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O Beco do rato
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O Beco do rato
E-book136 páginas1 hora

O Beco do rato

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Sobre este e-book

Em seu livro de estreia, 'O beco do rato', o autor José Petrola traz à tona um Rio de Janeiro diverso, no qual o trabalho burocrático, a falta de perspectivas e a incomunicabilidade são pontos de partida para o surgimento de personagens que se espremem entre prédios de quitinetes onde o sol sequer alcança as janelas. Executivos, funcionários públicos, párias em busca de uma salvação, transitam por uma cidade sombria que expulsa os próprios moradores. Impotência e paranoia surgem naqueles que confundem suas crises pessoais com a crise do país e das cidades que os envolvem. Como bem aponta o prefácio do ensaísta Ivan Proença, José Petrola é um escritor contemporâneo e talentoso capaz de encontrar a função social da literatura e proporcionar o prazer da leitura com sua arte.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mar. de 2022
ISBN9788556621689
O Beco do rato
Autor

José Petrola

José Petrola nasceu em São Paulo em 1988. É formado em Jornalismo, mestre e doutorando em Comunicação pela USP, com pesquisas sobre imprensa e liberdade de expressão. Foi trainee e repórter na Folha de São Paulo. Em 2012, foi para o Rio de Janeiro trabalhar na Petrobras, atuando nas áreas de comunicação e responsabilidade social. É contista, com textos publicados na revista Saúva e nas antologias Sinistra Um (Ed. Canhoto, 2015) e Prosa&Verso (Ed. Oficina do Livro, 2016).

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    O Beco do rato - José Petrola

    1.png

    © Jaguatirica, 2018

    Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida

    ou armazenada, por quaisquer meios, sem a autorização prévia e por escrito da editora e do autor.

    editora Paula Cajaty

    revisão Hanny Saraiva

    imagem de capa e fotografia Shutterstock

    isbn

    978-85-5662-168-9

    Jaguatirica

    rua da Quitanda, 86, 2º andar, Centro

    20091-902 Rio de Janeiro

    rj

    tel. [21] 4141 5145

    jaguatiricadigital@gmail.com

    editorajaguatirica.com.br

    Agradecimentos ao Prof. Ivan Proença e aos colegas de oficina literária.

    Sumário

    Sabedoria ficcional

    I. OS RATOS DO BECO

    O Beco do Rato

    A receita

    Os cubanos estão chegando

    O mistério dos dedos

    O remédio do dr. Roschel

    Aluga-se

    Saudação ao sol

    Torrada Petrópolis e suco de laranja

    Catuaba e Mineirinho

    II. O RELATÓRIO K

    Oriente

    Ouro negro

    Ramona

    Hoje tem greve

    Dois burros (fábula malcriada)

    O filtro de pesadelos

    O relatório K

    III. XYZ PAPER

    Dia de baixada

    A última noite em Tangará

    Sabedoria ficcional

    Da literariedade

    O domínio da escrita, enquanto técnicas e ritmo de narrativa, não constitui problema para o autor José Petrola. Estreia na ficção com o talento e a desenvoltura dos mais importantes escritores contemporâneos nossos. Literariedade plena. Acrescida de simplicidade e naturalidade que favorecem o enxugamento e a inteligibilidade do texto, complexo que seja o tema.

    Obra intensamente comprometida com o retrato fiel de uma sociedade urbana (visitando o artificialismo cosmopolita) ou interiorana sem camuflar o trabalho braçal-escravo vigente até hoje no Brasil.

    Algumas narrativas plenas do fator expectativa (mistério, cenestesias, bizarrices) outras conduzidas por lirismo solidário (!), outras por cargas dramáticas cruas e explícitas. As técnicas de que se vale o autor surgem com predominância de Tempo retardado, associado a cenas impressionistas (as mais realistas), com o narrador onisciente sempre atuante, e as pausas rítmicas na alternância de extensão de períodos bem solucionados. Diálogos adequados aos personagens e verossimilhança neo-realista completam o painel formal desenvolvido por José Petrola.

    Três personagens

    Selecionei aspectos significativos de três contos conduzidos por personagens típicos. O detetive em O mistério dos dedos, Maria em Hoje tem greve e Luís Fernando em Dia de baixada.

    No primeiro, narrativa policial, ao contrário do que se espera, o crime não tem solução plena. O motivo (suposto) do crime não é assimilado nem pelo veterano detetive (narrador em 1ª pessoa), que abdica e antecipa aposentadoria para ir criar galinhas no interior: mistério, terror (para confundir, consta da declaração). Razões recônditas? Insolúvel.

    Maria, sofrida, explorada e iludida trabalhadora em uma fábrica, uniforme roto a conservar (um só), reclama da greve dos trabalhadores (!) porque sabe que, se faltar condução no dia seguinte, o patrão demite quem não trabalhar. Maria, no conto, já está em cena à abertura (entrada dramática), refletindo sobre o que fazer, enquanto espera a condução que demora e demora, na volta para casa. Pensa em, algum dia, retornar de vez para o interior de Pernambuco.

    Eis que surge a manifestação dos grevistas, a polícia perseguindo, e Maria é envolta na massa de populares revoltados em fuga.

    Afinal, Luís Fernando, trabalhador na obra da fábrica de celulose da DGL Internacional, em Aparecida do Taboado (Mato Grosso do Sul). Alojamentos miseráveis onde se revezam os peões noturnos e diurnos. Patrões impiedosos. Mulher e filhos em Jacuípe (Recôncavo Baiano). Luís Fernando só pensa neles e sonha com o regresso, logo que possível. Até que, sem qualquer culpa (colegas estupraram e mataram duas moças da região), foi atacado, agredido por nativos mato-grossenses punindo o primeiro baiano que encontraram pelo caminho. Pouco antes, Luís Fernando pensava: Aquele Mato Grosso era lindo, mas de uma solidão que chegava a deixar o peito pequeno demais para o coração.

    De significados

    Além do contexto que envolve Maria e Luís Fernando, opressor e desumano, as narrativas transitam por um universo de situações (e cenário) que comprovam a degradação a que se submetem os menos favorecidos, os desassistidos, em nosso país.

    Observem os contos cosmopolitas em termos de subordinado e patrão (ou chefe, ou dirigente, ou dono): escritórios, encargos, salários. E os agregados transporte, madrugadas, férias, chefes intermediários (o famoso guarda da esquina). E os trabalhadores do vasto interior brasileiro, os peões, os Catuabas e Mineirinhos que não existem (são outros), A última noite em Tangará e o de como Fred não conseguiu conversar com o cacique Tupã'i. Afinal, em dado momento se conclui que até o Rio é um grande beco do rato.

    O painel de personagens do livro, e as cenas e o cotidiano que os envolvem, bem retratam o que é este Brasil e reforça o constrangedor contexto de sistema de aparências em que se vive nas grandes cidades e a miséria do relacionamento humano que caracteriza o trabalho (e a sobrevivência de quem vive de teimoso) no vasto território interiorano brasileiro. Enfim, um escritor contemporâneo desenvolve espécie de regionalismo-hoje em nossa Literatura, ao longo de sua obra. É assim. Jamais a Literatura terá um fim em si mesma ou resultará prazeroso (!) exercício de Arte por Arte. Se houver talento do escritor, haverá função social da Literatura.

    Ivan C. Proença

    Professor, Mestre e Doutor em Literatura. Ensaísta.

    I. OS RATOS DO BECO

    O Beco do Rato

    Sentada na escadaria do Beco do Rato, Daiane estudava para a prova de Química quando Mariana a convidou para uma festa.

    — Não posso, Mari! Tenho prova amanhã.

    — Que prova, menina? Não estou te chamando pra se divertir. É pra ganhar dinheiro.

    Daiane olhou intrigada para a amiga. Admirava seu jeito mais desinibido, sempre com ótimos convites para transgressões. Uma vez, Mariana trouxe maconha para elas fumarem escondidas no banheiro da escola, no intervalo das aulas. O gosto era ruim, o bagulho deixava ela tonta, mas a melhor parte era a sensação de estar participando de uma coisa completamente errada, que daria suspensão na escola, e que a mãe crente chamaria de satânica. Mariana era mais velha e malandra, pagava a droga com o dinheiro que faturava no cais do porto. Não era a primeira vez que oferecia uma proposta assim, mas Daiane sempre teve medo.

    — Hoje são dois bacanas aqui do centro. Um é aquele gerente do banco que sempre passa lá no porto, o outro é um rapaz novo, acho que estagiário dele.

    — Acho perigoso...

    — Você não vive dizendo que quer trabalhar comigo? Aí a chance. Esses são perfeitos para começar. Não é pedreiro aqui do beco não, é homem rico, cheiroso, bem educado. Os caras têm grana.

    — Mas depois como vou voltar pra casa?

    — Não seja burra, menina. Estamos cobrando trezentos de cada um, a gente rateia o dinheiro. Dá pra gastar um pouco na volta e ainda é dinheiro pra ó, muito tempo.

    Daiane olha assustada, sem responder. Mariana continua:

    — Não fica assim, põe um sorriso nessa cara. Seja simpática, safada. O que esses caras querem é achar que são o macho alfa da parada. A gente vai com eles numa casa aqui no centro e faz uma festinha. Cola no mais novo, que é mais tímido. Finge de namorada, deixa ele se sentir o centro da atenção.

    — E não tem perigo de eles quererem...?

    — Quererem o quê, menina. É uma troca. A gente namora eles uma horinha e volta pra casa com trezentos na mão. Tá dentro? Não fura comigo, hein.

    *

    No escritório, ligo mais de dez vezes para o setor de RH e ninguém atende. Faz tempo que tento uma transferência para o departamento de publicidade, que é minha área de formação. O gerente da publicidade já me aceitou lá, mas o meu atual não me liberou. Diz que não pode prescindir do meu trabalho. Mas pensa que um publicitário é para isto, contar quantas cadeiras, quantos lápis e materiais de escritório fazem parte do patrimônio. Ligo de novo, caixa postal. Tomo um comprimido para a dor de cabeça e um xarope para as náuseas. Meu fígado não aguenta mais tanta bebida, nem eu aguento mais esse trabalho sem beber. Ligo para o psiquiatra, mais uma vez. Ninguém atende. Preciso de uma nova receita dos remédios. Que eu não deveria estar tomando junto com a bebida, mas já não me importo. Tento me concentrar no trabalho. Contabilizar o patrimônio e colocar os números na planilha. Só de olhar para a tela quadriculada no computador, tenho tonturas. Tomo café para acordar, mas, em vez de terminar a planilha, volto para um texto que estava escrevendo. Contos e poesias. É isto o que me mantém vivo, hora após hora, dia após dia, na baia de um escritório, enquanto me recupero da bebida. Escrevo de coisas que vi. Não que eu escreva a minha vida, mas tudo o que escrevo se alimenta da vida, senão não haveria razão para fazer literatura. O último conto veio do fundo da noite, de tudo o que vi no Beco do Rato, e foi o que mais mexeu com todos, quando mostrei aos colegas do trabalho. E mesmo que eu não escreva sobre nada da realidade, sobre coisas que vi, mas de que não fiz parte, ou que se tivesse participado não poderia dizer, não me importo que confundam a ficção com a realidade. Estão enganados, na medida em que autor não é narrador, nem personagem; mas, se para eles um conto é a sua realidade, assim seja.

    Aí que o Lucas, do setor de vendas, chega perto da minha baia e pergunta:

    — Ô João, você fumou maconha para escrever ou estava careta quando fez aquele conto?

    Ignoro. Outra colega, da contabilidade, se aproxima de mim com um sorriso, alisando com o dedo a propaganda de um centro religioso.

    — Li seu conto, João, e fiquei tão preocupada! Você precisa de apoio espiritual. Venha conhecer o grupo que eu frequento.

    Olho para o folheto, com uma imagem de um campo verdejante e ensolarado e o anúncio:

    Pare de sofrer com a insatisfação e a baixa autoestima que te impedem de alcançar seus objetivos pessoais e profissionais. Venha conhecer a Equilibrologia!

    *

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