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Lavínia: no limite
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Lavínia: no limite
E-book155 páginas2 horas

Lavínia: no limite

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Sobre este e-book

'Um sentimento que chega sem se anunciar e gera uma solidão angustiante, um vazio que leva as pessoas a fugirem de si próprias. Assim é Lavínia, uma mulher que poderia ter tudo na vida. Jovem, 25 anos, rica, bonita, mas não aceita qualquer tipo de rótulo. Tem repulsa pelas pessoas que não a com­preendem e ao mesmo tempo necessita de carinho, abraços e atenção. Encon­tra conforto quando fica só. Desde que perdeu seus pais em um acidente, ficou sem chão, sem rumo, e o único irmão tornou-se motivo de vingança para essa desgraça que a vida lhe causou. Em “Lavínia”, Nathalia Alvitos, a autora reflete sobre os valores atuais da sociedade e ainda recria com destreza a realidade interna de uma personagem vítima de um transtorno que a obriga a viver em uma montanha-russa de emoções.'
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mar. de 2022
ISBN9788566605464
Lavínia: no limite

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    Lavínia - Nathalia Alvitos

    Sumário

    Créditos

    Agradecimento

    Epígrafe

    Lavínia

    O negro do azul

    A angústia de domingo

    Alguns ingredientes

    Ela sentia dor

    Não se procura a alma num livro

    Há dois anos

    Uma outra hora

    Era outro

    Quem mais seria?

    O desabafo em socos

    Desejando sentir

    A personagem a convenceu

    A pele era a mesma

    Já era dia e ainda faltava um

    Falível como um plano qualquer

    Não tinha culpa

    Resolvido

    Não era Ele quem escolhia

    Alívio perecível

    A ideia

    O mundo se protegia dela

    capaElementos4.jpg

    Nathalia Alvitos

    Lavínia

    no limite

    Créditos

    © Jaguatirica, 2015

    Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida

    ou armazenada, por quaisquer meios, sem a autorização

    prévia e por escrito da editora e do autor.

    editora Paula Cajaty

    diagramação M. F. Machado Lopes

    imagem de capa Thiago de Barros

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    A483L

    Alvitos, Nathalia

    Lavínia: no limite / Nathalia Alvitos. - 1a. ed. - Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2014.Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2014

    124 pp..: il.; 21 cm

    isbn 978-85-66605-46-4

    1. Romance brasileiro. I. Título.

    14-1712

    cdd: 869.93

    cdu: 821.134.3(81)-3

    08/11/2014 10/11/2014

    Editora Jaguatirica

    rua da Quitanda, 86, 2º andar, Centro

    20091-902 Rio de Janeiro RJ

    tel. [21] 4141-5145, [21] 3747-1887

    jaguatiricadigital@gmail.com

    www.editorajaguatirica.com.br

    Agradecimento

    Ao meu marido, meus pais,

    minha irmã e às amigas Glória e Tainá.

    Epígrafe

    Nossa personalidade é uma invenção dos outros.

    Marcel Proust

    Lavínia

    Com os cotovelos apoiados nas pernas incrédulas o homem manchava seu rosto de sangue conforme os dedos desesperados percorriam olhos, nariz, testa, bochechas, testa e olhos de novo. Não sentia o gosto, nem o cheiro do fluido de seus pais confundidos aos seus, assim como aconteceu quando nasceu. O pior ainda não chegou, não. Ainda não, pressentia. Olhava vermelho para a porta dupla que separava a área de cirurgia do corredor comum. Lá estaria ela, parada, ele sabia, branca e fria como o medo. As lágrimas eram inúteis, nada seria capaz de colocar para fora tamanho desespero. A equipe que há pouco lutava para trazer de volta à vida os pais dele, agora acompanhava em silêncio o preenchimento dos papéis e ajudava fazer a remoção. Remoção. Palavra mais ingrata. Ela se disfarça, mas é a pior das palavras, pensava.

    Aproveitou o momento em que ficou sem ar para lembrar. Eram seus pais sorridentes chegando com as compras do mercado. Como gostavam daqueles dias em que podiam descobrir quais os tipos de comida e besteiras que faziam os pais se lembrarem deles. Corriam e ajudavam a arrumar as frutas e os biscoitos contagiados pelas histórias fantásticas que saíam de cada sacola. Os funcionários da casa sabiam que nestes momentos não poderiam ajudar em nada, pois eram só eles, os quatro juntos. Ela era mais agarrada, lembrava em voz alta entre um suspiro engasgado e outro. Era Lavínia, sua irmã mais nova. Quando criança a menina tinha febres altíssimas quando a mãe saía de casa. De algum modo, mesmo ainda pequeno, ele entendia que a caçula precisava de mais atenção. O pai viajava muito a trabalho, por vezes a família ia junto, mas depois que a menina nasceu, tudo mudou. Aos poucos Lavínia se mostrou dependente do amor diário e constante da mãe, Lolita. Elas passavam os dias juntas em um mundo criado por elas e o compartilhavam conforme as vontades da Princesa, como a garota era chamada em casa.

    Apesar das brincadeiras parecerem deliciosas até para serem assistidas por um estranho, o irmão, o pai, Lolita e até a própria Lavínia sabiam que havia algo de errado. Na cortina de fumaça iluminada e fina os anos se passaram e nada foi dito. Um dia, ele recordava com detalhes, a mãe decidiu sair com o marido à noite, depois de 12 anos do nascimento da filha. O rapaz, já com dezessete anos, acordou com o choro da irmã e ficou nervoso. Sabia que não deveria interferir ou poderia assistir incrédulo a um ataque de fúria repentino, como já havia acontecido antes. Foi até a sala e ficou escondido atrás da cortina vigiando Lavínia. Ela parou de chorar por um momento, abriu a gaveta da mesinha enfeitada com flores e pegou um maço de cigarros. Acendeu devagar, como se quisesse prolongar o momento. Deu duas tragadas e apertou a ponta acesa contra a coxa. Gritava mudamente com a boca fechada e o rosto molhado. Deixou o cômodo sem ser percebido e ligou para o número que os pais deixaram anotado para um caso de emergência. Demorou pouco para Lavínia voltar para os braços seguros de Lolita. De batom vermelho, colares de pérolas intercalados com brilhantes e um vestido azul marinho de malha fria e fosca, a mãe beijava a cabeça da filha e a abraçava forte. Sobravam carinhos, culpa, amor e incompreensão.

    Ela se tornou mulher e o tratamento com o psicólogo e o psiquiatra demonstrou efeito. Aos vinte anos já morava sozinha, trabalhava em uma das melhores e maiores empresas do país, da qual seu pai era sócio majoritário. Para evitar fofocas, Lavínia passou por todos os processos seletivos e, como era dona de uma inteligência única, foi aprovada sem dificuldades. Sabia que os funcionários falavam de sua posição privilegiada mesmo sem recorrer ao nepotismo, e classificava o ato como mais um hábito que reafirmava sua ojeriza ao convívio social. Quando questionada, fosse por quem fosse, ela proclamava George Orwell: Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um homem para um porco outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco. Era o suficiente para finalizar os poucos diálogos que preenchiam seus dias.

    O irmão seguiu caminhos profissionais diferentes, mas recebia, assim como Lavínia, depósitos milionários mensais em sua conta, mesmo sem pedir. Era menos visitado pelos pais, mas nunca reclamou. Casou-se cedo e trabalhava muito, soube receber atenções de outras maneiras e era feliz assim. A única angústia que carregava era não ser amado pela caçula. Queria ser mais próximo, um amigo. Certa vez foi chamado pelo psicólogo para uma conversa e a primeira pergunta que fez foi: Por que ela não me ama?. Recebeu um sorriso terno e uma extensa explicação. O homem de óculos disse que ela tinha Transtorno de Personalidade Borderline e que, por isso, sangrava em ira, amor e medo. Explicou que era um problema na região cerebral que causava um turbilhão de sentimentos o tempo todo. Repetiu que ela se sentia sozinha e que era preciso paciência e não confrontá-la em seus acessos de raiva violentos. O rapaz ouvia sedento, mas não escutava a resposta. O mais perto que conseguiu chegar foi quando o psicólogo pontuou que Lavínia tinha pavor em perder o amor da mãe. O irmão não foi citado. Só era importante que ele a amasse. Saiu do consultório olhando para os pés. Sentiu-se melhor quando percebeu os braços largos do pai envolvendo seu corpo franzino de adolescente.

    – Filho, quero te agradecer por tudo que está fazendo pela sua irmã. Você é um garoto maravilhoso e te amamos muito.

    – Pai, não precisa me agradecer, só queria duas coisas: que ela me amasse e parasse de se machucar. As marcas me dão medo, pai!

    Os dois se abraçaram chorando e entre soluços tentavam se consolar. Agora ele estava ali, sentado em uma cadeira sentindo o vento que vinha da janela, e seu pai, o homem grande e poderoso, estava dentro de um saco, preto, sobretudo preto, ao lado da mulher que amou até o último segundo de sua vida. Ela seria ensacada logo depois que fechassem seu corpo agora sem enfeites. Em busca de mudanças, deixou-se tomar coragem e atravessou as portas.

    Apoiando as mãos e o peso do seu corpo inchado nas paredes caminhava de volta para a cama quando uma lembrança ensurdecedora invadiu sua mente: seu irmão caminhado pelo corredor do hospital com o sangue dos corpos dos pais espalhados pelo rosto e mãos na direção de Lavínia. Abatido, com o suor vencendo as roupas que fediam a lama, sangue e óleo, tentava falar, entre crises de choro desesperadas, que ela, sua irmã, Lavínia, era agora sua única família. A sensação voltou. Os órgãos desapareceram e no lugar da pele havia retalhos de um metal pesado costurado grosseiramente com as suas vísceras inexistentes e cheias de pedaços necrosados. Reconhecia o intestino retorcido amarrando seu peito e o impedindo de se encher de ar. Caiu vomitando o chão todo, e não sentiu vontade de sair dali. Com os cabelos misturados ao líquido viscoso continuava a babar e às vezes voltava a vomitar. Deitou-se. Ficou. Estou no intervalo do mundo, repetia como um mantra.

    Acordou e não era mais ela. Lembrava-se de tudo, sabia o nome do seu corpo, como se chamavam seus familiares, mas não era mais ela. Estava certa de que a alma antiga havia ido embora. Respirou fundo, aliviada por encontrar uma saída, e começou a se mover para se sentar na cama. Ajeitando o cabelo e por vezes repetidas passando a mão no rosto percebeu que não estava sozinha. Ele estava lá. Com a voz paciente falava sem parar de como estava feliz em vê-la acordando e discursava sobre como seriam suas vidas dali para frente. Tentava passar otimismo, mas a culpa transpassava os poros. Ouviu. Quando o irmão parou de falar, Lavínia cuspiu no rosto daquele que um dia ousou levar Lolita para viajar de carro. Com a fisionomia gelada apontou a saída.

    – Não seja otimista, o que estou fazendo nada tem a ver com meu diagnóstico, é apenas nojo e desprezo. Você não tem família, nem eu. Sai daqui agora.

    As palavras chegaram aos ossos dele. Ela falava a verdade, pela primeira vez não gritou nem foi violenta, simplesmente falou, com vontade e com verdade, constatava, olhando os pés enquanto as lágrimas molhavam o caminho de volta para a casa.

    O negro do azul

    Tirou os santos do quarto, não queria mais vê-los. Não suportava mais a ideia de falar com eles, desejava silêncio. As velas se mantiveram acesas. Gostava de vê-las queimar e mudar de acordo com o vento, achava que a cera e a intensidade da própria chama ecoavam uma novidade especial. Um dia desses uma grande vela que deixou iluminar a madrugada caiu em cima da mesa destruindo fotos, papéis e lembranças...

    Acordou com o forte cheiro e logo assistia às chamas queimando tudo que tocavam. Mesmo assim não se apressou. Queria buscar água para apagar aquilo, mas permaneceu ali vendo a metamorfose. Era lindo e poderoso, admirou por alguns minutos. Um balde de água acabou com o fogo em alguns segundos, às vezes ele resistia, renascia em pequenos lugares como se fosse o suficiente para voltar a ser o que era antes, mas acabou se apagando.

    Não conseguia mais dormir, decidiu vestir um casaco longo por cima da roupa e foi vagar pelas ruas. Não queria um destino, na verdade, o que lhe faltava era um cigarro. Sentou-se num bar, o primeiro que viu. O maço veio acompanhado de uma vodca e Lavínia aceitou o momento. O homem da mesa ao lado lançou um olhar recheado do mesmo sarcasmo que ela usava para preencher seus dias e se divertir ao menos por alguns minutos. Levantou o copo oferecendo a ele sua dose e a tomou logo em seguida. Ele, por sua vez, aceitou o convite e também deu fim ao seu martíni. Lavínia retirou o dinheiro do bolso de seu casaco negro e o deixou sobre a mesa. As notas que lá ficaram eram altas, mas ela já não se importava com o dinheiro, de certa forma lhe parecia até

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