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O Segredo De Minerva
O Segredo De Minerva
O Segredo De Minerva
E-book382 páginas5 horas

O Segredo De Minerva

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Sobre este e-book

Romance policial, com toques de realidade fantástica, que tem como protagonista um advogado, maçom, ex-policial do grupo de operações especiais, e uma delegada formada pelo FBI. Ees investigam três crimes assustadoramente executados, utilizando rituais maçônicos, enquanto tentam se manter vivos entre perseguições e tiroteios nas ruas da maior metrópole do país, explorando prédios e monumentos que guardam uma história oculta. Suas investigações os levarão aos bastidores de uma guerra travada nas sombras entre a Maçonaria e a Igreja Católica, para ocultar um segredo surpreendente, protegido por uma sociedade secreta fundada na aurora dos tempos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de jan. de 2016
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    O Segredo De Minerva - Fernando Cilio

    CAPÍTULO I

    Pinacoteca de São Paulo

    Quinta-feira – Solstício de Verão – 22h

    Uma sombra esperou a mudança de ângulo da câmera de segurança próxima às grades que separam o Parque da Luz da rua. Ao perceber o momento correto, tomou impulso e transpôs com pouca dificuldade as grades, apesar de seus quase dois metros de altura. Esgueirou-se por entre as poucas árvores do parque, até a parte de trás do velho prédio que abriga a Pinacoteca do Estado.

    Deteve-se, por alguns instantes, observou os arredores, certificando-se de que não o haviam notado enquanto pulava as grades ou atravessava o Parque da Luz e, ao perceber que estava incólume, se permitiu um instante de prazer, causado pelo sentimento de satisfação que foi reforçado ao perceber a manutenção da precariedade na segurança, apesar do valor de algumas das obras dentro do prédio.

    Testou uma das portas e constatou que estava destrancada, como havia deixado horas antes, quando se misturara aos visitantes habituais e, se esgueirando até o andar de baixo, usara um jogo de chaves falsas para abrir a porta, confirmando suas suspeitas de que não havia sensores nas antigas portas do prédio.

    Dirigiu-se com habilidade, apesar de estarem todas as luzes apagadas, até a parte frontal do prédio, onde estão os escritórios administrativos e as salas de restauração, além do escritório do diretor e, ao lado dele, o acesso ao café do museu, um dos poucos lugares que dá direto para o Jardim do Parque da Luz que, naquela hora, estava fechado.

    — Boa noite, Eduardo!

    O diretor virou-se de sobressalto, percebendo um vulto na extremidade oposta da sala. Sua primeira reação foi buscar o telefone e chamar a segurança, mas foi persuadido a não fazê-lo quando o vulto avançou à frente, deixando visível a arma em sua mão.

    — Não acho uma boa ideia.

    — Quem é você? Não pode entrar aqui! O que quer? O museu está fechado.

    — Muitas perguntas, doutor; não acho que esteja em posição, no momento, de fazê-las.

    — Como?

    — O senhor sabe muito bem o que eu quero; acreditou mesmo que deixaríamos um segredo guardado há mais de dois mil anos ser divulgado tão facilmente?

    — Você não pode estar falando sério...

    — Quão séria lhe parece esta arma, doutor?

    — Vocês não podem impedir que a humanidade saiba a verdade.

    — Não acho que caiba ao senhor decidir sobre isto.

    — Por quanto tempo ainda vocês acreditam que esse segredo será contido em sua corrupta e antiquada organização?

    — Minha organização? Se não me engano, o senhor também pertence a esta instituição, e a sugou durante alguns anos na direção da biblioteca. Pior, valeu-se da confiança que lhe foi atribuída para roubar segredos e informações da Ordem.

    — Não podia continuar a corroborar com esse embuste que alguns de vocês insistem em perpetrar. Pelo amor de Deus, não estamos mais na Idade Média!

    — Deus? O senhor quer destruí-lo, mas ainda O invoca; quem é o hipócrita aqui?

    — O que você quer, afinal? Me assustar?

    — Quero seu diário, as anotações e o artigo que pretendia publicar.

    — Senão, o que vai fazer?

    — Como disse ao senhor, não está em condições de fazer perguntas: para seu bem, é melhor colaborar.

    — Você acha que essa encenação vai funcionar? Não vai me intimidar. Se era essa sua missão, pode voltar a quem lhe mandou aqui e dizer que não deu certo, não me acovardei com o susto.

    — Doutor, o senhor realmente não sabe com quem está lidando; acha que estou aqui para lhe dar um aviso? Já se esqueceu da punição para quem trai nossos segredos?

    O rosto do diretor ficou pálido ao perceber que não se tratava de um assustador aviso.

    O silêncio foi rompido pelo barulho agudo de um apito intermitente. Os guardas da segurança acenderam as luzes de emergência e certificaram-se que não se tratava de outro alarme falso, pois, no mês anterior, haviam ocorrido três disparos de alarme de incêndio falsos.

    Um deles desce pelo corredor lateral ao andar inferior, na direção da sala onde sabia que o diretor estava trabalhando ainda; o segundo seguiu pelo corredor oposto, pretendia ir até o fim, o que lhe permitiria examinar praticamente todo o prédio.

    Ao iniciar sua patrulha, lançou seu olhar ao pátio interno logo abaixo, vislumbrando o que parecia ser um objeto caído; apontou o facho de sua lanterna para o local e a deixou cair do segundo andar, ao ver a cena que se apresentava no andar inferior: o diretor do museu estava ali, caído em meio à penumbra: seu corpo fora dividido ao meio – e cada parte estava em um canto da sala.

    O segundo guarda teve sua atenção apanhada pelo barulho da lanterna caindo no pátio e correu naquela direção, desviando-se de seu destino que era a sala do diretor, poucos metros à frente. Chegou ao pátio e não conseguiu conter o vômito, ao ver a terrível cena; gritou por seu colega, esquecendo totalmente do alarme de incêndio que ainda tocava.

    CAPÍTULO II

    São Paulo – 4h

    Maria Eduarda foi acordada pelo toque do telefone que não se calava. Antes de atender, olhou para o relógio no criado-mudo: mais de quatro horas da manhã. Tentou se concentrar e imaginar quem estaria ligando naquela hora, mas, na verdade, já tinha ideia de quem seria; afinal, não era raro ser acordada no meio da noite.

    Olhando o identificador de chamadas, reconheceu o telefone de seu chefe, Dr. Almeida. Após um longo e profundo suspiro, atendeu meio relutante: há apenas oito horas deixou seu plantão.

    — Alô, Dr. Almeida, aconteceu alguma coisa?

    Após um pequeno instante de silêncio, o superior iniciou a conversa, informando que ela precisava dirigir-se imediatamente à Pinacoteca do Estado, onde havia ocorrido um homicídio e seus conhecimentos técnicos seriam úteis.

    Maria Eduarda era uma das poucas policiais brasileiras que tinham passado pelo curso de formação oferecido pela Polícia Federal norte-americana a policiais estrangeiros, o que a qualificava de forma especial para tratar de casos mais complicados – aqueles que fogem ao senso comum.

    Ela tentou argumentar que tinha deixado há poucas horas seu plantão, estava exausta e precisava descansar um pouco. Mas, antes que tivesse oportunidade de expor seus motivos, foi rispidamente interrompida pelo superior, que a lembrou de suas responsabilidades e das expectativas de seu pai ao colocá-la onde estava e, em especial, para cuidar desses casos. Neste momento, teve um calafrio que percorreu toda a sua espinha.

    — É mais um caso envolvendo mutilação de corpos?

    Houve novo silêncio sem que houvesse qualquer palavra; o silêncio foi quebrado quando ela perguntou há quanto tempo havia ocorrido e se a cena do crime estava preservada.

    Do outro lado, com perceptível irritação na voz, informou que havia mais de quatro horas que os seguranças do museu tinham encontrado o corpo, mas a equipe de resgate médico havia chegado antes e, apesar de o corpo estar dividido ao meio, os médicos perambularam por todo o local.

    Houve a determinação de ir para o local imediatamente, lembrando-a, em um tom de voz que parecia mais uma ameaça do que uma ordem, para não tentar relacionar esse caso com o outro sem provas robustas; alertando-a sobre as consequências se isto viesse a público. Seu cargo e suas atribuições não permitiam leviandades.

    Após responder que estaria ali em uma hora, desligou o telefone, virou-se na cama, fitou o teto de seu quarto e recordou-se que há pouco mais de cinco anos tinha terminado seu curso de Direito em uma das melhores universidades de São Paulo. Foi uma das alunas mais destacadas de sua turma, com todos os indicativos de uma carreira brilhante pela frente, como advogada ou juíza, mas a pressão exercida pelo pai a levou para a carreira policial.

    Única filha de um delegado famoso; pesou sobre si a responsabilidade de dar continuidade à carreira de policiais de sua família que, há mais de cinco gerações, dedicava-se à atividade policial.

    Após sua formatura, passou férias na Europa e, ao voltar ao Brasil, seu destino estava traçado: seu pai quase a obrigou a prestar concurso para delegado de polícia. Ela cursou a academia e, após sua formatura, foi designada para a delegacia especializada em homicídios — o que era raro para um delegado recém-formado, em especial para uma mulher.

    Ao assumir, suas qualificações despertaram ciúmes em seus colegas; não pouparam críticas ao trabalho por ela desenvolvido, especialmente após passar em concurso interno para participar do curso de aperfeiçoamento oferecido pela Polícia Federal norte-americana — o famoso FBI; oportunidade oferecida a menos de dez policiais em todo o Brasil, de tempos em tempos.

    Sua indicação à delegacia especializada e seu sucesso no curso de aperfeiçoamento só aumentavam as críticas dos colegas indignados, que atribuíam seu sucesso não às suas qualificações e capacidade profissional, mas ao fato de ser filha de um dos delegados de polícia mais condecorados da cidade, que atualmente ocupava o cargo de Secretário Estadual de Segurança Pública.

    Porém, mesmo as críticas mais ferozes não a afetavam. Sabia de suas qualificações, falava fluentemente outros dois idiomas e terminou seu curso de aperfeiçoamento no exterior com louvor, o que a qualificava em um nível profissional muito superior até aos recursos disponíveis atualmente pela mal qualificada polícia judiciária do estado de São Paulo.

    Trocou-se, olhou para uma das paredes de seu escritório particular, improvisado no outro quarto de seu pequeno apartamento de dois dormitórios na Zona Sul de São Paulo: nela havia diversas fotos e anotações sobre outro caso, ocorrido um ano atrás em situações estranhas e um lugar mais estranho ainda, no quartel da Polícia Militar do Estado.

    O caso, ainda sem solução, tinha caído em suas mãos para evitar um constrangimento entre a direção da Polícia Civil, também denominada Polícia Judiciária, e a Polícia Militar no Estado, que, por questões políticas, não se entendiam.

    Maria Eduarda era filha do Secretário de Segurança Pública e neta de ex-coronel da policia militar que ocupara a direção da corporação por mais de cinco anos e foi muito bem conceituado. Tais parentescos lhe davam livre acesso aos quartéis e a atenção dos demais oficiais encarregados pela investigação militar do incidente – como os militares preferiam chamar.

    O caso tinha particularidades que a qualificavam, pois o corpo, além de ser encontrado nas dependências de um dos quartéis mais tradicionais da Polícia Militar, ainda estava em um local fechado ao público e em condições bizarras.

    Na verdade, não havia corpo: a cabeça havia sido decapitada e deixada no local, mas a língua estava faltando e o restante do corpo também. Pior era que, pela cabeça, haviam feito a identificação do corpo, nada mais nada menos que um frei da ordem dos franciscanos, pertencente a uma ordem religiosa que cuidava das freiras reclusas da Igreja de Santo Agostinho, a qual localizava-se onde hoje está o Museu de Arte Sacra de São Paulo.

    Todos os seus esforços foram em vão: sempre acabava num beco sem saída e não conseguia fazer qualquer conexão entre o frei, a ordem a que pertencia, o local e a forma como foi morto ou o local onde a cabeça fora encontrada – nem havia qualquer indicação dos motivos.

    Havia aprendido que um crime tem três motivações: poder, paixão ou dinheiro. Não encontrou nenhuma dessas em qualquer de suas investigações.

    Pior quando, algumas semanas depois, o corpo do frade foi encontrado enterrado até sua metade em uma praia deserta do Litoral Norte de São Paulo, somente sendo ligado ao caso porque lhe faltava a cabeça e o assassinato havia se tornado público, já que o corpo fora encontrado em local tão insólito.

    O caso havia alcançado notoriedade; no local do crime, formou-se um verdadeiro campo de batalha, já que a polícia judiciária foi proibida de entrar no quartel, pois o comandante do batalhão de um dos quartéis mais antigos e tradicionais da Polícia Militar do Estado, que atualmente abriga as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, também conhecida como Rota, ainda não havia autorizado a entrada da polícia judiciária e os agentes do serviço secreto da Polícia Militar estavam examinando a cena do crime.

    Isto criou uma situação que promoveu uma verdadeira queda de braço entre o major de plantão do Quartel General da PM e o delegado de classe especial de plantão na Delegacia Geral.

    Ambos enviaram unidades de elite para o local, as quais estavam à beira de um choque armado – e, com a movimentação de diversas viaturas na calada da noite, a imprensa se deslocou para o local, assistindo a tudo de camarote.

    Após a intervenção do pai de Maria Eduarda, que tinha livre acesso entre os dois comandos, a questão foi amenizada, sendo então combinada a criação de uma equipe mista para investigar o caso. Por parte da polícia judiciária, houve a indicação da delegada assistente de uma das equipes especializadas em homicídio que, por coincidência, era filha do secretário de Segurança Pública, o que não agradou diversos policiais, pois, além de jovem, não possuía experiência suficiente para comandar as investigações de um caso que tinha tudo para ser complicado.

    Por parte da Polícia Militar, havia sido indicado o Capitão Paulo Alberto, filho do Coronel que havia sido o sucessor do avô de Maria Eduarda, no comando da Polícia Militar paulista e amigo de infância dela, o que causou mais críticas ainda.

    Ambas as críticas eram infundadas: Maria Eduarda era uma das policiais mais qualificadas e o Capitão Alberto era um oficial de carreira com uma ficha disciplinar impecável – e que atualmente ocupava o comando do serviço secreto da Polícia Militar.

    Porém, nem a excelente qualificação de ambos foi capaz de abafar os comentários após um ano de investigações, quando nada havia sido descoberto; para piorar, tinha vindo à tona um romance entre ambos, que fez o braço militar da investigação ser afastado – e agora o assassino talvez tivesse voltado a atacar.

    Respirou fundo, apagou a luz, fechando a porta – e enquanto esperava o elevador que a levaria à garagem, pediu a Deus que lhe ajudasse: o dia, que estava só começando, seria longo.

    CAPÍTULO III

    Pinacoteca

    São Paulo, 0h

    A primeira viatura policial chegou ao prédio menos de quinze minutos após os seguranças terem ligado para o serviço de emergência, com uma confusa e truncada história. Em seguida, chegaram os bombeiros, uma equipe de resgate e duas ambulâncias do serviço municipal de remoções.

    Os policiais foram imediatamente levados para dentro, pelos seguranças, e se depararam com uma cena inimaginável: um corpo caído ao chão, dividido ao meio, cada parte numa extremidade da sala, o abdômen aberto e, para o horror de todos: seu conteúdo havia sido esvaziado.

    Um dos policiais perguntou pelo barulho do alarme e se havia mais alguém no prédio.

    O segurança, que até então estava paralisado pela cena, precisou ser interpelado outras duas vezes até responder. Eles se esqueceram do alarme de incêndio; não chegaram a examinar o prédio todo, somente aquele andar.

    — Nossa primeira reação foi chamar o resgate e vocês.

    Os policiais reagiram imediatamente:

    — Como é? Vocês não examinaram o prédio, nem mesmo para verificar o foco de incêndio? E se quem fez isso ainda estiver por aí? Idiotas!

    Nesse momento, sacaram suas armas e começaram cuidadosamente a revistar o prédio, enquanto outras viaturas iam chegando.

    O prédio tem três andares, o andar onde o corpo foi encontrado é o inferior, está ao nível da rua. Antigamente, o espaço era aberto, possuía pátio interno, mas, após reforma, fora fechado, podendo ser visto de todos os andares. O segundo andar é onde se localiza a recepção e a entrada principal, possui uma escadaria que dá acesso àquele andar; é onde estão as obras permanentes do museu, a loja com artigos destinados aos visitantes e uma sacada que é aberta ao público. O último andar tem outras salas de exposições permanentes.

    O policial perguntou aos guardas quantas saídas havia no prédio; eles pensaram um pouco e responderam que havia quatro saídas de serviço no andar inferior, todas com acesso para a parte interna do parque, e outra no piso de cima, além da sacada.

    Os policiais percorreram cuidadosamente o andar inferior, acompanhados por dois seguranças, que indicavam as saídas daquele nível, as quais foram checadas, até chegarem próximos ao final do corredor, notando uma fumaça cinza. Seguramente, aquilo era a fonte do alarme de incêndio disparado pelos sensores de fumaça.

    Um pequeno monte está em chamas em frente à porta; um dos seguranças informou que aquela era uma porta de serviço e que ficava sempre trancada, sendo usada somente para carga e descarga de obras a serem expostas naquele piso ou que iriam para o setor de restauração.

    Ao se aproximar, os policiais perceberam o que parecia ser sangue e notaram, horrorizados, que aquele monte queimando poderia ser as vísceras do diretor.

    O fogo não estava alto, mas intenso. Algum líquido combustível foi usado, esgueirou-se em torno da massa disforme, que queimava com um odor repulsivo. Forçaram a porta, que se abriu para o jardim, o vento, até então detido, entrou e saiu com corrente criada pelo corredor adjacente, levando consigo parte das cinzas. Os policiais ficaram sem saber o que fazer por um instante: examinar a parte externa do prédio, fechar a porta ou apagar aquele fogo?

    Dividiram-se em dois pares, cada um com um segurança. Uma dupla examinou a parte externa do prédio, mas percebeu logo que, na escuridão daquele jardim, nada poderia ser localizado; a outra dupla buscou algo para extinguir o fogo.

    Quando o delegado seccional chegou ao local, viu uma confusão completa: policiais, bombeiros, ambulância, seguranças do museu e do Parque da Luz; todos espalhados pelo e em torno do prédio. O outro delegado, que chegara após os primeiros policiais que atenderam a ocorrência, e que a partir dali começara a tentar organizar a cena do crime, o recebeu na escadaria da entrada principal, informando-lhe dos detalhes do ocorrido.

    Informou que a vítima era o diretor do museu e estava morta; o autor do crime aparentemente entrou pelo parque, possivelmente pulando a grade em algum ponto ainda não identificado, usou uma porta de acesso no lado oposto do prédio, que não apresentava sinais de arrombamento. Logo, ou teve ajuda de dentro ou tinha preparado anteriormente sua entrada.

    Continuou seu relatório, esclarecendo que na primeira vistoria não se percebeu qualquer coisa faltando. Ficou em silêncio por um instante, como se estivesse escolhendo as próximas palavras a dizer – o que fez seu superior parar e lhe dirigir a atenção.

    — O que foi?

    — É o corpo!

    — O que tem?

    — Foi dividido ao meio, as entranhas foram retiradas e desapareceram.

    Ele olhou em volta e mandou tirar todos dali. Eles estavam pisando e contaminando toda a cena do crime.

    — Pelo amor de Deus, você não sabe preservar uma cena de crime? Tire todos daqui, monte um posto do lado de fora, afaste os jornalistas, diga que daremos uma coletiva mais tarde e feche esse parque: quem fez isso com certeza entrou pelo parque e talvez esses idiotas não tenham estragado todas as evidências.

    Após respirar fundo, olhou em volta e pegou seu telefone, depois de chamar cinco vezes, uma voz atendeu do outro lado:

    — Aconteceu outro crime. Igual aos anteriores. Sim, se fechou o ciclo com esse.

    — Alguém percebeu alguma coisa?

    — Aparentemente, não; mas é muito cedo para dizer.

    — Quem vai cuidar do caso é um dos nossos?

    — Não, tenho que chamá-la.

    — Isso não pode ser evitado?

    — Infelizmente, não; tenho ordens específicas dele.

    — Não acredito que ele não perceba as repercussões disso. Algum indício de quem fez isso?

    — Não – e pela bagunça que os seguranças e bombeiros fizeram, acho difícil alguma coisa ser encontrada.

    — Acho que foi a mesma pessoa dos anteriores.

    — Está bem. Quero ser informado sobre o andamento das investigações.

    Ele desligou o telefone e consultou a agenda do aparelho, procurando o número da Dra. Maria Eduarda. Após alguns instantes, ela atendeu ao telefone e foi informada do ocorrido, recebendo ordem de se apresentar ao local.

    Em seguida, fez outra ligação, dessa vez para seu superior, o delegado geral; apesar da hora, ele deveria ser informado, afinal, não são todos os dias que o diretor de um museu é morto em condições tão bizarras. Logo a imprensa estará ali e, se o chefe não for informado, ele vai acabar recebendo uma bela bronca.

    Após a áspera conversa, informou que a delegada designada para esse tipo de caso já fora solicitada. A voz do outro lado não se alterou e disse que estaria no local o mais rápido possível.

    CAPÍTULO IV

    5h

    Maria Eduarda estava a caminho da Pinacoteca, o prédio não ficava a mais de dez quilômetros de sua casa e, naquele horário, deveria levar no máximo vinte minutos – durante o dia, levaria quase uma hora; mas, naquele horário, não precisava nem usar a sirene de seu carro.

    Não conseguia deixar de pensar que o museu estava a menos de quinhentos metros do local onde ocorreu o outro crime, o que a havia colocado naquela investigação, e nas dificuldades que tudo tinha causado.

    A necessidade de trabalhar com Alberto. Ela sentiu um aperto no coração. Há seis meses não tinha qualquer notícia dele e não sabia ao certo quais eram seus reais sentimento por ele.

    Após o romance vir a público, ele foi retirado das investigações, promovido a major e transferido para uma cidade do interior, distante seiscentos quilômetros da capital.

    No começo, ainda tentaram manter contato, mas a distância produziu seus efeitos e as ligações diárias passaram a ser feitas em dias alternados, depois se transformaram em semanais, quinzenais até que simplesmente pararam.

    Ela se ressentia com ele; afinal, fora ela quem ficou com a pior parte das cobranças e acusações; seu pai havia lhe dado uma lição de moral, o que odiou, até porque, apesar de grosseira e machista, tinha cravado fundo em sua mente e ela não deixaria de observar: nunca se envolver com colega de trabalho, principalmente se for do sexo oposto.

    Ela passou pelo Parque do Ibirapuera e ficou feliz por não ter ocorrido ali, seria impossível fechar aquele parque para processar provas. O Parque da Luz, por sua vez, decadente, já teve sua glória, mas hoje é um jardim público lutando para se manter em meio à pobreza da região. Há diversos projetos de revitalização da área, mas nada muito efetivo.

    Uma pergunta não lhe saía da cabeça: haveria alguma relação entre os crimes e a região? Por que tão próximos um do outro? Sua intuição feminina, mas principalmente sua perspicácia profissional, lhe dizia que sim. Mas, o que seria?

    Passou pelo túnel do Anhangabaú e, ao se aproximar da Igreja de São Cristovão, virou a cabeça observando o prédio da Pinacoteca. Havia diversas viaturas no local, os primeiros carros de reportagem já estavam lá e, apesar do horário, havia curiosos em volta.

    Deu à volta no quarteirão, cruzando a Avenida Tiradentes, e ligou as luzes de emergência de seu carro para abrir caminho, entrando no estacionamento do prédio.

    Desceu do carro e imediatamente foi abordada por um homem atarracado, que reconheceu de imediato: era o investigador Da Silva, assistente pessoal do delegado seccional, um homem de poucos escrúpulos e moral totalmente duvidosa – não gostava dele.

    — Bom dia, Doutora!

    — Espero que seja, Olavo; mas algo me diz que não vai ser.

    O homem sorriu, de forma sarcástica, deixando bem claro que estava feliz com as possibilidades negativas daquele dia para ela.

    — O Dr. Walter está lhe esperando e não parece de bom humor.

    Fingindo não ter escutado o comentário, pediu para ele lhe indicar o caminho.

    Subiu as escadarias do prédio, entrando pela recepção; há três portas, uma de cada lado, dando acesso direto aos corredores onde se encontram as galerias, com o acervo permanente do museu. Esses corredores, por sua vez, dão para o pátio interno; há ainda uma entrada bem à frente, que dá acesso a uma passarela de aço, instalada na última reforma, e que passa por sobre o pátio central, ligando até um corredor central, mais largo, que vai dar acesso a seu lugar predileto daquele prédio, a sacada.

    O prédio ocupado pela Pinacoteca do Estado foi projetado por Ramos de Azevedo, em 1897, na época, um dos mais renomados arquitetos da cidade, e deveria abrigar o Liceu de Artes e Ofícios da cidade, instituição que formava técnicos e artesãos para construir as cidades que se enriqueciam com o café.

    É o museu de arte mais antigo da cidade e certamente um dos mais importantes do país. Durante a Revolução Constitucionalista, de 1930 e 1932, teve seu acervo transferido para outros lugares, entre eles o Pavilhão do Ibirapuera.

    Foi inaugurada em 1905, quando ocupava uma única sala no terceiro piso. Não era ainda um órgão autônomo em relação ao Liceu, o que só aconteceria em 1911. Seu acervo sempre enfatizou a arte brasileira do século XIX, o que mudou a partir 1967, quando a escolha das obras passou a ser feita pelo Conselho de Orientação.

    Sempre muito bem administrada, teve seu acervo enriquecido e suas condições museológicas se tornaram referência internacional, contando com uma equipe de mais de 50 técnicos e cerca de 100 funcionários, todos altamente qualificados, que cuidam de mais de seis mil obras. Ganhou uma irmã, a Estação Pinacoteca, instalada na antiga sede do temível DEOPS, o Departamento de Ordem Política e Social, criado em 1924, como órgão do governo brasileiro, utilizado principalmente durante o Estado Novo e mais tarde no Regime Militar de 1964, cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao

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