar e de outras capitanias nos domínios ultramarinos até 1808, período em que a Corte Portuguesa foi transferida para o Brasil e as associações religiosas sofreram alterações substanciais em seus compromissos. A partir da análise de seus Termos de Compromisso supúnhamos inicialmente que essas irmandades eram todas iguais. Entretanto, à medida que pesquisávamos, percebíamos que o santo de devoção era o mesmo, mas seus compromissos e sua participação na sociedade eram totalmente diferentes.

    Devido a abrangência do estudo, tornou-se imperativo delimitá-lo. Ao analisar a jurisdição eclesiástica pretendíamos acompanhar gradativamente ou cronologicamente seu predomínio em toda sua extensão, nos domínios ultramarinos, para que pudéssemos perceber, por meio da legislação envolvendo o padroado e das denúncias, visitações, processos de devassas, as resistências das Irmandades aos interesses da Coroa e dos prelados. No entanto, nossa pretensão foi a de privilegiar o segundo quartel do século XVIII, especificamente o período compreendido entre 1733-1736 e 1805-1808.

    A data inicial assinala a ereção da primeira irmandade de São Miguel no arraial de Santa Ana que, consequentemente, propiciou a fundação da Igreja Matriz e a estruturação da única Vila de Goiás. No periódo final entre 1805 e 1808, efetivou-se uma devassa na capitania para apurar vários problemas ocorridos durante o governo de Dom João de Meneses o que, culminou na sociedade local, por um maior controle do Estado sobre as Irmandades, bem como, uma acentuada diminuição na arrecadação aurífera na região. Fatos que se inter-relacionam com uma época de mudanças políticas, econômicas e sociais desencadeadas pela chegada da Família Real portuguesa no Brasil, transformando toda a sociedade do século XIX. Se, até então, as Irmandades funcionavam como um aparador de tensões entre as jurisdições, o governo de D. João VI passou a controlá-las e moldá-las desarticulando suas organizações específicas.

    Cabe ressaltar que não priorizamos toda a Capitania, mas apenas a algumas áreas mineradoras, com suas Irmandades mais determinantes e vida social mais intensa, as quais pertenciam ao Bispado do Rio de Janeiro, posto que o norte da Capitania era parte do Bispado do Pará.

    Observe-se que a documentação sobre as Irmandades, que no período investigado regia a vida religiosa e social, tornou-se uma lei geral incidindo sobre todas as Capitanias. Esta observação resulta da análise de seus Termos de Compromisso que, para além de um processo de missionação,¹ tem como objetivo solucionar os problemas sociais de assistência físico-moral às populações. Os Termos de Compromisso feitos na Capitania a partir de um modelo português eram encaminhados ao Vigário Geral da Capitania; depois de aprovados, eram remetidos ao Bispo responsável pela Prelazia seguindo, depois, à Metrópole para serem aprovados pela Mesa de Consciência e Ordens. Voltavam então com o Termo de confirmação aprovado pelo rei ou a rainha.

    A documentação mostra que a permissão de criação das Irmandades no Brasil, foi um plano de civilização aos habitantes, bem como um programa de colonização das gentes do Brasil. Entretanto, o que se infere é que nas chamadas Irmandades leigas, o controle político-administrativo e eclesiástico contou com a preparação de um ambiente social onde circularam diferentes formas de culturas, costumes e tradições que supunham o ato de restituir a liberdade numa terra de ninguém.

    Os estudos sobre sociedades e culturas têm por objeto empreender exercícios de autoconhecimento e reconhecimento de nossas convicções e aspirações, não sendo estas nada mais que sentimentos produzidos no meio social em que vivemos e que, ao final, cumprimos o papel de registrar as observações de nosso tempo. Mas se hoje nos prendemos ao aspecto frágil que tal constatação imprime às nossas análises, vendo e lamentando a relatividade de seu peso para o processo cumulativo do conhecimento, ao menos nos livramos da atitude de exigir que nossos autores e atores sociais situados no passado, percebam a realidade em que viviam com os olhos de quem os observa a mais de duzentos anos volvidos. A documentação sobre os homens e mulheres associados em Irmandades exprime uma dada sociedade, propõem uma transformação social e se torna o instrumento legal que dirige a execução de um projeto de enraizamento ao articular a Jurisdição Real e a Eclesiástica.

    Na verdade, iremos tratar da religiosidade como o fator preponderante que aglutinou os milhares de arrivistas no sertão dos Guayazes, tendo em vista que o sentimento religioso e a busca do sagrado, aspectos que uniam todos, contribuíram para que estas pessoas se irmanassem, organizando-se em sociedade e fixando-se em locais que lhes eram completamente adversos. Esse é um tema que, até o momento, não foi contemplado na historiografia de Goiás.

    O título do livro define o objetivo da investigação, pois, as irmandades e confrarias conforme seus Compromissos, se autodefinem como corpos místicos que pela união das vontades, se unem entre si para formar um místico governo. O fundamento teológico para a origem dessas associações é a doutrina do corpo místico de Cristo, consoante o ensinamento de São Paulo (1ª Cor., 15, 27; Ef. 1, 22-23) segundo a qual todos os batizados no Senhor são seus membros, os quais, irmanados entre si, constituem um corpo único e uno, cuja cabeça é Cristo. Todos são responsáveis uns pelos outros, tanto para a conservação e expansão desse corpo, por meio da prática do bem, quanto por seu enfraquecimento e estagnação, ou por meio da omissão ou da prática do mal.

    Nesse sentido, no mundo material, o corpo místico de Cristo é a Igreja Católica militante, comunidade de todos os fiéis. No outro mundo, o sobrenatural e transcendente que faz parte da Igreja Triunfante, estão todos aqueles que, nesta terra, creram na Promessa do Messias, desde Adão, e n’Ele próprio e em seus ensinamentos e os praticaram. Concretamente, as associações são partes integrantes e parcelares desse imenso corpo em que a fé e a caridade podem ser vivenciadas mais intensamente.

    Assim, podemos definir irmandades como associações cujo objetivo era o de congregar as fiéis, os quais, escolhendo um santo protetor comum, passariam a contar com sua protecção especial em meio às lutas terrenas. Tinham como compromisso mútuo promover e manter a devoção ao orago dentro de um determinado espaço. Não apenas formal ou concreto, como capelas e igrejas, mas também como espaço mental que se constituiria quase como um espelho da sua auto-imagem, de sua identidade como grupo.

    A par das atividades assistenciais aos seus membros - por exemplo, a criação e manutenção de hospitais, hospícios, asilos e orfanatos, e até mesmo, o auxílio financeiro para os funerais e para casamento - elas também os assistiam no âmbito de vida espiritual ou religiosa, verbi gratia, estimulando-os a participar das missas e festas de guarda da Igreja, cuidar das celebrações em louvor do seu orago, participar das reuniões da associação e cumprir as suas normas estatutárias. Até mesmo, prepará-los, quando possível, para morrer bem.

    Por isso, no seio das irmandades se exercitou e se estabeleceu o modelo de sociabilidade religiosa que consiste na busca da identidade, respeitadas as diversidades. Assim, os sertanistas que descobriram e se fixaram em Goiás seguiram o costume ou tradição religiosa de seus antepassados lusitanos e paulistas. Entretanto, adaptaram, essas associações à realidade cultural que encontraram, incorporando aspectos de origem indígena e africana.

    Esse livro concretiza uma investigação no âmbito da História das Idéias, variante História das Idéias Religiosas, posto que os homens e as mulheres construíram, implícita ou explicitamente, as Idéias que fazem mover uma dada sociedade, mas tendo em conta a transcendência que comanda a História pela essência do Homem que é racional e situado no tempo e no espaço. (Pereira, 1992, p.14) Essa abordagem teórica, procura a apreensão da pensabilidade do fato, pela tensão do fato e pela perspectiva interrogante, para além das exigências estritas do cuidado heurístico e do tempo histórico. Se a História das Idéias implica a compreensão do subsolo do fato histórico, o vector da história das idéias religiosas busca a inteligibilidade dos núcleos eidéticos que, explícita ou implicitamente, dão sentido ao fenómeno religioso e, por meio dele à vida humana. (Enes, 2002, p.20)

    Assim, tendo por base o fato de serem as idéias um produto socialmente determinado, buscamos conhecer as articulações, influências e sentidos produzidos pelos irmãos e confrades naquele período histórico específico, uma vez que nos interessa averiguar o projeto de enraizamento através da religiosidade engendrado pelas associações religiosas no século XVIII.

    Igualmente, a organização de uma multidão, num determinado local, não implica necessariamente fixação, estabelecimento de um senso de coletividade, de comunidade. As multidões, são agregados demasiado voláteis, se reúnem tão rapidamente quanto se dispersam. Ora, se o povoamento da região foi dessa maneira e, é sabido que a intenção da coroa era fixar aí essa multidão de arrivistas, qual força teria exercido uma pressão coletiva capaz de aglutiná-los? O que teria levado as multidões a se decidirem por estabelecer arraiais em lugares específicos? O que teria dado a unidade necessária para aglutinar as forças dispersivas? A resposta a essas questões deve ser buscada na religiosidade popular e seu vínculo estreito com o sagrado e o espaço constituído nos patrimônios² que terão dado início aos primeiros arraiais.

    Efetivamente, partimos do pressuposto que os homens e as mulheres somente estabelecem raízes num outro local diferente quando participam real e ativamente duma nova coletividade. De outra parte, outro valor que conservaram foi o sentimento religioso ao conservarem uma religiosidade, também ela desenraizada.

    Partimos da hipótese que as formas de identificação de cada Irmandade variam contextualmente e reproduzem a ambivalência que permeia as relações entre Portugal e os domínios ultramarinos. Há, num primeiro momento, uma crise do poder, com trocas de acusações e imagens negativas de ambas as partes. Em seguida, evoca-se o direito do padroado régio que está sobrejacente a Igreja Católica, assim como o ideário a ela subjacente, qual seja, a negação do conflito. Igualmente, busca-se no controle exercido sobre as Irmandades, o reforço da ambigüidade das relações entre os portugueses, os naturais da terra e os africanos reduzindo os conflitos entre ambos somente a problemas religiosos, mascarando as diferenças de fato existentes e relegando-as para as futuras crises.

    Tendo a concepção de corpo místico de Cristo como alicerce das associações religiosas, o ponto de partida para a análise da documentação pesquisada foi sempre seus termo de compromisso. Assim, primeiramente, verificamos e nos ativemos à natureza jurídica dessas agremiações religiosas. Com efeito, houve na Capitania de Goiás, irmandades leigas sujeitas à jurisdição real e outras sujeitas à jurisdição eclesiástica. Essas foram fundadas e instituídas mediante aprovação eclesiástica, após a criação da capitania. As irmandades de devoção, ao contrário, precederam à organização administrativa e eclesiástica da capitania.

    Em alguns casos, até meados do século XVIII, encontramos associações denominadas de irmandades, que possuíam capelas ou templos próprios e, agremiações chamadas de confrarias, que não tinham termo de compromisso, mas possuíam altares laterais em certas igrejas, em honra de seu orago, destinados ao culto do mesmo pelos irmãos. Ou seja, as irmandades de devoção não possuíam uma organização reconhecida pelas autoridades eclesiástica e régia. As de obrigação, ao contrário, estavam organizadas mediante um termo de compromisso, reconhecido por ambas as autoridades, em que estavam definidas as obrigações materiais e espirituais entre os irmãos, a hierarquia entre eles, os cargos eletivos, os critérios para a ocupação dos mesmos, para o ingresso na associação, a forma de sua manutenção financeira e um modelo de orçamento de gastos.

    Nossa opção teórico-metodológica foi a de construir o objeto a partir dele mesmo. Por um lado, tentamos apreender a sociedade dos Guayazes na própria documentação da época; por outro, a investigação nos mostrou o caminho a ser analisado por meio da historiografia produzida sobre os setecentos e sobre o próprio tema em outras capitanias brasileiras. Desse modo, a historiografia foi uma resposta ao exame profundo de questões, dependente de diligências, documentos, testemunhas, etc., e com largo debate das partes interessadas.

    Embora sejam vastíssimas as opções para se averiguar os desdobramentos da análise desses documentos sob a óptica da História das Idéias – variante, História da Idéias Religiosas - optamos em analisar o nosso objeto de pesquisa, detendo-nos apenas nas representações ocorridas entre o discurso oficial que se impunha e as necessidades reais da sociedade à qual se destinava, o que viria a permitir visões e distorções de toda natureza e incompatibilidades de interesses, maculando, assim, os resultados objetivados por um projeto de missionação português devido ao costume e ao direito comum.

    A categoria costume aqui proposta refere-se a uma percepção vulgar de um direito, de uma lei em um determinado lugar. Em geral, os costumes se desenvolvem, são produzidos e criados entre as pessoas comuns e repousam sobre quatro bases: a antiguidade, a constância, a certeza e a razão. Para nós, o costume será visto como um lugar de conflito e não como consenso entre os diferentes grupos sociais existentes nas Irmandades e confrarias, pois não era algo fixo e imutável com o mesmo significado para todos. (Thompson 1999)

    Não poderia de forma alguma deixar de registrar a contribuição de historiadores responsáveis pelo diálogo travado com as fontes, E. P. Thompson, Raymond Williams, Mary Karasch, Robert W. Slenes, Eugene D. Genovese, George Rude, Phillipe Ariès, Jean Delumeau, Michel Vovelle, Jacques Le Goff, Louis Châtellier, Gabriel Le Brás, e, por fim; Maria Fernanda Enes, Ana Cristina de Araújo, Maria Jose Cabral Barata Laboeiro de Villa-Lobos, Miguel de Oliveira, José Luis Cardoso, Joaquim Serrão, Jorge Crespo, José Ramos Tinhorão, Pedro Penteado.

    Estudiosos das associações religiosas Fritz Teixeira Salles, Julita Scarano, Caio César Boschi, Marcos Magalhães de Aguiar, Maria Aparecida Gaeta, Maria Aparecida Quintão nos legaram modelos de análise para uma investigação sobre as irmandades brasileiras. Para além desses estudiosos, a contribuição e inspiração de José Antonio de Camargo R. de Souza se encontra em todas as páginas.

    No Brasil, a historiografia sobre a religiosidade popular perpassa impreterivelmente por Eduardo Hoornaert, Fernando Londoño e Riolando Azzi. Seus estudos são feitos a partir dos estudos da instituição do Padroado. Desse modo, os monarcas portugueses se constituíram como os verdadeiros chefes espirituais - o governador e grão mestre da Ordem de Cristo, que a partir de D. Manuel caiu na pessoa do monarca - das novas terras, por delegação do papa. A eles, competia implantar a fé cristã nas terras brasileiras, considerando a organização eclesiástica como um departamento de Estado, orientado pela Mesa de Consciência e Ordens.

    Efetivamente, esperamos corroborar que as irmandades foram o embrião do enraizamento e da sociedade de homens e mulheres, livres e escravos, que se radicaram nos sertões dos Guayazes, pois que no seu interior foram tecidos e consolidados laços hauridos na caridade cristã e baseados num Compromisso assumido por todos os irmãos.

    Examinando e analisando os termos de compromisso das 31 irmandades que surgiram e se organizaram nos sertões dos Guayazes no período em apreço, verificamos que, permeando os elos de solidariedade e sociabilidade entre seus membros, além das características gerais comuns, outras diferenças específicas que as distinguiram entre si e que nos permitem agrupá-las e tipificá-las em quatro grupos, visando, resgatar o continuum e o descontinuum em cada um deles. Optamos em tipificar as irmandades pesquisadas na capitania de Goiás, inicialmente, a partir das categorias de devoção e compromisso; num segundo momento, através das categorias de cor e hierarquia social. Essa opção decorre dos critérios da própria documentação pesquisada para a compreensão do conceito de enraizamento na região dos Guayazes.

    Os grupos mencionados são as - irmandades que aceitavam apenas brancos; as que congregavam somente pretos; as que admitiam membros de qualquer cor, desde que fossem livres; e as associações que, indistintamente, aceitavam brancos, pretos, pardos, crioulos, escravos e forros.

    Para esse estudo, valemos-nos, nos últimos cinco anos, de vasta documentação inédita e variada. Inédita, não no sentido do incomum, nunca vista, do original, mas sim por não ter interessado antes a algum historiador. As dificuldades para consultar os arquivos existentes em Goiás, que raramente estão catalogados, em boas condições ou com documentos legíveis são inúmeras e tendem a desanimar qualquer principiante. Mesmo assim, foram levantados documentos como correspondências oficiais entre Portugal e a Capitania, correspondências com o Bispado e com o Vaticano, legislação régia, constituições eclesiásticas, visitações e pastorais com seus Livros de Visitações, Livro das Devassas e o Rol dos Culpados, inventários, termos de compromissos, de assentos, de receita e despesa das Irmandades, bem como os seus termos de mesa. Procurei sempre, nas entrelinhas o não dito, o não escrito, tentando cruzar as informações oficiais com as Atas conhecidas como termos de mesa que burlavam o código escrito e, portanto, sob vigilância e os inventários oficiais com as doações feitas às Irmandades.

    O material de pesquisa neste estudo é resultado de nossa investigação nos arquivos da Cidade de Goiás, Goiânia, Rio de Janeiro e Lisboa. Na Cidade de Goiás, enquanto inventariávamos a Coleção Frei Simão Dorvi, tivemos a oportunidade de consultar a documentação eclesiástica amealhada pelo mesmo e pesquisada por nós, entre 1995 a 1999. Em Goiânia, no Arquivo Histórico de Goiás, pesquisamos a correspondência oficial da Capitania bem como alguns termos de compromisso e inventário de bens. No Rio de Janeiro, consultamos a legislação portuguesa e correspondências oficiais entre Goiás e o Bispado na Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional e em São Paulo o material encontrado na Biblioteca Mário de Andrade foi de primordial importância. Nos quatro anos de idas e vindas a Lisboa, trabalhei exaustivamente digitando documentos na íntegra, do Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo da Torre do Tombo, Biblioteca da Ajuda e Biblioteca Nacional de Lisboa. Passeamos também pelas bibliotecas e arquivos de Évora, Coimbra e Porto.

    A lista extensa de arquivos

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