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Quem Sabe Uma Outra Face
Quem Sabe Uma Outra Face
Quem Sabe Uma Outra Face
E-book350 páginas3 horas

Quem Sabe Uma Outra Face

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Sobre este e-book

Hoje é o dia em que se inicia a narrativa. Hoje também é o dia em que você me conhecerá. Meu nome é Frederico; um garoto nada comum com um nome menos comum ainda. Bom seria se o nome fosse meu único problema. Prefiro ser chamado de “Fred”. Sou viciado em maconha e isso é um problema, mas posso te contar mais um: apanho e vejo minha mãe apanhar do meu pai frequentemente. Contudo não para por aí; sou um suicida em ascensão. Você já deve estar pensando: “que história triste”, e eu te digo que dá para piorar. Serei mandado para um local em que toda minha vida irá mudar. Lá eu irei descobrir que os meus problemas não são singulares e que a única forma de resolvê-los é enfrentando-os. O problema é que eu não quero isso; eu quero morrer, o que felizmente pode acontecer a qualquer momento. Aí você me diz: Meu Deus, tenho que ser sincero(a), eu não queria ser você”. E se eu te dissesse que mais alguém vive aqui dentro? Você deve pensar que eu pirei, mas não; pelo menos não ainda.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de nov. de 2015
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    Pré-visualização do livro

    Quem Sabe Uma Outra Face - Moisés Silva

    Copyright © 2015 Author Name

    All rights reserved.

    [ 2 ]

    Prólogo

    Acho que o que nos prende à vida é o medo da morte. Não

    acredito que todos gostem de viver. Quem gosta de chorar, ou

    sentir dor, ou até mesmo sangrar? Ninguém, reafirmo. Existe

    muita coisa nesta vida que a gente suporta somente pelo medo

    que temos da morte. Mas não eu. Não consigo acreditar que a

    morte seja tão ruim assim como dizem. Como algo que traga o

    fim de todos os seus problemas pode ser considerado ruim?

    Como ser transportado para um local onde você não terá

    escolhas e consequentemente não poderá errar, pode ser

    considerado mau? Sei que nem sempre errar é ruim; às vezes é

    até bom. É bom aprender com eles. Nos tornam maiores, quem

    sabe até melhores; mas claro que não é o meu caso. Eu errei e

    hoje pago um preço caro. Perdi meu futuro pensando muito no

    passado e hoje não tenho nem sequer um presente. Choro

    sempre, é mais forte do que eu, e sei que ninguém pode me

    salvar. Não quero que ninguém me salve. Decidi não viver. Que

    minha futura amiga, a morte, me encontre. Já não vivo mesmo.

    Por que não acabar logo com isso?

    [ 3 ]

    Dedico a todos que querem abraços. Podem vim me

    abraçar.

    4

    "Se eu morrer novo,

    Sem poder publicar livro nenhum,

    Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,

    Peço que, se quiserem ralar por minha causa,

    Que não se ralem.

    Se assim aconteceu, assim está certo."

    Alberto Caeiro

    CAPITULO 1

    Por quê?

    Eu ouço isso com bastante frequência hoje em dia, no início eu me

    importava, hoje não me importo mais. Não que eu esteja em

    condições de me importar com algo no momento, tentarei

    descrever minhas condições, não serei detalhista, não costumo ser,

    serei breve, não é uma situação que eu chamaria de agradável.

    Estou preso e estou me sentindo um fracassado, algo que se tornou

    comum para mim. O desagradável da situação é que não estou

    preso numa cadeia, ou então em um manicômio, não ainda, estou

    preso em casa. Meus pais me prenderam com uma corrente de ferro

    no pé da cama e essa cama está acimentada ao chão, só consigo me

    locomover pela minha pequena área retangular e com princípios de

    mofo intitulada de quarto. Consigo ver a porta de entrada que está

    aparentemente fechada, mas que felizmente não é a prova de som,

    por isso eu grito alto, para que todos escutem o que está

    acontecendo comigo, para que todos vejam o que eles estão me

    fazendo passar. Grito para que eles próprios se toquem na

    5

    monstruosidade que está acontecendo no lar deles. Como um pai e

    uma mãe podem ter coragem de manter o próprio filho cativo em

    uma cama? Como se fosse um animal ou um ser qualquer, indigno

    da própria pena. Não sou bicho, tenho autocontrole, sei que

    tenho, pelo menos na maioria das vezes.

    2

    Você deve estar se perguntando o que fiz para estar nessa situação,

    e eu, sem nenhuma alegria, digo: sou viciado em maconha. Aí você

    pode até pensar: putz! Maconha? Esse drama todo só por causa de

    uma ervinha? Esse é o motivo da sua prisão? Não, não é, não

    estou preso na minha própria casa por causa disso, considere isso

    como uma desculpa que meus pais inventaram para que eu não

    pudesse circular pela rua. A verdade é que eles sentem vergonha de

    mim. Se formos colocar em pauta todos os pais que tem filhos na

    mesma situação que eu, muitos estão tomando a mesma precaução.

    O mundo se tornou louco e eles preferem colocar a culpa na gente,

    como se nos prender fosse ajudar em algo, como se abafar fosse

    sufocar a minha vontade. Eu não posso contê-la, é mais forte do

    que eu. Só quem é viciado faz ideia do quanto eu devo ter lutado e

    luto contra isso. Aprendi com meus erros e percebi que essa foi

    uma grande burrada, não só grande, mas uma burrada épica.

    Persisto, choro e até imploro para que isso saia de mim, esse vício

    predador que me consome aos poucos. Choro em ruídos inaudíveis,

    mas agora sei que se eu tinha alguma chance de mudar isso, foi há

    algum tempo, já perdi, não que eu não queira lutar, só que não

    6

    tenho mais forças. A vontade de viver, para mim, se extinguiu,

    nem sei se um dia ela esteve realmente aqui.

    3

    Levanto a minha cabeça. Estou chorando e a porta continua

    fechada. Olho para a janela e só consigo ver a luz passando pelas

    frestas. A única coisa que faz com que eu não perca a cabeça e

    cometa alguma loucura, pelo menos por enquanto, é saber que

    existem pessoas na mesma situação que a minha, na vizinhança, ou

    quem sabe em outra rua, sei que há pessoas sentindo a mesma

    humilhação, que estão chorando o mesmo choro, é engraçado

    quando o conhecimento de que não somos os únicos em

    dificuldade pode amenizar um pouco a dor do coração. Claro que

    não estou em meu melhor estado, em qualquer outra situação eu

    não teria esse pensamento egoísta. O isolamento está me levando a

    loucura e a minha família só se preocupa com a sua reputação e

    mais nada. Não querem saber como estou me sentindo, ou como

    estou assimilando isso, nunca pararam para conversar comigo,

    agora nem mesmo um simples: bom dia Fred! Como passou a

    noite?, eles são capazes de dar. Acho que a culpa está corroendo

    eles, às vezes, penso que todos somos apenas vítimas de uma

    grande fatalidade, que não estão fazendo isso por mal, só querem o

    meu bem. Penso que a culpa não é deles, não há culpa se

    eles aprenderam a se comportar assim, ou se o choque foi tão

    grande de saber que eles tem um filho viciado, que provocou a

    dificuldade na assimilação. Eles são só um espelho da criação que

    receberam, eu e minha mania de sempre achar motivo pros erros

    7

    dos outros, tenho sempre esses conflitos é como se várias pessoas

    habitassem em mim. Mas na mesma velocidade que a desculpa

    vem, eu afasto esse pensamento da minha mente. Preciso

    concentrar toda a minha raiva neles, tenho que colocar a culpa em

    alguém que não seja a mim mesmo, não posso deixar que eles

    pensem que aceito isso, que acho que o eles estão fazendo é certo

    ou até que compreendo que eles só fazem isso para o meu próprio

    bem.

    Merda para eles.

    4

    Abaixo mais uma vez a cabeça. Nesse exato momento passa uma

    formiga pela a minha perna, cresce uma sensação esquisita no meu

    peito que só posso definir como inveja. Ela sim é feliz,

    provavelmente só deve se preocupar com o que vai levar para a

    casa ou se vai conseguir aguentar esse grão de açúcar, carregando-

    o avidamente. Seria legal ser uma formiga. Talvez as outras não

    a julguem, talvez os pais formigas escutem os seus filhos em vez

    de simplesmente bater neles quando algo foge do controle, talvez a

    mãe formiga se meta na frente do pai e mostre para ele que o que

    ele está fazendo é errado e que há outra maneira de resolver aquela

    situação sem apelar para o espancamento e os xingamentos. Talvez

    uma família de formigas seja bela. É, decididamente eu preferia ser

    uma formiga.

    5

    Estou pensando nos meus amigos, tenho apenas três, há uma turma

    grande no meu colégio que nem sei se poderei ir novamente, mas

    8

    todos se afastaram quando comecei a ser o centro das atenções

    negativas e motivo de problemas. É engraçado, a maioria das

    pessoas não gostam de ser o ombro, só a cabeça que chora.

    6

    O Fred é o mais descolado de todos, e por sinal tem o mesmo nome

    que eu. É o meu melhor amigo, pelo menos acho que ainda é,

    consegue fazer todos rirem, não tem medo de nada, pelo menos

    diz que não tem, talvez se ele tivesse um pouco de medo, eu não

    estaria nessa situação hoje.

    Certa vez estávamos passando por uma rua, essa lembrança me

    persegue, não era uma rua legal, era uma daquelas bem longas, que

    você pensa que não tem fim. Uma rua que ao dia passa um monte

    de gente, mas quando chega a noite nem rato tem coragem de

    passar, além de ser uma das mais arriscadas do nosso bairro. Por

    sinal, moro num bairro com baixos índices de criminalidade. Sou

    criado numa família que se espanta com o noticiário da noite, que

    tem medo de tudo e que sempre evita falar com estranhos e não

    suporta os ―testemunhas de Jeová‖, que vem todos os sábados. Não

    porquê eles não gostam de Deus, afinal, eles adoram dizer que

    amam a Deus. O problema é que eles ficam com medo de serem

    ladrões disfarçados, ou algo do tipo. Então deve-se imaginar que

    minha mãe não devia saber que eu iria passar por aquela rua, o

    problema é que o Fred sempre gostou do mais difícil, do mais

    arriscado, do mais tenso e decididamente aquela rua era bastante

    tensa.

    Tá com medo?

    9

    Claro que não, mané! - A verdade é que eu estava morrendo

    de medo, como disse, sou de uma família super protetora, então

    não tinha muito costume de sair do raio de visão deles. Já vi em

    séries que alguns adolescentes lutam pela independência e

    liberdade. Não era o meu caso, naquela época eu até pensava nisso,

    mas sabia que ainda não era a hora, não tentava adiantar esse

    processo. Eu nunca tinha me arriscado tanto, antes daquele dia.

    Então vamos, né! - ele disse.

    Putz! Fred, não é melhor a gente pegar um ônibus lá atrás?

    Eu pago, não tem problema. É que minha mãe não vai gostar de

    saber que eu passei por essa rua e tenho certeza que ela tem alguma

    amiga que mora aí. - Nessa minha resposta contei duas mentiras e

    uma verdade. Quando falei que não tinha problema em pegar o

    ônibus, eu menti, porque não estava com muito dinheiro naquela

    noite e aquelas passagens iriam fazer falta. A segunda mentira é

    que minha mãe não tinha amiga alguma ali, ela nunca se envolveria

    com pessoas daquela rua, para ela, são pessoas de outro nível. A

    verdade é que minha mãe não iria gostar de saber que estive

    naquele lado do bairro, não iria gostar mesmo.

    Deixa de ser lerdo, cara, é só passar, a festa é logo do outro

    lado, vai ser bacana, não precisa ter medo, seu protetor está aqui. -

    Fred falou a última frase com um tom meio afeminado, não gosto

    quando ele faz isso.

    Vamos então, mas não fala alto, por favor. É sério, não

    quero acordar ninguém daqui.

    10

    Quando começamos a andar foi tipo sinistro, ouvi vários sons

    estranhos e juro que vi várias sombras naquela noite, e, depois de

    intermináveis minutos, chegamos ao outro lado.

    Ta vendo, bocó, que não foi difícil assim? Sua mãe tá te

    mimando demais - ele acrescentou rindo.

    Sabia que ele só estava me provocando, a mãe dele o tratava da

    mesma maneira, eu só não conseguia entender como ele não

    conseguia demonstrar medo, eu já estava apavorado.

    Vamos? - ele perguntou, já aparentava impaciência.

    Entrei na festa, e foi nela que provei meu primeiro maço de

    maconha. Foi nesta festa que iniciei o processo que vou chamar de

    ―Destruição de Vida‖.

    7

    Desperto do devaneio, por causa de um barulho de carro. Com

    certeza é algo grande e com muita gente, uma multidão, eu diria.

    Paro para ouvir. No início o som é baixo, mas com o tempo

    consigo me concentrar na voz até chegar ao entendimento.

    Estamos aqui para entrevistar o menino Fred, recebemos

    informações exclusivas de que ele vive nessa residencia em cárcere

    privado, e claro que não poderíamos deixar de mostrar isso. Os

    pais dele o deixam trancado em casa por uma corrente,

    telespectadores! Temos que conferir essa tamanha brutalidade.

    Sigam-me.

    Só assimilo duas palavras entrevista e Fred, penso que esse tal

    do Fred vai fazer um alvoroço retado quando esse pessoal

    chegar na casa dele, aí me toco, quer dizer, me dou conta de que

    11

    esse Fred sou eu, e mais uma certeza vem a minha mente, eles

    estão vindo para minha casa.

    Eles não podem fazer isso. Pela voz só pode ser aqueles programas

    que passam no meio dia. Não quero ser manchete desse tipo de

    notícia. Imagine o que meu pai iria pensar disso? Graças à Deus ele

    não está aqui, o que não é nenhum gracejo, provavelmente isso vai

    estar em todos os jornais. Eles vão expor totalmente a minha

    família, não que eles não mereçam isso, mas imagine como vai ser

    para minha mãe não ter o direito de sair na rua? Correndo perigo

    de linchamento ou algo pior. Não quero que todo o estado tenha

    ódio da minha mãe. Sempre é assim, o ser humano adora criar

    vilões e meus pais serão os próximos, minha mãe não é horrível,

    ela é só... Sei lá o que ela é, mas ela não merece passar por isso.

    Sei que ela está só apavorada, tenho bipolaridade, não se assustem,

    tanto quanto eu, aí minha mania de sempre achar desculpas para

    os erros dos outros agindo novamente, tenho que arrumar uma

    maneira de sair daqui antes que eles entrem, antes que eles

    comecem a gravar, mas não faço a mínima ideia de como farei

    isso. Já tentei fugir algumas vezes, mas só consigo me machucar

    mais, a frustração de não ter para onde ir é horrível, então eu

    simplesmente voltava. Ouço então a batida na porta e minha mãe

    saindo da cozinha, provavelmente ela já estava começando a

    preparar o almoço, se encaminhando para sala para poder abrir a

    porta, ouço a maçaneta girando e quando a porta se abre, me

    espanto com tamanha proporção da situação. Está muito

    barulho lá fora. Escuto minha mãe xingando.

    12

    Senhora, senhora, só queremos uma entrevista.

    Saiam daqui, saiam rebanhos de desocupados, saiam, senão

    chamo a polícia, SAIAM!

    Acho que minha mãe conseguiu fechar a porta, pois o barulho

    abaixou. Ouço passos largos em direção ao meu quarto, ela abre a

    porta.

    Satisfeito agora? A imprensa local está toda aí. Estão

    falando que somos monstros, que não somos pais, não posso nem

    sair mais na rua, Fred, você acha certo isso?

    Mantenho o meu silencio, sei que ela está muita zangada, porque

    as mãos dela não conseguem parar de tremer. A irritação que tinha

    ido embora, volta, não sou bicho pra ficar amarrado, e ela não tem

    direito de brincar de deus e fazer o que achar ser melhor para mim.

    Fala, Fred! Você tá surdo? Responde algo, responde pra sua

    mãe, não me deixa falando aqui sozinha, mostra ao menos que

    você tem vergonha, que você está se sentido culpado pelo que

    você fez, pelo que você faz, pelo que você é, responde Frederico!

    Não me faz de cachorra, por favor!

    Aí ela começa a chorar, pior do que vê sua mãe chorando, é saber

    que ela chora por sua culpa. Nesse momento eu me sinto um lixo,

    não muito diferente do que eu já me sentia, mas agora sinto um

    desprezo tamanho por mim. Li que às vezes a melhor solução para

    a vida miserável é a morte, preciso fazer com que ela pare de

    sofrer, preciso dar a carta de alforria para minha mãe. Ela merece

    isso.

    Sinto muito! - Eu digo.

    13

    Você sente? Você me diz que sente muito? E isso melhora

    alguma coisa, Fred? Você acha que melhora? Pois não, Fred, não

    melhora nada, nem ao menos um esforço pra mudar você faz. Você

    não percebe que não está apenas se destruindo, você também está

    me matando junto. Está sendo insuportável para mim, não aguento

    mais viver uma vida em que sou obrigada a prender meu próprio

    filho no pé da cama. Meu único filho! Ah, é muito sofrimento pra

    uma mãe.

    Ela se vira e começa a sair do quarto. Só tenho tempo de dizer

    um murmúrio,

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