Giorgio Agamben: a Condição da Vida Humana no Estado de Exceção
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Giorgio Agamben - Amanda Pacífico
Dedico esta obra com carinho ao amor incondicional e oportunidade de vida, aos meus pais, Marcos Luís Pacífico (in memoriam), e a minha madre, Maria de Fátima Correia Nunes Pacífico.
E ao jardim da minha existência, meus filhos: Heithor, Giovanna e José Neto.
Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia?
¹ Marcos Tulio Cícero
1 Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos há-se precipitar a tua audácia sem freio.
(Catilinárias – discurso de Cícero contra Catilina, livro I).
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
1. POLÍTICA, DIREITO E VIDA HUMANA SOB A ÓTICA DO ESTADO DE EXCEÇÃO
1.1 O projeto HOMO SACER
1.2 O método arqueológico agambeniano
1.3 Homo Sacer, a Vida Matável e Insacrificável
2. O ESTADO DE EXCEÇÃO COMO CAPTURA DA VIDA HUMANA
2.1 A vida da política
2.2 Formas de Vida
2.2.1 A Vida Dividida entre Bios e Zoé
2.3 A (Bio) Política da Vida
3. O ESTADO DE EXCEÇÃO ENQUANTO PARADIGMA POLÍTICO DA CONTEMPORANEIDADE
3.1. O Estado de Exceção
3.1.1 A Exceção Soberana
3.2 A Soberania em Agamben
3.3 O Campo Matriz Oculta do Nomos e a Inoperosidade da Concepção Liberal de Direito
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
APRESENTAÇÃO
Os paradoxos da exceção que se torna norma de governo
²
A democracia é um ideal irrenunciável, sob pena de sermos sepultados pela barbárie do autoritarismo. Por sua vez, o Estado de direito foi construído, com muitas lutas sociais, a partir de conquistas sociais inadiáveis para uma igualdade mais efetiva no marco de práticas de liberdade. Contudo, o que nem sempre se percebe é que os inimigos da democracia e do Estado de direito podem se utilizar de dispositivos criados por ambas instituições para esvaziá-las de sentido e transformá-las em uma espécie de casca jurídico política formal, sem práticas efetivas de democracia ou de isonomias reais. Entre esses dispositivos que, na prática, estão contribuindo para corroer internamente as democracias modernas merece especial destaque a exceção
.
O dispositivo da exceção é inerente a todas as constituições modernas e nelas se recolhe com diferentes denominações: estado de exceção, estado de alarma, estado de emergência, estado de guerra, estado de alerta, etc. As variadas denominações convergem entre si no modo como o dispositivo da exceção atua em relação à cidadania, ao direito e por fim sobre a vida humana. A exceção é um dispositivo cujo funcionamento opera através da suspensão total ou parcial dos direitos sobre determinadas pessoas, grupos sociais ou até populações inteiras. Ou seja, a exceção atinge de modo direto a vida humana. Não se decreta exceção sobre as coisas, senão sobre a vida das pessoas. A exceção tem por objetivo capturar no seu artifício as vidas que, por algum motivo, são consideras perigosas.
A exceção, ao suspender o direito sobre a vida humana, não a exclui simplesmente – por exemplo na forma do exílio. A suspensão dos direitos exclui, de fato, a vida do direito, mas a captura numa zona de anomia na qual, ao ter um vazio de direitos, impera o arbítrio de uma vontade soberana. Desse modo, a exceção se constitui num dispositivo biopolítico que, concomitantemente, exclui a vida humana do direito e a inclui (captura) numa zona anômica. Na expressão do pensador Giorgio Agamben é uma exclusão inclusiva: exclui do direito e inclui na anomia. Este peculiar mecanismo do dispositivo da exceção consegue que a vida capturada numa zona anômica se encontre como vida vulnerável, sendo a vulnerabilidade da vida um dos objetivos perseguidos pela exceção. A vida capturada pela exceção é vulnerável à violência, porque é uma vida que sobrevive fora do direito. Por isso, é uma vida contra a que se pode cometer violência de modo inimputável. A exceção produz a vulnerabilidade da vida humana de modo inimputável. Quanto mais intensa for a exceção, maior será a vulnerabilidade da vida, que queda exposta a qualquer violência de modo inimputável. Essa vida vulnerável, exposta á violência inimputável da exceção, se torna uma pura vida nua.
Um dos principais objetivos da exceção é implantar um controle extremo das vidas consideradas perigosas, inúteis ou ameaçadoras por algum motivo. Através da vulnerabilidade das vidas se consegue um maior controle delas, e nos casos extremos um controle total. Este um controle biopolítico é estrategicamente desenhado no marco do dispositivo da exceção.
A exceção produz a pura vida nua, mas ela só pode acontecer porque no arbítrio do poder absoluto se revela a figura de um poder soberano. O soberano é uma figura jurídico-política que se pretendia sepultar quando da instalação do Estado de direito e das democracias modernas. Contudo, ao conservar o dispositivo da exceção como parte inerente do Estado de direito, também se incrustou dentro das democracias modernas a sombra do poder soberano. Esse poder soberano permanece oculto e latente enquanto as pessoas ou grupos sociais sejam concordantes com a ordem estabelecida. Porém, quando pessoas ou populações inteiras sejam catalogadas, por qualquer motivo, como perigosas ou desestabilizadoras da ordem, nesse momento o poder soberano oculto nas sombras do dispositivo da exceção reaparecerá como um poder que, ao suspender os direitos dessas pessoas ou populações, ele mesmo se situa acima desse direito. Pois quem tem o poder de suspender o direito de modo parcial ou total o realiza desde um afora do direito. Desse modo, a figura do poder soberano, que parecida abolida pelo Estado de direito, reaparece em quase todo seu esplendor autoritário.
O soberano se constitui no ato de poder suspender direitos fundamentais ou até na suspensão de todo direito. Eis por que a tese de Schmitt de que soberano é aquele que tem o poder de decretar a exceção, deve ser lida como umalerta para a consciência crítica da existência de fato do poder soberano dentro do próprio direito. A declaração constitucional de que a soberania pertence ao povo, nada mais é que uma forma de soberania na qual não há possibilidade de realizara uma soberania real, pois o povo não tem poder soberano de decretar a exceção. E aquele que ao suspender o direito coloca a própria vontade soberana como fonte de direito, esse é o verdadeiro soberano nesse momento.
A exceção como dispositivo biopolítico rebela esta dupla face, de um lado mostra que existe ainda um poder soberano incrustado no direito e de outro lado produz a vida nua como resultado da sua exposição vulnerável à arbitrariedade do poder soberano.
Caberia perguntar-se, se a exceção carrega consigo a sombra do poder soberano com seu autoritarismo ameaçador, então, por que não abolir de uma vez qualquer forma de exceção do Estado de direito? O problema é que a exceção, como qualquer outro dispositivo biopolítico, tem ocasiões em que realmente se faz necessário. Há situações de emergência real que requerem uma forma excecional de governar para poder proteger vidas ameaçadas. Por exemplo, casos de emergência climática ou pandêmica como as que vivemos recentemente demandam medidas emergenciais, excecionais, para combater com eficácia essas situações, visando a maior proteção possível da vida humana. Esta condição paradoxal dos dispositivos biopolíticos, em concreto a exceção, torna muito mais problemática a sua existência. De um lado, há que manter o dispositivobiopolítico como possibilidade para casos de real emergência, mas por outro lado esse caráter paradoxal possibilita que sua utilização possa ser instrumentalizada para outros objetivos de caráter meramente autoritário. A final, quem decide quando há uma situação de emergência que requer a exceção? Quem tem o poder de decidir sobre quando há ou não necessidade da exceção é o soberano.
No contexto de esta complexa problemática, a obra de Amanda Cristina Pacífico, intitulada: Giorgio Agamben: a condição da vida humana no estado de exceção, é uma excelente contribuição para delimitar o problema e expor os argumentos que atravessam este debate. A autora explora o pensamento de Giorgio Agamben por ser o pensador que contemporaneamente tem analisado com mais densidade e de forma mais aguda a problemática da exceção. A obra da autora percorre com pertinência as difíceis ruelas semânticas inscritas nos textos de Agamben. A figura do Homo Sacer como paradigma biopolítico da exceção é mostrada nesta obra de Amanda como sendoo alicerce sobre o qual há de se compreender as principais teses de Giorgio Agamben em relação à exceção.
Do mesmo modo, a obra de Amanda faz uma incursão analítica muito bem sucedida na figura biopolítica do campo, que para Agamben representa o paradigma da exceção. A autora mostra como o campo é o espaço no qual a exceção se tornou a norma, e longe de pensar que o campo é uma figura limitada aos terríveis campos de extermínio nazistas, a obra da autora mostra como a sombra do campo nos persegue concomitantemente com a sombra da exceção. Cada vez que se decreta e se implanta a exceção reaparece, de alguma forma, a figura do campo. No campo o direito está suspenso e no vazio jurídico impera o arbítrio de um poder soberano.
Seguindo as trilhas de Agamben, esta obra de Amanda mostra como a exceção, longe de ser algo secundário na estrutura do poder moderno, há de ser considerada como um paradigma da própria modernidade. A exceção reaparece cada vez de forma mais normal como uma técnica de governo. Desse modo, a exceção vai adquirindo diversas metamorfoses nos atos de governo cotidianos como as medidas provisórias, decretos lei, decretos de exceção localizados, estado de emergência econômica, estado de emergência hídrica, estado de emergência energético, estado de emergência econômico, etc. Ou seja, a exceção cada vez está mais e mais presente no modo cotidiano de governar. Sendo que toda forma de exceção impõe algum tipo de poder soberano, a obra de Amanda representa uma excelente contribuição para a construção do pensamento crítico sobre a exceção e suas consequências na produção de vidas nuas.
2 Castor M.M. Bartolomé Ruiz. Dr. Filosofia. Professor Titular do Programa de Pós-Graduação – UNISINOS. Coordenador Cátedra Unesco-Unisinos de Direitos Humanos e violência, governo e governança. Coordenador Grupo de Pesquisa CNPq Ética, biopolítica e alteridade.
INTRODUÇÃO
Esta obra tem por finalidade analisar a partir do pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben, o fenômeno do Estado de exceção, procurando compreender um fenômeno que em nenhum momento é obvio.
Para alcançarmos nosso objetivo, faremos uso do método arqueológico de Giorgio Agamben, no qual seu procedimento é baseado em acontecimentos representados através de paradigmas, símbolos autoexplicativos da linguagem, provenientes da contingência entre política e direito sobre a vida humana.
O filósofo que nos direciona em nossa pesquisa pensa a contemporaneidade a partir da reflexão sobre as implicações existentes entre direito e política e a função que essa relação exerce sobre a vida humana, em seu sentido amplo e alcance geral, articulando o seu pensamento dentro da história da filosofia na perspectiva de capturar uma realidade existente.