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A Análise do Discurso: Perspectivas em distintos campos discursivos
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E-book326 páginas4 horas

A Análise do Discurso: Perspectivas em distintos campos discursivos

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Sobre este e-book

Todo estudo relativo às questões da linguagem, neste início do século XXI, volta-se para o discurso, visto como prática social, em que interlocutores interagem num determinado momento, num determinado espaço, desempenhando um determinado papel e volta-se, também, para o texto, visto como produto dessa prática social. Neste espaço e neste momento, estamos nós, envolvidas com a pesquisa com foco na Análise do Discurso de linha francesa, procurando trazer a público o livro que aqui está, apresentando-o com este texto que traz considerações teóricas e finaliza com a breve descrição dos textos dos autores membros do Grupo de Estudos de Análise do Discurso (GEAD).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2021
ISBN9786599432538
A Análise do Discurso: Perspectivas em distintos campos discursivos

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    A Análise do Discurso - Neusa Barbosa Bastos

    Uma leitura de dois discursos sobre a Revolução Sexual dos anos de 1960

    Marcelo dos Santos Carneiro¹ (SME-Bauru)

    Natália Sanches Ferreira Lima² (SME-São Paulo)

    No dia em que for possível à mulher o amor não em sua fraqueza, mas em sua força, não para escapar de si mesma, mas para se encontrar, não para se abater, mas para se afirmar. Naquele dia o amor se voltará para ela, assim como para o homem, a fonte de vida e não de perigo mortal. Enquanto isso, o amor representa em sua forma mais tocante a maldição que confina a mulher em seu universo feminino, mulher mutilada, insuficiente em si mesma.

    (Simone Beauvoir)

    Considerações iniciais

    O livro de memórias escrito por Susanna Kaysen faz um relato do período de dois anos em que ela, uma garota de 18 anos viveu no Hospital Psiquiátrico McLean, em Cambridge - Massachusetts. Internada em 27 de abril de 1967, Susanna conviveu, durante dois anos, com garotas de sua faixa etária na ala feminina do hospital, onde escreveu seu diário que viria a dar origem ao livro: Garota, Interrompida.

    A obra apresenta um sujeito ideológico sufocado pelo discurso conservador da família norte americana inspirada no american way of life. Nas memórias escritas, Susanna questiona sua internação, que para ela não havia um laudo de doença mental suficiente para uma internação tão longa, e sim, um castigo de seus pais por sua conduta sexual.

    No livro, só uma voz que fala. Por isso o discurso conservador é subentendido pelos relatos repletos de mágoa e revolta pela internação, presentes nas memórias, porém no filme homônimo, dirigido por James Mangold, o discurso conservador aflora nas personagens que representam a junta médica responsável por sua internação. Assim, nosso trabalho tem como tema a análise de dois discursos que se chocaram nos anos de 1960, em que um deles é representante da contracultura e outro da família conservadora.

    O filme, de 1999, nos leva ao universo dos anos de 1960, e principalmente, à angústia vivida pela protagonista que foi internada após uma breve consulta com um psicólogo amigo de seu pai. As obras abordam o mesmo assunto, a revolução sexual e como os ideais liberais da jovem, que vivia em um momento de transição cultural, foram sufocados pelo conservadorismo de seus pais. A escolha pelo tema tem relevância para os nossos dias, uma vez que abrimos os jornais e nos deparamos com notícias de ataques morais e crimes sexuais contra as mulheres, portanto o trabalho proporciona a reflexão sobre a igualdade sexual em nossa sociedade.

    Assim, o objetivo deste capítulo é fazer uma análise do discurso sobre a ruptura dos padrões conservadores em relação a sexualidade ocorrido nos anos de 1960, por meio da comparação entre os sujeitos presentes nessas duas obras homônimas, para tanto, iremos contextualizar o período relatado nas obras e realizar comparações entre o livro e o filme.

    Nossa análise está pautada em Pêcheux (2014; 2017), Foucault (2012) e Althusser (2003), pois encontramos nestes autores o embasamento necessário para discutirmos os discursos apresentados nas obras escolhidas. Encontrando neles, os conceitos de condições de produção, da relação sujeito, linguagem, ideologia e história, da formação ideológica e da formação discursiva. Apresentaremos, ainda, os procedimentos de exclusão e isolamentos apresentados por Foucault (2014).

    1 A AD francesa

    Encontramos na sociedade norte americana as condições de produção para que existissem esses dois discursos que nos propomos em analisar: um que é conservador, pautado na família tradicional e outro, libertário em relação à sexualidade, pautado no movimento feminista.

    Dessa forma, compreendemos que, o entendimento das relações sociais existentes nessa época de transformações e revoluções comportamentais é de suma importância para a leitura crítica dessas obras, pois como explica Orlandi (2010, p. 16):

    [...] pensar o texto em seu funcionamento é pensá-lo em relação as suas condições de produção, é ligá-lo a sua exterioridade. Esta ligação, no entanto, não coloca o texto como um documento no qual veríamos ilustrados os sentidos já constituídos em outro lugar, mas como monumento, como diria Foucault, em que a própria textualidade traz nela mesma sua historicidade, isto é, o modo como os sentidos se constituem, considerando a exterioridade inscrita nela e não fora dela. (ORLANDI, 2010, p. 16)

    Susanna escreveu e publicou seu livro na década de 1990, mais de vinte anos depois do ocorrido, porém seus relatos foram feitos a partir do diário que escrevia enquanto interna da instituição e suas impressões são memórias deste período. O filme, também foi escrito na década de 1990, contudo, a narrativa se passa nos anos de clausura da jovem e é ambientado, na sua maior parte, dentro do hospital, assim, o diretor cinematográfico James Mangold levou para as telas do cinema a realidade dos anos de 1960 e o isolamento social, por meio da leitura dos relatos feitos por Susanna.

    À vista disso, nosso trabalho leva em consideração as condições de produção responsáveis pela existência e transformação de um determinado discurso, como explica Foucault:

    As condições para que apareça um objeto de discurso, as condições históricas para que dele se possa dizer alguma coisa e para que dele várias pessoas possam dizer coisas diferentes, as condições para que ele se inscreva em um domínio de parentesco com outros objetos, para que possa estabelecer com eles relações de semelhança, de vizinhança, de afastamento, de diferenças, de transformação – essas condições, como se vê, são numerosas e importantes. Isto significa que não se pode falar de qualquer coisa em qualquer época. (FOUCAULT, 2012, p. 54)

    Essas condições numerosas da qual se refere o filósofo, estão presentes no seio das sociedades e, portanto, na historicidade de cada sujeito falante no texto, que pronuncia seu discurso. São elas, segundo o autor, que determinam aquilo que pode e não pode ser dito em determinada época. O conflito de gerações marcado pela liberdade sexual vistos nas obras e que corroboram com os discursos antagônicos tiveram grande significado naquela época.

    O autor, ainda explica que existem mecanismos dentro da sociedade que funcionam como controle e exclusão dos discursos e seus respectivos sujeitos, como a doutrina que segundo Foucault (2016, p. 41)

    [...] liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe, consequentemente, todos os outros; mas ela se serve, em contrapartida, de certos tipos de enunciação para ligar indivíduos entre si e diferenciá-los, por isso mesmo de todos os outros. A doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos que falam aos discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam.

    O sujeito que fala no livro relata ao leitor sua exclusão porque seu discurso de liberdade sexual se chocava com o discurso conservador da época, que tomou voz no filme por meio das personagens que representaram a junta médica.

    Esse discurso conservador que mencionamos era o discurso ideológico dominante na época, a ideologia da classe dominante e que era propagada pelos aparelhos ideológicos e de repressão do estado. Ao ser internada, a garota protagonista das obras e representante de um discurso oposto ao dominante passa pelas duras repressões físicas e psicológicas de um hospital psiquiátrico. De acordo com Althusser (2003, p. 70-71) a ideologia propagada pelos aparelhos ideológicos do estado é a ideologia dominante que é a ideologia da classe dominante.

    Ainda sobre as condições de produção, Orlandi (2015, p. 28-29) nos relata que [...] podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio histórico e ideológico [...].

    Assim, as condições de produção, em sentido estrito, é o livro no qual encontramos um discurso libertário, porém sufocado pela austeridade conservadora e, no filme em que o discurso conservador se revela na figura da junta médica. Já o sentido amplo é a sociedade norte americana dos anos de 1960 e suas transformações comportamentais. Dizemos transformações, pois havia ideias opostas, ideologias conservadoras enraizadas há centenas de anos e uma ideologia libertária que imergia naquela juventude contrária à guerra, à segregação racial, ao sexo apenas após o casamento, entre outras manifestações de contestação social e cultural que formavam os movimentos denominados como Contracultura.

    Os discursos se contradizem em virtude das formações ideológicas e das formações discursivas, pois o sentido não existe em si, mas em função das posições ideológicas em um determinado contexto sócio histórico em que as palavras são ditas, por isso, dizemos que as palavras mudam de sentido de uma formação discursiva para outra. Sobre as formações ideológicas e as formações discursivas, Pêcheux (2017, p. 72-73) explica que:

    Considerando uma formação social, poderemos falar de uma formação ideológica para caracterizar um elemento suscetível de intervir, tal como uma força confrontada a outras, na conjuntura ideológica característica de uma formação social em um dado momento [...] as formações ideológicas, assim definidas comportam necessariamente, como um de seus componentes, uma ou várias formações discursivas interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito. (grifos do autor)

    A ideologia desempenha um papel importante na AD, pois seu trabalho é produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais, assim, podemos dizer que a ideologia é condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer (ORLANDI, 2015, p. 44). Apresentaremos, agora, o contexto sócio histórico norte-americano dos anos de 1960 em que se evidencia o embate ideológico que é fundamental para a existência de dois universos discursivos opostos.

    2 Os anos de 1960: uma época de transformações

    Na década de 1960, a sociedade americana passa por um embate entre dois discursos ideológicos, um representante do pensamento conservador e o outro libertário. O discurso conservador e defensor do american way of life (o estilo americano de vida), formado pelos ideais capitalistas de consumo desenfreado, ditava um papel à mulher que era limitado ao de esposa, mãe e dona de casa. Enquanto o discurso libertário era disseminado pelas figuras que eram oprimidas pelo american way of life, como o como os negros, os hippies e as mulheres adeptas ao movimento feminista.

    Essa situação contraditória que havia na época e que observamos no parágrafo acima, responsável pelas formações ideológicas as quais os sujeitos presentes nas obras se filiam, Pêcheux (2014, p. 132) denomina luta ideológica de classes, como explica o autor:

    É aí, na verdade, que o vínculo contraditório entre reprodução e transformação das relações de produção se liga ao nível ideológico, na medida em que não são os objetos ideológicos regionais tornados um a um, mas sim o próprio desmembramento em regiões (Deus, a Moral, a Lei, a Justiça, a Família, o Saber etc.) e as relações de desigualdade-subordinação entre essas regiões que constituem a cena da luta ideológica de classes. (grifos do autor)

    Em 1963, Betty Friedan publica o livro A mística da mulher (no original, The Feminine Mystique), no qual a autora contesta o papel da mulher na sociedade americana, e incita o público feminino a ocupar outros papeis além do previsto até o momento. Somado ao movimento feminista, está a revolução sexual proporcionada pelo o advento da pílula anticoncepcional, que permitiu a liberação do comportamento sexual das mulheres, antes mais restritos à monogamia e às relações sexuais dentro do casamento.

    Esse ambiente de ebulição social, cria um universo discursivo novo, no qual o jovem americano passa a contestar em muitos aspectos a ideologia da geração de seus pais, trazendo as disputas discursivo-ideológicas travadas no meio social para o ambiente familiar.

    Analisamos os discursos que nos remetem a essa disputa discursiva, travada na sociedade americana, por meio da análise das obras homônimas. Optamos por analisar essas duas obras, porque apesar de serem baseadas em um mesmo fato, a internação de Kayser, no livro está explicito um discurso libertário e contrário aos padrões da época, enquanto no filme, o que se expõe é um discurso opressor e enraizado nos padrões morais da família tradicional norte americana, explícito na figura da junta médica. Esses discursos presentes nas obras se opõem um ao outro por suas formações ideológicas e formações discursivas, o que proporciona o debate.

    Mostraremos, ainda, que a garota protagonista das obras teve seu discurso suprimido e acordo com os modos de exclusão e isolamento explicados por Foucault (2014). Para isso, recortamos alguns trechos do livro e do filme para atingirmos nossos objetivos.

    3 Análise entre os dois Discursos encontrados no livro e no filme

    Iniciamos nossas análises mostrando um importante relato feito pelo sujeito sobre a exclusão social daqueles que não se enquadram aos padrões sociais impostos pelo discurso dominante, em que o médico faz uma pergunta sobre o namorado e a condena por ter problemas com ele, então se levanta e decide interná-la. Pois no sujeito de discurso conservador que encontramos na junta médica, representante da família tradicional norte americana, a mulher deveria ser submissa ao homem, dessa forma, não fazia sentido para o médico uma jovem ter problemas com o namorado. Observemos no diálogo abaixo, um discurso oprimindo o outro:

    — Você precisa descansar – proclamou. De fato, eu precisava descansar, sobretudo por ter levantado tão cedo para ir ao médico, que ficava em um subúrbio elegante. Tive de mudar de trem duas vezes e depois teria de voltar pelo mesmo caminho para chegar ao trabalho. Só de pensar nisso eu já me sentia cansada. — Não concorda comigo? – Ele continuava ali de pé, na minha frente. — Não acha que precisa descansar?

    — Acho – respondi. Ele foi até a sala contígua. Pude ouvir que falava ao telefone. Volta e meia penso naqueles minutos seguintes – meus últimos dez minutos. Por um instante, senti vontade de me levantar e sair porta afora, caminhar os vários quarteirões até a estação para esperar o trem que me levaria de volta ao meu namorado complicado, ao meu emprego na loja de utensílios para cozinha, mas estava cansada demais. Ele voltou à sala, diligente, despachado e muito cheio de si. — Consegui um leito para você – disse. — Você vai descansar. Só algumas semanas, certo? Seu tom de voz era conciliador e suplicante – o que me deixou assustada. — Na sexta-feira eu vou – respondi.

    Estávamos na terça; talvez até sexta eu não quisesse mais ir. Ele avultou à minha frente, com sua barriga. — Não. Você vai agora. Aquilo me pareceu um pouco insensato. (KAYSEN, 2013, p. 14-15)

    Para Foucault (2014, p. 10-11), o isolamento é um procedimento externo de exclusão, pois o sujeito é condenado ao silêncio. Sua palavra perde o valor por se distanciar da verdade. Foucault vê na oposição razão-loucura um princípio de exclusão pela separação e rejeição, uma vez que a palavra do louco nunca foi ouvida, e sim considerada nula, não tendo verdade nem importância, a não ser simbolicamente no teatro, onde ele se apresenta desarmado e reconciliado, representando o papel de uma verdade mascarada.

    A rapidez na consulta e a determinação do médico em interná-la demonstram que havia a intenção do isolamento; na ficha de internação, o pedido médico indica três anos de internação. Em Kaysen (2013, p. 16) é apresentada uma cópia da guia de internação com os seguintes dizeres do médico que a examinou: Recomendação de três anos no McLean. Profundamente deprimida, tendências suicidas, vida em processo de desestruturação, promiscua, pode se matar ou engravidar.

    Percebemos na atitude do médico, ao escolher pela internação em um hospital psiquiátrico, a sua intervenção utilizando-se de sua posição na sociedade para reprimir às ideias da garota, ou seja, o uso de um aparelho repressivo do Estado que também funciona como aparelho ideológico, como explica Althusser (2003, p. 70): O aparelho (repressivo) do Estado funciona predominantemente através da repressão (inclusive física) e secundariamente através da ideologia. (Não existe aparelho unicamente repressivo). Lembramos que os hospitais psiquiátricos dessa época utilizavam métodos físicos para reprimir seus pacientes, além, das consultas com os psicoterapeutas.

    Percebemos nos argumentos do médico, a presença do sujeito ideológico do discurso contrário às ideias de liberdade sexual defendidas pela juventude e a clara intenção do isolamento e de silenciar/anular o discurso da garota que se opunha ao discurso reacionário dos pais em promíscua, pode se matar ou engravidar. Nessa afirmação, fica obvio o motivo do isolamento: o discurso sobre a sexualidade. Esses discursos são contrários, segundo suas formações ideológicas, que segundo Pêcheux (2014, p. 146-147):

    O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc. não existe em si mesmo [...], mas ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isso é, em referência às formações

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