Romani Dromá
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Pré-visualização do livro
Romani Dromá - Mikka Capella
Romani Dromá
Caminhos Ciganos
Mikka Capella
Copyright © Mikka Capella, 2017.
Design da Capa: Enoque Ferreira Cardozo
Conversão para EPUB: Vivian Hernandez Alamo
ficha catalográficaAgradecimentos
Este livro não poderia ter sido escrito sem o companheirismo e o apoio irrestritos do Fábio Firmino, meu esposo, que acredita em mim mais do que eu mesmo e é o presente mais bonito e valioso que os Deuses já me deram. Dedico a ele estas páginas. Dedico-as, também, aos meus antepassados e ancestrais, que ainda vivem em meu espírito, cujas almas brilham em meu sangue, e sem os quais eu não poderia ser quem sou. Finalmente, dedico-as às gerações futuras, àqueles que virão depois, juntamente com os mais sinceros votos de que aceitem, valorizem e protejam o seu legado ancestral. Uma árvore sem raízes é uma árvore morta.
Introdução
O projeto Romani Dromá nasceu em 2013, sob circunstâncias que valem a pena ser contadas.
Em minhas incursões na internet, perdi as contas de quantas vezes me deparei com distorções e falsas informações acerca da assim chamada cultura cigana, que considero o meu legado ancestral. A cultura cigana é invisível, embora, a seu respeito, a ficção já tenha produzido toda a sorte de estereótipos e preconceito. Os indivíduos que pertencem a esta cultura (porque a cultura não pertence a ninguém), não possuem voz alguma, de maneira que, durante séculos, tudo o que foi escrito a nosso respeito veio de mãos estrangeiras, não-ciganas. A maior parte do que se pensa ser tradição cigana
no mundo gadjé (não-cigano) não passa de invenção criativa – e muitas vezes oportunista – de pessoas que não têm nenhuma real relação conosco.
Jovem e de cabeça quente, pode-se imaginar quantas vezes acabei me envolvendo em embates com pessoas que se aproveitam da liberdade de expressão que a Internet proporciona para divulgar informações falsas sobre os costumes e tradições do meu povo. Especialmente nos nichos ditos esotéricos
e espiritualistas
, uma forma bastante particular de exploração cultural.
O Brasil é um país pluricultural, em que povos de diversas origens, com diversas identidades culturais, encontraram um refúgio para viver em paz. Com tanta miscigenação, os fenótipos se misturam pelas ruas das cidades, e é muito fácil para indivíduos de qualquer parte do mundo misturarem-se à multidão. Em virtude disso, talvez, sempre houve bastante espaço para a diversidade religiosa, fato que, em si mesmo, é uma coisa boa... Mas que, infelizmente, também abre muitas brechas para a proliferação de charlatães e aproveitadores.
Muito bem, um desses embates envolveu uma figura mistificadora e oportunista, cuja alcunha não vem ao caso citar, mas vinha ganhando notoriedade no Rio de Janeiro, inclusive escrevendo livros em que comercializava toda a sorte de invencionices e absurdos acerca dos costumes romani. Este embate acabou se transformando em um processo judicial.
Ainda me lembro do dia em que me arrumava para ir à faculdade quando o telefone de casa tocou e, do outro lado, havia um inspetor da Delegacia de Crimes Virtuais. Ele me fez perguntas enigmáticas a respeito de injúrias que eu teria cometido contra alguém, cujo nome nunca havia ouvido antes (por que essas pessoas sempre atuam sob pseudônimos?). Na ocasião, eu pensei que se tratava de um trote e não dei atenção. Cerca de um ano depois, porém, recebi um oficial de justiça com a citação e a inicial do processo para eu assinar.
Quase morri de rir quando terminei de ler a inicial do processo, escrita pelo advogado dessa pessoa. Contudo, imediatamente após à crise riso, sobreveio uma sincera preocupação... Não pelo processo, exatamente, mas pelo que estava escrito na petição que o advogado escreveu para o juiz. Eu era acusado, entre outras coisas, de praticar xenofobia religiosa
.
Fiquei bastante assustado com o fato de um advogado, uma pessoa instruída, com formação superior, não conseguir, aparentemente, distinguir etnia de religião. Era isso ou a pessoa que escreveu aquela petição não sabia que os ciganos
se tratavam de um povo, um grupo étnico, não um grupo religioso. Essa é a informação fundamental, a primeira coisa que há para saber sobre os rhomá (ciganos).
Acho que foi neste momento que a minha ficha caiu. Eu esperava esse tipo de coisa dos ignorantes que comentam em sites de notícias, gente que, em geral, passa a vida no senso comum. De repente, me deparei com a realidade visceral de que, aqui no Brasil, a maior parte das pessoas nos entende como um segmento religioso, ou pior, um estilo de vida
.
Por que isso? É difícil citar uma razão só. Em primeiro lugar, uma pesquisa rápida no Google revela o quanto é difícil encontrar informações consistentes sobre a etnia romani. A quase totalidade dos sites e blogs faz apenas um copy/paste de conjecturas místicas, na melhor das hipóteses fantasiosas, e o pouco que existe de informação útil está disperso, fragmentado, mal escrito ou noutras línguas, o que torna o trabalho de quem está sinceramente interessado em pesquisar e aprender sobre o povo rhomá uma verdadeira prova de boa vontade e persistência.
Foram tantos anos combatendo impostores, desmentindo falácias, me indispondo com pessoas ignorantes de segmentos religiosos e do mundo da dança, para não falar dos indivíduos romani, que, é lógico, conhecem a própria cultura, mas compactuam com delírios e mentiras porque isso lhes dá retorno financeiro... É o chamado fogo amigo
. Sempre me pareceu paradoxal como o Brasil, por um lado, pode ser entendido como o paraíso dos rhomá, que aqui encontram aceitação e até, de certa forma, admiração; por outro lado, o quanto essa suposta aceitação também não pode ser entendida como a outra face do preconceito – aceitamos vocês, desde que sejam o que sonhamos que eram
. Eu me peguei diante de uma hidra, um monstro que, para