Contos De Contos
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Contos De Contos - Dailton Mascarenhas
Dailton Mascarenhas Contos de Contos
Dailton Mascarenhas
CONTOS DE
CONTOS
Seleç ão
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Dailton Mascarenhas Contos de Contos
Os contos deste livro foram escritos no período de 1995 a 1996 .
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do detentor dos direitos.
Este livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, acontecimentos e incidentes são todos fruto da imaginação do autor ou foram usados como ficção. Quaisquer semelhanças com pessoas, acontecimentos ou lugares é mera coincidência.
Primeira edição: 2019
©Alexandre Dantas da Silva 2019
Todos os direitos desta obra reservado a Alexandre Dantas da Silva
e-mail: aledansilva@yahoo.com.br
Inverno de 2019.
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Índice
Prefácio................................................................... 4
A promessa ............................................................ 5
Cantiga de Ninar...................... ..............................15
Juliana...................................... ..............................32
Pé Ligeiro................................. ..............................52
Novos Versos. Satíricos ou Satânicos........ ...........61
Hodometria do Vigarismo. O rato da Bahia. Mixórdias
de um ladrão.......................................................... 69
Ode às capsulas.................................................... 76
A Rádio Verdade................................................... 80
A Carta.................................................................. 98
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Dailton Mascarenhas Contos de Contos
Prefácio.
Dailton Mascarenhas, um dos jornalistas mais premiados, respeitados e reconhecidos da sua geração na Bahia, fez história nos principais jornais do Estado , revistas de âmbito nacional e muitos outros nas décadas de 70, 80 e 90 com um texto brilhante, inteligente e sagaz. Defensor ferrenho da liberdade de expressão, lutou contra a ditadura militar, se posicionou sempre de forma ardilosa, combativa aos desmandos na Bahia e no Brasil. Um jovem precoce, eu tudo na sua vida, iniciou sua carreira jornalística como foca
, chegando a editor de política, além de assessor de diversos políticos e partidos. Dono de um texto peculiar, perspicaz e genial, sempre se destacou no meio jornalístico. Sua vida foram as letras, os livros a escrita. Sua jornada na terra foi curta, aos 47 anos nos deixou, bem como uma série de escritos: contos, crônicas, textos jornalísticos, livros e muito mais.
Ele lutou até o fim contra o dragão da maldade
(como nomeou o câncer que fora acometido). Até seus últimos dias ele escreveu e agora nos dá a honra de compartilhar um pouco da sua visão, genialidade e talento.
Passei a minha vida inteira observando, Dailton, o meu pai, se debruçar sobre os livro, cigarros e uísque, suas inúmeras máquinas de datilografar e por último um computador Pentium V, que era a sua grande evolução tecnológica. Assim, numa inquietude, resolvi publicar alguns dos seus contos para que não ficassem restritos somente a nós da família, este é um livro para compartilhar e se deleitar.
Alexandre Dantas.
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A PROMESSA
Cocô de Burro. Aposentado pela Circular, dizia com orgulho. Garantiam que ninguém, mas ninguém mesmo, entendia quanto ele de energia elétrica. Artista de mão cheia, se encomendassem sua especialidade: gatos em contadores. Nas redondezas não faltavam fregueses para esse serviço. Fazia-o com tal maestria que muito raramente um freguês era flagrado. Eram esses e outros bicos menos importantes que completavam a porqueira da aposentadoria.
Podiam pedir-lhe o que fosse nos seus domínios. Lá estava Cocô de Burro. Prestimoso. Não o requisitassem, porém, após três da tarde. Justo nesta hora ele encontrava-se com Celestino, fiel amigo por mais de quarenta anos. Sentava-se na beira do batente do bar do peixe frito, uma garrafa de pinga dividida entre os dois. Não havia tempestade que lhes impedisse o ritual.
No crepúsculo, no mais tardar no começo da noite, retornava para casa e, ao aproximar-se d o bequinho, ia advertindo a mulher, discretamente, com jeito maroto: leva a tamanca pra nos castigar! Natividade, cumpre dizer, motivo do seu segundo orgulho. Garanhão cioso, renomado e temido. Natividade, terceira mulher dele, censurava com humildade. Ele não demoraria muito, dados os porres diários. Constituía-se na sua vingança. Contudo, lavava. Feito o que devia ser feito, Cocô de Burro dormia. Desmaiava, melhor dizendo.
Outra paixão de sua vida eram os carneiros. Sempre tinha um em casa. De todos, Clodoaldo é que
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fez história. O nome era homenagem ao seu padrinho, um deputado da gloriosa UDN que o colocou na Circular. O bicho impunha um ritmo diário, qual seja banhar, esfregar e escovar, infernizando Natividade. Os pelos se espalhavam, entupiam esgotos, o diabo. Sem falar em peças de roupas e sapatos que ele destruía. Às tardes, saia com o carneiro, amarrado por uma corda de náilon. No Peixe Frito, no barato uma ele chamava. O sem vergonha já abria a bocarra, sedento, viciado, esperando a branquinha. In variavelmente voltava grogue, como o dono.
Houve uma triste, fatídica sexta-feira. O carneiro tão dócil de repente ficou endiabrado. Se motivo, deu uma marrada no velho Celestino. Cocô de Burro sentou-lhe a mão no focinho. Clodoaldo reagiu com autoridade. Recuou o suficiente e enfiou a cabeça entre seus bulhões. O bebum foi à lona, incontinente. Vexame no botequim. Reanimado, ele prometeu a Clodoaldo e a todos os presentes que aquilo não ficaria assim. Não ficou. Em casa, pegou uma marreta e foi uma só na testa de Clodoaldo. Onde já se viu, comentava, desfeita daquelas a um amigo como o Celestino... Pena de morte ainda era o mínimo! Sobretudo em se tratando de Celestino, tão amigos que tinham um pacto. O carneiro irremediavelmente condenado às profundezas dos infernos. E também era pouco, quase nada, para desvario tamanho. Para ampliar o castigo entregou o defunto no açougue e autorizou que fizessem dele o que quisessem: vendessem, distribuíssem... Se faz de besta, sô.
Morto Clodoaldo, Natividade deu graças a Deus. Cocô de Burro deixara-a de lado. Naquela noite ele não conciliava o sono. Mal fechava os olhos, lá estava a imagem nítida do bicho manso, engolindo a pinga, roçando em suas pernas, mordiscando sua roupa, o pelo macio que ele alisava, a baba, o che iro. Acordou várias vezes, mastigou fumo, bebeu água, mijou, cuspiu e nada. Nada de sono. Nada do diabo do
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carneiro voltar pro seu mundo. Aparecia Clodoaldo no calcanhar, pra lá e pra cá. Chegou à porta. Deserto. O Peixe Frito fechado.
Angustiado, não se conteve. Foi lá e acordou o Zé Maria.
- Compadre, você me desculpa o adiantado da hora.
- Fala, o que foi?
- Morreu um vizinho, compadre.
- Quem?
- Cê num conhece, não!
- Não conheço? Eu moro aqui há mais de vinte anos, meu chapa. Mas tá bem. O que você quer?
- Vim buscar umas velas, compadre, pra botar junto do finado. Por isso lhe acordei.
- Quantas?
- Quantas velas se bota pra defunto, compadre?
- Eu entendo lá porra nenhuma de defunto?
- Então me dá duas. Uma pra cabeceira, outra pro pé dele, tadinho. Agora aproveitando, compadre, bota uma aí... Vixe, tô tão chateado!
- Cocô, são três da matina!
- Bota. Pra aliviar a cachola, compadre!
E bateu a primeira. A segunda, a caideira e a ideira. Puxou conversa mole, discutiu futebol, Zé Maria injuriado, com sono. Ia saindo do boteco, o outro lhe lembrou que deixara o pacote com as duas velas sobre o balcão.
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- Que velas?
- Você não veio comprar vela pro defunto? - Que defunto?
- Tá doido?
- Se avexe não, compadre. Num morreu ninguém, não. Ë que eu tava precisando morder a caninha e aí, sabe, né...
- Filho de uma puta.
- Obrigado compadre. E boa noite. Guarde a vela pro seu enterro.
Assim deu-se o caso. Este, do falecimento de Clodoaldo e da pinga na madrugada. E Natividade, a que lavava a preciosidade nos fins de tarde e apostava que Cocô de Burro morreria cedo, embarcou antes. Aquela morte súbita que chega sorrateira sem aviso. A mulher calma, arrumando a louça e sem mais nem menos desabou dura. Fica Cocô de Burro sem o bicho de estimação com o qual ainda sonhava se sem mulher, pra esfregar e castigar no bicho dela fim de tarde. Para tentar minorar aquela solidão da viuvez, decidiu juntar-se com outra. Uma brava. Víbora. Esquisita. Repressora. Despachada, não cansava de proclamar: