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Persuasão
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E-book281 páginas3 horas

Persuasão

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Sobre este e-book

Anne Elliot, a heroína de "Persuasão", é uma nem tão jovem solteira que, seguindo os conselhos de uma amiga, dispensara, sete anos atrás, o belo e valoroso (porém sem título nobiliárquico e sem terras) Frederick Wentworth. No entanto, o futuro sentimental e financeiro de Anne não é muito promissor, e quando o destino a coloca frente a frente com Frederick, agora um distinto capitão da Marinha britânica, reflexões, conjunturas e arrependimentos são inevitáveis. Com toda graça, humor, leveza, ironia e ousadia de estilo de suas obras mais conhecidas, "Persuasão" é uma bela despedida daquela que pintou a vida e as agruras femininas em uma sociedade patriarcal como nunca antes e nunca depois.
IdiomaPortuguês
EditoraMimética
Data de lançamento29 de abr. de 2024
ISBN9789895620227
Persuasão
Autor

Jane Austen

Jane Austen (1775-1817) was an English novelist known primarily for her six major novels—Sense and Sensibility, Pride and Prejudice, Mansfield Park, Emma, Northanger Abbey, and Persuasion—which observe and critique the British gentry of the late eighteenth century. Her mastery of wit, irony, and social commentary made her a beloved and acclaimed author in her lifetime, a distinction she still enjoys today around the world.

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    Persuasão - Jane Austen

    cover-image, Jane Austen_Persuasão

    Jane Austen

    PERSUASÃO

    título original | persuasion

    autor | jane austen

    tradução | leyguarda ferreira

    capa | mimética

    imagem da capa | václav brozik: estudo de perfil (1901)

    paginação | mimética

    copyright | 2019 © mimética para a presente tradução

    esta edição respeita o novo acordo ortográfico da língua portuguesa

    Índice

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 1

    Sir Walter Elliot, de Kellynch, condado de Somersetschire, raramente pegava num livro e nem tão pouco apreciava a leitura como passatempo.

    Para um único volume abria exceção. Esse era, para ele, como breviário sagrado, onde encontrava distração para as horas de ócio, lenitivo para os pesares que o atormentavam.

    Ao folhear o livro de genealogia da família, todas as suas faculdades se aguçavam e o seu respeito e admiração subiam ao máximo quando verificava a remota origem da sua ascendência. Esquecia tudo nesses momentos. Desgostos, atribulações e preocupações domésticas ficavam postas de lado com desprezo e indiferença.

    Se outro qualquer livro era incapaz de lhe prender a atenção, nesse dia podia seguir a história da sua família, passo a passo, com interesse nunca desmentido, especialmente nesta página em que se conservava sempre aberto:

    ELLIOT DE KELLYNCH HALL

    Walter Elliot, nascido em 1 de maio de 1760, casou em 15 de julho de 1784, com Elisabeth, filha de James Stevenson, de South Park, no condado de Gloucester, que faleceu em 1800. Deste casamento nasceram: Elisabeth, em 1 de junho de 1785; Anne, em 9 de agosto de 1787; um nado-morto, em 5 de novembro de 1789; Mary, em 20 de novembro de 1791.

    Eis, textualmente, o parágrafo do manuscrito. Sir Walter Elliot, porém, aperfeiçoou-o, acrescentando, depois da data do nascimento de Mary, estas palavras, que, mais tarde, serviram para elucidação dos seus descendentes:

    Casou em 16 de dezembro de 1810, com Charles, filho e herdeiro de Charles Musgrove, de Uppercross, do condado de Somerset.

    Além disso, mencionara também, com pormenores, tudo o que dizia respeito ao falecimento da mulher.

    Depois, seguia-se a história da progressiva ascensão da antiga e respeitável família: a instalação em Cheshire; referências ao alto cargo do magistrado em Dugdale, à representação de uma cidade em três parlamentos sucessivos; ao desempenho de funções inerentes à sua dignidade de baronete, concedida nos princípios do reinado de Carlos II; todas as Marias e Isabéis com quem tinham casado os Elliot.

    Esta história, incluindo a descrição dos brasões e divisas, ocupava duas páginas do livro de genealogia, decerto as páginas mais valiosas para Sir Walter, que, como remate, acrescentara ainda:

    Herdeiro presuntivo: William Walter Elliot, bisneto do 2.º Sir Walter.

    A vaidade constituía a base e a essência do carácter de Sir Walter; vaidade não só pela posição que ocupava, como pela sua própria pessoa.

    Em novo, fora elegante, o que se chama um bonito rapaz, e, aos 54 anos, podia considerar-se ainda atraente e simpático. Muitas mulheres o julgariam mais novo do que realmente era e os seus criados honravam-se com o lugar e não o trocariam pelo de criado de qualquer lorde mais novo ou mais rico. Assim, Sir Walter considerava-se feliz, pois, além do seu belo aspeto, possuía ainda a fidalguia, os dois únicos bens que, a seu ver, eram dignos de consideração.

    Como não podia deixar de ser, quando pensou em casar, a escolha de Sir Walter recaiu numa senhora que, em tudo, se mostrava digna dos seus dotes físicos e da sua alta posição.

    Lady Elliot era simpática e afável e os seus sentimentos e conduta — se lhe perdoarmos a vaidade e ambição própria dos verdes anos e que a levaram a desposar Sir Elliot — nunca mereceram qualquer censura ou reparo.

    De génio agradável, conciliador, procurou sempre atenuar os seus defeitos, adquirindo, portanto, verdadeira auréola de respeitabilidade.

    Ainda que não tivesse sido muito feliz, o amor dos filhos e as verdadeiras amizades que a rodearam fizeram-lhe apreciar a vida e foi com pesar que a abandonou.

    Como precioso legado, deixou Lady Elliot a seu marido três moças — a mais velha das quais tinha dezasseis anos — mas que era ao mesmo tempo pesado encargo, em especial para um pai cheio de preconceitos e de ideias acanhadas.

    Por felicidade, a excelente lady tinha uma amiga, cuja dedicação não recuara perante a perspetiva de se encerrar com ela na aldeia de Kellynch. E, assim, ao morrer, Lady Elliot confiou as filhas a essa afeição segura, certa de que a amiga saberia educá-las nos bons princípios que sempre sonhara dar-lhes.

    Contrariamente ao que seria de esperar, dada a convivência e amizade existentes, esta senhora e Sir Walter nunca pensaram em casar. Treze anos haviam decorrido sobre a morte de Lady Elliot e eles continuavam sendo apenas bons amigos e ambos viúvos.

    Lady Russell, de carácter firme e sensato, nem sequer pensava num segundo casamento, não esquecendo que a opinião pública é mais benévola para a mulher que se conserva viúva do que para aquela que volta a casar.

    Entretanto, Sir Walter, como bom pai — embora tivesse sofrido algumas desilusões fúteis — sentia-se orgulhoso com as filhas, que tinham vindo acrescentar novo brilho à sua raça.

    Para uma delas — Elisabeth, a mais velha — mostrou-se até mais benévolo do que era hábito seu, deixando-a, aos dezasseis anos, substituir a mãe dentro das suas possibilidades, e ficar, consequentemente, a verdadeira castelã de Kellynch Hall.

    Se acrescentarmos que Elisabeth se tornou numa moça elegante, bonita e muito parecida com ele, não é para admirar que a sua influência no ânimo do pai crescesse dia a dia.

    As outras duas foram, então, relegadas para segundo plano. Mary ainda adquiriu certa importância quando casou com Charles Musgrove, mas Anne, cuja inteligência e docilidade de carácter a tornariam apreciada em qualquer outro ambiente mais compreensivo, em sua casa nada valia. O pai e a irmã não lhe pediam opiniões, ninguém a consultava, enfim, consideravam-na verdadeiramente inútil.

    Em compensação, era a preferida de Lady Russell, sua madrinha. Anne soubera despertar-lhe a fibra maternal, que existe em todo o coração de mulher, e, assim, tomou-lhe verdadeira afeição.

    Havia ainda um motivo que explicava — sem a justificar — a exceção aberta por Sir Walter contra Anne. Esta, em moça, fora engraçada e mesmo bonita, mas, em poucos anos, perdera essa relativa beleza e o pai não encontrava na filha mais nova coisa alguma que lhe afagasse a vaidade. As feições finas e as negras pupilas de Anne não bastavam ao orgulho de Sir Walter Elliot...

    Em Elisabeth se fundavam todas as suas esperanças. Mary entrara numa das mais abastadas e respeitáveis famílias do condado. Mesmo assim, Elliot considerava que, com esse casamento, dera maior honra do que recebera, e aspirava, para Elisabeth, casamento de muito maior brilhantismo.

    Sucede muitas vezes que, ao chegar perto dos trinta anos, uma mulher se torna mais interessante do que fora aos vinte. E se não for doente nem tiver mau carácter pode considerar-se essa a melhor época da vida. Elisabeth, para mais, era tão bela aos vinte e nove como fora aos treze e, portanto, o pai tinha certa desculpa quando, esquecendo a idade da filha e considerando-a como a única flor, desabrochando entre ruínas, a favorecia com a sua proteção.

    Só ela, na família, lhe dava alegria. A pouca beleza de Anne, a insignificância de Mary e o rápido envelhecer de Lady Russel, tudo isto era para Sir Elliot constante motivo de desgosto.

    Quanto a Elisabeth, estava longe de perfilhar as opiniões do pai a seu respeito. Nesses últimos treze anos tudo dirigira em Kellynch Hall, como senhora absoluta, e com decisão e energia, muito para admirar na sua idade, no decurso destes anos presidira a festas, frequentara os salões da vizinhança, dançara nos bailes que, em meio tão pacato, raramente se realizavam. Todos os anos, também, pela Primavera, fazia com o pai uma viagem a Londres, onde permaneciam uma semana, tomando assim contacto com meio mais amplo e requintado.

    E todas estas recordações se tornavam dolorosas para Elisabeth, dando-lhe a consciência de que os seus vinte e nove anos começavam pouco a pouco a pesar-lhe, embora a certeza de estar mais bonita do que nunca suavizasse um tanto essa amargura.

    Mesmo assim, via com certa apreensão aproximar-se lentamente a idade madura e seria para si felicidade sem nome se, naqueles anos mais próximos, surgisse no horizonte a perspetiva de um casamento em tudo digno dela.

    Quando abria o livro genealógico da família não encontrava na sua leitura o mesmo prazer que experimentara ao lê-lo na mocidade — que ainda não ia longe. Magoava-a ver mencionada a data do seu nascimento sem ser seguida pela de um casamento, como acontecia com a irmã mais nova. Esse facto fazia do dito livro objeto odiado e, certa vez, sucedeu até que, estando ele aberto diante dela na malfadada página, Elisabeth o fechou bruscamente, afastando-o para longe num gesto de cólera.

    Havia mais, ainda. Elisabeth sofrera profunda deceção, avivada constantemente pelo livro e pela história da sua família, visto que o tal herdeiro presuntivo, o próprio William Walter Elliot, fora o causador dela.

    Muito novinha e desde que soubera ser ele o herdeiro do título de baronete, no caso de Sir Elliot não ter descendentes varões, Isabel sonhara casar com o primo, esperança que o pai igualmente alimentava.

    Enquanto Lady Elliot viveu, William não foi considerado pelo tio como valor digno de se tomar em conta. Mas quando a mulher morreu, tentou conquistar o coração do rapaz. Todas as suas tentativas, porém, foram recebidas com frieza. No entanto, tanto teimou que, numa das viagens a Londres, quando Elisabeth estava em pleno desabrochar da sua beleza, o primo foi forçado a recebê-los.

    William, que nessa altura acabava o curso de Direito, podia considerar-se simpático, atraente, e Elisabeth achou-o tanto a seu gosto que, cada vez mais, lhe sorriu a perspetiva de casar com ele.

    Convidaram-no a visitar Kellynch Hall, a sua visita foi falada e aguardada com ansiedade, mas nunca chegou a realizar-se. Na Primavera seguinte a cena repetiu-se. Voltaram a encontrar William, o coração de Elisabeth palpitou de esperança, convidaram-no e o rapaz, de novo, não apareceu em Kellynch Hall.

    Decorrido algum tempo receberam a notícia do seu casamento. Em vez de seguir o caminho naturalmente indicado para o herdeiro da casa Elliot, William afirmava a sua independência, casando com uma moça rica, mas sem títulos de nobreza.

    Sir Walter ficou ofendido. No seu entender, como chefe da família devia ser consultado antes do casamento. A sua desilusão foi tanto mais forte quanto supusera ter conseguido prender o rapaz — isto só porque haviam sido vistos três vezes juntos, em público— dissera ele — uma vez em Tattersall’s e duas no corredor da Câmara dos Comuns.

    Embora não fizesse segredo dessa reprovação, William pouco caso fez dela e nem sequer se deu ao trabalho de lhe apresentar desculpas. A notícia de que Sir Walter o considerava indigno de pertencer à família não o comoveu. Afastou-se de vez e entre eles cessaram todas as relações.

    Esta lamentável história, embora já decorridos bastantes anos, era para Elisabeth constante motivo de despeito, pois não só gostara do primo por ele próprio, como também por ser o herdeiro do pai, aquele que em sua opinião e no seu orgulho de família, considerava o único digno da filha mais velha de Sir Walter Elliot, e não um fidalgote qualquer que, por favor, se elevasse até si.

    Em face do seu procedimento pouco correto, embora naquela altura — Verão de 1814 — William trajasse luto por ter ficado viúvo, Elisabeth não o julgava merecedor de que voltasse a pensar nele. O desastroso casamento do primo ainda poderia ser esquecido, visto a mulher ter morrido sem deixar descendência... Mas alguns amigos obsequiosos informaram os Elliot da forma pouco respeitosa como William falava deles e dos seus preconceitos de casta — preconceitos e orgulho que eram a sua principal razão de viver — e isso de forma alguma lhe poderiam perdoar.

    Eram estes os pensamentos que povoavam o cérebro de Elisabeth Elliot e que, por momentos, quebravam a monotonia da sua existência. Ao mesmo tempo, sentia despertar em si aspirações de liberdade, a ânsia de uma temporada passada no campo, num cenário muito diferente do habitual, sem preocupações de dona de casa ou de qualquer outra espécie.

    Entretanto, novos cuidados surgiram. O pai começou a lutar com dificuldades materiais sempre crescentes e se, casualmente, punha de lado a rigidez aristocrática, era para pensar nos pesados encargos que sobrecarregavam a sua casa e nos desagradáveis modos de os remediar, sugeridos pelo Sr. Shepherd, seu procurador.

    O domínio de Kellynch Hall tinha importância, mas, na opinião de Sir Walter, não tanta quanto a dignidade do seu nome requeria.

    Em vida, Lady Elliot, com a sua economia, moderação e bom governo conseguira manter o equilíbrio. Depois da sua morte, tudo mudou. Sir Walter, ignorante em matéria de administração, não soube cingir as despesas aos rendimentos e, por muito boa vontade que tivesse, nunca conseguira gastar menos. Mesmo, devemos dizer, nada fez para o conseguir.

    Assim, as dívidas foram aumentando gradualmente e a tal ponto que, apesar de o tentar até à última, se tornou impossível ocultá-las, muito principalmente da filha mais velha.

    Pouco a pouco, aproveitando a habitual estadia em Londres, pela Primavera, revelou-lhe a situação e perguntou-lhe:

    — Julgas possível diminuir as nossas despesas? Ocorre-te a probabilidade de qualquer restrição?

    Elisabeth, para lhe fazermos justiça, passado o primeiro momento de surpresa, pensou, de facto, em resolver o problema e acabou por propor duas soluções: cortar certas dádivas pouco justificadas e renunciar às obras de remodelação do salão. Além destas, lembrou ainda que seria razoável abolir o habitual presente de anos à irmã. Como tais medidas, embora ela as achasse excelentes, não bastassem para remediar toda a extensão do mal, Sir Walter acabou por ser obrigado a revelar à filha a desagradável realidade, sem disfarces nem subterfúgios.

    Então, perante o desastre, Elisabeth desanimou e, de momento, não encontrou solução que se lhe afigurasse eficaz.

    Tanto ela como o pai foram forçados a concordar que não havia forma de diminuir despesas sem comprometer a dignidade e reduzir o conforto.

    As extensas propriedades de Sir Walter estavam, na sua maior parte, sobrecarregadas com hipotecas, mas, mesmo assim, havia o recurso de as vender. O nobre baronete, porém, nem por sombras podia admitir essa ideia. Não, não chegara ainda a tal extremo e o domínio de Kellynch, custasse o que custasse, seria transmitido intacto aos herdeiros.

    Os seus confidentes eram Shepherd, que vivia na cidade próxima, e Lady Russell, a quem constantemente pediam conselhos. Pai e filha pareciam esperar destes dois entes o remédio para as suas atribulações e as sugestões para reduzirem as despesas, sem envolver quebra de orgulho e sem serem obrigados a recorrer a medidas extremas.

    Capítulo 2

    Shepherd, procurador esperto e cauteloso — e que talvez tivesse formado certos planos sobre Sir Walter — era pródigo em sugestões desagradáveis, pedindo unicamente para as submeterem à aprovação de Lady Russell, cuja sensatez conhecia, na esperança de que ela adotasse as suas opiniões e diretrizes.

    Lady Russel, porém, era zelosa e não se deixava sugestionar. Estudava cuidadosamente as sugestões propostas e atendia mais aos seus escrúpulos do que à rapidez da solução.

    A sua estrita integridade e a alta noção que formava da honra lutavam com o desejo de libertar Sir Walter das dificuldades crescentes, sem que, ao mesmo tempo, o crédito e a dignidade da aristocrática família, para ela digna da maior consideração, sofressem com isso.

    Benévola, caridosa, de excelente carácter e capaz das maiores dedicações, inteligente e culta, Lady Russell podia considerar-se uma senhora, na verdadeira aceção do termo. De porte irrepreensível, exigente em matéria de decoro, de educação requintada, era dotada de firmeza inabalável, servida por um raciocínio justo e claro. Contudo, ninguém mais cheio de preconceitos aristocráticos do que ela, dando o maior valor à posição social e às diferenças de classe e procurando ocultar faltas e manter o prestígio daqueles que as cometiam, se pertenciam à nobreza.

    Em consequência, Sir Walter, velho amigo, vizinho, marido sempre correto da sua chorada amiga, pai de Anne e das suas irmãs, era para ela tanto mais digno de consideração e respeito quanto maiores as atribulações que o feriam.

    Compreendia que, para o digno baronete, só existia uma solução: modificar quanto antes a sua vida, mas Lady Russell desejaria que essa modificação se fizesse com o menor sacrifício possível para os seus velhos amigos.

    Traçou diversos planos de economia, perdendo-se em cálculos, os mais exatos possíveis, e fez também o que ainda não ocorrera a ninguém — consultou Anne, aquela que ninguém considerava como apta a dar opiniões dignas de serem tomadas em consideração.

    Foram, no entanto, as ideias de Anne a base dos planos de remodelação traçados para organizar a vida dos Elliot e que deviam ser submetidos à aprovação de Sir Walter.

    Essas ideias tinham sido todas inspiradas pela honra contra o orgulho de casta. No entender de Anne, impunham-se medidas enérgicas, reforma completa, rápida liquidação das dívidas, o abandono de todos os recursos que não seguissem o caminho da justiça e da equidade.

    — Se conseguíssemos converter o teu pai a essas ideias — observou Lady Russell, referindo-se ao assunto — muito se poderia alcançar. Se ele adotasse estas medidas, em sete anos estariam livres de preocupações. Deus permita que possamos convencê-lo de que a respeitabilidade de Kellynch Hall é tão absoluta, que, por forma alguma, será afetada com estas reduções e que a dignidade dos Elliot mais se firmará com um procedimento honesto e segundo os princípios da honra. Sentir-se rebaixado por seguir o caminho que muitas das nossas melhores famílias têm ou deveriam ter seguido, porquê? Não há nada de humilhante nesse procedimento e, mesmo que o houvesse, devemos submeter-nos às circunstâncias e sofrer. Confio na nossa influência. Saberei convencê-lo de que, nestas alturas, se impõe ser corajoso e, acima de tudo, honesto, para os credores receberem aquilo que lhes pertence. E se tal procedimento é o único digno de um gentleman e de um chefe de família como teu pai, é também o único que um homem honrado e de carácter deve seguir.

    Era esta, igualmente, a opinião de Anne. Considerava indispensáveis, para calar as reclamações dos credores, todos os recursos resultantes da mais estrita economia, e só assim se poderia resolver, com dignidade, tão crítica situação. Não era ela só quem pensava deste modo. Muitos amigos tinham aconselhado Sir Walter no mesmo sentido. Anne confiava na influência de Lady Russell e também no conhecimento que possuía do carácter do pai e da irmã, levando-a a acreditar que os dois mais facilmente se sujeitariam a medidas radicais do que a perdas parciais...

    Infelizmente, como sempre sucedera, as sugestões de Anne foram mal recebidas. Lady Russell também não teve êxito. Como seria possível admitirem tão grandes sacrifícios?!

    «Pois quê! Abandonar assim todo o conforto, tudo quanto torna a vida bela! Abolir tudo: viagens a Londres, criados, cavalos, boa mesa! Economias e restrições por todos os lados e não viver com a decência própria de um gentleman! Não, seria mais fácil abandonar Kellynch Hall para sempre do que continuar ali em situação humilhante!»

    Abandonar Kellynch Hall? A sugestão foi imediatamente aprovada por Shepherd, que, tendo de facto interesse numa melhoria de situação para Sir Walter, não admitia essa melhoria como possível sem mudança de residência.

    Mal a ideia veio a lume e em menos tempo do que leva a repeti-lo, o procurador não teve escrúpulos — disse — em confessar ter sido essa a sua opinião, havia muito.

    Não se lhe afigurava razoável que Sir Walter alterasse a sua vida materialmente e por forma radical, ficando naquela casa de velhas tradições de hospitalidade e de dignidade a manter.

    Em qualquer outro ponto, o castelão de Kellynch Hall poderia escolher com maior liberdade o caminho a seguir e o novo rumo a dar à organização do seu lar.

    Ficou assente que os Elliot abandonariam Kellynch Hall. Restava a escolha do sítio onde iriam fixar-se, questão esta que levou alguns dias a resolver. Foram três as alternativas: Londres, Bath ou residir no campo.

    Todos os votos de Anne recaíram nesta última. Uma casinha, perto da sua velha moradia, de Mary e de Lady Russell, e donde

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