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No princípio, Deus
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E-book239 páginas2 horas

No princípio, Deus

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Sobre este e-book

Ensaio que propõe a plena harmonia entre religião e ciência. Trata-se de uma obra apologética, respeitos. O ateísmo e examinado e negado. Na verdade, o autor sugere que o ateísmo se tornou uma espécie de fundamentalismo, tendo Richard Dawkins como seu principal pregador. O autor mistura teologia e ciência, filosofia e poesia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jan. de 2021
ISBN9786589202110
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    No princípio, Deus - Israel Belo de Azevedo

    Azevedo

    ~ 1 ~

    PREFÁCIO

    Uma profissão de fé na ciência

    [1]

    Diferentemente do que se passa no palco das ciências, darei um tom bastante pessoal aos comentários que se seguem sobre o tema da relação entre fé e ciência. A escolha deste tipo de abordagem, penso, ficará logo clara, ciente dos riscos de ser tomado por alguma outra motivação.

    Passei parte da minha infância à beira de uma linha de trem, em cujos trilhos eu brincava de muitos (ou, quem sabe, nenhuns) modos. Não lembro de haver uma biblioteca lá em casa.

    Depois, mudado para outra casa no centro do bairro, lembro da biblioteca do meu pai, cheia de livros, de todos os tipos, mas principalmente sobre a Bíblia, sobre a qual se debruçava horas a fio para ler e então orar. A partir daí, os livros, inclusive a Bíblia, mas também os poetas e Machado de Assis, passaram a me habitar. Livros de desesperança e esperança sempre estiveram sobre as minhas mesas. Livros de céticos e crentes entravam e saíam das estantes dos meus olhos.

    Por alguma razão, no meu primeiro curso superior (teologia, no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil), comecei a ler Apologética Cristã, em que Alan Richardson dizia, em 1947 (Christian apologetics), que fé e ciência são como dois trilhos de uma linha de trem. Entendi completamente: não podem se encontrar, nem se separar.

    Ainda nesse curso, fui obrigado a fazer um trabalho escolar (naquela época não se dizia monografia). O professor deu-me da sua estante um livro sobre um autor de quem eu nunca ouvira falar e me encarregou da tarefa. Era a edição portuguesa de O fenômeno humano, de Pierre Teilhard de Chardin, que, na contramão da igreja católica, propunha que a criação (do ser humano) foi feita por Deus através do método da evolução. Sobre o encontro-desencontro entre ciência e religião, Teilhard ensinou (em 1955): 

     Após um longo período de luta apaixonada, nem a Ciência nem a Fé conseguiram suprimir uma à outra, mas, pelo contrário, tornou-se manifesto que não poderiam se desenvolver normalmente uma sem a outra, pela simples razão de que uma vida anima todas as duas. Religião e Ciência, as duas fases conjugadas de um mesmo ato completo de conhecimento: o único que pode abarcar o Passado, o Futuro e a Evolução, para contemplá-los, medi-los e realizá-los. [2]

    Assim, compreendi claramente a advertência de Francis Collins, o diretor do setor governamental do projeto Genoma Humano contra o criacionismo:

     Os fundamentos do assim chamado criacionismo científico são irresistivelmente falhos. (...) Jovens criados em lares e igrejas que insistem no criacionismo cedo ou tarde encontrarão evidências científicas avassaladoras a favor de um universo antigo e o parentesco de todas as criaturas vivas por meio de um processo de evolução e de seleção natural. Que escolha terrível e desnecessária essas pessoas terão de enfrentar! Para abraçar a fé da infância, serão obrigadas a rejeitar um corpo de informações científicas extenso e rigoroso, cometendo suicídio intelectual. Quem duvida que muitos desses jovens, ao não encontrarem alternativas ao criacionismo, darão as coisas à fé, concluindo que simplesmente não podem acreditar em um Deus que lhes pede para rejeitar o que a ciência lhes ensinou, de forma tão atraente, acerca do mundo natural? [3]

    Depois de fazer uma revisão da relação entre ciência e fé, Collins conclui: A ciência não é ameaçada por Deus: ela é aprimorada. Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. [4] Seu ponto-de-partida é que o domínio de Deus encontra-se no mundo espiritual, um campo que não é possível esquadrinhar com os instrumentos e a linguagem da ciência; deve ser examinado com o coração, com a mente e com a alma — e a mente deve encontrar uma forma de abarcar ambos os campos. [5]

    Ao mesmo tempo, Collins faz sua inequívoca profissão de fé: O Deus da Bíblia é também o Deus do genoma. Pode ser adorado na catedral ou no laboratório. Sua criação é majestosa, esplêndida, complexa e bela — e não pode guerrear consigo mesma. Só nós, humanos imperfeitos, podemos iniciar batalhas assim. E só nós podemos acabar com elas. [6] Para ele, sua experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir o mais notável de todos os textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração. [7]

    De onde vêm as profissões de fé de Pierre Teilhard de Chardin e Francis Collins? Da mesma Bíblia, que é e foi usada para legitimar o chamado criacionismo. Da mesma Bíblia, que foi usada para legitimar a supremacia de brancos sobre negros, a despeito de todos os seus ensinos sobre a igualdade dos seres humanos, na sua dignidade e indignidade.

    Em função de um site (www.prazerdapalavra.com.br) com textos teológicos e pastorais, procurou-me um professor da área de ciências no ensino fundamental, em busca de uma orientação, em torno do criacionismo. Respondi-lhe que minha posição é incômoda no cenário em que milito, mas prometi que ainda o faria, como já o fiz na igreja em que atuo como pastor: o método ou processo da criação (do universo e das espécies vivas) não é descrito na Bíblia.

    O que a Bíblia garante — e nisto eu creio — é que Deus criou o mundo. Como Deus o criou é assunto da ciência (ou das ciências). A pesquisa deve se dar dentro dos seus rigores. O debate no campo das ciências não pode usar a Bíblia para seus argumentos, porque a Bíblia não pode ser responsabilizada pelo que seus autores não pretenderam dizer. Por isto, sua leitura deve ser feita com a humildade de quem está diante de um Livro magistral, temporal e atemporal ao mesmo tempo. Desde quando o grande Livro começou a ser dito (como tradição oral) e escrito (como literatura), dezenas de séculos atrás (a partir provavelmente do século 15 antes de Cristo), centenas de propostas sobre os fenômenos naturais, territórios privativos das ciências, foram formuladas, para depois virarem notas-de-rodapé nos livros de história das ciências. Muita das certezas científicas de hoje terão o mesmo destino amanhã.

    Devemos tomar cuidado contra todo o tipo de ídolatria da caverna, segundo a advertência de Francis Bacon (1561-1626), que nos permite também advertir contra o cronocentrismo, a atitude de crer que a nossa época é mais sábia do que as anteriores. Devemos também tomar ciência contra todo tipo de reducionismo, sendo o cientificismo um deles (com o seu argumentum ad verecundiam), porque nem tudo é explicável pelas ciências.

    O cientificismo não passa de uma forma de totalitarismo, mesmo risco que uma pessoa de fé pode incorrer, quando pede a alguém enfermo para orar e não tomar remédio, certo de que Deus vai curá-lo, ou para não procurar um médico, mas um pastor (ou padre, rezador ou algum outro líder religioso), certo de que tem a solução para o seu problema, esteja este problema no sistema respiratório ou na área psíquica. Os homens de fé precisam ter a humildade de não totalitarizá-la e reconhecer sua própria ignorância. (Sou grato a um psiquiatra-psicanalista que me procurou após um culto em que orei pelos deprimidos, certamente com alguma palavra inadequada que não sei qual foi. Ele me disse apenas: "Israel, depressão é uma doença». Eu não sabia nada sobre o assunto e fui pesquisar. Como resultado, preguei uma série de mensagens, unindo Bíblia e conhecimento científico, sobre o tema. [8]

    Os reducionismos, levados adiante sobre qualquer trilho da linha do trem, carecem de graça.

    Equivocadamente, o reducionismo científico nega os milagres. O reducionismo religioso nega a ciência.  Ambos perdem. As pessoas também.

    Tomemos o caso da depressão. Sua etiologia não pode ser atribuída a uma fonte única, seja ela química. Uma pessoa deprimida precisa de remédio, psicoterapia e oração. Remédio para ativar a neurotransmissão. Psicoterapia para aprender a conviver com sua doença. Oração para saber que é amada, por Deus e por aqueles que oram por ela. Orar e esperar a ação de Deus por meio das ações ordinárias do remédio e da psicoterapia e da oração; orar e esperar também uma ação extraodinária de Deus, que nem o paciente e nem os cientistas saberão explicar; apenas reconhecer.

    Os Evangelhos nos contam uma admirável história, que sintetiza a visão de Jesus sobre ciência e fé, embora o tema não existisse à sua época por aqui. Ouçamos:

    "A caminho de Jerusalém, Jesus passou pela divisa entre Samaria e Galiléia.

    Ao entrar num povoado, dez leprosos dirigiram-se a ele. Ficaram a certa distância e gritaram em alta voz:

    — Jesus, Mestre, tem piedade de nós!

    Ao vê-los, ele disse:

    — Vão mostrar-se aos sacerdotes.

    Enquanto eles iam, foram purificados. 

    Um deles, quando viu que estava curado, voltou, louvando a Deus em alta voz. Prostrou-se aos pés de Jesus e lhe agradeceu. Este era samaritano. Jesus perguntou:

    — Não foram purificados todos os dez? Onde estão os outros nove? Não se achou nenhum que voltasse e desse louvor a Deus, a não ser este estrangeiro?

    Então, ele lhe disse:

    — Levante-se e vá; a sua fé o salvou». 

    (Lucas 17.11-19)

     Acho lindo este texto por dois motivos. O primeiro é por colocar o que todo profissional da saúde, na pesquisa ou no consultório experimenta. Quase ninguém volta para agradecer pela cura.

    O segundo é pelo método que Jesus propõe. Os sacerdotes à época também reuniam com sua responsabilidade cuidar da saúde (digamos, física) das pessoas. Ir a eles não significava reconhecer a autoridade religiosa deles, mas demonstrar que uma cura só é validada se atestada pela ciência, que tem cuidados próprios.

    Vejamos o meu caso.

    Recebi em março de 2009 um diagnóstico de adenocarcinoma de próstata. Minha cirurgia foi marcada. No dia 18 de abril de 2009, sem qualquer dúvida (se devia me operar ou esperar por uma intervenção divina), deixei-me submeter a uma prostatovesiculectomia radical, com os procedimentos corolários. A partir de então fiz exames trimestrais (todos excelentes) para mensuração do PSA. Quando completei um ano, informei o resultado (também excelente) ao meu médico, que me respondeu:

     Excelente resultado. Mostra que, a despeito daquela margem cirúrgica positiva, o tumor foi controlado localmente, até o momento. O acompanhamento do seu caso, no entanto, seguirá pelos próximos quatro anos com dosagem do PSA com frequência semestral. Somente poderá ter alta urológica se não houver recidiva até cinco anos após a cirurgia. O índice de recidiva em cinco anos pode ser de até 30%. Depois disso faremos dosagens de PSA anual, mas sem a mesma preocupação.

     No primeiro aniversário da minha cirurgia (em 2010), agradeci a Deus privadamente e em público. Não disse, porque não posso fazê-lo, até mesmo por minha responsabilidade diante dos outros, que estava curado. Eu preciso ir aos sacerdotes, isto é, eu preciso ouvir os médicos, mas não tenho dúvida que cheguei aonde cheguei pela graça de Deus.

    O tema do milagre é crucial, também na história das ciências, como o atestam as chamadas pragas do Egito, após as quais o povo hebreu começou seu êxodo. Colin J. Humphreys, professor e diretor de pesquisa no Departamento de Ciência dos Materiais e Metalurgia da Universidade de Cambridge, Inglaterra (cf. perfil disponível no site da Universidade), decidiu estudar os eventos do Êxodo, com o intuito de entender o que aconteceu, seguindo as lentes da ciência, ponderando todas as evidências, certo que uma explicação natural dos eventos do Êxodo, na minha opinião, de forma alguma os torna menos milagrosos. [9]. 

     Conclui ele, escrevendo em 1995:

    A história do Êxodo descreve uma série de eventos naturais, como terremotos, vulcões, granizo e fortes ventos, que ocorrem seguidamente no momento exato do livramento de Moisés e dos israelitas. Qualquer desses eventos que ocorriam no momento certo poderia ser atribuído à contingência da sorte. Quando toda uma seqüência de eventos acontece no momento certo, ou se trata de uma incrível contingência da sorte ou existe um Deus que opera nos, com os e por meio dos eventos naturais para guiar os assuntos e os destinos de indivíduos e nações. Que crença é correta: sorte ou Deus? [10]

     Faça cada um a sua escolha.

     Pessoas de fé e pessoas de ciência precisam dialogar, o que requer aprendizado.

    Esse aprendizado começa com a negação da idéia de superioridade de um discurso sobre o outro, seja do religioso sobre o científico ou vice e versa. Bem farão os dois trilhos do trem se continuarem nos seus lugares.

    O diálogo implica em crítica. A ciência precisa criticar a religião, quando esta reduz ou totalitariza o conhecimento ou nega a ciência. A religião precisa criticar a ciência, quando esta incorre na mesma tentação. Em 2007, por ocasião do sesquicentenário da publicação de A origem das espécies, comemorou-se no ano Darwin, com um festival em Shrewsbury, cidade natal do proponente da teoria da evolução. Um dos conferencistas foi Alister McGrath, professor de história da teologia da Universidade de Oxford; seu tema foi Atheist Interpreters of Darwin: Richard Dawkins on the God Delusion, em que criticou o autor de O delírio de Deus e valorizou o antigo pesquisador: O Darwin que eu gostaria de celebrar não é um fundamentalista ateu agressivo, mas alguém interessado na verdade e que cria que os padrões que via no mundo demandavam uma explicação. [11]

    O diálogo vai mostrar a falácia da neutralidade da ciência ou dos cientistas.

    O diálogo vai anular a recusa da religião à pesquisa, porque a pesquisa só faz mal em último caso, no desvio. 

    O diálogo vai permitir que temas complexos como o direito de matar (no aborto ou na eutanasia) sejam discutidos e não apenas praticados, porque a ciência tende a pensar que o que pode ser feito deve ser feito.

    O diálogo vai demandar preparo de ambos os campos, para conhecer não só o seu, mas o outro também.

    O diálogo sepultará a naturalização ou a medicalização da vida, porque a vida é mais complexa.

    Termino reportando um episódio recente. Segundo uma história que li, no começo do século 21, um aluno do ensino médio, no Rio de Janeiro, contestou um professor de biologia e o desafiou a aceitar que seu pastor viesse ensinar na classe a proposta criacionista. O professor respondeu que concordaria se pudesse ir à igreja ensinar o evolucionismo.

    Não sei como terminou a refrega. Ao ouvir a narrativa, dei logo razão ao professor, em sua provocadora recusa. No entanto, hoje penso que se o pastor comparecesse à escola e o professor à igreja, todos (eles e seus públicos) sairiam ganhando. Ninguém perderia.

    Militamos em dois campos. Quem tem fé não tem como não ler a ciência, seja para criticar seu totalitarismo, mesmo sob a capa de neutralidade científica, seja para esperar suas benéficas aplicações.

    Quem pensa cientificamente não tem como ignorar a experiência de fé. Quem não a tem deve respeitar quem a tem.

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