Leveza: Contos e Crônicas
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Leveza - Sonia Medeiros
Dia de Confusão
Ah! Que saudades sinto do dia das mães e de todas outras datas importantes do ano.
Eram comemoradas, na casa de minha mãe.
Meu pai colocava a churrasqueira, debaixo de uma parreira, e, todo feliz, mostrava-nos o tamanho dos cachos de uva. A planta era o seu orgulho.
Éramos os primeiros a chegar.
Minha irmã era sempre a última, esbaforida, arrastava seus quatro filhos, pelas mãos.
Tia Lurdes, também, participava da festa, quase cem quilos de pura alegria. Com ela, vinham a filha, o genro e o pequeno Augusto, seu neto.
Todos traziam um prato de sobremesa e uma salada diferente, podendo ser até maionese.
A comemoração era um farturão
: meu pai, fazendo churrasco, a mesa cheia de saladas e, por último, sobremesas deliciosas.
Passávamos o dia alegremente, conversando, comendo e rindo muito, ao som da algazarra das sete crianças.
Hoje, lembro-me, com muito carinho, dessas festas e, por mais que queira, não posso resgatá-las, uma vez que pessoas tão queridas, já não se encontram conosco. Restam, somente, a lembrança e a doce saudade.
As Vinhas de Meu Pai
O sonho de meu pai era ter uma vinha. Ainda criança ele ouvia de meu avô, seu pai, espanhol de Salamanca, como se fazia um bom vinho. Desde a maceração da uva, até sua fermentação em garrafões de cinquenta litros.
Nascido no interior de São Paulo, numa cidadezinha chamada Jardinópolis, veio para a capital aos dezoito anos em busca de emprego.
Trabalhou em uma metalúrgica por alguns anos, abrindo, depois seu próprio negócio, junto ao cunhado. Era uma oficina de funilaria de automóveis.
Casou-se jovem e cedo começou a sonhar com sua vinha.
Todos os fins de semana, saía pelas estradas de terra, estreitas e empoeiradas, à procura do sítio ideal. Este deveria ter uma terra preta, a melhor para plantação de uvas. Até que um dia a encontrou. Eram seis alqueires da melhor qualidade, com dez mil pés de uvas plantadas e produzindo. Entusiasmado, foi logo dando o sinal para segurar o negócio.
Quando chegou em casa, contou à esposa sobre o que fizera e, juntos se sentaram para fazer as contas e conferir se o dinheiro seria o suficiente. Pagariam cento e cinquenta mil cruzeiros, que guardavam a poupança, e, no dia seguinte, iriam à Caixa Econômica para fazerem um empréstimo de cinqüenta mil cruzeiros. Embora minha mãe não gostasse de sítio, não disse nada, visto ser este o grande sonho de seu marido.
Meu pai era muito cuidadoso em relação a documentos, portanto teve que esperar cerca de um mês, para que o antigo proprietário regularizasse a situação das terras junto ao registro de imóveis.
No dia em que tomou posse, ele era um outro homem, seus olhos brilhavam de felicidade.
O sitio tinha uma casa ocupada pelo caseiro, uma nascente, um chiqueiro, um grande pomar de mexericas, um cavalo e alguns pés de café. Fazia também divisa com uma reserva florestal. Estávamos no mês de novembro. As vinhas já mostravam seus cachos com grandes grãos verdes.
Meu pai pretendia vender metade da produção de uvas, para pagar as despesas do caseiro e, com outra metade, faria o tão sonhado vinho. Para tanto foi ao sítio vizinho de um homem, chamado João Gereis, se informar sobre como vender sua produção de uvas por um bom preço.
Este homem veio para a região quando tudo era mato, casou-se e trouxe sua esposa, Anita, para aquela pequena casa, onde faltava tudo, luz elétrica, água e um pouco mais de conforto para criar os oito filhos, que Deus lhes daria. O que mais Anita tinha medo era dos bichos que apareciam no quintal, onças, jaguatiricas, e até mesmo, cobras enormes. Mas isso era passado.
Meu pai foi muito bem recebido, nesta visita, e pôde sentir a acolhida e o calor humano das pessoas que moram no campo. Com o tempo ficou grande amigo desse vizinho e fizeram muitos negócios juntos. Para as caixas de uvas foram feitas etiquetas, cujo fundo era cachos de uva e, em destaque, as palavras: Uvas Naiagara
.
Chegaram as férias escolares e resolvemos passá-las no sítio. Minha irmã, eu e nossos cinco filhos. Levávamos mantimentos e tudo o que precisaríamos, pois a cidade mais próxima ficava a oito quilômetros.
Jarinú era uma cidade muito pequena, onde encontrávamos somente o básico como carne e pão fresco.
Enquanto não íamos fazer compras, comíamos o pão amanhecido e esquentado no forninho.
Havia também o saco da felicidade. Um cartucho onde colocávamos os chocolates, doces e balas de goma. Este era escondido no armário mais alto da cozinha, para seu conteúdo ser saboreado em ocasiões especiais. Às vezes, uma das crianças descobria o esconderijo, fazendo a