Introdução a Xavier Zubiri: Pensar a realidade
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Introdução a Xavier Zubiri - Matheus da Silva Bernardes
I. Vida e influências
1.1 Contexto histórico e bibliográfico
Zubiri nasceu no dia 4 de dezembro de 1898, em San Sebastián, País Basco, Espanha. Muito provavelmente, seu primeiro idioma foi o basco (euskara); em todo caso, conhecia-o muito bem e, por isso, sua gramática não respeita totalmente a lógica indo-europeia. Anos mais tarde, Zubiri acusará a filosofia ocidental de ter projetado sobre a realidade o logos indo-europeu (sujeito, verbo e predicado); dessa acusação, surge seu projeto metafísico: pensar a realidade sem pressupostos. Trata-se de um projeto compartilhado por diversos pensadores do século XX, entre eles Heidegger, que tentaram reavivar a história da filosofia, já esgotada havia muito.
Foi educado pelos padres marianistas. Com eles, teve contato com o modernismo católico do final do século XIX e começo do século XX. Ainda que tenha sido uma corrente de pensamento condenada pela Igreja, ela permitiu ao jovem basco se aproximar dessa tendência imanentista que propôs os problemas da fé a partir da evolução da consciência (F. Schleiermacher).
Em 1915, se mudou para Madri e começou seus estudos para a formação presbiteral. É possível que sua vocação tenha sido mais uma resposta à pressão da família do que uma moção interior. Contudo, ele pôde residir em um pensionato – seminarista de regime aberto. Nesse período, conheceu um movimento intelectual que tratava de conjugar o pensamento kantiano com a escolástica medieval para reformular a metafísica – a neoescolástica.
Por outro lado, também conheceu J. Ortega y Gasset, que tinha se formado no neokantismo, mas, ao passar por Madri no ano de 1918, se ocupou com a exposição do pensamento de Husserl. A fenomenologia husserliana é tão decisiva para Ortega y Gasset, que, entre suas principais obras, está Investigaciones psicológicas, uma paráfrase de Logische Untersuchungen, do autor alemão, que não é nada, senão uma grande introdução à fenomenologia.
Em seu livro Las dos grandes metáforas, Ortega y Gasset propõe a história da filosofia a partir de metáforas: a do mundo antigo, isto é, o ser humano é um pedaço da natureza e assim a conhece; a do mundo moderno, isto é, a natureza é um conteúdo do ser humano, um conteúdo de consciência. Entretanto, essas duas metáforas já não são suficientes – é preciso encontrar uma terceira.
Não se trata mais da Antiguidade nem da modernidade; o ser humano está na contemporaneidade. A ruptura com as ideias antigas é clara; o afastamento das ideias modernas se dá em Husserl e Ortega y Gasset principalmente a partir da noção de consciência, que não é um recipiente que contém todas as coisas, mas uma flecha
que une o polo objetivo ao polo subjetivo (intencionalidade).
Mesmo tendo partido para a meca da neoescolástica, a Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, por toda a influência de Ortega y Gasset já apresentada, Zubiri se aproxima de L. Noël, discípulo de Husserl, e tem seu ensaio de conclusão filosófica dirigido por ele: Ensayo de una teoría fenomenológica del juicio. E prolonga suas pesquisas e, com uma tese sob o mesmo título, alcança o grau de doutor em filosofia na Universidade Central de Madri.
Vale destacar que seu trabalho, tanto para a conclusão filosófica como para o doutoramento, tratou da objetividade em Husserl; ele chegará a afirmar que realizou uma leitura objetiva do autor alemão; não há consciência se não há objeto. Aqueles que tentam apresentar as etapas do pensamento zubiriano afirmam que essa primeira etapa é a fenomenológica, mas ele mesmo não a considera como uma etapa de seu pensamento, por estar ainda submerso nas ideias husserlianas, descrevendo a experiência das coisas.
Nesse ínterim, foi ordenado sacerdote, mas teve a ordenação declarada nula anos mais tarde. Como já foi apresentado, sua vocação era mais uma resposta à pressão familiar que a realização de um projeto pessoal. Tanto que o início de seu trabalho docente na cátedra de História da Filosofia, na Universidade Central de Madri, em 1926, acabou sendo um marco muito mais decisivo na vida dele.
O primeiro contato com Heidegger aconteceu em 1929, quando Zubiri ganhou de Ortega y Gasset um exemplar de Ser e tempo (Sein und Zeit). No mesmo ano, recebeu uma bolsa do governo espanhol e partiu para Friburgo em Brisgóvia, Alemanha. Teve contato direto com Husserl, mas sobretudo com Heidegger, a quem chamará, anos mais tarde, de mestre. É preciso destacar, contudo, que esse contato com Heidegger foi frustrante para o jovem filósofo espanhol, não só pelas poucas oportunidades nas quais pôde conversar diretamente com o filósofo alemão, mas porque já começava a vislumbrar as diferenças com seu mestre.
Em 1930, abandonou a meca da filosofia, nas palavras de Arendt, e foi para Berlim, onde conheceu Einstein e Schroedinger e teve contato com eles. O contato com esses e com outros grandes pensadores da física contemporânea ofereceu a Zubiri uma noção decisiva: a realidade. Foi precisamente essa noção que marcou o surgimento do realismo zubiriano e seu afastamento da fenomenologia husserliana.
Foi em Berlim que ele conheceu Carmen Castro, filha de um diplomata da república da Espanha que, anos mais tarde, se tornaria sua esposa. Não obstante, ainda merece destaque o fato de que Zubiri, por seu contato com Carmen Castro, se aproxima das correntes liberais espanholas, o que será determinante para o desenvolvimento posterior de seu pensamento.
Depois da estadia em Berlim, Zubiri retorna a Madri, retomando sua atividade docente. Graças ao contato com Heidegger, ele se afasta do vitalismo de Ortega y Gasset (e, portanto, de Nietzsche) e se torna completamente independente da modernidade. É também nesse período, após seu regresso da Alemanha, que sua ordenação presbiteral é declarada nula e ele pode se casar com Carmen Castro. Para tanto, viaja a Roma e aproveita a oportunidade para fazer um curso de idiomas orientais no Biblicum. Ao eclodir a Guerra Civil Espanhola, em 1936, foge com a esposa para a França.
Residindo em Paris, trabalha com o físico L. de Broglie e o filólogo É. Benveniste. Uma acusação injusta que se faz contra Zubiri é a da falta de compromisso político durante esse período trágico da história espanhola e europeia; a ausência de uma postura política clara o acompanhou até o fim da vida. A acusação é injusta porque não se deve olvidar o que aconteceu com seus mestres mais próximos: Ortega y Gasset e Heidegger. Por essa razão, e por sua profunda conversão, vivida interessantemente depois de ele ter abandonado o estado clerical, acabou se afastando de muitas amizades republicanas feitas durante a estadia em Berlim.
Pôde voltar à Espanha em 1939; um de seus irmãos foi político e prefeito de San Sebastián, o que facilitou seu retorno. Era bem-visto por apoiadores do regime franquista, portanto poderia se instalar novamente em Madri, não fosse o fato de sua presença não agradar ao arcebispo. Zubiri deixou o estado clerical anos antes do Concílio Vaticano II, e isso não era nada apreciado pela hierarquia eclesiástica. Por essa razão, instalou-se em Barcelona e teve a oportunidade de retomar sua atividade docente.
Alguns anos mais tarde, volta definitivamente para Madri, mas não mais como professor universitário. De fato, tinha se decepcionado com a instituição universitária e com o controle exercido sobre ela depois da Guerra Civil. Precisamente por isso, inicia a atividade que o acompanhará até o fim de sua vida: cursos privados na Sociedad de Estudios y Publicaciones. Foi o caminho encontrado pelo filósofo para dar continuidade à elaboração de seu pensamento.
Parti de uma situação tão chocante quanto inegável. Há muitos anos, já se vem falando, com frequência, de crise no pensamento filosófico, de morte da metafísica
, de superação
da metafísica. A indigência criativa do pensamento filosófico atual, é para alguns, alarmante e, para outros, libertadora; em todo caso, é um fato incontestável. [...] O que é paradoxal nessa situação é que, nas últimas décadas [de vida], Zubiri se encontra em plena maturidade criativa (PINTOR-RAMOS, 1983, p. 15).²
Onde Zubiri pode ser localizado intelectualmente? Ainda que tenha tido Heidegger como mestre, Zubiri vai além dele. Essa afirmação é possível graças a duas de suas grandes motivações: a influência da ciência (a realidade) e a filosofia de Aristóteles, não o da escolástica (latino), mas o antigo (grego).
Em Sein und Zeit, Heidegger está se perguntando pelo sentido do ser e da existência, principalmente diante da angústia: por que há algo no lugar do nada? O autor alemão, em determinado momento de sua obra, se reinterpreta, isso é certo, mas continua dentro do horizonte filosófico da criação, como afirmará Zubiri. À diferença do pensamento grego antigo, que se encontra dentro do horizonte filosófico da mobilidade, a filosofia ocidental será profundamente marcada pela pergunta do ser a partir do nada; por essa razão, o filósofo espanhol também chama o horizonte da criação de horizonte da niilidade. A pergunta pelo ser a partir do nada foi introduzida no Ocidente pela tradição judaico-cristã, sobretudo a partir de Agostinho de Hipona, e se estendeu até o ocaso do pensamento moderno.
A partir da segunda metade do século XIX, é possível falar de um terceiro horizonte dentro do qual se desenvolve