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Redação: Teoria E Prática
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E-book291 páginas4 horas

Redação: Teoria E Prática

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Sobre este e-book

Escrever é uma habilidade que se aprende como outra qualquer. Assim como se aprende a dirigir dirigindo, aprende-se escrever escrevendo. Somente a prática levará a pessoa ao aperfeiçoamento. Assim como nenhuma pessoa pode tirar a carteira de motorista logo depois da primeira aula, não se pode esperar que alguém possa saber escrever uma boa redação depois de ouvir ou ler orientações de como se faz um bom texto. Você não terá condições de escrever bem se não adquirir a habilidade de escrever, se não superar os mitos de inibição desenvolvidos em você pela escola; se não tomar consciência de que domina e muito bem o português brasileiro; se não aprender a planejar o que irá escrever se não aprender que não existe texto pronto, mas que ele nasce da habilidade do redator; se não encarar a escrita como uma habilidade que se aprende com esforço, dedicação e prática, e que as dificuldades são superadas com treino.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de ago. de 2014
Redação: Teoria E Prática

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    Redação - Claudemir Da Silva Paula

    I- Eu não sei Português. Será?

    Uma das maiores marcas da identidade de um povo é a sua língua. Prova disso é que o estilo da fala de uma pessoa é associado à personalidade. Se ouvirmos alguém dizer probrema em vez de problema será muito difícil, de imediato, não dizer, mesmo que seja somente para nós, que aquela pessoa fala errado. Surge dentro de nós uma espécie de aversão gratuita sem mesmo saber quem é ou quais são as suas intenções.

    Para que você possa entender como isso funciona no dia a dia é preciso recorrer às origens do processo de associar língua a conjunto de valores discriminatórios. A ideia de erro linguístico é uma herança antiga no mundo ocidental e, certamente, está associada ao surgimento dos padrões sociais. Já no período dos retóricos romanos, qualquer variação linguística de uma palavra era chamada de erro e, cometer erro linguístico era uma falta gravíssima, justificável apenas para estirpe do povo.

    Na história ocidental, os gregos foram os primeiros povos a acordar para a importância da língua em uma sociedade e do poder que pode ser exercido através do uso persuasivo da linguagem. Não quer dizer com isso que os homens que ocupavam o poder fossem amigos do estudo e da filosofia. Pelo contrário, a maioria estava mais preocupada com os prazeres que com a ciência. Porém, eram defensores de quaisquer métodos que os pudessem mantê-los no poder e diferenciá-los do vulgo.

    Entra em cena então a ideologia da unidade linguística de uma língua e o grande valor dado aos gramáticos. Eles passaram a ser as pessoas mais indicadas para convencer a plebe que a forma de falar daqueles que detinham o poder era melhor, mais bonita e correta. Toda forma de fala que fosse divergente daquela era considerada atrasada, retrógrada, inculta, errada.

    E como em toda nação existe um grupo que manda e outros que são mandados, o princípio ideológico do erro linguístico foi, e continua sendo, incentivado e repetido nas escolas pelos professores como uma verdade absoluta. Quando chegamos à escola fomos aos poucos nos convencendo de que todas as formas de uso da língua, divergente daquela apresentada na gramática normativa não era português. Não era sequer língua de gente ou pelo menos de pessoas educadas. Assim, ficamos convencidos que todos os brasileiros, com raras exceções, possuem uma incompetência incrível de falar a boa língua de Camões e que, a maioria da população contribui, desastrosamente, para a ruína do idioma.

    Dificilmente você (e todos os que pela escola passam) hoje não estará convicto de que quando alguém diz, nóis vai, a gente fomos’, as vaca, nóis é bão nesse negócio" comete um erro gravíssimo que não pode ser cometido por pessoas de bem, sábias, honestas, cultas.

    Vamos pensar um pouco!

    Quantas vezes você já se sentiu diminuído, inibido ou envergonhado por não saber determinada palavra? Ou quantas vezes se sentiu prazerosamente atraído a produzir uma correção de alguém que produziu uma forma de fala ou escrita que você diz ser errada?

    Essa ideologia transmitida e defendida pelo Sistema como sendo a verdade sobre a sua língua esmagou a sua autoestima e provocou em você (e numa grande parte dos brasileiros) uma profunda aversão ao estudo do português, além de fazer você sentir um desgosto e desconforto pelo seu próprio modo de falar e concluir que não sabia português.

    Com efeito, as pessoas saem do ensino médio, após pelo menos 12 anos tendo aulas de português, com a sensação de que não sabem a própria língua; com um sentimento de incapacidade, de fracasso perante seu próprio instrumento de comunicação. Por terem absorvido convicções a respeito da língua que as convenceram de sua inferioridade ou por terem internalizado a ideia de que o português é complicado, julguem-se inaptas a utilizar a língua, a produzir um texto, uma vez que não adquiriram os instrumentos necessários que as levassem a serem proficientes produtoras/consumidores linguísticos."1

    Será mesmo que você não sabe português?

    Se você não sabe português, qual é o nome que se dá para essa língua que você utiliza para se comunicar, brincar, conquistar, mentir, falsear a verdade no dia a dia e que aprendeu a ler tão bem? Neste momento você está lendo um texto em português e se você não sabe português como pode estar me entendendo?

    Compreendeu onde estou querendo chegar?.

    Você fala português, escreve português e, aliás, muito bem. Nem você, nem nenhum brasileiro, jamais dirá: o saiu menino escola para tarde a ontem. E por quê? Porque essa sequência de palavras, por mais que você as conheça, não produz sentido nem significado. Isto é, essa expressão não é portuguesa.

    Percebeu a diferença?

    A questão não é você não saber português. Você pode até não dominar as nomenclaturas gramaticais que a mídia insiste em exigir que lhe enfiem de goela abaixo, mas certamente sabe, e com muita propriedade, PORTUGUÊS. Todavia, esse português não é o de Portugal, nem o de Angola ou de outras tantas ex-colônias portuguesas. É o daqui, o português brasileiro ou como alguns preferem dizer: brasileiro, simplesmente… A língua da sua família, dos seus amigos, do seu País. É o seu português, a sua língua!

    É um despropósito, depois de tantas comprovações científicas, continuarmos acreditando que o português é um só em todas as localidades onde é falado. Além das diferenças de significação lexical e do modo de articular os fonemas, o português brasileiro tem sua própria gramática, sua própria estrutura, sua própria forma de ser. Admitir que o português correto e belo é o que se fala do outro lado do mundo é uma tremenda falta de conhecimento, se não uma grande idiotice.

    É muito importante que você tome consciência disso: você sabe português e tem pleno domínio de sua estrutura e funcionamento. Tenha plena convicção disso: você sabe português brasileiro na variedade de fala que aprendeu na sua infância.

    E português brasileiro é uma língua tão fácil que uma criança, seja ela pobre ou rica, branca ou negra, do campo ou das grandes capitais, do sul ou do norte aprende em dois ou três anos e nunca mais esquece.

    Não estranhe se neste momento você sentir uma sensação de alívio, como se estivesse saindo de um tribunal onde acabara de ser inocentado. Isso é perfeitamente compreensivo. Você acaba de iniciar a libertação de uma mentira que a escola e os meios de comunicação fazem questão de repetir anos após anos com um único intuito: fazer de você uma pessoa incapaz, atrasada, sem condições de se expressar e lutar pelos seus direitos. Em outras palavras: manter você longe do poder da

    Não se zangue, por outro lado, se esse assunto estiver lhe incomodando, como se você tivesse sendo agredido fisicamente, como se alguém estivesse tirando o seu chão. Também isso é normal. Afinal de contas você está a muitos anos se esforçando para aprender esse tal português e, talvez, tenha se saído muito bem em algumas provas. E até tem se sentido feliz por não pertencer ao grupo dos atrasados, daqueles que não sabem português. Mas apesar disso, você está com dificuldades para escrever! Então sugiro que você permita-se a ver um mudo de outra forma, para que juntos possamos resolver o seu problema.

    É justo que você até se sinta revoltado, mas é imprescindível que você faça um esforço para se livrar da maninha de estabelecer juízo de valor sobre a linguagem. Isso de nada ajuda, pelo contrário, contribui para perpetuar no país uma das piores formas de preconceito que é o preconceito linguístico.

    É muito importante também que a partir desse momento você tome uma postura e lute para não mais estabelecer juízo de valor sobre a forma de falar/escrever dos outros. Se continuar julgando os outros, inevitavelmente, fará o mesmo contigo mesmo e ficará pensando que os outros também lhe recriminaram pelos seus erros. Habitue-se a prestar atenção ao conteúdo das informações e não somente na forma. Se você quer ser livre não pode ajudar o Sistema a perpetuar preconceitos.

    Não quero dizer com isso que tudo estará resolvido e você não se sentirá pressionado pela sociedade. De forma alguma. Socialmente, existe uma forma de falar e de escrever que é mais privilegiada que outras, que tem mais valor em determinados ambientes. Todavia, isso não tem nada a ver com a língua, mas sim com o poder político-econômico que faz com que a língua de quem tem mais dinheiro ou poder, tenha mais valor. Isto é, uma língua vale o que valem seus falantes (Gnerre, 1998).

    No período do Império era chique falar francês. Quem soubesse francês tinha mais oportunidades… Agora, chique é falar Inglês. Nos tempos da Idade Média só era culto quem soubesse Latim. Para as transações comerciais no período das grandes navegações, bom mesmo era saber português.

    O que mudou? Mudou o poder político-econômico. Quando o poder era a Igreja Católica (uma extensão do Império Romano) o valor era dado ao latim porque latim era a língua de quem detinha o poder: A Igreja Católica. No período dos descobrimentos, o valor passou a ser o português, porque Portugal era símbolo de comércio com os outros países. Era tão importante que mesmo os navios exploradores da Holanda, da França, da Inglaterra, levavam sempre pessoas que soubessem falar português.

    No século XVIII, o francês passou a ser a língua mundial porque a França era o símbolo de riqueza da época, o poder econômico mais influente, o modelo de governo a ser seguido. E agora é o Inglês porque os Estados Unidos é a maior força econômica do mundo. Não é a língua que é melhor ou mais bonita, mas o que a faz é a força política e econômica que a faz importante.

    Essa correlação de poder e língua também são feitas internamente dentro de cada pais. A forma de falar daqueles que detém o poder assume valor de destaque, não por ser melhor como querem fazer você crer, mas devido à relação com o poder que ela tem. Assim, fica fácil fazer a distinção entre aqueles que dominam e os que são dominados ou mesmo tempo que os exclui das possibilidades de mudanças das relações.

    Nessa prática sistemática de ver a língua o que acontece é que somos levados a prestar mais atenção nas pequenas diferenças do que naquilo que é igual. Isso tanto é verdade que aquilo que está em desacordo com a gramática normativa, mas que também praticamos, nem percebermos. Outras formas, no entanto, chegam a nos chocar. É o caso de nós foi / tô saino. Nós foi parece agressivo porque na escola os professores nos disseram ser isso um erro gravíssimo. No caso de tô saino não, porque a professora não ficou pegando no nosso pé dizendo que isso estava errado. Contudo, as duas formas estão em desacordo com a gramática normativa.

    Percebeu que o problema está no juízo de valor e não na língua em si?

    Ao longo deste curso irei lhe mostrar mais detalhe sobre esse assunto. No momento, basta isso: não existe língua melhor, nem língua pior, nem língua fácil ou língua difícil. Existe sim, língua que tem mais prestígio do que outra por causa da sua relação com o poder econômico ou político.

    Sei que somente essa consciência não será capaz de fazer você se livrar do medo de expor a sua opinião. Sei também que você ainda está acostumado ao fato de que quando a escola solicitava a sua opinião, não queria que você desse a sua opinião, mas que escreve a resposta esperada. A sua alfabetização foi toda pautada nesse método: uma redação boa era aquela que estivesse correta do ponto de vista gramatical. Entretanto, tomar consciência do valor da sua própria Língua é o primeiro passo para você deixar de ser assujeitado para tornar-se cidadão crítico. E o único caminho para que você ganhe autoestima linguística.

    RESUMO

    O português dos Portugueses é um, o português do Brasil é outro. Nem melhor, nem pior, apenas diferente. A crença de que você não sabe português foi produzida pela escola e pela mídia, que, ao contrário de que a maioria das pessoas pensa, tem o dever de manter as pessoas longe do poder. Nessa tarefa, o ensino da língua portuguesa é usado como um instrumento de domínio, convencendo as pessoas de que não sabem a própria língua. Você hoje sofre da síndrome de inferioridade linguística por ter absorvido convecções erradas sobre a própria língua. À medida que você foi se libertando dessa opressão escolar e tomando consciência de que é um falante natural do português falado Brasil você eliminará de dentro de si mesmo a sensação de incapacidade e a sua autoestima crescerá. A língua que você fala é tão fácil e tão bela como qualquer outra língua. Você sabe a sua língua porque a conhece intuitivamente e á capaz de empregar com naturalidade as regras básicas e as mais complexas de seu funcionamento sem que para isso tenha que se esforçar.

    MUDANDO DE ATITUDE

    Elimine o julgamento negativo a respeito da sua forma de falar. Você sabe português brasileiro e muito bem. O Valor dado à determinada forma de falar não é devido à qualidade de sua língua, mas é fruto do valor social que ela tem.

    As pessoas são diferentes, por isso falam diferentes. Nem melhor nem pior, apenas diferente. E essa diferença não é um defeito ou um erro. Mesmo porque essas pessoas não falam tão diferentes de nós: somos capazes de entendê-las.

    Você e todos os brasileiros falam uma língua que está em desacordo com a gramática normativa. Há uma diferença, cientificamente comprovada, entre o português que realmente existe e é falado pelo Brasil a fora e aquele que alguns poucos acham que deveria ser.

    Habitue-se a não julgar a fala dos outros. Além de ser preconceito, revela uma falta de conhecimento muito grande sobre a própria língua. Você não é um papagaio para ficar repetindo aquilo que os outros dizem ser verdade. Somos diferentes, moramos em locais diferentes, por isso falamos de forma diferente.

    PRATICANDO

    1) A seguir são propostas questões para você refletir e expor sua opinião. Não se trata de certo ou errado. O que importa é a sua opinião sincera. Não se preocupe com as questões ortográficas ou de gramática neste momento. Esforce-se para livrar-se dessa opressão. Responda, com sinceridade, dê de fato a sua opinião e não o que você suponha que eu queira que escreva. Dê respostas, por escrito.

    a) Você acha português difícil? Por quê?

    b) Se você soubesse gramática, acha que poderia se sair melhor nas redações? Explique!

    c) Quem fala nóis vai prantar mio está falando errado? Por quê?

    d) A forma dá-mo, que lho retribuirei obedece à risca ao padrão gramatical para a colocação pronominal. Quantas pessoas você conhece que fala dessa forma? Em sua opinião, porque é tão difícil encontrar pessoas que falam dessa maneira?

    e) Há lógica nas normas gramaticais e uma coerência fascinante, que é, aliás, a própria beleza da língua2 Você concorda com essa afirmação? Justifique a sua resposta.

    f) Quais são as suas maiores dificuldades para escrever?

    2) Releia as respostas que você produziu para os questionamentos da questão 1 e faça uma reflexão das suas respostas com as proposições do texto deste capítulo. Imagine que você seja uma pessoa que se encontra presa em um local de isolamento e a única oportunidade de se comunicar com o mundo externo seja através da escrita. Imagine também, como destinatário(a) para sua carta, um(a) professor(a) de redação que se propôs ajudá-lo(a) a desenvolver seu potencial de escrita. A partir dessas informações, escreva uma carta para esse(a) professor(a) imaginário(a) na qual você exponha e discuta as respostas que você deu aos itens da questão 1. Se você tiver dificuldades com o gênero carta, faça uma pesquisa na internet e leia algumas cartas antes de escrever a sua.


    1    Sérgio Sinka. In: www.sergiosinka.com

    2    Técnicas e Dicas de Redação. In: www.espirito.org.br

    II- Língua, gramática e norma

    Você talvez já tenha se deparado com uma situação em que o carro em que você estava trafegando parou e quem o dirigia foi obrigado a chamar um mecânico porque não sabia o que estava errado com o automóvel. Esse procedimento é vista com uma naturalidade muito grande, pois afinal, ser motorista é uma coisa, ser mecânico é outra. Isto é, não se precisa saber sobre as partes do motor de um carro para saber dirigi-lo. Basta aprender os recursos necessários para realizar atividades de condução e pronto. Nenhum motorista é descriminado porque não sabe mecânica, não é verdade? E mesmo que alguém saiba todas as partes de um carro esse conhecimento não fará dele um motorista. São coisas ligadas entre si, mas bem diferentes.

    Todos parecemos concordar que saber os nomes das coisas não é garantia de fazer o melhor uso delas. Ou que saber o nome de todas as peças de uma máquina não significa automaticamente, saber operar essa máquina. Entretanto, isso é totalmente ignorado pela escola quando o assunto é ensino da língua. Eu e você fomos levados a acreditar que era preciso conhecer detalhadamente a nomenclatura gramatical para fazer um bom uso dos recursos da língua. Por isso, ficamos anos a fio tentando classificar uma oração subordinada concessiva porque nos iludiram com a ladainha de que para escrever e falar bem era precisa aprender gramática. Ou seja, era preciso aprender explicar as regras da gramática para então aprender a falar e a escrever. Na nossa mente foi se instalando uma confusão entre gramática e língua.

    Não quero aqui agora desqualificar nenhum tipo de atividade pedagógica que vise o ensino da Gramática Normativa. Pelo contrário, quero apenas demonstrar a você que a confusão entre língua e gramática tem colaborado para que muitos saiam da escola com mais problemas do que quando lá entrou.

    Gramática e língua são duas coisas diferentes. Língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. Saber usar uma língua é um fato, saber explicar quais são as suas regras é outro bem diferente.

    Saber uma língua significa ter o domínio de seu funcionamento e ser capaz de utilizá-la. Isso não significa dizer que quem sabe uma língua seja capaz de explicar o seu funcionamento e estrutura. Uma pessoa pode saber como uma língua se estrutura e ser incapaz de utilizá-la em uma situação real. É possível falar e escrever numa língua sem saber nada sobre a nomenclatura de sua gramática.

    Uma pessoa analfabeta não sabe explicitar o funcionamento da língua que fala, mas certamente conhece a gramática de sua língua, tão bem quanto um escritor. O que ele não sabe é explicar como ela funciona utilizando termos técnicos ou científicos como o fazem os estudiosos da língua.

    As regras de como funciona e de que forma pode variar a estrutura é que forma a gramática de uma língua. Essa gramática não está escrita em nenhum livro. Não faz parte de nenhum livro didático. Não pode ser aprendida com nenhuma técnica pedagógica. Ela é absorvida pelo cérebro na medida em que se fica em contato com seus falantes. Todas as línguas têm a sua gramática, até mesmo aquelas que são faladas por grupos ainda não dominadas pelo homem branco ocidental ou aquelas que ainda não tem nenhum sistema de escrita.

    Infelizmente, na escola não fomos informados sobre isso e fomos convencidos a crer que gramática é o livro que descreve as regras do bem falar e do bem escrever. Ao longo do tempo, foi se criando a ideia de que para se aprender a falar português era preciso então estudar regras gramaticais e conhecer as suas nomenclaturas3. Logo, aqueles que não dominassem os nomes e os conceitos, jamais poderiam aprender português. Isso é um equívoco muito grande.

    A primeira coisa que precisa estar claro sobre esse assunto é que a gramática do português que conhecemos, não reflete a gramática da língua que você fala. A gramática que se estuda na escola é chamada de normativa. Trata-se de uma tentativa de normatizar o uso da língua, através da apresentação daquelas que seriam as regras estruturais e funcionais do bem-falar. O nome ‘normativa’ deriva justamente do fato de que a intenção do gramático é a de ditar normas desse pretenso bem falar.

    A Gramática Normativa tem duas origens básicas: a primeira é tradição, a segunda a ação política. A tradição gramatical começou por volta do século III a.C. na cidade de Alexandria, no Egito. Neste período, os estudiosos da literatura clássica da Grécia, chamados de filólogos, estavam preocupados em preservar a pureza da língua grega que estava muito diferente da língua usada pelos poetas e escritores do passado. Estes estudiosos resolveram descrever as regras gramaticais empregadas pelos grandes autores clássicos4 para servir de modelo para quem quisesse escrever obras literárias em grego. Essa gramática passou a considerar toda e qualquer variação ou mudança natural da

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