Abraço de dinossauro
De Esmar Filho
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Sobre este e-book
A felicidade pode ser uma exceção que incansavelmente é perseguida dia após dia, mas as tristezas, muitas das vezes, podem ser avocadas para melhor valorizar nossas alegrias. O que liga os seres vai além da compreensão e não pode ser cindido. Às vezes, o aprendizado é feito a duras penas, mas nesta vida o aprendizado é constante e deve ser assimilado até o último suspiro, pois é ele que constituirá a continuidade, seja ela de que maneira ou onde for.
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Abraço de dinossauro - Esmar Filho
Viana
Para sempre
De todos os natais aquele foi o mais terrivelmente inesquecível. De todos os natais aquele foi o mais triste. De todos os natais aquele foi o que mais gostaria de esquecer. Nunca mais seríamos os mesmos...
De repente, não mais que de repente, nossa família se viu no meio de um pesadelo.
Dormimos, abrimos os olhos e o pesadelo não tinha ido embora. Estava ali, firme, inexorável, irremediável... Durante quatro meses nosso cotidiano foi de visitas ao hospital, e à casa de nossa mãe, onde era o nosso QG, nosso templo, onde buscávamos a força, a esperança e a ternura, de quem já havia passado por outras surpresas típicas da vida do ser humano. O acidente do Nicolas trouxe-nos a certeza do quanto a vida pode ser frágil e implacável.
O acidente nos uniu, nos espiou, e ainda continua presente.
Foram quatro meses de internação do Nicolas na UTI infantil que, certamente, teve sua função no sentido de acomodar as placas tectônicas deste terremoto que nunca mais deixaria as coisas como antes. Até que um dia um anjo o levou definitivamente daquela manjedoura para o céu das crianças.
Não adianta tentarmos entender a razão das coisas, de tentarmos entender como a vida funciona, para que ela serve, porque ela acaba dessa forma, tão repentina, sem avisar...
Carlos Drummond diz em seu poema «Para Sempre» que as mães nunca deveriam morrer, mas acho que os filhos também não.
Euler Franco
O inesperado
A história e fatos relatados neste livro tentam exteriorizar a dor pelas quais passaram, passam e, infelizmente, passarão pais vitimados pelo falecimento de seus filhos, principalmente em tenra idade. Há pessoas que, nas melhores de suas intenções, dizem que a despedida deste mundo de forma mais breve alivia os sofrimentos a que todos estamos sujeitos, já que neste mundo a angústia e a dor estão mais presentes do que as alegrias e os bons momentos.
Não vejo muito bem por aí. Sei que a felicidade é uma exceção que incansavelmente perseguimos dia após dia, mas tenho que as tristezas, muitas das vezes, podem ser avocadas para melhor valorizar nossas alegrias. Gosto que as pessoas que eu amo estejam fisicamente ao meu lado, próximas. Mas percebo que este egoísmo tem mais a ver comigo mesmo do que com o amor que me liga a elas, já que este não depende da presença física ou do contato material. O que nos liga vai além de nossa compreensão e não pode ser cindido. Às vezes, aprendemos isto a duras penas, mas nesta vida o aprendizado é constante e deve ser assimilado até o último suspiro, pois é ele que constituirá nossa continuidade, seja ela de que maneira ou onde for.
Mesmo que o passamento de meu filho tenha se dado quando contava com apenas três anos de idade, tenho que tal, pouco ou nada importa, já que o simples fato de nós, pais, enterrarmos nossos filhos, independentemente de sua idade, já representa uma violenta mudança na ordem natural das coisas.
Também necessário dizer que esta obra, que pretende tão simplesmente relatar a dolorosa experiência de se perder um filho, é direcionada tanto ao pai como à mãe, posto que o sofrimento atinge ambos igualmente, e somente se diferem na forma como vão suportar e compreender o trágico evento. O amor de pai e de mãe não diverge na intensidade ou profundidade, tão somente se distinguem quanto ao modo de sentir ou exteriorizar.
Este livro também é dirigido aos familiares, amigos e profissionais envolvidos no processo de perda de um ente querido a fim de que, espelhados nesta história, busquem uma melhor sintonia em torno de todo o sofrimento, visando facilitar, na medida do possível a superação, fortalecendo os laços afetivos.
Pela vida passamos por várias situações dolorosas. Muitas delas imaginamos ser intermináveis ou insuperáveis. Como diz o conhecido provérbio: Não há mal que dure para sempre, nem bem que não se acabe
. Mas a perda de um filho transcende este dito popular, já que a dor daí advinda será carregada pelo resto da vida e talvez perca intensidade, mas sempre estará presente. O estado de espírito oscila mais frequentemente e de forma mais intensa. Sem qualquer motivo aparente, você é acometido por uma sensação enorme de saudade e vazio, que lhe consome as energias. É necessário que distingamos a saudade da tristeza, da dor e do desespero. Mesmo que aparentemente todas se relacionem, elas não são dependentes umas das outras. Ao contrário, se repelem.
A saudade é um sentimento que nos faz chorar, mas acende no peito uma sensação mista de alegria e contentamento, e nos faz indagar como podemos amar tanto uma pessoa e com tanta intensidade, desprendimento e desinteresse. Agradecemos a Deus por nos permitir experimentar tão puro e sublime sentimento, não nos condenando a passar por este mundo de forma tão vazia.
Já a dor, a tristeza e a revolta podemos evitar, pois, além de nos incomodar, abalam o verdadeiro amor que nutrimos por aquele que se foi. Como todos dizem, a vida continua, devemos nos readaptar e, diferentemente dos demais, conviver com a dor e a saudade. Fora algumas exceções, que hoje em dia não são tão raras como antigamente, intencionamos estabilizar um relacionamento e daí então ter filhos. Atualmente (2014), as estatísticas oficiais demonstram que a média são dois filhos por casal ou menos.
A partir daí, normalmente traçamos um futuro no qual mal nos incluímos, somente os filhos interessam. Desdobramos-nos para dar-lhes o melhor atendimento médico, a melhor fralda, a melhor escola, a melhor alimentação, os melhores amigos, entre outras tantas coisas que muitas vezes eles sequer precisam ou desejam, caso pudessem entender ou opinar.
Criamos, não raras vezes, uma barreira superprotetora, a qual, se não bem dosada, poderá até ser prejudicial. Enfim, nos atrevemos a planejar para nossos filhos aquilo que queríamos de melhor para nós mesmos e talvez que sequer tivemos ou teremos. Porém, além de não sabermos se nossos filhos gostariam de ser tratados assim, percebemos que todo este planejamento é feito sobre o fio de uma navalha e pode, a qualquer momento, ser bruscamente alterado ou interrompido. Para os cristãos, pela vontade divina, para os demais, pelo acaso, destino ou qualquer outra força da natureza ou do universo.
Isso não importa. O que importa é que nossos planos, a bem da verdade, dependem muito pouco de nós para serem executados, pois percebemos que somos a parte mais frágil e insignificante de todo processo que envolve a vida. Quando um planejamento não chega ao final ou é bruscamente interrompido, tentamos, após o total desespero, buscar explicações ou respostas. Tenho que nem um, nem outro, são possíveis. Nesse momento, entram a estrutura familiar, amigos e crenças. Quem tem família e amigos consegue um apoio excepcional e extremamente fundamental para enfrentar o momento de sofrimento. Quem tem sua crença ou fé, se apega ainda mais ou se afasta. Quem não a tem... Bem, neste caso, não há o que se fazer. O que importa, no final, é como vamos reagir e encarar a interrupção do rumo esperado da vida, não o normal.
Sempre fui cristão, mas não exerci minha fé com maior acuidade como exige a religião católica, a qual adotei por herança familiar. Todas as agruras superadas e vitórias conquistadas foram atribuídas a Deus de uma maneira simples e direta, não por subserviência, mas pela fé. Desde o acidente que vitimou meu filho Nicolas, ocorrido em 17 de dezembro de 2009, o entreguei nas mãos de Deus e Lhe pedi que o melhor fosse feito para ele, deixando de lado meu egoísmo, mesmo que o apego à matéria, à presença física fosse e ainda seja tão desejado. Como Deus conhece nossos pensamentos e palavras até mesmo antes de proferidas, não lhe escondi minha vontade de que meu filho fosse curado e retornasse ao nosso convívio.
Imaginando que pudesse escolher ou tivesse poder para optar, pedi inicialmente que meu filho não morresse e não ficasse com nenhuma sequela. Durante os cento e vinte dias em que meu filho, de apenas dois anos e oito meses de idade, esteve internado em uma UTI pediátrica, com traumatismo craniano gravíssimo, intensifiquei minhas orações e clemências a Deus. Agradecia a cada dia que passava e que me tinha sido permitido permanecer com ele.
Sei que parecia interesseiro apegar-me a Deus e aos ensinamentos bíblicos com maior interesse naquele momento de total aflição, mesmo tendo passado toda minha vida sem me dedicar ou exercer como esperado ou exigido por minha religião. Mas naquele momento isto sequer me veio à mente e pouco ou nada importava. Buscava, sem qualquer escrúpulo, todo tipo de recurso material, médico, científico ou espiritual que pudesse, mesmo hipotética ou minimamente, ajudar no tratamento e recuperação de meu filho.
Família. Peça essencial e basilar de nossa sociedade. Mesmo que em nosso mundo moderno ela não seja mais sinônimo de união, impressionei-me do jeito com que a minha se postou diante dos acontecimentos. A família que aqui trato não se limita a meus pais e irmãos, mas aos primos, tios e sobrinhos. É cediço que na correria do dia a dia, tendemos a desapegar de nossos parentes. Realmente. Meus primos e tios, cada qual com suas ocupações, nos víamos raramente. O que era absolutamente normal e justificável. Fator que agravava tal situação era eu morar em outro estado.
Mas assim que o Nicolas foi internado, todos os parentes surgiram, não apenas uma única vez, mas diariamente, externando as mais variadas demonstrações de carinho e solidariedade, fazendo orações, lanches e, para aqueles que por força do ofício estavam habilitados, frequentavam a UTI, inclusive ajudando em alguns procedimentos médicos. Enfim, foi surpreendente como toda a família se reuniu e se uniu em torno de um de seus membros, deixando como legado a certeza de que, mesmo que aparentemente estejamos afastados e/ou distantes, podemos sempre contar uns com os outros.
Os amigos, tão indispensáveis quanto os parentes, surgiram de todas as partes. Compartilharam o sofrimento e lágrimas, ajuda e solidariedade daqueles que não via há vários anos. Amigos que propunham dividir a tristeza ou a carga que, por algum motivo, somente eu poderia carregar. Amigos que esperavam intermináveis horas na porta do hospital, pois não lhes era permitido a entrada na UTI, aguardando minha saída para dar-me um abraço que, de tão singelo para mim, era minha maior força e uma das coisas que me mantinha em pé. Sentia-me como se tudo fosse acabar bem, já que tinha tantos bons amigos orando por meu filho e Deus certamente se compadeceria diante de tantos clamores. Amigos que traziam comida ou me levavam para me alimentar. Amigos que oravam ou simplesmente ficavam mudos ao meu lado, como que adivinhando que o silêncio e sua companhia era o que de melhor poderiam me dar naquele momento.
Lamento profundamente por aqueles que não possuem amigos. Sinceramente, mesmo após tão incomensurável perda, agradeço a Deus por possuir uma família e amigos tão preciosos, os quais, a contragosto, foram submetidos à tamanha prova.
Enfim. Mesmo que as tragédias sofridas por todos nós no decorrer da vida sejam diversas e se apresentem insuportáveis, os meios pelos quais as enfrentamos é que ditará nossa sorte a partir de então. Nos tornaremos pessoas mais fortes, mesmo que carreguemos no meio do peito uma ferida que nunca cicatrizará.
Não quero ser exemplo para ninguém, mas com o relato dos acontecimentos que vivi e trago nesta obra, espero que algumas pessoas encontrem, diante da similitude da dor e não apenas dos acontecimentos, força e estímulo para prosseguir adiante, transformando sua maneira de viver, preenchendo a lacuna deixada por atos proveitosos, como a caridade e a evolução do espírito ou da alma, mesmo que conscientes de que nada mais será como antes e que a dor sempre os acompanhará, mas será controlada e passará a ser parte cotidiana da convivência.
Durante todo o período