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Devir quilomba: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas
Devir quilomba: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas
Devir quilomba: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas
E-book393 páginas5 horas

Devir quilomba: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas

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Sobre este e-book

O olhar que Mariléa de Almeida lança sobre as mulheres quilombolas, suas biografias e seus projetos serve para descrever como o afeto é um elemento constituinte de seus espaços de vida, seus projetos coletivos, suas lutas políticas. Mariléa nos faz compreender que, sem ter em conta as relações de afeto, perdemos uma parte fundamental da experiência que sustenta as relações territoriais. Mas também é possível reivindicar aqui as reflexões da antropóloga Jeanne Favret-Saada sobre "ser afetado", para apreender como o trabalho de Mariléa, além de realizar uma história e um inventário das formas pelas quais o afeto produz espaços de vida nos quilombos, tem no próprio afeto um método, ou uma dimensão central da pesquisa. O modo como a autora se aproxima de suas interlocutoras, destacando as linhas que cruzam e aproximam suas experiências às delas, também acaba por constituir a própria pesquisa como um território de afetos. Narrando experiências de dezenas de mulheres quilombolas do estado do Rio de Janeiro, este livro é capaz de demonstrar, com sensibilidade, como a luta pode ganhar a forma do cuidado, como a resistência pode se manifestar na ternura, como o território é produzido, atualizado e mantido pela capacidade de criar espaços seguros, nos quais é possível uma reconciliação com as histórias, os corpos e os saberes violados. Pelos olhos, pelos ouvidos e pelas mãos de Mariléa de Almeida, o quilombo torna-se quilombola.
— José Maurício Arruti, na orelha
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de mai. de 2022
ISBN9786587235639
Devir quilomba: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas

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    Devir quilomba - Mariléa de Almeida

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    Encruzilhadas teóricas

    Exu tava curiando na encruza,

    Quando a banda linda lhe chamou.

    Exu no terreiro é rei,

    Na encruza ele é doutor.

    — Ponto de umbanda

    Este capítulo percorre as abordagens teóricas propostas pelos feminismos e pela filosofia da diferença, inspiradores das análises e criações conceituais realizadas ao longo dos próximos capítulos.

    A fim de ressaltar as convergências entre esses campos teóricos, a imagem da encruzilhada evoca significados atribuídos pelas práticas religiosas afro-brasileiras, que a concebem como lugar de intersecções e multiplicidade, distanciando-se, portanto, das formas binárias de pensar os processos históricos. Nesse sentido, são valiosas as análises de Leda Maria Martins (1997, p. 26), pesquisadora das congadas em Minas Gerais, ao considerar que a cultura negra é uma cultura das encruzilhadas, espaço onde reina Exu Elegbara, orixá que é senhor das portas, encruzilhadas e fronteiras:

    A encruzilhada, locus tangencial, é aqui assinalada como instância simbólica e metonímica, da qual se processam vias diversas de elaborações discursivas, motivadas pelos próprios discursos que a coabitam. […] Operadora de linguagens e de discursos, a encruzilhada, como um lugar terceiro, é geratriz de produção sígnica diversificada e, portanto, de sentidos. (Martins, 1997, p. 28)

    À luz dos sentidos sugeridos pela encruzilhada, explicitam-se as consonâncias entre a filosofia da diferença e os feminismos, especialmente no que diz respeito às críticas que realizaram à concepção masculinista, branca e heteronormativa de sujeito universal e racional, valorizado pelo Iluminismo e cujas formulações ainda ressoam na contemporaneidade.

    No âmbito da filosofia da diferença, autores como Foucault, Deleuze e Félix Guattari, cujos enfoques balizam diversas análises deste trabalho, têm destacado o caráter contingente do conhecimento, indicando que o discurso científico não reflete a realidade, mas, ao contrário, institui o próprio real por meio de um conjunto de regras e relações de poder.¹⁷ De igual modo, suas narrativas destacaram a importância de levarmos em consideração como o desejo, os afetos e o corpo influem tanto na produção de conhecimento como nas práticas políticas. Na medida em que criticam a ideia de identidade, concebida em termos de essência e fechamento, as linhas da filosofia da diferença procuram evidenciar multiplicidades. Assim, a noção de diferença ganha centralidade, conforme apontou a historiadora feminista Ana Carolina Arruda de Toledo Murgel, para quem

    pensar em diferença, dentro do pós-estruturalismo, é entender a diferença em sua positividade, e não como reflexo do eu ou do mesmo, não como referente ao outro. Diferença como singularidade, livre da representação […]. Falar em diferença é questionar o sentido único, logo é abrir-se a múltiplas interpretações e sentidos. (Murgel, 2010, p. 19)

    Preocupações semelhantes têm sido explicitadas pelas teorizações feministas, já que o paradigma do sujeito universal exclui as mulheres, associando-as às emoções, à natureza e ao corpo, considerados atributos menores em comparação com a razão, a cultura e a mente, atributos masculinos.¹⁸ Conforme apontou Rago (1998, p. 24-5), as epistemologias feministas, compreendidas como campos conceituais por meio dos quais operamos na produção de conhecimento, têm realizado críticas radicais sobre o caráter particularista, ideológico, racista e sexista do paradigma epistemológico dominante nas ciências humanas, tributário do Iluminismo. Nessa perspectiva, destacam-se as teorizações interseccionais,¹⁹ discutidas pelos feminismos negros, latinos e indígenas, cujas preocupações em articular as múltiplas dimensões da experiência humana tanto evidenciam as relações de poder que sustentam as subordinações construídas sob hierarquias de classe, raça e gênero, entre outras, como tornam visíveis as múltiplas possibilidades de singularização. Essas análises também têm colaborado para a ampliação dos sujeitos dos feminismos.

    Valendo-se das intersecções, das porteiras e das fronteiras, este capítulo descreverá as bifurcações teóricas que trataram das relações entre espaço, afeto, subjetividade e política, inspiradoras das análises em torno dos territórios dos afetos. Seguiremos pelas encruzilhadas: apresentação do acontecimento, ou seja, a visibilidade das mulheres quilombolas na cena política contemporânea, e as linhas analíticas propostas pelos feminismos e pela filosofia da diferença sobre as dimensões de história e experiência, espaço e subjetivação, governo, racismo e

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