Eu Quero Um Refil!
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Sobre este e-book
MARIO PERSONA
Mario Persona é palestrante, professor e consultor de estratégias de comunicação e marketing e autor dos livros “Laura Loft - Diário de uma Recepcionista”, “Meu carro sumiu!”, “Eu quero um refil!”, “Crônicas para ler depois do fim do mundo”, “Dia de Mudança” (também em inglês: “Moving ON”), “Marketing de Gente”, “Marketing Tutti-Frutti”, “Gestão de Mudanças em Tempos de Oportunidades”, “Receitas de Grandes Negócios”, “Crônicas de uma Internet de verão”, Coleção “O Evangelho em 3 Minutos” (4 volumes) e Coleção “O que respondi...”. Mario Persona participou também como autor convidado das coletâneas “Os 30+ em Atendimento e Vendas no Brasil”, “Gigantes do Marketing”, “Gigantes das Vendas”, “Educação 2007”, “Professor S.A.” e “Coleção Aprendiz Legal”, além de ter sido citado como “Case Mario Persona” no livro “Os 8 Pês do Marketing Digital”. Traduziu obras como “Marketing Internacional”, de Cateora e Graham, “Administração”, de Schermerhorn, “Liberte a Intuição”, de Roy Williams, além de diversos livros de comentários sobre a Bíblia. O autor é convidado com frequência para palestras, workshops e treinamentos de temas ligados a negócios, marketing, comunicação, vendas e desenvolvimento pessoal e profissional. Alguns temas são: Gestão de Mudanças, Criatividade e Inovação, Clima Organizacional, Gestão do Conhecimento, Comunicação, Marketing e Vendas, Satisfação do Cliente, Oratória, Marketing Pessoal, Qualidade Vida-Trabalho, Administração do Tempo, Segurança no Trabalho, Controle do Stress e Meio-Ambiente
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Eu Quero Um Refil! - MARIO PERSONA
Quero dedicar este oitavo livro ao meu filho Pedro, meu fiel escudeiro por muitos anos e com quem aprendi muito sobre comunicação. Enquanto meus dois outros filhos seguiram seus rumos depois de criados e emancipados, Pedro permaneceu ao meu lado, qual Sancho Pança e Quixote. Eu Quixote, ele Sancho e minha a Pança. Se Pedro não partiu à semelhança dos demais, não foi porque quis, mas por não ter opção. Pedro nasceu com paralisia cerebral, cego e incapaz de andar ou falar.
Quando nós o adotamos aos quatro anos de idade ele já era assim. Hoje Pedro é um adulto com mais de trinta anos, porém tem a aparência de uma criança de doze ou treze, uma idade mental de dois e coordenação motora de um bebê que engatinha. E Pedro engatinha.
A ideia de dedicar o livro a ele surgiu enquanto eu meditava sobre o título da primeira crônica que é também o deste livro, Quero um refil!
. Todos nós nos sentimos assim em um determinado momento da vida, quando o vigor falta, a audição sussurra e a vista embaça. Não sei de você, mas eu não vejo o ato de envelhecer, e as deficiências que surgem no processo, como algo digno de pena. Pedro, por exemplo, já veio com tudo isso de fábrica, e se teve algo em sua criação que evitamos ao máximo foi tratá-lo como um coitado. Quando vemos um deficiente a reação natural é compará-lo conosco, por nos acharmos eficientes. Será que somos? Não.
O belíssimo filme francês Intocáveis
que acabo de ver me fez pensar o que teria levado um milionário tetraplégico a contratar um cuidador completamente inapto para cuidar de si. O rapaz vivia na marginalidade e na primeira e rápida visita que fez à mansão do milionário subtraiu dali um valioso objeto de arte. Mesmo sabendo disso, o homem decidiu que ele seria seu cuidador. Alguém que não cursou outra escola que não fosse a das ruas.
O filme é baseado na história real do milionário francês Philippe Pozzo di Borgo e de seu rude cuidador, o franco-argelino Yasmin Abdel Sellou. Depois de pesquisar, entendi o motivo dessa estranha simbiose que durou mais de dez anos. Philippe Pozzo di Borgo teria partido do seguinte raciocínio: E se dois deficientes cuidassem um do outro? Ele, deficiente físico, e o outro deficiente social, uma dupla perfeita. Philippe considerava a si e seu cuidador dois marginalizados pela sociedade que procuravam se apoiar mutuamente. Um marginal por ser deficiente físico e o outro marginal por sua condição socioeconômica.
Além disso, Philippe encontrou em Abdel alguém que não tinha um pingo de dó de sua condição, que não vestia uma máscara de piedade quando diante de um deficiente. Ao contrário, fazia piada e levava qualquer desgraça na esportiva como fazia com a própria vida. Ao ser procurado pelos diretores, depois de ter rejeitado outros que queriam transformar sua autobiografia em filme, Philippe aprovou o projeto: Ok, vou confiar em vocês porque vocês vão fazer uma comédia. Eu quero que as pessoas riam, não que chorem de minha condição
.
O filme despertou em mim um pensamento: E se o Pedro estiver cuidando de mim tanto quanto eu me dedico a cuidar dele? E se as coisas que ele aprendeu forem tão poucas, por eu ter sido pior cuidador dele, com quem aprendi tanto, do que ele de mim?
Sim, aprendi muito. Mas para que você entenda a história toda, vou tentar explicar. Quando o adotamos, recebemos quatro anos de criança acondicionados num corpinho esquálido que não aparentava mais do que um ou dois. Pedro não falava e os médicos apostavam que nunca seria capaz de falar. Tampouco seria capaz de andar ou coordenar seus movimentos com precisão em razão da paralisia cerebral. Suas deficiências o impediam de se comunicar, e os únicos estímulos que chegavam ao seu cérebro vinham dos quatro sentidos que restavam, pois também nascera cego.
Sua chegada em 1986 foi um marco em meu processo de aprendizado de comunicação. Sim, é aí que Pedro entra na minha história como meu cuidador e professor. A partir daquele dia seria eu quem iria aprender a me comunicar. Ele seria meu professor.
Quem acredita ter algo a comunicar deve dar o primeiro passo, que é aprender tudo sobre o alvo de sua comunicação. Comunicação nada mais é do que comunicar uma ação, ou fazer com que nosso interlocutor interprete e responda a um estímulo. Porém, para obter essa resposta é preciso desenvolver uma percepção capaz de interpretar corretamente o outro, o que não se faz sem envolvimento e dedicação.
O primeiro passo no desenvolvimento da percepção é abrir mão dos preconceitos e filtros que vamos ganhando à medida que os anos passam. É preciso rever nossa capacidade de perceber o outro para interagir com ele. Postura, expressões, entonação, gestos, olhares — tudo comunica e tem um peso enorme no sucesso de uma conexão que crie uma frequência comum a ambos. Essa frequência comum, ou rapport, permite criar uma relação de sincronismo e equilíbrio na comunicação entre duas pessoas com diferentes capacidades de recepção e interpretação de estímulos. Se é difícil? Digamos que seja algo como fazer um telégrafo trocar dados com um smartphone.
Quando me vi diante do desafio de me comunicar com uma criança com múltiplas lesões precisei entender que diferenças nem sempre são deficiências. Para quem nasceu de um jeito, diferente é o outro. Provavelmente era essa a impressão que meu recém-chegado filho tinha de sua nova família. Vivíamos em mundos diferentes e seria preciso construir, pouco a pouco, a ponte da comunicação entre nós, e decidimos fazer isso sem dó e sem máscaras de falsa piedade.
Eu precisava descobrir como fazer essa conexão e me comunicar com uma criança que durante três anos fora privada de qualquer estímulo, presa a uma cama de maus tratos em um barraco qualquer. Em todos esses anos de convivência Pedro tem sido meu melhor professor de comunicação, embora até hoje ele só tenha aprendido a falar uma palavra. E não fui eu quem ensinou.
Não se iluda achando que uma boa comunicação possa ser garantida por fórmulas de sucesso ou títulos acadêmicos. São seres humanos que se comunicam, e nesta área nem tudo é aprendido nas universidades. Criatividade, imaginação e intuição são habilidades naturais que fazem parte do processo, como aprendi com o que aconteceu com meu filho no aprendizado da única palavra de seu vocabulário.
Embora profissionais especializados tenham tentado, a única pessoa que conseguiu lhe ensinar esta única palavra foi dona Ângela, uma faxineira que trabalhou em casa por alguns meses. Ela nunca soube o significado da palavra rapport, jamais cursou uma universidade e nem sabia falar português correto, mas foi capaz de abrir caminho para uma comunicação falada de mão dupla, ainda que limitada a um único verbo. Seu método foi tão simples e ingênuo quanto deve ser qualquer método que busque encantar as pessoas. Ela simplesmente frisava muito bem que iria cantar
, e começava: Atirei um pau no gato-tô, mas o gato-tô...
. Pedro ficava extasiado, batia palmas, gritava, gargalhava e sacudia o corpo para frente e para trás, como sempre faz quando está alegre.
A palavra cantar
ficou de tal forma impressa em sua mente com tintas de amor, carinho e afeição, que até hoje ele é capaz de pedir para alguém cantar usando uma forma só sua: antá
. Por isso em casa, se você ouvisse alguém cantando Atirei um pau no gato-tô...
, aquilo só podia significar uma coisa: Pedro falou.
*****
Eu quero um refil!
Meu último aniversário queimou mais uma espoleta da fita. Você jovem provavelmente não entendeu. É que quando criança eu tinha um revolver de brinquedo para brincar de mocinho, o que hoje você só vê na mão de menores brincando de bandidos. O revólver tinha um rolinho de espoletas, que eram pequenas verrugas de pólvora grudadas numa tirinha de papel. À medida que eu atirava gastava as espoletas e logo precisava de um refil. A menos que minha expectativa de vida seja centenária, temo que já gastei bem mais da metade de minhas espoletas. Preciso de um refil!
Quando você é jovem tem saúde para fazer o que quiser, mas não tem dinheiro. Depois, quando tem dinheiro, não tem saúde. Por isso eu tento cuidar da minha, e o suco de abacaxi ajudou-me a perder dez quilos e a sentir-me meia hora mais jovem. Mas eu nunca pensei que chegaria à fase da estabilidade financeira passando fome. Aposto como você ficou interessadíssimo na receita de meu suco de abacaxi e nem percebeu a palavra fome
, não é mesmo? Tudo bem, anote aí:
1/2 abacaxi
2 limões
1 maçã
1 dedão de gengibre
Algumas folhas de hortelã
Bater bem, não coar nem adoçar
Beber 1 copo no café da manhã e 3 no almoço
Comer metade do que você costuma comer
*****
Dedão de gengibre
é medida de homem. Se for mulher, use dois dedões para medir ou empreste o de seu marido. O último ingrediente é o mais importante, mas você não vai nem ligar para ele pensando que o abacaxi faz milagres. É provável que você faça como as duas velhinhas do restaurante macrobiótico que frequentei quando jovem. Avisadas pelo guru local que, para emagrecer, deviam comer arroz e pão integrais, feijão azuki, açúcar mascavo, soja, bardana, raiz de lótus, tofu etc., elas só engordaram ainda mais, acrescentando tudo isso ao que já comiam.
É preciso esforço para perder peso na velhice, mas você não precisa fazer nada para perder a audição. A surdez vem silenciosa, fácil e de graça, meio bênção, meio maldição. Bênção, porque você passa a ouvir aquela rádio cheia de estática como se fosse alta fidelidade. Maldição, porque já não pode ouvir a voz de sua amada, o que alguns também consideram uma bênção.
Enquanto seus cabelos são revigorados e começam a crescer nos orifícios, mas nunca onde deveriam, sua audição não só diminui — talvez por causa dos cabelos — mas também fica estranha. Ruídos que passavam despercebidos se tornam irritantes, e conversar em uma sala com eco equivale a uma sessão de tortura chinesa. Uma, por causa do baralhamento das vozes que chegam todas no mesmo volume; outra, porque o seu interlocutor parecerá chinês mesmo: você não entenderá bulhufas.
Aquele som cristalino das conversas ao telefone vira uma coisa pastosa e indecifrável. Outro dia uma repórter do Globo News ligou querendo me entrevistar e gastou um bocado de interurbano até eu entender que seu nome não era Carla
, mas Clara
. Com a TV já ocorre um fenômeno interessante: você amplia sua rede social, partilhando seu som com os vizinhos. Para evitar isso procuro sempre filmes legendados, mesmo que as legendas estejam no mesmo idioma do áudio.
Enquanto alguns sons da cidade somem, outros invadem sua privacidade. Nem preciso falar dos carros que passam tocando nas alturas e nem estão vendendo pamonhas. Veja o caso do