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Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade
Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade
Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade
E-book346 páginas4 horas

Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade

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Sobre este e-book

Controversas: Perspectivas de mulheres em Cultura e Sociedade é uma coletânea de ensaios que celebra a reunião de mulheres plurais, cuja potência está nas diferenças de perspectivas teóricas e metodológicas que cada uma vêm desenvolvendo em suas pesquisas. As autoras têm como objetivo ampliar o encontro físico de saberes e fazeres acadêmicos e subjetivos, que ora converge ora se distancia das reflexões que atravessam o gênero nas produções acadêmicas.A construção do livro se dá a partir da formação do Coletivo Controversas, que reúne mulheres que se interessam pelas tradições culturais e têm como objetivo criar um espaço de compartilhamentos, trocas e aprendizados construído em um viés contracolonial. A obra - que conta também com oito colaboradoras convidadas divididas entre edição, revisão, identidade visual e apresentação -, é segmentada entre os ensaios acadêmicos-literários de Luana Souza (jornalista), Beatriz Bastos (cientista social), Carol Dia (artista e produtora cultural), Izabela Alcântara (professora) e Bia Mathieu (jornalista), onde é trazida uma dimensão afetiva, poética, sensível, que passa pelas pesquisas que nascem da experiência da corporeidade, do resgate da memória, da ancestralidade e da territorialidade, e os artigos ensaísticos de Stéfane Souto (produtora cultural), Sofia Mettenheim (gestora pública), Sara Mariano (pesquisadora), Joice Araújo (agente de projetos sociais) e Carolina Dantas (gestora cultural), que agregam problemáticas relacionadas à transformação prática da sociedade, por meio da atuação política, da gestão, da ação que mobiliza a imaginação e retroalimenta a esperança de futuros construídos pelas mulheres.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de abr. de 2021
ISBN9786586319200
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    Controversas - Beatriz Bastos

    Capa do livro, Controversas Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade. Autor, Beatriz Bastos. Editora Pinaúna.Capa do livro, Controversas Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade. Autor, Beatriz Bastos. Editora Pinaúna..

    Copyright © 2021 – Controversas Coletiva - @controversascoletiva

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a expressa autorização.

    Ilustração capa e internas

    Mayara Ferrão

    Arte final da capa, projeto gráfico e diagramação

    Lucas Kalil

    Organizadoras

    Beatriz Bastos, Carol Dia, Carolina Dantas, Luana Souza, Stéfane Souto

    Editoras de Texto

    Cíntia Guedes, Marilda Santana, Gisele Nussbaumer

    Revisão ortográficaBruna Maia, Luana Souza

    Direitos desta edição reservados à Pinaúna Ideias Integradas Ltda.

    (71) 98680-1048 • www.pinaunaeditora.com.br

    O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

    C764

    Controversas [recurso eletrônico] : Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade / Beatriz Bastos ... [et al.] ; organizado por Beatriz Bastos ... [et al.] ; ilustrado por Mayara Ferrão. - Camaçari : Pinaúna Editora, 2021.

    316 p. : il. : ePUB ; 950 KB.

    Inclui bibliografia e índice.

    ISBN: 978-65-86319-20-0 (Ebook)

    1. Cultura. 2. Arte. 3. Sociedade. 4. Humanidades. 5. Corpo. 6. Performance. 7. Política. 8. Gênero. 9. Mulheres. I. Bastos, Beatriz. II. Mathieu, Bia. III. Dia, Carol. IV. Dantas, Carolina. V. Alcântara, Izabela. VI. Araújo, Joice. VII. Souza, Luana. VIII. Mariano, Sara. IX. Souto, Stéfane. X. Mettenhein, Sofia. XI. Ferrão, Mayara. XII. Título.

    2021-1265

    CDD 306.0951

    CDU 316.7

    Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Cultura 306.0951

    2. Cultura 316.7

    Sumário

    Capa

    Folha de rosto

    Créditos

    Prefácio

    Entre consonâncias e controversas

    Conversa com as editoras

    Mulheres que gingam

    A coragem delas

    Mulheres controversas: corpos-político-culturais-presentes

    Deixa a gira girar: Sabedoria de terreiros como pulsão para a insubmissão feminina negra

    Sambadeiras do recôncavo baiano, no samba de roda da vida

    Escrever como vida e/ou a performance da escrita em subterrânea

    Vermelho sangue: discussões contemporâneas sobre a ocidentalização do tabu menstrual

    A arte drag como trampolim para a mulher que eu me tornei: do nascimento à estreia de bia mathieu

    Um devir para a cultura: perspectivas insurgentes afropindorâmicas

    Pode a/o proponente falar? perspectivas feministas para pensar a financiamento à cultura e democracia cultural

    Cultura e gestão política na cidade de cachoeira-ba: quando uma mulher negra assume o poder.

    Memória, cultura e solidariedade: caminhos para o desenvolvimento comunitário

    É chegada a hora da subversão na autoria literária pela diversidade

    As controversas

    PREFÁCIO

    Controversas: Perspectivas de mulheres em Cultura e Sociedade é um livro que reserva a/o leitora/leitor fortes emoções, um misto de palavras, carregadas de sentidos – andanças, giro, circularidade, trampolim, dança, experiência, resiliência, ginga, falar, poder, encruzilhada, memória, ancestralidade, bem viver... As palavras vão descortinando histórias e narrativas da vida de mulheres e também de contextos comunitários, compondo um mosaico em movimento.

    As narrativas são plurais e demonstram epistemologias na grande área da Cultura e Sociedade, perspectivas teóricas e metodológicas de pesquisas de mestrado e a busca de sentido para a vida, contribuindo para o fortalecimento da escrita de tantas outras mulheres.

    Uma produção feminina. A escrita é compreendida como uma ferramenta emancipatória. Toda essa produção pode ser considerada como contracultura. Um dos propósitos é o enfrentamento à sociedade patriarcal, que impõe crenças de que o lugar de mulher não é nas ciências e nem na produção literária.

    As escritoras são diversas – negras, brancas, LGBT- QI+, com identidades que expressam formas de labuta pela vida e valorização das produções acadêmicas e literárias de mulheres. Como exemplo, Conceição Evaristo (2005, p. 205) traduz muito das buscas e construções dessas escritoras...

    sendo as mulheres negras invisibilizadas, não só pelas páginas da história oficial brasileira, mas também pela literatura, e quando se tornam objetos de segunda, na maioria das vezes, surgem ficcionalizadas a partir de estereótipos vários, para as escritoras negras cabem vários cuidados. Assenhoreando-se da pena, objeto representativo do poder falo-cêntrico branco, as escritoras negras buscam inscrever no corpus literário brasileiro imagens de uma autorrepresentação. Surge a fala e um corpo que não é apenas descrito, mas antes de tudo vivido. A escre(vivência) das mulheres negras explicita as aventuras e as desventuras de quem conhece uma dupla condição, que a sociedade teima em querer inferiorizada, mulher e negra.

    Evaristo dirige-se às mulheres negras, mas é possível referir-se a todas as mulheres, pois até pouco tempo, não era aceito que estas erguessem as vozes e nem as consideravam como produtoras de conhecimento.

    Quebrando a lógica da invisibilidade, o livro apresenta um conjunto de dez ensaios que nos leva a um caminho trilhado pela junção de vinte mãos, dez mentes e corações cheios de energias, repertórios e sentimentos que se pluralizam, sem perder a singularidade. Cada escritora, a seu modo, demonstra conteúdos sobre experiências intelectuais, ressaltando a beleza e a potência de sua produção.

    A maioria dos ensaios desenvolvem narrativas sobre relações de gênero e o universo das mulheres. Alguns ensaios não apresentam estudos de gênero, mas elucidam processos criativos, culturais e produtivos que apresentam dimensões humanas. Os olhares das escritoras perpassam por diversos lugares. Situações ímpares da vida de muitas mulheres e comunidades, apresentando cenas rurais, urbanas, de religiosidade, de expressões culturais, de idades, de pertencimento étnico e racial.

    A inspiração vem de muitas andanças e de referências, como por exemplo, as ancestrais - Lélia Gonzales e Carolina Maria de Jesus - e outras que fazem parte de nossa vida política, como Sueli Carneiro e bell hooks. Ainda evidencia-se a inspiração nas mulheres ditas comuns (que de comum têm nada mais, nada menos que a vida) as quais revelam suas histórias, seus sonhos e suas vivências.

    Nesse contexto, as intelectuais, em seus escritos, decodificam universos cognitivos e contribuem para que a roda da vida gire. Torna-se possível demonstrar, assim, que as mulheres juntas não produzem respostas prontas, mas possibilitam diálogos e trocas sobre os caminhos da vida.

    Feliz encontro nos oferta o livro Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade. É mais do que legítimo, que, em pleno século XXI, possamos dar um passo além, nos deparando com as produções que buscam contribuir com o fim das submissões e dificuldades impostas à vida das mulheres.

    O que não era, passa a ser conhecido pela divulgação de escritos comprometidos com o bem viver, que traduzem questões complexas em temas tratados com a criatividade e esperança de dias melhores.

    Matilde Ribeiro

    Professora da UNILAB – Universidade Internacional de Integração

    da Lusofonia Afro-brasileira. Ex ministra da Secretaria Especial

    de Promoção da Igualdade Racial.

    ENTRE CONSONÂNCIAS E CONTROVERSAS

    Este livro é fruto maduro da árvore do encontro. Trabalho coletivo de 18 mulheres que tiveram seus caminhos entrecruzados pela Cultura. Mulheres que somos nós e nos auto afirmamos como sujeitas políticas, seja na Arte, na Academia, ou mesmo na Produção e na Gestão cultural. Assumindo o lugar de autoras nas linhas das nossas vidas, dedicamos tempo, escuta, partilha de saberes e sensibilidade para gerar uma publicação empenhada em ressoar vozes insubmissas e insurgentes, num gesto ritual de congregar nossas existências em contestação à narrativa hegemônica universalizante.

    Entre acordos e controversas, semelhanças e diferenças, indignações e risos, trazendo toda a complexidade de nossas vivências particulares, reunimos intersecções que nos colocam no mundo como mulheres plurais, as quais enxergam potência nesse encontro e constroem juntas maneiras de contar nossas histórias em primeira pessoa, de questionar as epistemologias, conhecimentos e perspectivas fincadas na estrutura colonial, de ocupar e também de criar espaços de fala, atuação política e autonomia.

    Cada uma de nós percorreu um longo caminho até chegar a essa árvore. As oito convidadas a colaborar conosco deram fôlego e acenderam a chama que nos motivou a acreditar nos nossos sonhos e na força criativa e geradora que habita em nós mesmas. Às editoras, Cíntia Guedes, Marilda Santana e Gica Nussbaumer, com quem tivemos o prazer de trocar sobre nossas escritas, inquietações de pesquisa e sobre a vida, somos somente gratidão. A leitura atenciosa e o afeto de vocês são marcas que permeiam todo esse processo de construção coletiva.

    De igual maneira, somos gratas a Mayara Ferrão, responsável pela identidade visual do projeto, que, com sua sensibilidade oracular, nos fez ver, em imagens, a alma deste livro: amor e compromisso com aquilo que acreditamos. Atentas e preciosas também foram as observações das queridas revisoras e pesquisadoras, com as quais tivemos o prazer de conviver, Bruna Maia e Luana Souza. Em cada detalhe, essa publicação foi costurada a muitas mãos.

    Uma honra inenarrável é contar com as presenças marcantes de Matilde Ribeiro e Zelinda Barros, escrevendo sobre nossas produções; suas trajetórias são inspiração e referência para todas nós. Todas essas mulheres que chegaram ao projeto Controversas, através desta publicação, são parte fundamental nessa roda de saberes.

    Quanto às autoras dos ensaios, nós e nossas queridas colegas de Mestrado, só um livro inteiro para dar conta desse encontro, realmente. Nos vimos juntas pela primeira vez no início do semestre letivo de 2019.1 da UFBA, vindas e falando de lugares diversos, aprendizes transitando pelos estudos da Cultura e seus entrecruzamentos com diversos campos, nos conectamos pelas nossas vivências, nossas resistências, nossos questionamentos, nossos dilemas identitários, todos plurais. Cada jornada com seu contexto, sua história, sua intensidade, nos levou ao Pós-Cultura, e de lá pra cá, onde nos encontramos agora, temos nos tornado cada vez mais parte de um movimento catalisador para ecoar nossas próprias vozes no mundo que queremos construir juntas.

    Através desse encontro e sua natureza germinadora, fomos sendo pouco a pouco convidadas a nos olhar, e a enxergar as possibilidades de diálogos dentro das nossas diferenças; nos reconhecendo umas nas outras e nutrindo admiração e respeito por cada passo das nossas caminhadas. Ao ensinar e aprender mutuamente, podemos afirmar que somos pesquisadoras, percorrendo as avenidas do patriarcado o qual, até pouco tempo, não aceitava que mulheres levantassem as suas vozes nem nos legitimavam como produtoras de saberes, notadamente as dentre nós que somos negras, LGBTQIA+, nordestinas, pobres.

    Todas sabemos, não é uma tarefa fácil estar dentro e fora das paredes da Academia, principalmente quando nossos interesses de pesquisa estão de tal maneira entrelaçados às nossas experiências; fora que, para permanecer acreditando, precisamos estar simultaneamente fazendo, construindo, vivendo em plenitude nossos propósitos, não apenas teorizando.

    Mesmo sendo cotidianamente desacreditadas, desestimuladas, por meio do conflito constante que a nossa presença causa nos espaços de poder, nossa rexistência se atualiza com a retomada de nossas tecnologias ancestrais, com o cuidado que dispensamos a nossa fé. Nas fissuras que apenas começaram a ser expostas do mundo colonial, insistimos em contar nossas histórias. Insistimos em escrever, transformar a língua que impôs silêncio em ferramenta de nossa proclamação!

    A melhor maneira de nos apresentarmos às leitoras e aos leitores deste livro é, assim, nos localizando como escritoras que, antes de qualquer coisa, somos filhas e netas de viveiras, sonhadoras, trabalhadoras, como nós mesmas aprendemos a ser, como intelectuais que colocamos em nossas escritas nossas subjetividades e verdades na perspectiva de reivindicação e diálogo.

    Nos ensaios acadêmicos-literários de Luana Souza, Beatriz Bastos, Carol Dia, Izabela Alcântara e Bia Mathieu, trazemos nossa dimensão afetiva, poética, sensível, que perpassa as pesquisas que nascem da experiência da corporeidade, do resgate da memória, da ancestralidade, da territorialidade, de tudo isso em movimento que dá base à nossa escrita.

    Após essas primeiras reflexões, transitamos, com os artigos ensaísticos de Stéfane Souto, Sofia Mettenheim, Sara Mariano, Joice Araujo e Carolina Dantas, para uma dimensão, que, sem deixar de levar todos esses elementos em consideração, chegam para agregar problemáticas relacionadas à transformação prática da nossa sociedade, por meio da atuação política, da gestão, da ação que mobiliza nossa imaginação e retroalimenta a esperança de futuros construídos por nós mesmas.

    Dividir uma parcela das nossas jornadas, nos impulsionando, inspirando e contando umas com as outras é o que nos motiva a dançar de mãos dadas em torno dessa chama de vida. E eis aqui nosso primeiro fruto. Desde o início, nos encantamos com a forma particular de expressão de cada uma, de se posicionar, da coragem de ser quem se é, com as belezas que carregamos e também com os obstáculos que transpomos para o nosso próprio crescimento. No fundo dos nossos corações, já sabiámos que esse momento chegaria, e nossas reflexões não ficariam restritas a nossa sala de aula. Elas ecoariam, assim como ecoa o mistério generoso do universo, responsável por nos conectar e unir nessa cocriação de potências que regeram nossas esperanças.

    Com essa escrita, abrimos, então, essa roda de partilha e conversa como dádiva, oferenda, chamamento e invocação, com a vibração presente de que somos os sonhos de nossas mais velhas, a certeza de que é com elas que aprendemos a pisar esse território vasto por onde damos passos em direção a nossa emancipação...

    Como bom fruto, que alimente e produza sementes!

    As organizadoras,

    Beatriz Bastos, Carol Dia, Carolina Dantas, Luana Souza e

    Stéfane Souto

    CONVERSA COM

    AS EDITORAS

    MULHERES QUE GINGAM

    Cada mulher sabe a força da natureza que abriga na torrente que flui de sua vida

    (VIEIRA JR, Itamar.2020, p.228)

    A centralidade das mulheres na sociedade, como agentes transformadoras, nos revela que ainda há muito por se fazer para conquistar, de direito, estes lugares cujas políticas de silenciamento do colonialismo (KILOMBA, 2019) ainda insistem em nos calar. Fala de mulher é preciosa. Precisamos acionar a escuta dos ouvidos surdos que não querem que a nossa voz ecoe, soe através de um corpo, no caso deste livro, em sua maioria negra, que tem muito a dizer. Quando a voz vibra, tudo vibra. Seu corpo, sua história, sua subjetividade, sua ginga.

    A ginga, como metáfora do tecido social, e como subjetividade das sujeitas e sujeitos deste tecido. Como uma filosofia de vida conforme relata MESTRA JANJA (2004). De acordo com ROSA (apud NASCIMENTO, 2019, p.49) podemos, também, compreender a ginga como uma epistemologia de produção de conhecimentos e visão de mundo que se contrapõe ao pensamento eurocêntrico. A ginga, não só na capoeira, mas, também, no samba e nas artes performáticas pode ser compreendida como um corpo social, político e simbólico. Como uma epistemologia anticolonial.

    Como um jogo de corpo que, nós, mulheres, precisamos aprender a driblar em uma sociedade, cujo, pensamento machista, cisheteronormativo e cristão insiste em querer nos colocar. Ledo engano. Desde que nos entendemos por mulher que acionamos jeitos e formas de existir no mundo.Esta existência diversa, diferente, única e plural nos ensina que resistir, é preciso. Existem diversos mecanismos e epistemologias que podem ser acionadas. Pela luta, pelo afeto, pelo amor, pela insurgência. A ginga é uma delas. Somos uma horda de mulheres que nos utilizamos de ferramentas e dribles, sempre em círculos micros e macros. Pois, afinal, o princípio da circularidade representa ancestralidade, solidariedade, cumplicidade e resistência. Pelos nossos mais velhos e velhas aprendemos a acionar, também, a escuta e através da oralidade se pôr no mundo.

    Todos estes modus vivendi pautados no jogo de cintura, nos pés que caminham devagar e sempre a passos de formiguinha, mas, que, de maneira inexorável alcançam seus objetivos, são gestos de insubmissão. São essas mulheres pretas, em sua grande maioria, que nos ensinam o que é ginga, como nos revela Ana Maria Gonçalves em Um defeito de cor (2009). O drible no modo de desenvolver estratégias e táticas de insurgência, um jogo de atenção (Ibid., p.666). Afinal,Exú - o dono do corpo e das encruzilhadas, leva a caminhos que só quem ginga, consegue chegar. Estas mulheres que gingam, seja culturalmente, biologicamente, subjetivamente, constantemente se deparam com o ato de ser mulher. Como é difícil...

    Juntar mulheres pesquisadoras, cujas histórias se entrecruzam, por vezes, se confundem e se fundem com as sujeitas de suas respectivas pesquisas, nos leva a lugares de afirmação e identidades plurais, como estas vozes pulsantes e dissonantes que representam singularidades.

    Mergulhar na história e deixar a gira girar com a sabedoria de terreiros como pulsão para insubmissão feminina negra é o que nos apresenta o texto de Luana Souza (2021). O que os ensinamentos transmitidos pela oralidade têm a nos dizer sobre os processos de emancipação e insubordinação de mulheres negras? Muita coisa. Vamos acionar a escuta de como as mulheres negras do Candomblé tratam suas feridas até o coração (HOOKS, 2000). A sabedoria dos terreiros não somente como espaço de culto à religião. Mas, também, como espaço de autodefinição, autoproteção e autoavaliação.

    O sistema da matrilinearidade e da matriarcalidade ainda é bastante presente nos terreiros, demonstrando que lugar de mulher é onde ela quiser. Viva Patrícia Hill Colins (2016) que cunha os conceitos de autodefinição e autoavaliação que esvazia as imagens estereotipadas externamente definidas pela sociedade nas representações das mulheres negras; e a autoavalição que enfatiza o conteúdo específico das autodefinições das mulheres negras, substituindo imagens externamente definidas com imagens autênticas de mulheres negras (COLLINS, p. 102). É, justamente, o que estas mulheres de terreiro fazem com ginga. A reversão do termo macumbeira é apenas uma delas.

    O ato de se aquilombar em terreiros e rodas de samba, evocando os ensinamentos e cânticos ancestrais aprendidos pela oralidade, de ouvido, ressignificam suas histórias de vida, de labor, lazer e religião de forma insubmissa, reexistindo. E é, também, no samba de roda da vida das sambadeiras do Recôncavo Baiano que Beatriz Bastos (2021) entra pra sambar.

    O samba de roda, protagonizado por mulheres, revela espaços de resistência como práticas contra-hegemônicas. São tantas mulheres que podem aqui ser elencadas, que nunca será suficiente para dar conta das mazelas e querelas da vida destas sambadeiras que transformam a sociedade com ginga no corpo e na voz. A dança e o cotidiano são atividades indissociáveis que reverberam na roda de samba. Em cada dançar dessas pessoas estão sendo transfiguradas suas atividades habituais e corriqueiras (BASTOS, 2021). Nestas sambadeiras, o mote é o samba para dar início a história de vida de cada uma delas, tocada com as mãos que mexem com a terra, com a voz que canta as mazelas, com a vida contada e cantada em versos e palmas que reverberam no corpo de quem samba.

    São mulheres que transformam em potência o território de origem ancestral cujos corpos (in)dóceis contam e fazem história. Seus instrumentos de trabalho se transformam em instrumentos musicais, seus corpos percutem sons e ritmos que servem de marcação para este ato de celebrar a vida com ginga, resistindo, sempre.

    Assim, estas mulheres ressignificam suas experiências corporais e sensoriais moldando seus corpos biológicos e culturais às suas subjetividades como experiência política naquilo que Hannah ARENDT denomina de condição humana. A unicidade que faz de cada um de nós um ser diferente de todos os demais (Apud CAVA- RERO, 2011, p. 17).

    E como será que os corpos destas mulheres –cis– reagem diante de um fenômeno fisiológico-cultural como o ato de menstruar? Pensando na menstruação como um tabu e estigma social de caráter machista e discriminatório conforme Izabela ALCANTARA (2021) fico aqui pensando como é trabalhar no campo e na cidade em um sistema capitalístico enfrentando àqueles dias ou ainda, a gravidez? Itamar VIEIRA JUNIOR (2020) no romance Torto Arado descreve o parto de Donana, mãe de Zeca Chapeú Grande que não teve autorização dos patrões para parir seu filho em casa. Pariu no meio da roça, dentro de um charco, com a ajuda das trabalhadoras da fazenda, debaixo deste mesmo sol que agora fervilhava seu juízo (Ibid., 2020, p. 207).

    Esta descrição ficcional não é muito distante de uma realidade enfrentada por estas mulheres acima elencadas. São mulheres, que vivem o dia a dia convivendo com as adversidades e transformações do corpo, seja pelo ato de menstruar, engravidar, menopausa... Gingam cotidianamente como um mecanismo de defesa, de disfarces, narrando, refazendo, cerzindo suas próprias histórias, transformando suas experiências ancestrais, as práticas e saberes tradicionais que se atualizam, em um jeito de ser e estar no mundo, descolonizando as experiências com táticas e estratégias de insubmissão.

    E viva a rainha Nzinga!

    Marilda Santanna

    é professora, artista e pesquisadora. Possui pós-doutorado pela Universidade de Lisboa e pelo Instituto de Artes Universidade Estadual de Campinas. Tem três livros lançados pela EDUFBA; três álbuns gravados e inúmeros shows, entrevistas e artigos publicados na área de Artes, com ênfase em Música, atuando principalmente nos seguintes temas: música, performance, identidade, teatro, cultura, voz e feminismo negro.

    35

    A CORAGEM DELAS

    Quando recebi o convite para acompanhar a edição de Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade, minha alegria foi permeada de uma certa sensação de desafio. Compreendi, de imediato, que havia na proposta da publicação, o desejo de oferecer relevo às elaborações de pesquisadoras implicadas com a transformação do campo da Cultura e da própria vida. Os textos, são permeados por um gesto que reconheço em práticas artísticas e de pesquisa que, há muito, me interessam: a insistência em transmutar experiência em prática e, de experimentar a prática como possibilidade de elaboração crítico-teórica.

    Mais do que ativar uma zona de contato e borrar as fronteiras entre as pesquisas em artes e aquelas, mais bem circunscritas ao campo da cultura, a dimensão política que emerge na reunião desses textos, trata de alinhavar um compromisso ético e diz de um trabalho que está sendo realizado através dos tempos e territórios, é o investimento na criação e no registro de tecnologias contra-coloniais de existência.

    De onde emergem as forças contra-coloniais no campo da Cultura? Por onde escorrem perspectivas implicadas na transformação do fazer cultural? Que novos modelos criativos nos oferecem? Afinal, como angariar forças para perseguir rastros de fuga frente às forças que empreendem, deliberadamente, o desmoronamento da esfera institucional da Cultura?

    A publicação Controversas: Perspectivas de Mulheres em Cultura e Sociedade reúne ensaios que acenam para percursos possíveis diante destas questões, as quais, dizem respeito, não apenas ao plano de elaboração simbólica e epistêmica na área da Cultura. O fato, é que precisamos conversar, e conversar muito, afinal, o que está em jogo é a materialidade da vida das trabalhadoras e trabalhadores que fazem funcionar o campo. Aqui, encontramos pesquisadoras implicadas na produção do pensamento e do fazer artístico-cultural múltiplo e atravessado por desejos de direito à memória, à singularidade e à emancipação.

    Apresentando uma diversidade de autoras, a publicação acena para a importância de explorar questões que emergem, desde

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