Gritos no Deserto: Contos
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Gritos no Deserto - Admaldo Matos de Assis
Lua bonita
Os galpões - vazios e silenciosos - lembravam catacumbas expostas ao luar. A maioria dos trabalhadores passava o domingo em casa; operários qualificados, trazidos da capital, tinham ido farrear num mísero povoado, distante légua e meia. Uns poucos, que ficaram no acampamento, se revezavam em duas mesas de jogo, à luz de candeeiros. Deles chegavam batidas na madeira das pedras de dominó e, de vez em quando, as vozes: Passo... Bati! É lá e lô!... Josino, mestre de obras, seu companheiro de alojamento, viajara devido a problema de saúde na família; a ele só restara a companhia de João Batista - apelidado de Gato - que vivia se esmerando em agradá-lo e servi-lo.
Entre eles ardia pequena fogueira, perpassando-lhes os rostos com lampejos avermelhados. De botas longas, roupa cáqui, vestindo casaco - que a mãe lhe dera na partida, para evitar constipações - Artur escanchara-se na rede, estendida entre duas colunas de madeira, que sustentavam o alpendre. De cócoras, empunhando com a mão esquerda inarredável chapéu de couro e, com a direita, reluzente faca, Gato ora abanava o fogo, ora virava e revirava duas espigas de milho, assando-as de modo uniforme.
Solidão, luar, silêncio, crepitar de fogueira, cheiro delicioso das espigas e a atmosfera de cumplicidade reinante encorajaram Artur a fazer pedido, inúmeras vezes esboçado mentalmente, mas nunca verbalizado.
- Gato... - principiou, qual cego às apalpadelas -, há muito tempo queria lhe pedir um grande favor, mas não tive coragem...
- Por quê? - soltou Gato, entre curioso e surpreso.
- Você podia se ofender, achar que eu estava abusando de sua amizade...
- Que abusando que nada, doutor!
- Vou dizer o que é, mas aviso logo: se não quiser ou não puder me atender, a nossa amizade será a mesma. Combinado?
- Combinado!
- Desde que aqui cheguei - lá se vai quase um ano - não sei o que é mulher. Como engenheiro-chefe não fica bem me misturar com empregados em farras e nem correr o risco de pegar doenças do mundo. Procurar mulher por conta própria é difícil, porque não conheço ninguém, além de ser muito arriscado: basta ver o que aconteceu ao engenheiro Lázaro. Não é mesmo?
- É...
- Será que você, que conhece tudo aqui como a palma da mão, não podia descobrir alguma mulher para me desafogar? Não precisa ser nova nem bonita; basta ter saúde e ser descomprometida. Só lhe peço isso porque - você é homem, me entende - ando subindo pelas paredes...
Sem titubear, mormente tratando-se de um pedido do engenheiro-chefe, Gato prometeu:
- Vou fazer o possível e o impossível. Eu lhe devo um grande favor. U´a mão lava a outra, doutor!
As menções ao grande favor e ao adágio popular - U´a mão lava a outra - decorriam de fato acontecido há meses, justamente quando os dois se conheceram. Artur se lembrava muito bem...
Um dia, mal assumira a chefia das obras do açude Mandacaru, apareceu Gato, montando burra velha e cansada, na iminência de arriar junto com o dono. Alto, seco de carnes, sarará, olhos de felino, bigode ruivo, enorme faca embainhada e presa ao cinturão, apeou-se, tirou o chapeu de couro num gesto mecânico, confirmou ser Artur o engenheiro-chefe, apresentou-se - João Batista, seu criado, conhecido como Gato - e solicitou um particular.
Seu objetivo fora pedir emprego, não importando a natureza e o salário. Perdera tudo que plantara, não conseguia trabalho nas fazendas castigadas pela seca, achava-se em petição de miséria. Saíra de casa sem deixar nada para a mulher e os dois filhos comerem - confessara-o de olhos molhados. Há mais de uma semana não dispunha sequer de fumo para enrolar um cigarro de palha. A voz embargada, o rubor da face denotando vergonha, a imagem de sertanejo alquebrado pela humilhação causaram imensa pena a Artur. Providenciara mantimentos - feijão, farinha, charque, fubá, sal - dera-lhe algum dinheiro e mandara-o voltar no dia seguinte, prometendo fazer o possível para atendê-lo.
À noite consultara o capataz e o mestre de obras. Aquele dissera precisar de um vigia, mas ponderara ser inconveniente admitir um estranho para função de confiança. Este opinara contrariamente, por vários motivos: primeiro, a falta de referências alegada pelo capataz; segundo, o fato de ter ele, Gato, adquirido um cavalo com sela e arreios para o engenheiro-chefe anterior, poucos dias antes do seu trágico falecimento; terceiro, o bigode de saúva. Gato tinha bigode ruivo, lembrando a cor da formiga saúva, que o mestre de obras acreditava constituir sinal de torpeza gravado pela mão de Deus.
Dessas objeções somente uma assustara Artur: a possível vinculação entre Gato e o assassinato do engenheiro Lázaro, de autoria ignorada e de evidente caráter passional, pois a vítima, além de sofrer doze facadas, tivera o pênis extirpado e posto na boca à guisa de chupeta. Apesar do temor e das opiniões contrárias, Artur não tivera coragem de negar o emprego, assumindo o risco de autorizar o contrato.
Gato se revelara trabalhador dedicado, incansável, desprendido, enfim, pau pra toda obra, como se autodenominava. Apesar disso, o capataz e o mestre de obras se mantiveram desconfiados, insistindo com Artur para não se descuidar. Além das objeções anteriores, o apelido, Gato, poderia indicar - avisavam - jeito silencioso e brando na aparência, porém traiçoeiro como o do gato ao trucidar indefeso passarinho. Artur permanecera em guarda, não lhe saindo da cabeça a imagem putrefata do antecessor - tal como descreviam - semidevorado pelos urubus, a horrenda chupeta entre os lábios. Com o passar do tempo e reiteradas manifestações de amizade e gratidão por parte do vigia, o temor se fora dissipando, até se encorajar Artur ao pedido que acabara de fazer.
Passaram-se semanas sem que o pleito fosse atendido. De vez em quando Gato dava-lhe satisfação, dizendo não estar esquecido. Supunha Artur que o vigia, apesar de todo empenho, enfrentava enorme dificuldade em encontrar uma mulher nas condições solicitadas. Uma noite, cansado de esperar, e estando a sós com o amigo, se julgou no dever de dispensá-lo do favor, para não mais constrangê-lo à busca do impossível.
O vigia reagiu ofendido, como se Artur, em vez de querer poupá-lo, lhe estivesse presumindo o fracasso:
- Doutor, promessa é dívida! Dentro de uma semana - juro! - o senhor vai ter o que quer, custe o que custar...
Imaginando significar a expressão - custe o que custar - necessidade de recursos financeiros, Artur esclareceu, após longo rodeio, estar disposto a arcar com as despesas.
- Deixe comigo, doutor; não vai lhe custar nada. Favor, com favor, se paga. Só preciso de dois dias de dispensa para tomar umas providências e pronto.
Após a folga, na manhã do sábado, apareceu Gato, montado na velha e cansada burra, puxando um cavalo novo e selado. Com ar vitorioso, anunciou baixinho:
- Vai ser hoje, doutor. O nome dela é Maria.
Os dois partiram às cinco da tarde, nas respectivas montarias e a passo lento, pois o engenheiro não tinha o hábito de cavalgar, podendo ser acometido pelo que chamam dor de veado. Eles passaram sobre a base em pedra e cimento da futura barragem, tomando estrada carroçável, ao pé de longa montanha, que lhes sombreava o percurso. Artur seguia calado, saboreando o ar puro e a quietude da paisagem, recordando em que circunstâncias fora parar naquele fim de mundo...
Aos vinte e quatro anos, filho mais velho de modesto funcionário público, conseguira se formar em engenharia civil, mas não arranjava emprego. O doloroso tempo de espera pelo exercício profissional e autonomia financeira interrompera-se com o chamado da construtora para assumir a chefia das obras da barragem Mandacaru, situada nas cabeceiras de rio temporário, a qual, depois de concluída, levaria de três a cinco anos para atingir o nível máximo, devendo alimentar sucessivas barragens a jusante e beneficiar, além das terras às margens, cerca de vinte povoados e uma cidade. De logo o avisaram ser de quase reclusão o regime de trabalho exigido pelo cronograma da obra, que a cidade mais próxima distava sessenta quilômetros,e a linha férrea, mais de cem. Os contatos com a sede da empresa se fariam mensalmente, através dos seus agentes pagadores e, eventualmente, por meio de motoristas de caminhões que transportassem equipamentos e material de construção. Aceitara o desafio forçado pela necessidade de sair do atoleiro profissional, porém, ao saber depois como morrera o antecessor, enchera-se de medo e cuidados, restringindo seus movimentos ao canteiro de obras.
O mesre de obras Josino - cinquentão, prudente, vivido - tornara-se o conselheiro a quem recorria para esclarecer dúvidas. Se, por exemplo, queria adotar novo procedimento ensinado na faculdade, consultava-o antes, mesmo sabendo que ele fatalmente rejeitaria, esgrimindo o infalível argumento que lhe ditava o espírito conservador: Não se deve mexer no que está quieto. Num primeiro momento cedia ao conservadorismo de Josino, convencendo-o depois a testar a novidade e, no mais das vezes, logrando implantá-la. Desse convívio harmonioso nascera eficiente parceria e sólida amizade. Ao cabo de algum tempo, ele absorvera tamanha influência do mestre de obras que um dia se flagrara, diante de proposta inovadora do capataz, recusando-a: Nunca se deve mexer no que está quieto.
Em plena solidão da caatinga, à medida que se adensavam as sombras da tarde, pássaros se recolhiam aos ninhos e as primeiras estrelas despontavam, um sentimento opressivo invadiu Artur, ressuscitando-lhe velhos temores e maus presságios. Ao seu lado, cabisbaixo, reflexivo, o vigia ora parecia triste, acabrunhado, ora distante, bem distante... Seu perfil magro e alto, a dureza do semblante e a descomunal faca peixeira presa ao cinturão davam-lhe ar sombrio e ameaçador. Movido pelo instinto de não dar as costas ao perigo, Artur reteve disfarçadamente o cavalo, deixando o outro seguir adiante. Essa providência atenuou-lhe a insegurança, embora continuasse a se lastimar por não trazer consigo o revólver calibre 38, municiado de seis balas e mais seis de reserva, com que lhe presenteara o pai. Da próxima vez, não o esqueceria.
Era noite fechada quando Gato, parando diante de um lajedo, apontou uma casinha branca ao pé de frondosa árvore, distante uns cinquenta metros da estrada, e disse:
- É ali.
Artur esporeou o cavalo sem olhar para trás. A casa tinha um alpendre pequenino, duas janelas de frente e uma porta lateral; porta e janelas fechadas, deixando escapar, através de suas frinchas, luz trêmula e amarelecida.
- Ô de casa! - chamou.
Voz suave, mais parecendo de menina que de mulher, indagou:
- Quem é?
- Sou o amigo de Gato, Maria.
Abriu-se a porta, surgindo vulto de mulher em roupas domingueiras.
- Apeie-se e entre; vou guardar o cavalo - disse ela, tomando o cabresto do animal.
A sala tinha paredes brancas, recém-pintadas por alguém sem experiência alguma. Em molduras toscas enfeitavam-na imagem de São Jorge lancetando o dragão, além de quadro em que se lia: A casa é pequena, mas grande o coração.
Obsequiosa, humilde, olhos baixos de ré, Maria permaneceu calada ou monossilábica. Tinha cabelos ondulados, busto generoso, ancas salientes sob o vestido de chita amarela, salpicada de flores vermelhas e azuis. Além de quase muda, não permanecia junto dele, a todo instante arranjando pretextos para se ausentar: tirar a quartinha da janela, limpar a manga de um candeeiro, reabastecer outro, colocar traves nas portas, coar café... Ele não sabia o que dizer, mas se sentia seguro na casa - pequena, limpa, aconchegante - e se entretinha olhando a mobília pobre, as flores silvestres num vaso de louça barata, o telhado obscuro, as portas de madeira maciça e uma nesga da cama de casal sob lençol bem alvo, onde ansiava aplacar o sexo latejante.
Na mesa, a ceia o aguardava sobre toalha axadrezada em azul e branco: carne de bode assada, cuscuz, bule de café fumegante e pedaços de rapadura para adoçá-lo.
Percebendo haver somente um prato e um talher, Artur indagou-a se não ia cear, ao que ela respondeu que já o fizera. Ele então insistiu:
- Maria sente-se, sente-se, por favor. Se você não sentar, eu não como. Ela o atendeu, obediente, dando a impressão de sentir-se lisonjeada.
Seus rostos ficaram bem próximos e visíveis, pois a mesa era estreita, e, sobre ela, havia um candeeiro, cuja manga há pouco fora limpa. Artur pôde então lhe perceber a alvura dos dentes e a beleza do rosto, de quando em vez iluminado por um sorriso infantil, que abria duas covinhas nas bochechas, e o contraste da pele morena com os olhos verdes, esmeraldas recém-saídas da ganga bruta. Olhos que não se cansava de ver, rever e admirar.
Como sobremesa lhe serviu umbuzada, cujo sabor ao mesmo tempo acre e doce ele tachou de divino - expressão que a fez sorrir, parecendo não a entender.
Mais tarde, enfim, Maria o recebeu na penumbra oscilante do quarto, pudicamente metida numa camisola de algodão, sob lençol cheirando a alfazema - quieta, silenciosa, impassível - aceitando resignada a função de recipiente do homem que lhe haviam encomendado.
Antes que a primeira claridade matinal se infiltrasse pelas brechas do telhado, ela o despertou, aprontou-lhe o cavalo, e se despediram com fugaz bom-dia. Gato já o esperava defronte ao lajedo, pitando seu eterno cigarro de palha. Regressaram no escuro, como dois ladrões. Gato perguntou se estava satisfeito; ao que Artur respondeu que sim, que Maria era bonita, nova, delicada, limpa e, de quebra, cozinhava bem. Tem uma coisa: ela não é mais moça e nem mulher da vida - arrematou.
Mais tarde, no acampamento, Artur lhe deu uma boa quantia dizendo ser um presente destinado a Maria. A princípio o vigia não queria receber, alegando que favor não tem preço, mas Artur insistiu:
- Não é certo eu comer e fornicar de graça. Além do mais, a pobrezinha teve despesas extras: o vestido, a toalha da mesa, a camisola e a roupa de cama, tudo era novo, e eu desconfio que a pintura da casa também.
Cerca de um mês depois, no final da tarde, o engenheiro e o vigia percorreram o mesmo caminho, com destino à casa de Maria, aonde chegaram pouco antes do anoitecer. Nessa visita Artur descobriu duas coisas: a porta e as janelas estavam pintadas de azul e a árvore em frente à moradia se chamava juazeiro.
Maria usava vestido e sandálias novos, pareceu menos tímida e lhe preparara deliciosa refeição, porém mais leve que a anterior: jerimum com leite, cuscuz de mandioca com manteiga, arroz doce, afora café bem quente e encorpado.
Na cama ele foi mais afoito, beijando-lhe o rosto, sugando-lhe os mamilos e excitando-a com as mãos e os dedos até senti-la estremecer. Maria recompensou-o oferecendo-se descontraída à penetração, abraçando-o na hora do gozo, acolhendo sua cabeça entre os seios durante o sono e, de madrugada, na despedida, pondo-se na ponta dos pés para lhe estalar um beijo.
Na terceira vez Maria saudou-o com nítido sorriso de alegria e uns olhos verdes longos e profundos, que ele interpretou como olhos de desejo. Na ceia lhe ofereceu milho cozido, canjica, pamonha e queijo feito com leite de cabra. Sem que Artur pedisse, se sentou à mesa e fez a refeição diante dele. Depois conversaram como jamais haviam conversado. Maria disse, com uma ponta de vaidade, que aqueles pratos haviam sido feitos com milho que ela mesma plantara, limpara e colhera. Este ano o inverno foi bom, graças a Deus! Também o queijo era de produção doméstica. Ela pareceu vaidosa ao narrar, detalhadamente, o processo de preparação e cozimento do milho, pamonha e canjica, bem como de feitura do queijo de coalho.
Apesar de curioso por saber mais sobre Maria - se era solteira, casada, viúva; se tinha pai, mãe, filhos; por que morava sozinha à margem da estrada... - nunca a abordara sobre isso, observando pacto firmado com o amigo. Ela jamais demonstrou interesse em saber qualquer coisa desse gênero a seu respeito.
Despidos sob os lençóis, cumularam-se de mil e uma carícia. Para felicidade dele, que se esmerava em alçá-la às culminâncias do sexo, houve um instante em que Maria deixou escapar dois gritos de prazer, cravando-lhe as unhas nas costas... Dormiram saciados. Na hora da partida - e num tom que mais parecia doce intimação para amiudar as visitas - ela perguntou:
- Quando é que o doutor vem de novo?
- Pra semana, sem falta - prometeu, acariciando-lhe a nuca.
Uma semana depois, mal entrou na casa, Maria deu um pulo de alegria, agarrou seu pescoço - qual menina travessa escalando uma árvore - e lhe salpicou o rosto de beijos. Artur tomou-a nos braços arrebatado por crescente desejo, afagando-a, cheirando-a, beijando-a. Cada um se entregou à tresloucada posse do outro, numa viagem sem roteiro, limites, freios, controles, e se possuíram como animais - selvagens, famintos, no cio - até se acharem exaustos, suados, pegajosos, caídos no chão.
Após repousarem, Maria providenciou água morna, se lavaram e cearam juntos, não mais um diante do outro, porém lado a lado, como recém-casados. Entre uma colherada e outra, se beijavam, entre uma garfada e outra, diziam palavras doces, o tempo todo se lançando olhares ternos.
A lua cheia convidou-os a armarem a rede sob o alpendre e nela se recostarem, abraçados, juntinhos os rostos, aquecendo-se. Se os verdes olhos de Maria davam-lhe ao rosto ar profundo, dramático, sedutor, os sorrisos - exibindo covinhas nas bochechas - lhe adocicavam o semblante. Maria lembrava-lhe - pela doçura e matutice das palavras, gestos e sorrisos - uma flor silvestre, dessas que vicejam ao sol e à chuva, dotadas de singela, mas resistente beleza, que as tornam aptas a competir com rosas aristocráticas, encasteladas em vasos de cristal. Feliz, ele contemplava os contornos suaves dos morros, as imagens eretas da caatinga bravia, os galhos do juazeiro prateados pelo luar, a natureza em festa como se lhes comemorasse as núpcias.
Mesmo sem vocação para o canto - e sem saber por quê - ele se pôs a entoar baixinho músicas que lhe afloravam à memória, começando por Luar do Sertão. A última principiava assim: Lua bonita, se tu não fosses casada / Eu preparava uma escada / Pra no céu te beijar, te beijar... Embora dessa modinha soubesse mais alguns versos, desentoou de propósito, parou de cantá-la, voltando à primeira, pois uma sombra de tristeza, de repente surgida nos olhos de Maria, se espalhou por todo semblante, qual nuvem de chuva encobrindo a lua.
Mergulharam num silêncio profundo, como se cada um quisesse apenas escutar o coração do outro...
Olhando despretensioso para as bandas do lajedo - ponto habitual de encontro com Gato - Artur teve a impressão de