Notas de consolo
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Sobre este e-book
Quais sentimentos ela guarda?
O que ela pode fazer?
Com o intuito de responder a essas complicadas perguntas, Amanda Faccioli convida o leitor a se aventurar por contos imaginativos que se dispõem a tornar compreensíveis emoções nebulosas.
Eles descrevem, intimamente, sentimentos difíceis de serem entendidos e expressos, explorando o quão tênue é a linha entre o terror real e o imaginário."
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Notas de consolo - A. M. Faccioli
A Criatura
Elena avista no canto do quarto o antigo armário de madeira e, sem pensar duas vezes, mergulha na massa de roupas velhas e puídas. Encolhe as pernas próximo ao peito e fecha a porta atrás de si. Sua respiração está entrecortada, descalibrada, e ela tenta controlá-la para não fazer barulho.
Ela ouve quando a Criatura a segue dentro do cômodo. A porta velha do quarto range em suas dobradiças quando é aberta. Um momento de silêncio se segue. Então, um ranhar angustiante no chão seguido de um baque surdo. E outro, e mais um. É a Criatura se movendo, os passos arrastados, lentos, sem pressa. Como se tivesse certeza de que conseguirá o que quer. Sangue. Ela solta um gemido, longo e pegajoso. Aos ouvidos de Elena, parece-lhe o som de um animal agonizando, implorando pela misericórdia da morte.
Elena percebe quão quente está, o suor empapando suas costas, fazendo com que fios de cabelo grudem na pele de seu rosto. Ainda assim, seus pelos do braço se arrepiam. Ela ouve seu sangue latejando em seus ouvidos, alto como tambores, pressionando o cérebro, e se pergunta se a Criatura consegue ouvir seu coração martelando em suas costelas. Ela sufoca o desespero que borbulha em seu peito, o medo se assomando dentro dela. Sua garganta parece crua, esfolada no esforço de suprimir seus gritos.
Pela fresta do armário, Elena vê no chão a sombra dos passos da Criatura. Ela passa diante do armário, e seu cheiro azedo de putrefação preenche as narinas de Elena. Ela sente náusea, não só pelo cheiro fétido, mas pelo que está por vir.
Pensa no que aconteceu com Martin. No que a Criatura fez com ele. Ela vê seu corpo no abatedouro da Fazenda, dois buracos negros e profundos onde antes ficavam seus olhos azuis. Vê seu corpo destroçado e pegajoso pelo sangue, o peito e a barriga dilacerados, o que restou de suas tripas estendido pelo chão. Vê as vacas lambendo o líquido viscoso e vermelho, e chora em silêncio, as lágrimas rolando por suas bochechas numa procissão muda.
A escuridão que a envolve lhe traz à mente uma memória antiga e empoeirada: uma pequena Elena, escondendo-se num armário parecido com aquele para fugir das discussões entre os pais. Os casacos pesados pareciam silenciar as vozes, protegendo-a dos insultos trocados. Muitas vezes levava consigo um livro e uma lanterna para se distrair, e aqueles momentos acabavam se tornando prazerosos, um porto seguro em meio a mares agitados.
Nesse momento, Elena gostaria mais que tudo de estar no armário fugindo das brigas dos pais, e não numa tentativa desesperada de salvar sua vida. Agora, o armário não parece um refúgio, mas um caixão, a morte iminente espreitando pelas frestas da madeira velha.
Elena se atém à lembrança de infância como um talismã invisível, tentando não se descontrolar. Por muito tempo ela não ousa mover um músculo, sempre imóvel, suas juntas queimando no contorcionismo de caber ali dentro.
Fica muito tempo ali, minutos ou horas, os segundos se embaraçando em sua mente. Subitamente percebe que o quarto está em completo silêncio. A Criatura teria realmente ido embora? Desistido de sua caçada? Elena não quer ser estúpida e acreditar nesse milagre, mas por entre as tábuas do armário não vê nenhuma sombra ou movimento. Ela aguarda por mais alguns instantes, os ouvidos atentos, mas não há nenhum som.
Então, hesitante, abre a porta lentamente. Estica a cabeça