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Referenciação: Teoria e prática
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E-book332 páginas8 horas

Referenciação: Teoria e prática

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Sobre este e-book

A investigação da construção dos referentes tem se mostrado bastante produtiva para os avanços da Linguística Textual, perspectiva teórica que, talvez como nenhuma outra, se alimenta de contribuições de diferentes áreas, sem perder sua identidade. Referenciação: teoria e prática é um exemplo de quão profícuo é este terreno. Com esta obra, o leitor tem acesso a uma coleção representativa do alcance de uma proposta teórica fundamental para a reflexão sobre a construção dos sentidos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de jun. de 2016
ISBN9788524922770
Referenciação: Teoria e prática

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    Pré-visualização do livro

    Referenciação - Mônica Magalhães Cavalcante

    COMITÊ EDITORIAL DE LINGUAGEM

    Anna Christina Bentes

    Edwiges Maria Morato

    Maria Cecilia P. Souza e Silva

    Sandoval Nonato Gomes-Santos

    Sebstião Carlos Leite Gonçalves

    CONSELHO EDITORIAL DE LINGUAGEM

    Adair Bonini (UFSC)

    Ana Rosa Ferreira Dias (PUC-SP/USP)

    Angela Paiva Dionisio (UFPE)

    Arnaldo Cortina (UNESP — Araraquara)

    Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran (UNESP — Rio Preto)

    Fernanda Mussalim (UFU)

    Heronides Melo Moura (UFSC)

    Ingedore Grunfeld Villaça Koch (UNICAMP)

    Leonor Lopes Fávero (USP/PUC-SP)

    Luiz Carlos Travaglia (UFU)

    Maria das Graças Soares Rodrigues (UFRN)

    Maria Luiza Braga (UFRJ)

    Mariângela Rios de Oliveira (UFF)

    Marli Quadros Leite (USP)

    Mônica Magalhães Cavalcante (UFC)

    Neusa Salim Miranda (UFJF)

    Regina Célia Fernandes Cruz (UFPA)

    Ronald Beline (USP)

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Referenciação [livro eletrônico] : teoria e prática / Mônica Magalhães Cavalcante, Silvana Maria Calixto de Lima , (orgs) . -- São Paulo : Cortez, 2014.

    2,5 Mb ; e-PUB

    Vários autores.

    ISBN 978-85-249-2277-0

    1. Referência (Linguística) I. Cavalcante, Mônica Magalhães . II. Lima, Silvana Maria Calixto de.

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Referenciação : Linguística 410.2

    REFERENCIAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

    CAVALCANTI • LIMA (Orgs.)

    Capa: Cia. de Desenho

    Preparação de originais: Nair Kayo

    Revisão: Elisabeth Matar

    Composição: Linea Editora Ltda.

    Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

    Produção Digital: Hondana - http://www.hondana.com.br

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa das autoras e do editor.

    © 2012 by Organizadoras

    Direitos para esta edição

    CORTEZ EDITORA

    Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes

    05014-001 – São Paulo – SP

    Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290

    e-mail: cortez@cortezeditora.com.br

    www.cortezeditora.com.br

    Publicado no Brasil - 2014

    Sumário

    Apresentação

    Organizadoras

    1. A construção do ponto de vista por meio de formas referenciais

    Suzana Leite Cortez e Ingedore G. Villaça Koch

    2. A construção de referentes no texto/discurso: um processo de múltiplas âncoras

    Silvana Maria Calixto de Lima e Heloísa Pedroso de Moraes Feltes

    3. O caráter não linear da recategorização referencial

    Valdinar Custódio Filho e Franklin Oliveira Silva

    4. Referenciação e orientação argumentativa na retórica neopentecostal: o percurso sociocognitivo das recategorizações metafóricas

    Erik Fernando Miletta Martins e Edwiges Maria Morato

    5. A psicanálise, a referenciação e a influência saussuriana

    Mariza Angélica Paiva Brito e Mônica Magalhães Cavalcante

    6. Movimentação ocular no estudo do processamento da referência

    Elisângela Nogueira Teixeira e Maria Elias Soares

    7. Referenciação e leitura em textos escritos de alunos surdos

    Leonor Werneck dos Santos e Christiana Lourenço Leal

    8. A construção referencial de contraventores sociais ricos e pobres em notícias

    Francisco Alves Filho e José Nilson Santos da Costa Filho

    9. Informar e captar: objetos de discurso em artigos de divulgação científica para crianças

    Maria Eduarda Giering e Juliana Alles de Camargo de Souza

    10. Por uma análise argumentativa dos processos referenciais: aplicação da teoria dos blocos semânticos

    Lívia de Lima Mesquita e Ricardo Lopes Leite

    Sobre os Autores

    Apresentação

    Esta obra, fruto de investigações realizadas nos últimos quatro anos, organiza-se em torno de um eixo teórico comum, que se define pelos princípios da Linguística Textual contemporânea, também referida como Linguística de Texto, numa abordagem sociocognitivo-discursiva da referenciação.

    Entre os aspectos que consideramos relevantes nesta publicação, damos destaque especial à interlocução, tão importante quanto necessária, de investigadores brasileiros da Linguística Textual, que, ao exercerem a docência em diferentes pontos do país, têm o privilégio de olhar e viver a linguagem e seus inúmeros desafios, sob o prisma do texto como fenômeno linguístico, discursivo, cognitivo e social.

    Para contemplar os objetivos que se estabeleceram para a presente publicação, os autores elegeram temas que convergem para aspectos do fenômeno da referenciação, tais como a noção de ponto de vista, numa visão polifônica; a construção argumentativa a partir de processos referenciais; a abordagem sociocognitiva e discursiva das recategorizações; a consideração dos processos de referenciação em interpretações psicanalíticas, dentre outras. Definiram-se, para isso, categorias analíticas consonantes com as perspectivas teóricas adotadas e se procedeu a análises em diversas práticas sociais, tendo em conta tanto o processo de construção dos objetos do discurso e a própria constituição do texto em diferentes gêneros, quanto questões relacionadas à leitura e à escrita e suas repercussões para o ensino de língua portuguesa.

    Tendo em vista que, para o tratamento desses temas, os autores recorreram a textos de diferentes práticas sociais, entre as quais podemos destacar o gênero notícia de jornal, o texto de divulgação científica e a redação escolar (particularmente, a de alunos surdos), o leitor desta obra poderá ainda ampliar os horizontes de análise do texto/discurso em relação à constituição de diferentes gêneros do discurso, ponderando sobre suas formas de ocorrência e de emprego nas mais diversas situações de interação.

    Assim sendo, podemos dizer que os autores dos capítulos, ao mesmo tempo em que trazem à discussão um campo teórico rico para o tratamento do texto, com o entrecruzamento de diferentes vieses teóricos, abrem também a perspectiva para análise de elementos estritamente linguísticos.

    Por essa razão, este livro pode ser valioso para professores de Língua Portuguesa, para pesquisadores da área da Linguística, para alunos de graduação e de pós-graduação. Especialmente para o meio acadêmico, os estudos aqui presentes contribuem significativamente para as pesquisas em referenciação, com vistas à discriminação de critérios para (re)construção da coerência textual-discursiva.

    Esperamos que, qualquer que seja o ensejo, os estudiosos da área de Linguística encontrem, nesta publicação, uma fonte instigadora de novas pesquisas atinentes a muitos outros aspectos ligados à leitura e à escrita.

    As Organizadoras

    Setembro de 2012.

    1

    A construção do ponto de vista

    por meio de formas referenciais

    Suzana Leite Cortez
    Ingedore G. Villaça Koch

    Introdução

    Ao retrabalharem as formas sociais e culturais no discurso, os indivíduos exprimem relações entre si e afirmam posição, representando pontos de vista. Esta representação de saberes e de comportamentos linguageiros põe em destaque fenômenos de heterogeneidade discursiva, na medida em que o locutor/enunciador coloca em cena uma multiplicidade de pontos de vista e os faz dialogar entre eles.

    A complexidade desta questão evidencia a dimensão dialógica do ponto de vista. Isto significa dizer que a relação do sujeito com as instâncias que povoam seu discurso pode ser detectada a partir dos objetos de discurso, assim como os ajustes que o próprio locutor opera em seu ponto de vista. Por essa razão, a construção dos objetos de discurso homologa traços de um diálogo interior do sujeito enunciador consigo mesmo e com os outros, desempenhando papel importante na orientação argumentativa do texto. Com base nisso, partimos do pressuposto de que os objetos de discurso são reveladores de pontos de vista, e seu modo de apresentação é um meio pelo qual se pode apreender a subjetividade.

    Além disso, se consideramos que a compreensão da referência por uma perspectiva não representacional põe em evidência uma pluralidade de atores que efetivam o ato de designação, então podemos dizer que, por este ato, os sujeitos dão sentido às suas experiências e representações, à sua identidade e à sua posição, por meio da qual se constituem e se afirmam no interior das práticas simbólicas. A referenciação dos objetos de discurso articula-se com a maneira como o locutor/ enunciador se posiciona em seu discurso (Rabatel, 2005, p. 118). O mesmo se dá com as escolhas que determinam o modo de apresentação dos referentes. Segundo Rabatel (2008, p. 121), estas escolhas são altamente reveladoras do ponto de vista do enunciador, sendo mais uma evidência de que o modo de apresentação dos referentes comporta saberes e marcas de um modo de falar e pensar próprio de um enunciador particular. Por essa razão, o ponto de vista (PDV) não se limita à expressão de uma percepção e integra julgamentos e conhecimentos que o locutor e/ou enunciador projetam sobre o referente.

    Assim, é indispensável analisar mais atentamente as formas referenciais, por meio das quais se exprime a representação de falas e percepções. De um ponto de vista cognitivo, na construção dos objetos de discurso, um PDV revela uma fonte enunciativa e denota, direta ou indiretamente, os seus julgamentos sobre os referentes. Seja como for, o PDV se apresenta abertamente ou de forma mascarada, manifestando-se em todo o discurso.

    A expressão linguística do ponto de vista: processo de singularização em representação

    As formas nominais que participam da progressão referencial do texto (Koch, 2002; Koch e Marcuschi, 1998) testemunham a expressão do PDV nesse processo de representação. Em consonância com Rabatel (2008, p. 76), consideramos que as formas nominais referenciais, enquanto marcas internas do PDV, são sinais de alteridade. O dialogismo, portanto, pode manifestar-se seja como uma representação do locutor/enunciador em relação a si mesmo (autodialogismo), seja como uma representação do locutor/enunciador com relação aos outros (heterodialogismo). Tanto a autodialogização quanto a heterodialogização podem assumir a configuração de uma reformulação do que foi proferido no contexto anterior ou mesmo no hic et nunc do texto. De qualquer forma, nós consideramos que esses dois mecanismos do dialogismo estão na base do processo de singularização.

    Para compreender esta questão, é indispensável hierarquizar as relações entre os enunciadores, sem supervalorizar o locutor, que não pode ser concebido como um eu todo-poderoso. Por isso, a disjunção e, mais ainda, a hierarquização dos enunciadores e dos locutores são necessárias em todos os enunciados dialógicos em que locutor e enunciador não estão em sincretismo, de sorte que pode haver mais enunciadores que locutores, ou seja, mais conteúdos representados do que locutores que falam.

    Como postula Rabatel (2010, p. 9), a disjunção locutor/enunciador leva em conta as possibilidades de o locutor apresentar-se como enunciador, para focalizar objetos de discurso, posicionar os fatos, as palavras, os discursos, as noções, as situações, os eventos, os fenômenos desse ou daquele PDV, no presente, no passado ou no futuro, em relação a si ou em relação ao PDV de outros. Como consequência,

    identificar um enunciador no discurso implica procurar sua presença por meio da referenciação dos objetos de discurso […], e precisar se o enunciador é aquele que está em sincretismo com o locutor/enunciador primeiro, ou, na falta disso, definir a posição de L1/E1 [locutor/enunciador primeiro] em relação a ele (acordo, desacordo, neutralidade). A referenciação não é jamais neutra, mesmo quando os enunciadores avaliam, modalizam ou comentam o menos possível.[1] (Rabatel, 2008, p. 70)

    Assim, a análise da subjetividade do locutor e dos enunciadores internos aos enunciados deste locutor atinge profundamente a problemática do PDV. O locutor é responsável pela escolha da denominação, pela seleção das informações, das percepções e das palavras enquanto locutor/enunciador. Para isso, o locutor considera as relações entre sua práxis individual e social, e sua práxis linguística, em função de seu auditório e do gênero do discurso.

    No que concerne às formas nominais referenciais, postulamos que a seleção lexical testemunha a existência de um ou mais enunciadores por meio dos quais os fatos são apreendidos e os objetos de discurso designados. Desta maneira, os objetos de discurso não estabelecem uma relação de correspondência com a realidade, e a referência não consiste apenas em uma questão de convencionalidade linguística, pois o léxico funciona como um conjunto de recursos para o processo de referenciação. Para Mondada e Dubois (1995), a instabilidade das formas de referência, ou dos próprios objetos de discurso, depende muito mais da multiplicidade de pontos de vista que os sujeitos exercem sobre o mundo, do que de um contrato imposto pela materialidade do mundo. Aquilo que é dito estável sobre um objeto pode ser descategorizado, recategorizado sob efeito de uma mudança de contexto ou de ponto de vista:

    Uma categoria lexical impõe um ponto de vista, um domínio semântico de referência, que concorre com outras sugeridas, produzindo sentido pelo contraste que estabelece com as anteriores. O discurso marca explicitamente a não correspondência entre palavras e coisas, e a referenciação emerge dessa distância, da demonstração de inadequação de categorias lexicais disponíveis — a melhor adequação é construída no seio de sua transformação discursiva. (Mondada e Dubois, 1995, p. 286)

    Se a forma de lidar com o léxico no processo de referenciação implica uma atividade seletiva que aponta para um enunciador, um sujeito que focaliza um conteúdo, então é possível dizer que a construção dos objetos de discurso está diretamente relacionada à construção do ponto de vista. Nesta medida, o ponto de vista inscreve o sujeito, sendo testemunho da relação sujeito-objeto. Mesmo que o sujeito não fale, é possível perceber sua presença pelo modo de apresentação do objeto de discurso e, para isso, a seleção lexical tem um papel muito importante. Obviamente, as coisas não são simples assim, porque a apresentação dos objetos passa necessariamente por um jogo dialógico do qual participam diferentes enunciadores. Assim, é necessário diferenciar aquele que assume um conteúdo de percepção, o locutor/enunciador primeiro (L1/E1), porque fala, daquele a quem determinado conteúdo é imputado, o enunciador segundo. Como este último não fala no momento da enunciação, sendo seu PDV uma representação, admite-se que ele tenha assumido a palavra em contexto anterior, o que nem sempre é uma garantia, já que ele pode discordar daquilo que L1/E1 lhe imputa. Por essa razão, a inscrição do sujeito não se dá apenas quando este assume a palavra e/ou fala, porque ele pode se inscrever pela representação que o outro lhe atribui.

    Nisto reside a dimensão argumentativa da relação sujeito-objeto, ou melhor, a orientação argumentativa dos referentes no discurso, que passa não só por um querer-dizer que influencia a construção do sentido, mas também por um jogo enunciativo de afirmação de identidades e posições. A afirmação de identidade, como tributária da apresentação de si, passa pelo estabelecimento de posições. Contudo, a afirmação de si nem sempre é ancorada por um eu, tampouco precisa ser manifestada explicitamente pelo eu sou, eu acho, eu penso, eu defendo. L1/E1 pode afirmar-se pela incorporação do PDV de outros enunciadores em consonância ou dissonância, que ele pode tomar para si ou imputar aos outros.

    Ainda que não fale diretamente sobre como percebe ou interpreta determinado conteúdo, L1/E1 argumenta construindo objetos de discurso e pondo à mostra aquilo que deseja fazer perceber sobre um conteúdo (isto inclui a sua imagem no discurso), o que, por sua vez, já é alvo de uma percepção anterior ou futura, que se atualiza no aqui e agora do discurso. Essa percepção pode ser de outro enunciador ou pode ser instaurada no discurso como sendo do próprio locutor. Tudo dependerá de como L1/E1 marcará sua posição em meio a outras posições, ou seja, de como articulará seu ponto de vista a outros pontos de vista que, juntos,[2] ancoram um ou mais conteúdos de percepção no discurso. Por último, um mesmo objeto de discurso pode assinalar dois PDV, configurando um empilhamento de PDV, conforme postula Rabatel.

    Se considerarmos ainda que o encadeamento referencial contribui para o processamento da argumentação, isto implica dizer que a construção, o desenvolvimento e o modo de apresentação dos referentes é, em grande medida, responsável pela orientação argumentativa do texto. Tal orientação evidencia um trabalho sobre o conteúdo do discurso, inserindo o sujeito produtor do texto nessa prática discursiva. Ainda que a inserção do sujeito no processo de referenciação não seja uma preocupação de alguns autores que tratam da referência, como Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995), estes autores afirmam que as designações não podem ser feitas independentemente da instância que assume posição. Rabatel (2004, p. 2) acrescenta que a construção linguística dos objetos percebidos e a construção linguística do sujeito da percepção são indissociáveis, ou mesmo interdependentes, sendo a referenciação uma das condições (e uma das garantias) da referenciação do sujeito (e vice-versa).[3]

    Assim, ao articular o estudo da referenciação à abordagem do ponto de vista, nossa preocupação não é apenas com a introdução, articulação e progressão dos referentes para a coesão e condução tópica do discurso, mas também com o modo de apresentação dos objetos. Esta preocupação com o modo de apresentação dos objetos de discurso põe, necessariamente, em evidência a relação sujeito-objeto, e permite analisar a construção do PDV por meio das formas referenciais. O modo de apresentação, ainda que considere essencialmente as formas nominais em posição anafórica e catafórica, não exclui as predicações como formas subsidiárias para a construção e interpretação dos referentes.

    Dessa forma, compreendemos que, inserida em uma dimensão dialógica, a seleção lexical só tem sentido na relação com mecanismos de representação do dizer (auto- e heterodialogização). Em outras palavras, a seleção lexical das formas nominais é enquadrada pela representação, tanto aquela que o sujeito faz de sua fala ou percepção, auto-dialogização, como aquela relativa à percepção do outro, heterodialogização. Indiscutivelmente, a seleção lexical enquadrada pela representação desempenha papel capital para dar corpo à perspectiva do enunciador, para recordar ou manifestar a sua presença por meio do modo de apresentação dos objetos (Rabatel, 2008, p. 70). Do mesmo modo, esta relação intrínseca entre as formas nominais e a expressão dos PDV está diretamente relacionada aos modos de posicionamento linguístico da subjetividade, particularmente como um processo de singularização em representação. Sendo assim, esses modos de posicionamento revelam que a subjetividade (ou a inserção do sujeito produtor do texto no discurso) dá-se por graus variados de manifestação da presença. Por essa razão, não se sustenta uma distinção radical entre subjetividade e objetividade. Nesse contexto, a tão propalada neutralidade, característica grosseiramente atribuída a textos informativos, científicos ou de cunho mais formal, seria apenas a tentativa de causar um efeito de objetividade por parte do locutor-enunciador, como se as coisas fossem representadas ou contadas por si sós nessa aparente correspondência com o mundo e com uma só verdade.

    Exemplificação

    O texto a seguir é uma crônica extraída do blog Ano do Rubito na França. Este blog reúne crônicas bem-humoradas a respeito da vida de um doutorando brasileiro na França. Ao expor suas impressões sobre certos estranhamentos culturais na crônica Obesidade mórbida, o locutor/enunciador tece argumentos a respeito de dois fatos principais: a prática comum de beber água da torneira e o curso de tratamento de texto para a tese.

    (1) Segunda-feira, 5 de abril de 2010

    Obesidade mórbida

    Cada um tem sempre uns pecaditos a serem pagos neste mundo de meu deus. Aliás, minha vida tem sido uma penitência só, desde que cheguei. Acho que já estou com crédito para as próximas encarnações, que, espero, sejam menos árduas que a de doutorando na França. Por exemplo, aqui se é obrigado a beber água da torneira. Ora, isso além de deselegante é selvagem. E, acredite, por essas bandas, o bebedouro, esse obscuro objeto de desejo, é tão desconhecido quanto as estranhas mercadorias oferecidas pelos ciganos aos habitantes de Macondo. Você, que conhece o Cem anos, de Garcia Marques, deve se recordar das primeiras cenas do livro, principalmente do espanto dos Buendía, os moradores daquela aldeia, ao descobrirem, sempre embasbacados, as mercadorias insólitas que eram levadas pelos tais ciganos. Me lembro [sic] de como eles ficaram maravilhados quando viram e, sobretudo, tocaram pela primeira vez o gelo que lhes era oferecido como mercadoria raríssima. Aquilo parecia queimar, parecia vivo e era incrível, maravilhoso. Mais chocante ainda foi quando se assustaram com a boca que saía nas mãos dos ciganos-vend-dores: era a boa e velha dentadura. Tudo era aterrorizante e não menos sensacional: fantasmático. As 7 Faces do Dr. Lao?

    Mas, fechando parêntese e voltando ao bebedouro, preciso esclarecer que aqui em Lyon já existe um objeto chamado garrafinha de água mineral, mas eu não vou ficar comprando água em garrafinhas, porque dá muito trabalho; sem exagero.

    E se a garrafinha for garrafona, pior ainda, porque é pesado transportar. Aqui não tenho carro. Só ando de bicicleta ou a pé (Eh, croissant é doce, mas não é mole não!). No final das contas todo mundo diz que a água da torneira por aqui é potável, mas como bom brasileiro eu desconfio, e como bom estudante sem dinheiro pra rasgar, bebo. E finjo que não é comigo. Uma vez, veja o absurdo da situação, flagrei um menino atracado com uma coisa no banheiro. Ele estava ajoelhado e, curvado, sugava vorazmente algo protuberante. Aquilo foi estranho. Muito estranho. Só depois percebi que o momento kama sutra tava rolando com a torneira da pia. Tudo isso porque Lyon, apesar de ser o berço da sétima arte, a cidade dos irmãos Lumière — inventores do cinema —, ainda não descobriu o bebedouro. Precisamos dar uma aula de civilização para esse povo. Esses chicos franceses

    No entanto beber água da torneira não é nada se comparado à maior expiação que tive de encarar por causa dos meus pecados avoengos (boa essa palavra!). Chama-se: TTT ou Tratamento de Texto para a Tese. E, tenho certeza, me proporcionou bons cem pontos no carnê do baú celestial. O tal TTT é o nome do curso que fui obrigado a engolir. E engoli. Até a primeira aula eu não sabia muito do que se tratava. Achei inclusive muito chique. Mas logo nos primeiros momentos da primeira manhã gelada descobri que era um curso de, acredite, Word 2003! E essa agora… Quem me conhece sabe que o meu apego pela informática é proporcional ao amor do Zidane pelo Materazzi na final da Copa de 2006. Na real, eu odeio quem ama o mundo da tecnologia. Eu odeio a história de baixar programas. Eu odeio réguas de tabulação. Eu odeio saber qual é o novo antivírus. Eu quero a Idade da Pedra (uga-uga), quando nossos tratratratravós pichavam as cavernas. Pelo menos não tinham de escolher fonte, tamanho, itálico, folha de estilos. E quer saber, tem coisa mais bizarra do que aquelas janelinhas com conselhos do Windows?? Elas sempre aparecem gentilmente e com sorriso nos grandes lábios virtuais [opa] perguntando se você tá precisando de alguma coisa quando você está louca e desesperadamente precisando de várias coisas, mas sabe que a pororoca da solução que eles vão te oferecer não vai trazer a resposta de que você precisa para resolver a pururuca do problema que qualquer pessoa, qualquer recém-nascido, MENOS VOCÊ, saberia resolver naquele momento. (Agora pode respirar, leitor, é que eu fiquei um pouco nervoso. Foi mal.)

    O tal Tratamento foi brabo. Mas, como disse, encarei. Não teve jeito. E dá-lhe expiação! No entanto o curso teve momentos burlescos. Por exemplo, nunca vou esquecer a cara do professor quando nos chamou à frente da sala para nos mostrar algo que parecia fascinante, incrível (As 7 Faces do Dr.

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