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Os ciganos ainda estão na estrada
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Os ciganos ainda estão na estrada
E-book206 páginas2 horas

Os ciganos ainda estão na estrada

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Sobre este e-book

Hostilizados durante milênios e até hoje temidos por outras etnias, os ciganos se espalharam pelo mundo sem manter registros próprios sobre sua história e cultura. Não há nenhum censo oficial, mas alguns cálculos apontam 17 milhões em todo o mundo, 1,5 milhão na América Latina e cerca de 500 mil espalhados pelo território brasileiro. Em Os ciganos ainda estão na estrada, a escritora e pesquisadora Cristina da Costa Pereira traça as origens da etnia e mostra aspectos de seu cotidiano na atualidade.

Consultora do dramaturgo Aguinaldo Silva para a novela Pedra sobre pedra, que trazia personagens ciganos, Cristina expõe a origem, história e importância cultural da etnia cigana na sociedade atual. O livro traz ainda depoimentos de artistas como a atriz Ana Rosa, que vem de uma família circense, Wagner Tiso, descendente de ciganos húngaros, e Orlando Orfei, empresário que tem um dos mais conhecidos circos brasileiros.

A contribuição artística dos ciganos é destacada no livro, que mostra, além da incorporação da música e dança flamengas pelo Ocidente, a presença cigana na literatura, com Carmen, de Prosper Merimée, e na poesia de Garcia Lorca. Outro aspecto que Cristina Pereira ressalta é o misticismo dos ciganos, praticantes da quiromancia e, atualmente, integrando seus conhecimentos a outras manifestações espirituais, como a umbanda.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de out. de 2012
ISBN9788581221090
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    Os ciganos ainda estão na estrada - Cristina da Costa Pereira

    Cristina da Costa Pereira

    OS CIGANOS AINDA

    ESTÃO NA ESTRADA

    Copyright © 2009 by Cristina da Costa Pereira

    Direitos desta edição reservados à

    EDITORA ROCCO LTDA.

    Av. Presidente Wilson, 231 – 8º andar

    20030-021 – Rio de Janeiro – RJ

    Tel.: (21) 3525-2000 – Fax: (21) 3525-2001

    rocco@rocco.com.br

    www.rocco.com.br

    Preparação de originais

    SÔNIA PEÇANHA

    Conversão para E-book

    Freitas Bastos

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE.

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    P49c

    Pereira, Cristina da Costa, 1949-

    Os ciganos ainda estão na estrada [recurso eletrônico] / Cristina da Costa Pereira. – Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2012.

    recurso digital

    Formato: e-Pub

    Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions

    Modo de acesso: World Wide Web

    ISBN 978-85-8122-109-0 (recurso eletrônico)

    1. Ciganos – Brasil – Usos e costumes. 2. Ciganos. 3. Livros eletrônicos. I. Título.

    12-6111             CDD–305.891497             CDU–316.347(=214.58)

    Em memória dos ciganos Esmeralda Liechocki,

    Oswaldo Macedo e Zurka Sbano

    "as calins que cozinhavam ou ralhavam na gíria gritada,

    o cigano Roupalimpa passando montado numa mula rosilha,

    as em álacre vermelho raparigas buena-dicheiras. Loucos,

    a ponto de quererem juntas a liberdade e a felicidade."

    (O outro ou o outro in Tutaméia, Guimarães Rosa)

    INTRODUÇÃO

    Muitos pesquisadores que têm por objeto de estudo a etnia cigana vêm tentando provar que, em verdade, os ciganos são somente um aglomerado de grupos, divididos entre si, sem nenhuma coesão, sem história e cultura próprias. Sequer teriam tido uma origem comum.

    Outros estudiosos destacam que é muita pretensão se falar de ciganos como povo, pois eles não têm unidade política ou leis escritas. Além disso, por se encontrarem dispersos, sofrem seguramente influência dos países que habitam.

    Há ainda os que alegam que, se houve uma origem, história e cultura comuns, a dispersão geográfica e o consequente convívio com outros povos e culturas, além da influência em seus costumes da diversidade espacial (tendo em vista o fato de serem nômades, seminômades ou sedentários), levaram a diferenças tão marcantes entre os principais grupos – rom, caló e sintó – que a concepção de uma unidade étnica só interessa a ciganólogos e àqueles que fazem parte das organizações ciganas. Logo, tal visão refletiria a busca de um ideal, uma postura romântica incompatível com sua realidade contemporânea.

    Neste livro, entre outras questões, pretende-se mostrar que cigano é uma denominação genérica que, indubitavelmente, pressupõe uma unidade, mas é preciso que se destaque que há grupos – rom, caló, sintó e manuche – e subgrupos – kalderash, macwaia (matchuaia), lovara, xoraxanó (horaranó) etc. – e que tal diversidade caracteriza-se, principalmente, pelo tipo de atividade exercida – caldeiraria, circense, negócios, musical etc. – e pelo convívio com os mais diversos povos do mundo. E, sobretudo, vale ressaltar que as diferenças dizem respeito mais a aspectos formais do que essenciais.

    A etnia cigana tem uma estrutura linguística básica – o romani – e dialetos (romanó, caló, sintó). Por meio da recolha de lendas e histórias, opiniões, depoimentos e poesias de ciganos dos mais diversos subgrupos do Brasil e do exterior, que este livro apresenta, pode-se perceber que, apesar da incontestável influência cultural dos meridianos por onde vêm transitando os ciganos, em aspectos de sua tradição, há uma maneira de se comportar, de pensar e agir e, principalmente, de existir, inconfundivelmente cigana.

    Embora não tenham pátria, os ciganos são uma nação, e sua etnicidade é confirmada pela União Romani Internacional, reconhecida pela ONU a 28 de fevereiro de 1979. No Brasil, em 24 de maio de 2007, foi comemorado pela primeira vez o Dia Nacional do Cigano, instituído por decreto presidencial. Aqui já existe a Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci) cujo primeiro presidente foi o sr. Cláudio Domingos Iovanovitchi.

    Se hoje os ciganos estão alcançando no Brasil essas conquistas, vale assinalar que tudo começou há duas décadas, precisamente a 18 de maio de 1987, quando foi fundado, no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos Ciganos (CEC), a primeira organização cigana da América Latina, da qual fiz parte, e que tinha por finalidade unir os ciganos (roms e calons) em torno de um objetivo comum: a fidelidade à sua tradição, aos seus costumes, à sua história. O primeiro presidente do CEC foi o cigano Mio Vacite, sucedido pelos ciganos Oswaldo Macedo e Marcos Rodrigues. O cigano Antonio Guerreiro atuou no CEC durante toda a existência da entidade.

    O CEC realizou muitos eventos com shows, conferências, exibição de vídeos e lançamentos de livros, tais como:

    – 1a Semana de Cultura Cigana da América Latina (Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987);

    – Pueblo Gitano (Centro Cultural San Martin, em Buenos Aires, 1987);

    – Noite Cigana (Espaço Cultural Sérgio Porto, 1988);

    – 1a Mostra de Cultura Cigana (Centro Cultural Banco do Brasil, 1990);

    – Arte Cigana no MIS (Museu da Imagem e do Som, 1992).

    Com o falecimento do dr. Oswaldo Macedo, em 1993, o CEC encerrou suas atividades, mas desde então o cigano Mio Vacite continua divulgando a tradição, arte e cultura ciganas, e pode-se afirmar que ele, hoje, representa uma resistência cultural do povo cigano no Rio de Janeiro, por meio da União Cigana do Brasil.

    Mio Vacite participa, em Brasília, junto com o cigano Cláudio Domingos Iovanovitchi e demais ciganos e ciganas de outros estados brasileiros, de encontros e congressos junto a órgãos do governo federal, em prol da etnia cigana, podendo-se dizer que eles se constituem numa legítima representatividade dos ciganos no Brasil.

    A ciganologia, que passa a existir na Europa a partir do século XIX, quando foram publicados estudos no Journal of the Gypsy Lore Society (Reino Unido, 1888), e hoje é considerada um ramo da antropologia cultural ou da etnologia, ainda é tida por muitos como pseudociência, o que não deixa de ser uma atitude preconceituosa.

    Pode-se falar sobre a origem, a história e a tradição de um povo sob o ponto de vista dos pesquisadores, ou seja, uma visão científica do fato. Mas também pode-se acrescentar ao estudo a ótica do próprio povo. E, por serem ciganos, as palavras, os dizeres, as opiniões, os relatos, a poesia, as lendas recolhidas assumem um caráter da maior importância, visto que se trata de um povo de tradição oral, uma cultura ágrafa. Como me disse o cigano Júlio Cavalcante: "Você quer ouvir os nossos paramiches? Então vamos paramichar."

    Em Os ciganos ainda estão na estrada, se apresento uma visão científico-social da questão, baseada em pesquisa bibliográfica sobre o assunto e num olhar amadurecido por sete anos de convívio com ciganos brasileiros e estrangeiros (de 1985 a 1992) – o que me levou a publicar três ensaios sobre o tema e a participar de inúmeros congressos e encontros, no Brasil e no exterior, relativos à etnia cigana –, trago também uma pesquisa de campo com destaque para as histórias do povo cigano, contadas por ele mesmo. Tais histórias não só refletem sua tradição, seus costumes, sua cosmovisão, mas também ditam normas de comportamento para os que as ouvem: são os mais velhos – a sabedoria cigana – passando o seu verdadeiro ouro – os paramiches – aos mais jovens e às crianças, ao pé do ouvido, de boca em boca, de geração a geração. Faço questão de ressaltar, no livro, a visão do romá sobre a romanipé.

    A maioria das pessoas já procurou saber, alguma vez, o que significa ser cigano? Conhece realmente a cultura desse povo? Infelizmente, na maior parte das vezes, só se têm notícias dos ciganos por meio de imagens estereotipadas, pícaras, folclóricas.

    Não se pode conhecer o cigano isolado de seu contexto, isto é, dos condicionamentos socioculturais de sua etnia. No entanto, a chave da identidade cigana não se encontra no indivíduo, mas no grupo. A cultura e a personalidade ciganas moldam-se por completo no grupo e, a partir daí, projetam-se em cada um de seus componentes. Como diz o cigano Samuel Costite, prefiro morrer a viver isolado, longe do meu povo.

    Por estarmos lidando com um grupo étnico sem território delimitado, tendo sua sobrevivência garantida pela língua (e dialetos) e pela tradição que traz dentro de si, enraizada, no que ela tem de mais essencial, não importando as variantes aparentes, pode-se perceber que cada cigano é um universo.

    Ao longo deste livro, abordaremos sua origem e história, as relações entre nomadismo e sedentarismo, as artes de adivinhação, o circo, o respeito aos antepassados, o artesanato, os momentos importantes para a tradição cigana (nascimento, casamento e morte), a religiosidade, a música, a dança, a situação contemporânea, a poesia, a resistência cultural: o mito e o real simultaneamente.

    Uma personagem do filme Os ciganos vão para o céu, dirigido pelo cineasta russo Emil Lotianu, nos anos 1970, quando um aristocrata lhe pergunta, mas, afinal, o que querem os ciganos?, responde: Ir até o fim do mundo e depois voltar.

    Ciganos são um povo de cultura circular, não-linear, daí a importância, neste livro, dos fragmentos de suas falas, unidades de textos espalhadas pelos capítulos, nômades como eles, e que por estarem contextualizadas, não comprometem a narrativa. Antes, enriquecem-na, tornam-na mais sedutora, convidando o leitor a criar, junto com a autora, a partir deste aparente mosaico. À maneira cigana.

    Também os artistas que se inspiraram no povo cigano para elaborar textos literários e filmes merecem referência neste livro. Os ciganos, certamente, sempre povoaram a fantasia das pessoas, a imaginação da humanidade, pois, por onde passam, conseguem restabelecer o mito deixado momentaneamente de lado pelos gadjé. Os artistas têm essa percepção dos ciganos e a recriam.

    Ainda que aborde a história e cultura dos ciganos de um modo geral, este livro dedicará especial atenção à situação do povo cigano no Brasil nos dias de hoje. Ao final, seguindo a linha desta abordagem, apresentaremos informações sobre a influência da cultura cigana na umbanda.

    Que os leitores folheiem Os ciganos ainda estão na estrada como quem está viajando num vurdô.

    Lacio drom!

    CRISTINA DA COSTA PEREIRA

    CAPÍTULO 1

    ANDANÇAS DE

    UM POVO SEM PÁTRIA

    O meu futuro está lá atrás.

    CIGANO GOGO CRISTO

    Antecedentes históricos

    Antes de nos determos em estudos sobre a origem do povo cigano, cumpre destacar alguns fatores. A história (pendaripé) dos ciganos, de uma maneira geral, tem sido escrita por não-ciganos e, neste sentido, torna-se difícil confirmar sua veracidade, pois tal estudo se dá de forma contrastiva, isto é, sempre em relação à cultura dos não-ciganos. É assim que os enxergamos: a partir de nossa visão de mundo. Com isso, escapa-nos o principal: como eles se enxergam. Portanto, qualquer livro escrito por ciganos sobre a própria tradição adquire enorme importância para o entendimento dessa etnia.

    Já existem, em diversos países da Europa, na América do Norte, no Brasil¹ e na Argentina,²ciganos escrevendo livros e artigos em revistas especializadas sobre sua origem, história, ritos e contemporaneidade. Nesse momento, a ciganologia atinge a plenitude como ciência, uma vez que se tem a história dos ciganos descrita, analisada e refletida por eles mesmos.

    Sabe-se que os pesquisadores do mundo inteiro não têm chegado a um consenso sobre a origem dos ciganos, pela confusão proposital que eles, como informantes, fazem em seus relatos.³

    O descrédito dos ciganos, de uma maneira geral, em relação às pesquisas e trabalhos científicos dos gadjé, baseia-se na alegação de que, por trás dessa literatura, há sempre uma tentativa de repressão, aculturação. Pode-se considerar tal crítica radical pela generalização, mas consideremos o que diz o cigano caló Antonio Martinez, nascido na Espanha, e extremamente atuante nos Servicios Sociales – Secretariado Gitano, Junta de Castilla y Léon:

    Por eso, yo que soy gitano, me siento más autorizado que cualquier payo, por sabio que sea, a proponer soluciones para los problemas de mi pueblo, sin rechazar por ello, sin embargo, todas aquellas propuestas sensatas y adecuadas al sentir gitano que hagan los payos.

    Outro fator importante a se destacar é que os ciganos têm nos conceitos do segredo e da ambiguidade, estruturados basicamente pela tradição oral e pelo nomadismo, um aspecto essencial de sua resistência cultural e de sua permanência quase fantástica como minoria étnica ao longo dos tempos.

    A dispersão, que muitos consideram como prejudicial à existência dos ciganos como etnia, é tida, por eles mesmos, como um fator fundamental para a sua sobrevivência como povo.

    Por fim, antes de nos debruçarmos sobre a origem dos ciganos, vale informar que a ciganologia só foi reconhecida como um ramo da etnologia no século XX, ainda que tenha surgido no século XIX.

    Origem

    A origem dos ciganos e o porquê de sua dispersão pelo mundo são assuntos tão discutidos quanto não resolvidos. Na atualidade, a maioria dos ciganólogos afirma que os ciganos se originaram do Noroeste da Índia, atual Paquistão, e alguns dizem que se dispersaram por não se submeterem mais ao sistema de castas.⁵Esse endurecimento político – a chegada dos árias por volta de 1500 a.C. – empurrou o cigano a regiões mais inóspitas, levando as tribos a se nomadizar ainda em solo hindu e a se especializar em ofícios comuns aos errantes. Séculos depois, as invasões muçulmanas expulsaram os ciganos da Índia e então se teria iniciado a sua peregrinação pelo mundo.

    Por outro lado, há os que sugerem que a Índia tenha sido apenas uma etapa duradoura na caminhada dos ciganos. A antropóloga Maria de Lourdes B. Sant’Ana afirma: "As tentativas de alguns estudiosos de determinar uma origem para os ciganos não têm trazido resultados satisfatórios; o reconhecimento de muitos de uma origem hindu ainda deixa dúvidas, para se ter esta

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