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Fragmentos Do Caos
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E-book194 páginas2 horas

Fragmentos Do Caos

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Sobre este e-book

Contos e micricontos sobre o lado mais perturbador do ser humano. Sair ileso de uma leitura não vale a pena.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de dez. de 2015
Fragmentos Do Caos

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    Fragmentos Do Caos - Hemerson Miranda

    Fragmentos

    do

    Caos

    Hemerson Miranda

    Esse livro é dedicado a

    Patricia Catombé, minha amiga e irmã, que acreditou em mim até quando eu mesmo não acreditei

    e

    Patricia Germano, por tudo o que me ensinou e por sempre me mostrar muito mais do que consigo ver.

    Meu amigo gay

    Você não precisa parar o que está fazendo pra ler isso. Na verdade, eu aconselho mesmo a não ler. Talvez não faça diferença alguma na sua vida, mas pode ser que te incomode um pouco. Se ainda quiser continuar lendo, saiba que não serei responsável pelo seu incômodo. Já avisei pra sumir.

    Ainda está aqui? Ok. Vou falar rápido. Meu nome é Flávio, sou hétero, católico, estudante, tenho 17 anos e uma bala alojada no meu peito. Por isso serei breve, já que pelo que eu vi e ouvi ao meu redor, meu tempo é curto.

    Cuidado pra não prender a respiração.

    O garoto do qual vou falar chama a si mesmo de Sandro. Eu já o chamei de amigo.

    Os colegas da escola o chamam de bicha. E seus pais o chamam de merda, aborto malsucedido e outros termos não menos carinhosos. Ele me contou que seus pais sempre disseram pra não desistir dos seus sonhos, que não se importasse com o que as pessoas diriam, contanto que ele fosse honesto. Mas esses conselhos rolaram esgoto abaixo quando ele se declarou gay. Gritos histéricos da mãe, a surra de cinta do pai e a aversão da irmã mais velha. Não foi muito diferente quando ele me contou. No momento pensei que ele estivesse brincando. Eu o conhecia desde os nove anos e sempre fora brincalhão, mas quando percebi que ele falava sério uma onda de nojo percorreu todo o meu corpo. Eu me afastei dele como o diabo foge da cruz. Ele me ligou, mas eu não atendi. Mandou sms, mas eu não respondi.

    Se eu senti saudade? Senti. Muita. Era meu melhor amigo. Mas parece que cada movimento seu me parecia repugnante, como se ele fosse me atacar. E toda vez que eu lembrava quando mijávamos juntos no muro da escola eu balançava violentamente a cabeça na tentativa frustrada de afugentar meus pensamentos.

    Além disso, o que falariam de mim se ainda me vissem junto dele? Já falavam o suficiente agora, depois da revelação que ele fizera. Resultado? Colegas de classe tirando onda o tempo todo. Risadas, xingamentos e rolas desenhadas na minha cadeira com o nome dele. Eu já me afastara dele e isso não tinha sido suficiente.

    Me restou entrar na onda e humilhar ele também, desviando o foco de mim. Então peguei muito pesado e fiz brincadeiras que certamente o deixaram decepcionado comigo, mas me fazia cair na graça de todos na escola. Um dia, quando ele tentou novamente conversar comigo, eu o soquei no olho e isso bastou pra ele não me procurar mais. Tudo parecia resolvido.

    Os pais de Sandro o mandaram pra a casa de um tio, irmão de sua mãe, de caráter duvidoso, e que era envolvido com armas, drogas e uma bissexualidade desregrada, pois eles não aguentavam mais as coisas que ouviam do seu filho. "16

    anos e já dando a bunda" era a coisa mais graciosa que escreveram no muro da sua casa.

    Passou uma semana sem Sandro aparecer nas aulas, mas já havia outro alvo pros chacotadores de plantão. Ingryd, declarada abertamente lésbica, se juntara a nossa turma. Os meninos não mexiam muito com ela, pois sendo mulheres, eles gostavam, já as meninas... Mesmo isso não me fez esquecer do meu amigo.

    Então numa sextafeira Sandro apareceu. Pensei que seu cabelo estava pegando fogo, mas é que ele o havia tingido de vermelho. Isso já geraria uma comoção de novas piadas. Quando o vi senti algo estranho. Era meu amigo e agora eu o estava tratando mal por causa do que pensariam. Eu senti novamente a repugnância quando o vi desfilar pelos corredores. Em todo o momento ele parecia dono de si, indiferente a todos os comentários. isso me fazia ter mais raiva.

    No intervalo ele veio até a mesa onde eu estava comendo, no refeitório, pra tentar conversar mais uma vez. Olhei ele se aproximando. Olhei ao meu redor os outros já rindo e se preparando pra jogar bolas de papel e comentários pornográficos.

    — O reencontro do casal de bichas!!

    Todo o sangue do meu corpo subiu pro meu rosto.

    — Arrasa amiga! Segura esse bofe!

    Comecei a ver faíscas saindo dos meus olhos.

    — Hoje vai ter muito lubrificante, hein?!

    Eu era toda a ira acumulada em mim.

    Quando ele chegou perto e perguntou se poderíamos conversar, eu me levantei bruscamente e joguei a sopa quente que eu comia em cima dele.

    Sai daqui, seu viado de merda! As palavras saíram engasgadas, mas foi o melhor teatro que eu pude fazer.

    Gritos, urros. Animais famintos pela humilhação de um semelhante que eles consideravam um pária.

    O sangue ainda se concentrava no meu rosto.

    Mas agora eu era toda a vergonha acumulada em mim.

    Sandro saiu correndo em direção ao banheiro. Depois correu todo molhado pra fora da escola sob as vaias, risadas e xingamentos de todo mundo. Dez minutos depois ele voltou. Sacou da calça a arma e deu dois tiros pra cima, silenciando o burburinho que ainda faziam sobre o acontecido. Outro tiro em um cara que já o havia humilhado imitando seus trejeitos. E o último acertou o meu peito. O que vi depois foi gente correndo, gritando, se amontoando, Sandro olhando pra si mesmo e tremendo de medo, depois olhando pra mim com os olhos molhados. Várias pessoas caíram em cima dele, aproveitando a confusão em sua mente, e o espancaram ferozmente. Com suas roupas molhadas de sangue pareciam bater num animal.

    Ambos fomos pro hospital rapidamente. O colocaram no leito ao meu lado, mas só soube que era ele por causa da minha mãe, pois não havia ali mais rosto. Era um bolo disforme de carne. E agora eu estou aqui, nos meus últimos momentos, numa dicotomia infernal, pensando na idiotice que eu fiz. De desprezar meu amigo unicamente pelo que as pessoas pensariam de mim. Do outro lado uma parte minha tinha experimentado uma alegria única, talvez até uma alegria pura. A pura alegria.

    Essa que sentimos quando alguém que invejamos sofre alguma dor. Sim, inveja.

    Inveja dele por ser o que queria ser e não temer os outros. Essa coragem que eu não tinha. E agora ele também iria morrer sem que eu pudesse lhe pedir desculpas.

    Ou agradecer.

    E você? Ainda está ai me lendo? Que bom. Agora você já pode respirar.

    Mas eu não.

    Telemarketing do Inferno

    — Alô?

    — Bom dia, senhor Henrique. Quem tá falando é Aline, do Inferno.

    — Perdão?

    — Meu nome é Aline e eu falo do Inferno. Gostaria de lhe informar sobre a provável mudança de seu plano e alguns benefícios.

    — Isso é alguma brincadeira? Como conseguiu esse número?

    — Não, senhor. Nós aqui do Inferno trabalhamos com bastante seriedade. Em nosso cadastro consta o número de telefone e email de todos os humanos vivos.

    — Telemarketing no inferno? Você só pode tá brincando comigo.

    — Não, senhor Henrique. Onde o senhor acha que surgiu o telemarketing? Se o senhor desejar eu posso confirmar seu cadastro.

    — Como, se eu não tenho cadastro no inferno?

    — Senhor Henrique Martins, 37 anos, CPF 427.***.79276, tipo sanguíneo A.

    morador da Rua Silas Freire, 45, bairro Colorado. Casado com Emília Barros e possuindo três filhos.

    — Essas informações podem ser encontradas em qualquer lugar.

    — Ok, já que o senhor precisa de mais confirmações: o senhor possui uma mancha marrom parecida com uma pera na nádega esquerda, se masturbou com uma foto da sua mãe de bikini quando tinha dez anos e atualmente trai sua esposa com a moça de 25 anos que faz as unhas dela no salão de beleza.

    — Escute aqui! O que você pretende com isso?

    — Nada, senhor Henrique. Essas informações ficam conosco apenas para uso da confirmação do cadastro caso a pessoa solicite. O objetivo dessa ligação é lhe informar sobre os benefícios de seu novo plano, caso o senhor o adquira.

    — De que plano você tá falando?

    — Cada pessoa adquire um plano aqui no Inferno quando comete um erro. O plano padrão é dado automaticamente depois do primeiro erro consciente da pessoa. No seu caso o plano atualmente é o Bestial Ouro, mas o senhor poderá estar adquirindo o próximo, Coprofagia Prata, ao cometer o próximo erro e por isso estamos lhe ligando pra informar sobre o ele.

    — Erro? Eu sou ateu! Nem no inferno eu acredito! Em que você baseia esses erros?

    — Bem, senhor Henrique, são leis bastante antigas e eu não tenho muitas informações sobre elas, mas garanto que já faz um bom tempo que não são revisadas. O senhor poderá estar adquirindo mais informações ligando pro SAC da vida.

    — Que merda toda é essa que você tá falando? Eu tô é perdendo tempo com você.

    — Não, senhor Henrique. Toda semana fazemos um sorteio onde uma pessoa é escolhida pra ser informada de seu plano ou alguma novidade sobre ele. O senhor foi o sortudo dessa semana. Gostaria de saber como é o plano?

    — Sortudo. Sei. Diga logo que porra de plano é esse.

    — Bem, como eu falei, atualmente o senhor possui o plano Bestial Ouro, que lhe permitirá, depois da sua morte, passar o resto da eternidade vivendo como um animal aqui no nosso zoo. Nesse seu plano o senhor recebe comida unicamente nos fins de semana. Durante a semana seu alimento é dado pelos visitantes. o senhor teria direito a banho, mas o fato de ter roubado dinheiro mês passado de um de seus funcionários fez perder esse benefício. O seu novo plano, caso cometa o próximo erro, o colocará em outro setor. O senhor vai passar pra a equipe de limpeza nos banheiros daqui.

    — Pera ai. Antes de continuar, me diga de que erro você tá falando.

    — Bem, existe um limite pra traições e o senhor já traiu sua mulher 24 vezes com a moça do salão. Mais uma e o senhor estará adquirindo o novo plano.

    — Então só se pode trair 25 vezes?

    — Exato.

    — Quem diabos fez essas leis?

    — Não sei, mas posso garantir que não foi o diabo, senhor.

    — Ok. Continue. Me fale dos novos benefícios.

    — Então...

    — Pera. Você disse que se eu continuar traindo minha esposa eu vou trabalhar no banheiro? No inferno tem banheiro?

    — Sim. é um lugar bem espaçoso, inclusive. Pra lá vão todas as merdas que os seres humanos fazem. Fezes, urina, esperma desperdiçado, vídeos do Felipe Neto, edições da Veja, essas coisas.

    — Sei. E o que eu farei lá, caso traia minha mulher de novo?

    — Limpará o lugar. E é ai onde entram seus benefícios, segundo algumas escolhas suas. Se o senhor contar pra sua esposa que a está traindo, poderá ter folga nos fins de semana e feriados. E se o senhor não se encontrar mais com sua amante, o senhor pode ter uma limpeza de língua por semana.

    — Limpeza de língua? Pra que?

    — É que a limpeza no banheiro é feita com a língua, senhor. Aliás, se quiser um conselho, cuidado com a área da China no banheiro. Aquele povo come cada coisa.

    — Que nojo!

    — Pensei que o senhor sabia o significado de Coprofagia.

    — Ok, ok. Não tem algo que eu possa fazer pra mudar minha situação? Sei lá. Uma penitência. Algo que me faça ir pro Céu?

    — Pra onde, senhor?

    — Pro Céu.

    — O Céu não existe, senhor. Isso é uma crença falsa de algumas religiões. Mas considerando o seu futuro, caso o senhor pule a cerca de novo, acho que ai onde o senhor está já pode chamar de Céu.

    Lasanha

    Paulo acordou e respirou fundo ao lembrar que era o primeiro dia da semana de férias dele.

    Os outros dias ele decidiu vender. Olhou pra o lado da cama e percebeu que Janaína deveria ter saído muito cedo para o trabalho, o que ele já estranhou, pois era costume sempre ele levantar duas horas antes dela. Foi até o banheiro e jogou água no rosto.

    Passou as mãos nos cabelos grisalhos e ficou encarando seus olhos cansados. Decidiu fazer a barba. Decidiu. Isso lembroulhe de outra decisão que havia tomado. Deixar Janaína.

    Demorou a dormir aquela noite exatamente por isso. Ficou observandoa dormindo, pensativo, lembrando dos oito anos que estavam juntos. E não sabia como dizer a ela que não dava mais, que ele não mais conseguiria continuar. Mas precisava. Fazia a barba olhando mais para seu olhar que para o rosto. Duas vezes cortouse. Duas vezes xingou.

    Várias vezes sentiu um nó na garganta.

    — Que merda eu tô pensando? — disse para si mesmo, jogando água no rosto. Dando um soco na pia.

    O que estava acontecendo era confuso até pra ele. Tinha conversado com Marcos, colega das antigas, no trabalho, e ouviu que se ele estava decidido deveria ir adiante. Marcos era homem, talvez por isso tenha concordado com ele. Mas Paulo sentia certa vergonha sobre o motivo que o levou até essa decisão. E era por isso que ele não sabia como conversar com Janaína. Sabia que ela iria rir. Muito. Sabia que ouviria as palavras drama, louco e uma variedade de ironias e deboches.

    O motivo? Ele estava se sentindo a mulher da casa. Ele trabalhava numa empresa de entregas. Recebia um salário comercial com alguns poucos benefícios que só faziam diferença mesmo no final do mês, sobrando, talvez, para comprar mais uma caixa de cervejas. Acordava às cinco da manhã, pegava dois ônibus e tomava café na barraquinha de um senhor que vendia salgados. Já Janaína era gerente de um grande armazém no centro da cidade. Foi ela quem comprou o carro e era ela que o usava para ir trabalhar, pois acordava duas horas mais tarde que ele, tomava o café da manhã em casa mesmo e ainda ia

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