Máscaras No Ateísmo
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Máscaras No Ateísmo - André De Sousa Freitas
Prefácio
Este livro é fruto de alguns anos de reflexão sobre o tema. Ele foi concebido, em sua primeira versão, no ano de 2006 sob o título As Máscaras do Ateísmo
, e o tom era confrontar os argumentos ateus mostrando suas inconsistências. Apesar de pronto, não foi publicado (o arquivo chegou a ser compartilhado livremente na Internet em alguns sítios), ficando na gaveta por alguns anos. Esses anos serviram de tempo de maturação da ideia. Numa releitura em meados de 2017 logo percebi que o tom deveria ser mudado: não devo buscar confrontar o ateísmo enquanto filosofia ou modo de ver o mundo; busco apenas mostrar que a crença religiosa não é absurda, ou seja, não confronta a ciência ou a racionalidade humana.
Assim, é preciso esclarecer que este livro não é um ataque aos ateus, no sentido de afirmar que quem é ateu vive mascarando a verdade. No livro apenas refutamos argumentos ateístas que fazem a mesma acusação aos cristãos ou religiosos em geral.
A reformulação foi feita, e o último item a ser modificado foi o próprio título da obra: de As Máscaras do Ateísmo – Uma crítica à filosofia ateísta
passou para Máscaras no Ateísmo – Ensaio crítico à dialética ateísta
. A mudança é sutil, mas importante: o ateísmo – assim como o cristianismo ou qualquer outra cosmovisão – não vive de máscaras, embora elas existam lá; e o propósito da obra é identificá-las e expor sua leviandade.
– O autor, dezembro de 2020.
SUMÁRIO
Prefácio 5
Introdução 13
Pensamento Ateu através da História 15
Filosofia Clássica 15
Pensamento moderno: Renascença 18
Idealismo Materialista 19
Tendências da Atualidade 20
A Máscara de Ciência 21
O Antagonismo entre a Filosofia Natural e a Fé 23
De Galileu à física moderna 23
A Relatividade Geral e o Big Bang 24
O Relativo elimina o Absoluto? 28
A Física Quântica e o Princípio da Incerteza 29
Interpretações Pseudocientíficas 31
Terra Plana 32
Águas sobre o Firmamento 36
Estrelas Cairão do Céu
38
O Sol Parou
39
Darwin e a Evolução das Espécies 41
Evolucionismo Clássico 42
Lamarck e a Teoria dos Caracteres Adquiridos 42
Darwin e a Teoria da Seleção Natural 43
Neodarwinismo 47
Evolucionismo Moderno 48
Geração Espontânea e Quimiossíntese 49
O Processo de Replicação Genética 52
Os Mecanismos da Evolução 55
Argumentação Criacionista 58
Desenvolvimento do Criacionismo Fundamentalista 59
Cientismo Criacionista 61
Ateísmo e Evolucionismo 67
Ciência e Cientificismo 67
Provocações e Fraudes 71
Desafios ao Naturalismo 74
A Psicologia e os Segredos da Mente Humana 78
Freud e a Psicanálise 78
Os Problemas da Civilização 79
A Natureza dos Valores Religiosos 81
A Didática Religiosa 84
Ilusões Humanas 88
Analogia ao Comportamento Infantil 92
Conclusões 93
Jung e a Análise da Psique 94
A Religião e o ‘Numinous’ 95
A Autonomia do Inconsciente 96
‘Homo Homini Lupos’ 97
A Construção do Dogma 98
Deus e as Projeções Religiosas 100
A Cultura Cristã e as Ciências Sociais 104
Edward Tylor e a Cultura Primitiva 105
Origem e Desenvolvimento da Cultura 105
Mitologia e Animismo 106
Espiritismo, Politeísmo e Monoteísmo 110
Evidências Subsequentes 112
Max Weber e o Espírito do Capitalismo 114
Estratificação Social 115
O Espírito do Capitalismo 116
O Capitalismo e o Cristianismo 118
O Protestantismo e suas Doutrinas Ascéticas 119
A Ética Cristã e a Ética Secular 123
A Historicidade dos Relatos Bíblicos 127
Desenterrando a Bíblia 127
Os Patriarcas Hebreus 128
A Estadia dos Hebreus no Egito e o Êxodo 132
A Conquista de Canaã 135
A Monarquia Unida 138
O Posicionamento Sistemático contra as Escrituras 142
Outras Importantes Evidências 145
Evidências do Dilúvio 145
Os Rolos do Mar Morto 148
Wellhausen e a Teoria Multidocumentária 149
Críticas ao Método Wolfiano 153
Conclusão: A Máscara de Ciência 155
O Método da Fé 156
Percepção, Razão e Fé 159
Consciência Humana e Transcendência 163
A Máscara da Erudição 167
O Empirismo de David Hume 168
Ensaio sobre o Entendimento Humano
169
Origem e Associação de Ideias 171
Ceticismo e Probabilidade 174
Liberdade e Culpa 176
Testemunhos de Milagres 178
Conclusão da Obra 183
Hegel e o Idealismo Alemão 186
A Dialética Hegeliana 186
Os Jovens Hegelianos e o Ataque à Religião 187
Strauss, Bauer e Feuerbach 188
Religião e Establishment social 190
Karl Marx e o Socialismo Científico 191
Marx e a Religião 193
O Idealismo Comunista 198
O Comunismo Frente ao Cristianismo 200
Nietzsche e a Filosofia da Afirmação da Vida 203
O Crepúsculo dos Ídolos
204
Decadência Humana 206
A Racionalidade e a Moral 208
Deus como Inimigo da Vida 209
A Libertação da Responsabilidade 211
Adestramento Humano e Criação de Gêneros 212
Conclusão da Obra 214
O Anticristo
215
Domesticação versus Elevação 216
Decadência Conceitual: o Colapso da Divindade 220
Origens do Cristianismo 222
A Formação das Doutrinas Cristãs 226
Religião contra a Ciência 227
Desfecho e Lei contra o Cristianismo 232
Conclusão da Obra 233
Conclusão sobre o Ateísmo Nietzschiano 234
Bertrand Russell e a Filosofia Analítica 237
Porque não sou Cristão
238
O que é um Cristão? 238
Críticas às Provas da Existência de Deus 239
Avaliação do Caráter de Cristo 244
Religião e Crueldade 247
A Religião Contribuiu à Civilização? 248
Objeções à Religião 249
Russell e o ‘Bule Celestial’ 253
Conclusão: Moralismo Pragmático 255
O Existencialismo de Jean-Paul Sartre 257
O Existencialismo é um Humanismo
258
O Que é Existencialismo? 259
Subjetividade Humana 260
O Homem é a Angústia 263
Condenado a Ser Livre 265
Esperança e Realização 268
Refutação das Críticas ao Existencialismo 270
Indiferença da Existência de Deus 273
Conclusão da Obra 276
Dawkins e a Nocividade da Fé 278
Raiz de Todos os Males
278
O Vírus da Fé 280
A Fé Inofensiva 282
Deus, um Delírio
284
Quem Criou Deus? 284
A Fé na Contramão da Lógica 285
A Nocividade da Religião 288
Conclusão sobre Dawkins 292
Século XXI: Tendências Atuais 295
Acusações contra a Igreja 296
Corrupção moral 296
Intolerância Religiosa 299
Acusações contra a Coerência Bíblia 303
Argumentos de Interpretação Textual Desvirtuada 304
Argumentos sem Exegese Doutrinária 309
Argumentos de Paralaxe Factual 312
Acusações contra Deus 315
Pensamentos contra Deus 316
O Problema do Mal 318
As Asas Difusoras do Ateísmo 321
Conclusão: A Máscara da Erudição 325
A Última Máscara da Erudição 327
Máscaras que devem Cair 329
A Ineficiência da Argumentação Ateísta 331
O Argumento do Evangelho é o Amor 333
Referências Bibliográficas 335
Introdução
Quando um estudante contesta a afirmação de seu professor de que a ciência já provou a inexistência de Deus, muitas vezes a resposta que obtém é um turbilhão de palavras difíceis e inacessíveis, dando-lhe com isso a sensação de inferioridade, e lhe tornando impossível contestar tais respostas. Esse método de manipulação de palavras e conceitos usados por alguns militantes ateus é uma das máscaras do ateísmo. Essa máscara tem por objetivo constranger a argumentação e impressionar os receptores, fazendo com que se sintam inferiores e, muitas vezes enganosamente, pensem ainda terem muito a aprender para se nivelar ao orador em termos das questões da fé.
Máscaras na argumentação são muito usadas por professores ativistas do ateísmo desde o ensino básico até as mais elevadas escolas do pensamento, são também formas de atrair os curiosos para o meio intelectual ateu, já que para ingressar em um nível de argumentação tão sofisticado é necessário se iniciar nos conceitos e ideias da filosofia e da ciência. Formam assim uma barreira contra a opinião dos simples e sem um alto nível de instrução secular. Iniciando-se no conhecimento secular, até que o incurso chegue ao patamar do alto ateísmo, ele já passou pelo crivo dos mais céticos e contundentes pensadores, e quando tutelado por um militante, a probabilidade de ser cooptado para o ceticismo sem uma justa reflexão são grandes.
Não pretendemos asseverar que toda argumentação ateísta seja dotada de máscaras, no sentido de haver algo a se esconder, nem que todos os ateus usam artifícios para manipulação de ideias; mas que muitos argumentos ateístas são dotados de artifícios desse tipo, e que muitos ateus, especialmente os ativistas do ateísmo, no ímpeto de convencer religiosos a respeito de suas convicções, lançam mão de argumentos maliciosos, ou seja, sem um legítimo respaldo filosófico ou científico. Assim, as máscaras do ateísmo são disfarces usados por ateus para legitimarem algumas de suas concepções, quer na erudição filosófica, quer na ciência. Por outro lado, as máscaras de – e não do – ateísmo, são os disfarces de ateus usados por quem questiona ou se revolta contra a fé por não encontrarem as respostas que buscam. Assim, muitos que confessam o ateísmo, lançam seus argumentos, escrevem livros, discutem e se enfurecem não na exposição de uma convicção, mas mais propriamente numa forma agressiva de reivindicarem respostas para seus questionamentos sobre Deus. Acreditamos que a partir de uma exposição clara de contradições filosóficas e de mentiras em nome da ciência por vezes usadas por ateus, muitas máscaras de ateísmo e máscaras do ateísmo poderão ser abandonadas, e livre delas, a decisão de continuar ou não sendo ateu será tomada a partir de uma compreensão mais correta dos fatos científicos e de um entendimento mais imparcial das doutrinas filosóficas.
No primeiro contato com o ateísmo científico, a sensação de indefesa acomete muitos cristãos. A erudição evocada aos filósofos que construíram grande parte da história; a própria história testificando a rispidez antirreligiosa de seus mentores, e as audazes blasfêmias daqueles que não têm o que temer em proferi-las, soma-se num misto de perplexidade e indignação ao desprezo conferido a tudo que é sagrado. Aos poucos, o surto de perplexidade – que chega adoecer os menos prevenidos – vai se esvaecendo e dando lugar às primeiras reações defensivas, e, como um sistema imunológico, a fé cria condições necessárias para combater os preceitos até então estranhos ao nosso inocente e formidável mundo cristão.
A proposta desse trabalho é a de vacinar os jovens cristãos que, ocupando cada vez mais vagas universitárias, serão surpreendidos por ideologias diversas, inclusive ateístas. Não apenas este objetivo nos move, mas também – senão o principal – levar àqueles que têm se iludido na concepção secular que, diferente do que se tem dito insistentemente nos círculos intelectuais, a fé cristã não é uma aberração: é uma doutrina de extrema coesão, dotada de toda coerência e lógica de uma cosmovisão completa.
Assim, o calibrador das concepções aqui avaliadas não será a fé, mas a lógica da argumentação. A intenção é a de verificar que nos preceitos da fé cristã revelados na Bíblia, a razão não é violada. Por outro lado, antecipamos ao leitor que não pretendemos provar ou convencer a ninguém sobre qualquer disposição aqui apresentada: apenas oferecemos a defesa da fé frente aos diversos ataques levantados pelos ateus. Quem poderá convencer algum leitor será o Espírito Santo, e quanto a isso, oramos para que assim aconteça. E somente a fé pode provar a existência e os atributos de Deus; sem ela, os argumentos deste trabalho se apresentam como meras alternativas – muitas vezes improváveis – de uma filosofia de vida.
Não pretendemos dissecar o assunto, seria grande pretensão. Certamente argumentos novos surgirão, e outros talvez tenham ficado de fora por desconhecê-los. A despeito disso, a verdade concernente a cada argumento aqui apresentado prevalecerá – seja ela favorável ou não à minha particular opinião ou crença.
Pensamento Ateu através da História
Desde os tempos mais remotos existem ateus. Na Bíblia, há um salmo escrito há muitos séculos antes de Cristo: Por causa do seu orgulho, o ímpio não investiga; todas as suas cogitações são: Não há Deus.
(Salmo 10. 4). Mas como a história do ateísmo só pode ser estudada com mais precisão a partir de sólidos registros históricos, remetemo-nos à época dos pensadores gregos. Antes, em qualquer outro local, não há registros tão significativos.
Filosofia Clássica
A ascensão do pensamento grego, séculos antes de Cristo, já era provida de tendência ateísta, tendo como principal representante Epicuro (341-270 a.C.). Os sofistas também foram considerados ateus, mas havia grande divergência de pensamentos entre eles, inclusive pelo fato de não terem constituído uma escola, como os pitagóricos ou os platônicos. Não é consoante com a proposta deste trabalho empreender esforço no estudo das formas de ateísmo dessa época, pelo fato inclusive de que a religião grega, apresentada principalmente no período da tradição épica da literatura grega arcaica, nos revela seus mitos e deuses envoltos numa descrição que pode ser considerada um antropomorfismo hiperbólico, e suas estórias assaz carregadas de puerilidade, caracterizando-se mais propriamente como um folclore daquele povo.
Apenas para ilustrar as dificuldades do pensamento grego em relação à religião, vamos expor um pequeno exemplo. Trata-se do diálogo entre o Raciocínio Justo
e o Raciocínio Injusto
, de Aristófanes (444-385 a.C.), um dos mais importantes expoentes do sofismo, em sua obra As Nuvens
, de 423 a.C.: mesmo o Raciocínio Justo asseverando que a justiça existe nos seios dos deuses, o Raciocínio Injusto objeta que ela não existe, pois mesmo entre os deuses havia injustiça, como na lenda em que Zeus, o maioral da mitologia grega, destronou injustamente seu próprio pai (Aristófanes 423 a.C. apud Fontes 2006).
Epicuro, filósofo partidário de Demócrito, ensinava que o essencial ao homem era o desfrutar dos prazeres materiais e espirituais; porém, sua retórica centrava-se mais no materialismo. Discorreu sobre ética, filosofia, física, entre outros temas. Há uma frase na qual ele expressa seu pensamento em relação a Deus:
Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quiser e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede? (Epicuro s.d., apud Ateus.net 2001).
Há, entre suas proposições, uma assertiva considerada aceitável no contexto cristão contemporâneo, que passou pela reflexão de Epicuro com uma interrogação sem qualquer desenvolvimento de raciocínio a seu respeito; e essa assertiva é a última: de fato, Deus pode e quer impedir os males. As indagações finais lançam um desafio lógico a respeito da origem dos males (donde provém, então a existência dos males?
) e da possibilidade de os males serem impedidos. A teologia cristã, alguns séculos depois de Epicuro, se muniu de respostas, hoje consideradas clássicas, a respeito da existência do mal (ver o capítulo sobre o Problema do Mal
). Sobre seu não impedimento há um parecer que, apesar de simples, vai direto ao ponto: se os males para os quais Epicuro advoga uma ação divina de impedimento são as injustiças humanas, elas são reflexo das escolhas humanas, e cabe ao ser humano, dotado das capacidades que tem, trabalhar por extirpá-las do seu mundo.
A lógica domina o pensamento grego: fórmulas como esta de Epicuro, em que se pretende demonstrar a impossibilidade da existência de Deus em seus atributos, são abundantes. Mas essa propensão em lidar com a realidade através da lógica desaparece com o desenvolvimento da filosofia.
Com o cristianismo, a filosofia se amoldou a seus preceitos, e os grandes nomes do pensamento nos séculos seguintes são filósofos cristãos; dentre os quais se destacam Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Nesse período, o ateísmo perdeu força, e o pensamento ficou confinado à erudição sacra. Com a ascensão da igreja romana, quando seus líderes chegaram a confundir o poder secular com o mandato divino; a imposição de ideias e censura ao conhecimento científico deram ao pensamento ateu novo vigor: renasceria o idealismo antropocêntrico.
Pensamento moderno: Renascença
As figuras mais célebres do período renascentista, como Maquiavel (1469-1527) e Descartes (1596-1650), deram início a uma grande revolução no pensamento humano, deixando a visão Teocêntrica do mundo (Deus em evidência), e passando a aderir a uma concepção Antropocêntrica (o homem em evidência). Essas renovações foram motivadas pela iminente revolução científica, antecipada, nos estudos da astronomia, por Nicolau Copérnico (1473-1543), Johannes Kepler (1571-1630) e Galileu Galilei (1564-1642): com a descoberta do telescópio, o modelo do universo geocêntrico deixou de ser considerado, dando lugar a uma visão de mundo em que o planeta Terra não está em posição privilegiada em relação aos demais corpos celestes.
As mais influentes percepções oriundas desse movimento surgiram mais tarde, em princípios como o chamado empirismo, do qual os mais célebres nomes são Bacon (1561-1626), Locke (1632-1704), Hume (1711-1776) entre outros; ou o iluminismo, de Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1778), Condillac (1714-1780). Estes são os clássicos representantes do materialismo, doutrina que considera Deus como uma hipótese desnecessária ao homem, uma vez que, com avanços científicos, a natureza cada vez mais pôde ser explicada sem se inferir a interferência divina em seu funcionamento. Quando Pierre Laplace (1749-1827) foi indagado por Napoleão sobre o porquê Deus não estava incluído em suas exposições sobre o funcionamento do sistema solar, ele respondeu que não precisara desta hipótese. A propósito, neste trabalho, analisaremos detalhadamente um texto de David Hume, chamado Ensaio sobre o Entendimento Humano
, no qual ele faz suas proposições sobre o comportamento humano, inclusive nos termos religiosos, dando-nos melhor noção dos parâmetros do ateísmo do séc. XVIII. Avaliaremos ainda as novas concepções científicas e suas influências ao pensamento religioso medieval.
Idealismo Materialista
A partir daí, o ateísmo não para de se proliferar, admitindo formas cada vez mais encorpadas, e já no séc. XIX, o materialismo atinge o ápice da disseminação ateísta, corroborado principalmente pela teoria da evolução das espécies, do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), e pelas teorias socialistas, como o comunismo de Karl Marx (1818-1883). Entre os nomes mais influentes dessa época, além de Marx, temos Hegel (1770-1831), Feuerbach (1804-1872), e Nietzsche (1844-1900). O ateísmo dessa época, bem como seus ideais, conheceremos em mais detalhes avaliando a teoria animista de Edward Tylor (1832-1917) em relação ao surgimento das religiões; a visão de Nietzsche em duas de suas obras: O Crepúsculo dos Ídolos
e O Anticristo
, e as premissas da teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin, bem como seus desencadeamentos hodiernos.
O ateísmo chega ao séc. XX carregado de motivações contra qualquer tipo de ordem moral, mas se o desenvolvimento científico dos séculos anteriores impulsionou tais motivos, as grandes guerras virão a colocar um freio no combate à moralidade. Surgem então as ideias existencialistas que, dotadas de humanismo, buscam reestabelecer ao homem a responsabilidade por seus próprios atos, o que fora de certo modo negado por ideologias anteriores. Heidegger (1889-1976), Camus (1913-1960) e principalmente Sartre (1905-1980), foram os grandes construtores dessa doutrina. Mergulharemos nas ideias de Sartre para extrairmos a concepção de ateísmo desse período filosófico; e para tanto, faremos uma análise da obra O Existencialismo é um Humanismo
, que é uma defesa do existencialismo em relação às críticas marxistas e cristãs. Examinaremos também a religião a partir da abordagem psicológica de Sigmund Freud, em suas considerações à religiosidade como fenômeno pertinente ao processo civilizatório da humanidade, e as percepções de Carl Jung referentes à experiência religiosa individual e imediata.
Tendências da Atualidade
No período do pensamento grego, as ideias ateias tinham forte conotação em provar a inexistência de Deus principalmente com o uso da lógica. Mas logo isso se mostrou incapaz, e mais tarde, passado o período da expansão do cristianismo, na renascença, a evolução do conhecimento motivou a pregação da inexistência de Deus baseando-se nas possibilidades da ciência em desvendar muitos problemas sem se adicionar, para isso, a hipótese Deus
. Mesmo diante dessa perspectiva, o cristianismo não parou de se proliferar e, após os movimentos de reforma protestante e contra reforma, muito mais ainda se consolidou em suas convicções. Novas ideias surgiram e, reconhecendo a ineficiência da argumentação científica diante da fé, mudaram-se os rumos do ateísmo: não mais se buscam provas contra a existência de Deus, mas indaga-se sua utilidade ao homem. Nesse ponto chegamos aos dias atuais: estamos no limiar entre duas posturas distintas: a postura que tomou conta das mentes ateias do séc. XX e o início do nosso século, de que o conceito Deus
não tem utilidade, ainda que seja confirmada sua existência; e a nova postura, que já tem surgido e a cada dia se prolifera com maior intensidade, em que o ateu poderá admitir a existência de Deus somente para blasfemá-lo, usando para isso as escrituras cristãs, sua revelação. Isso porque as atuais incriminações às escrituras não poderão mais se sustentar mediante as recentes descobertas arqueológicas – as quais serão brevemente abordadas – e que cada vez mais, de modo absolutamente contrário ao que previra os céticos, as evidenciam.
Assim, o novo ateísmo que está para estrondar em todo o mundo deixa de ser uma negação à existência da divindade e passa a ser uma deliberada rejeição pessoal a Deus; o que não desfigura o conceito do ateu, que se traduz literalmente como sem Deus
.
A Máscara de Ciência
Os argumentos mais usados na disseminação ateísta consistem em expor uma suposta oposição entre a ciência e as doutrinas religiosas. Nesse embate, ateus alegam estar a ciência unicamente ao seu lado, e muitos religiosos, em atitudes infelizes, aceitam a sugestão ateísta de que a ciência é, em relação a sua confissão religiosa, uma inimiga. A ciência, entretanto, progride independente da filosofia adotada pelos seus intérpretes; muitas vezes contradizendo o que alguns gostariam que ela certificasse, quer em nome de Deus ou em nome do ateísmo.
Os desacordos entre a ciência e a religião, especificamente a cristã, são apontados em quase todas as áreas do conhecimento, e quanto mais fundamental é a área de estudo, mais se avolumam as acusações de disparidades. Um exemplo disso acontece em relação às ciências naturais, quando a Igreja dogmatizou que a Terra estava no centro do universo, condenando cientistas que ousaram discordar de tal tese. O mesmo ocorre ainda hoje em relação à teoria da evolução das espécies: posicionamentos totalmente antitéticos surgem movidos apenas pelo ceticismo, seja o ceticismo em relação à ciência por parte de religiosos ou o ceticismo em relação à religião por parte de ateus. Mas o que diz a ciência neutra, isenta de convicções preconcebidas? Endossam as ideias ateístas ou as condenam, validando o pensamento religioso? Examinaremos os principais pontos de divergência entre ateus e cristãos originários dessas ciências, a fim de obtermos uma resposta para essas questões.
Mas não são apenas as ciências astronômicas e biológicas que fornecem argumentos para os críticos da fé; os argumentos contrários a doutrina religiosa também frutificaram no terreno das ciências humanas. Enquanto a crítica à religião embasada nas ciências exatas consiste basicamente em confrontar informações do cânon sagrado com informações científicas, as ciências humanas abordam a própria origem e desenvolvimento das religiões, expondo o ponto de vista estritamente materialista do fenômeno religioso, baseado em evidências históricas, teorias sociais e argumentos psicologistas. De modo geral, trata-se de argumentos muito mais enfáticos que a simples comparação entre a descrição científica e a descrição religiosa de um fenômeno, como o surgimento do cosmo ou a evolução das espécies. Entretanto, como veremos, tais ciências também carecem de uma interpretação específica para legitimarem o posicionamento ateu.
Os conflitos marcantes e incisivos entre a religião e a ciência se entravaram a partir da renascença, e foram movidos em grande parte pela intransigência religiosa, mas também pela intolerância dos céticos às doutrinas religiosas. Em termos gerais, o que chamamos de máscara de ciência
não consiste na ocultação ou deturpação de verdades científicas, mas na injusta apreensão de que a ciência é naturalmente contra a fé, quando na verdade é laica, ou seja, não se reporta a dogmas, quer sejam religiosos ou ateus.
O Antagonismo entre a Filosofia Natural e a Fé
Nessa seção, cuidaremos em abordar os dilemas das teorias cosmológicas, partindo dos conflitos entre as concepções religiosas com o sistema solar de Copérnico, avançando até as teorias modernas do surgimento e expansão do Universo. Além disso, trataremos do impacto filosófico das teorias modernas da relatividade e da física quântica em relação ao debate entre o ateísmo e a fé religiosa.
Serão abordadas ainda, discussões recorrentes referentes a supostas incongruências entre as escrituras sagradas e a ciência, quando buscaremos desfazer de afirmações desprovidas de compromisso com autênticos conceitos teológicos. Ademais, as disparidades entre conceitos físicos e conceitos bíblicos são, como constataremos, geralmente frutos de más interpretações de textos bíblicos.
De Galileu à física moderna
A Igreja romana defendia que o planeta Terra era o centro do Universo, baseada em interpretações forçadas de textos bíblicos. Em nenhum momento há na Bíblia alusão direta ao funcionamento do sistema solar. Quando Galileu Galilei (1564-1642) afirmou em seu livro Diálogos sobre os dois principais sistemas do mundo
, lançado em 1632, que a Terra gira em torno do Sol, a Igreja sofreu um profundo golpe em sua leitura pretensiosamente científica da Bíblia. Hoje, a Igreja aceita o sistema heliocêntrico com naturalidade, e muitos crentes na Bíblia demonstram até indignação com a postura adotada pela Igreja naquela época.
O sistema geocêntrico, no qual a Terra ocupa a posição central no sistema planetário local, e não somente neste, mas em todo o Universo – defendido pela Igreja, acabara por ser descartado: as observações astronômicas deram lugar ao sistema heliocêntrico, ou seja, o Sol ocupa a posição central do sistema planetário local; de modo que o nome desse sistema passou a ser sistema solar. Não apenas as observações levaram os cientistas a concluírem tal coisa, mas as leis de Newton, posteriormente, vieram estabelecer o entendimento do mundo a partir dessa concepção: por estas leis, é possível prever o movimento dos corpos celestes com precisão admirável, o que levou a humanidade a descartar unanimemente o geocentrismo.
Não se podia conceber, para os teólogos da época, que o planeta Terra ocupasse uma posição secundária no sistema solar, aliás, é nesse planeta onde se vivem as criaturas de Deus, excepcionalmente o homem. Mas esse argumento é totalmente singelo e mostra a fragilidade da fé na indisposição em aceitar o contrário: a insignificância da vida humana frente a enormidade do cosmos não diminui o valor da ação de Deus, mas salienta ainda mais sua virtude.
Galileu era cientista, e apesar de ser pessoalmente um cristão mais autêntico e coerente em suas convicções que muitos teólogos de sua época, não renunciou à ciência em favor da interpretação errônea e tendenciosa da Bíblia. A fé de Galileu estava muito acima de vários dogmas que a Igreja Romana defendia com intrepidez. Atribui-se a ele a seguinte frase:
A ciência humana de maneira nenhuma nega a existência de Deus. Quando considero quantas e quão maravilhosas coisas o homem compreende, pesquisa e consegue realizar, então reconheço claramente que o espírito humano é obra de Deus, e a mais notável. (Wikiquote)
Usualmente afirma-se nos círculos ateus que Galileu ‘desmascarou’ a Bíblia, ou ‘corrigiu’ a Bíblia, o que não é verdadeiro: ele mesmo sabia que sua ciência em nada se desarmonizava da Bíblia, exceto pela maneira forçada e dogmática de interpretá-la.
A Relatividade Geral e o Big Bang
Depois de Galileu, as divergências entre os cientistas e os religiosos foram raras nas ciências exatas por muito tempo. Apenas no séc. XX, com o advento da teoria da Relatividade, de Albert Einstein (1879-1955), aliada a concepção quântica da matéria, nas teorias da origem e desenvolvimento do universo, vieram à tona novamente os disparates entre os cientistas e os religiosos. O relato bíblico da criação, avaliado sob a ótica cética parecia ruir mediante as novas concepções científicas dos primórdios do universo. A famosa teoria do Big Bang, isto é, a grande explosão da qual se originou o universo, aterrorizou os crentes por longas décadas. A razão para tal é simples: a forma descrita pela ciência, dada com detalhes quantificados, parece soar em desacordo com a Bíblia, mas se analisado com algum cuidado e com alguma imaginação, atesta-se um curioso paralelo entre a narrativa bíblica e as etapas teorizadas da formação do Universo. A sequência narrada pela Bíblia traz primeiro a luz, depois os elementos pesados: águas, separação da porção seca, unidade continental inicial no planeta, surgimento de ervas, animais marinhos, aves, animais terrestres em geral e o homem. A física, a geologia e a biologia dão conta da avaliação das etapas da criação sem desacordo com esse macro esboço descrito na Bíblia. Por essa leitura, atesta-se alguma coerência na ordem em que os elementos surgem na natureza.
O geólogo e professor Miguel A. S. Basei, da Universidade de São Paulo, defende essa concordância entre a ciência e o processo da criação descrito pela Bíblia:
... Para Basei, as técnicas de datação são muito seguras e confiáveis. Há rochas com até 4 bilhões de anos. Portanto, é improvável que o universo inteiro tenha sido criado há apenas 6 mil anos, como pregam algumas religiões. Nesse aspecto, ciência e religião são inconciliáveis. No entanto – continua Basei –, se não se considerar a questão de datas, existe uma intrigante concordância entre os dados coletados pela geologia e aquilo que diz a Bíblia. As etapas de formação do universo descritas poeticamente no Gênesis – em que primeiro se faz a luz, depois o firmamento, a terra, o mar, a vegetação, os animais e, finalmente, o homem – são confirmadas pelos achados científicos. Acho que se a ciência e a religião não forem tão rígidas em suas posturas, elas podem chegar a um entendimento
. (Castro 1998b).
Faltava aos religiosos critérios para assimilar a teoria científica e perceber que nada nessa teoria se confronta com a revelação bíblica, exceto se insistirmos na aplicação da interpretação forçosa (e inclusive contrária a termos propriamente bíblicos) que os dias da criação se compõem literalmente por intervalos de tempo de 24 horas, tal como hoje contamos os dias. Tanto que essa concepção está equivocada que, apenas no relato do quarto dia da criação é que Deus forma o Sol, a Lua e as estrelas no firmamento, e os designa para marcar as estações e os tempos; assim, os tempos denotados já antes dessa designação não devem necessariamente ser os mesmos adotados somente após o surgimento de tais referenciais para os padrões de dias atuais. Dia
e Noite
no primeiro capítulo de Gênesis, são os nomes que Deus deu à luz e às trevas, respectivamente (cf. Gênesis 1. 5). Dessa forma, a redução da idade de formação do universo a seis mil anos é fruto de uma interpretação equívoca e sobranceira da Bíblia. Um entrave para esse alinhamento entre a descrição bíblica da criação e a descrição científica, certamente, é a formação do Sol e da Lua, indicados na Bíblia após o planeta Terra estar estabelecido, inclusive com mares e continentes formados e com ervas surgindo na Terra. Diversas conjecturas podem ser formuladas para amenizar tal disparate, uma vez que ervas e vegetais em geral só podem existir no planeta se o calor e a luz do Sol estiverem bem presentes. Há quem indique que, na formação da Lua (para uma grande parte dos pesquisadores a Lua surgiu de uma colisão entre a Terra e um imenso corpo celeste) foi quando a Terra entrou na atual órbita solar, e, portanto, somente após esse evento, Lua e Sol puderam ser observados a partir da Terra, sendo que, dessa forma, ainda que sem uma Lua e mais distante do Sol, a Terra antes da colisão já poderia possuir alguma forma de vida vegetal. Mas essa suposição, ainda que com algum grau de plausibilidade, não deixa de ser uma narrativa produzida para adequar Bíblia e ciência, e realmente, isso é um despropósito do ponto de vista científico. Uma última palavra sobre as teorias cosmológicas modernas e a narrativa bíblica da criação: não há necessidade de concordância entre elas. A Bíblia não se propõe ser