No espelho do terror: jihad e espetáculo
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Sobre este e-book
Como ficará claro, não é escopo do presente ensaio enumerar fatos ou levantar dados sobre eventos específicos. Não nos interessa tampouco aprofundar a compreensão do Islã ou apresentar os conflitos geopolíticos do Oriente. Se fui levado a pensar sobre o terrorismo, foi porque reconheci em sua manifestação atual traços característicos não de uma sociedade outra, mas sim daquela em que vivemos: a sociedade do capitalismo avançado, cuja fase última foi batizada por Guy Debord como "sociedade do espetáculo". Foi o caráter profundamente espetacular dos ataques terroristas que primeiro me chamou a atenção e que, como pesquisador da obra do pensador francês, vi-me na obrigação de tentar elucidar.
Nesse sentido, o que busco aqui não é tanto uma compreensão do terrorismo enquanto fenômeno à parte, mas a compreensão de nossa sociedade através do terrorismo. Trata-se de um esforço de reflexão embasado na tradição da teoria crítica, que busca apreender através de um fenômeno particular e extremo características da totalidade social. Um uso livre de categorias psicanalíticas servirá ademais a articular esses fenômenos que podem ser compreendidos como sintomas de tendências patológicas gerais, oriundas da socialização do valor e da subjetivação espetacular.
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Crítica do espetáculo: o pensamento radical de Guy Debord Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
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No espelho do terror - Gabriel Ferreira Zacarias
Zacarias
Sumário
Introdução
1 Capitalismo e abstratificação
2 Comunidade e identidade simbólica
3 Violência e amok
4 O espetáculo e o vivido aparente
5 Pulsão de morte e narcisismo
Sobre o autor
Introdução
O terrorismo não foi inicialmente um objeto de estudo. De certa forma, fui escolhido por ele. Morando como pesquisador na França nos anos em que este país se tornou alvo privilegiado dos ataques jihadistas, entre 2015 e 2016, fui impelido a pensar sobre tais eventos. A reflexão foi tomando forma em textos esparsos, que me eram solicitados na medida em que novos ataques se repetiam. A maior parte deles apareceu no caderno Aliás
, do jornal O Estado de S. Paulo, e uma primeira tentativa de maior fôlego foi publicada no quarto número da revista Peixe-elétrico. É partindo deste texto que proponho o presente ensaio, em uma versão bastante ampliada que aborda novas questões e eventos posteriores à publicação original. O terrorismo insiste em não sair de moda.
Como ficará claro, não é escopo do presente ensaio enumerar fatos ou levantar dados sobre eventos específicos. Não nos interessa tampouco aprofundar a compreensão do Islã ou apresentar os conflitos geopolíticos do Oriente. Se fui levado a pensar sobre o terrorismo, foi porque reconheci em sua manifestação atual traços característicos não de uma sociedade outra, mas sim daquela em que vivemos: a sociedade do capitalismo avançado, cuja fase última foi batizada por Guy Debord como sociedade do espetáculo
. Foi o caráter profundamente espetacular dos ataques terroristas que primeiro me chamou a atenção e que, como pesquisador da obra do pensador francês, vi-me na obrigação de tentar elucidar.
Nesse sentido, o que busco aqui não é tanto uma compreensão do terrorismo enquanto fenômeno à parte, mas a compreensão de nossa sociedade através do terrorismo. Trata-se de um esforço de reflexão embasado na tradição da teoria crítica, que busca apreender, através de um fenômeno particular e extremo, características da totalidade social. Um uso livre de categorias psicanalíticas servirá ademais a articular esses fenômenos, que podem ser compreendidos como sintomas de tendências patológicas gerais, oriundas da socialização do valor e da subjetivação espetacular.
São Paulo, janeiro de 2018
1 Capitalismo e abstratificação
O militar jordaniano Muath al-Kasasbeh abros do Estado Islâmico após sobreviver à queda do caça que pilotava na Síria, em janeiro de 2015.
Há aproximadamente sessenta anos, Erich Fromm iniciava seu livro The Sane Society [A sociedade sadia], traduzido no Brasil como Psicanálise da sociedade contemporânea, com a seguinte constatação: Nada é mais comum do que a ideia de que nós, criaturas do mundo ocidental deste século xx, somos [mentalmente] sadios
.¹ Que autor poderia hoje começar sua obra com uma afirmação semelhante, mesmo que para desmenti-la no parágrafo seguinte? Parece muito mais bem partilhada a ideia de que nós, criaturas do mundo globalizado do século xxi, somos mentalmente doentes. Ao menos é o que demonstra o alargamento constante das categorias clínicas: da alegria infantil à tristeza do luto, quase todo