Ano Zero
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Ano Zero - Marcellus Bellezzo
ANO ZER O
uma aventura no tempo
Marcellus Bellezzo
- 1 -
©2018 texto Marcellus Bellezzo
Ilustrações Yuri Arbelli Segura
Armando Pugliese
©Direitos de Publicação – Edições MB
Rua Papanduva, 200 – Jardim Santa Cecília
07123-330 – Guarulhos – São Paulo – SP
Tel.: (11) 2229-8702 – Email: - livroanozero@gmail.com
Editor: Marcellus Bellezzo Preparação: Andrea Madeo Revisão: Ana Paula Madeo
Zuleide Bellezzo
Capa: Adriana Eloy
Projeto gráfico: Marcellus Bellezzo
Obra em conformidade ao
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Bibliotecária responsável: Rosa Cleide Marques CRB 8/8782
B383a
Bellezzo, Marcellus
Ano zero: Uma aventura no tempo / Marcellus Bellezzo; ilustrações de Yuri Arbelli Segura e Armando Pugliese. – 2ª. ed. - São Paulo: Edições MB, 2018.
427 p.: il.
ISBN: 978-85-924944-0- 7
1. Literatura Infantojuvenil Brasileira – 2. Virtudes. 3. Ética. I. Segura, Yuri Arbelli. II. Pugliese, Armando. III. Título.
CDD- 028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura Infantojuvenil Brasileira 028.5
2. Virtudes 028 .5
3. Ética 028.5
2ª edição, 2018
Todos os direitos reservados à Edições MB Impresso no Brasil – Maio de 2018
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Esse livro é dedicado a todas as pessoas que são fiéis aos seus princípios e persistem no objetivo de ver o mundo mais humanizado.
Dedico especialmente a minha melhor amiga, companheira e amada esposa Andréa, aos meus filhos: Murillo, Iago e Julia; fontes de inspiração e motivadores da minha perseverança.
Finalmente aos meus pais, Fausto e Zuleide, pelos anos de abdicações, oriundos da criação de três filhos naturais e dois adotivos.
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Nota do autor
No ano de 1997, comecei a escrever esse texto, a partir de um sonho. No meu sonho, estava em um futuro destruído, onde não existia praticamente tecnologia alguma. Não existiam eletrodomésticos, motores, satélites, nada.
Nesse sonho eu precisava reconstruir a cultura humana, pois era a única pessoa que conhecia tudo
o que temos hoje. Percebi que conhecemos muito, mas não sabemos profundamente nada. Conhecemos muito bem uma televisão, por exemplo, mas não somos capazes de reproduzi-la, o conhecimento não é individualizado e sim, pertencente à humanidade.
Assim como um pequeno grupo de indivíduos não repovoaria o planeta, nosso conhecimento também estaria fadado à extinção.
Cada um dos três amigos assume e extrapola uma parte da minha personalidade. Desta forma exponho em muitos diálogos o que seria uma discussão interna, sob o ponto de vista de um físico cético, uma humanista hippie e uma pessoa simples, criada no campo.
A história ficou parada por doze anos e foi retomada graças a uma crise de coluna que me deixou preso a uma cama por vários dias.
Relendo as linhas já escritas pude perceber que havia esquecido nossos aventureiros presos no tempo e, sob os gritos de Diana, fui obrigado a trazê-los de volta pra casa.
- 5 -
Porém não se deixa alguém fora do seu mundo tan to tempo, sem que haja mudanças em sua personalidade. Diana, Marco e Zé viveram em outra época e suas referências se modificaram, eles não se sentiam mais parte do nosso mundo .
A história é dividida em três capítulos, onde percebemos o amadurecimento dos personagens .
No Capítulo I − Uma aventura no tempo
, Marco, Zé e Diana são protagonistas de uma viagem fantástica, onde em meio às aventuras em uma terra inóspita e misteriosa, discutem filosofia, física, ecologia e religiosidade, pelo ponto de vista de três adolescentes.
No Capítulo II − O mundo dos felínios
, em meio a romances e aventuras no Ano Zero, os três amigos têm, como pano de fundo, a companhia da espécie que substituiu a raça humana.
No Capítulo III − O décimo quinto milênio
, eles vivenciam a decadência e os últimos momentos dos seres humanos na terra, participando da criação dos felínios.
Boa leitura!
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PREFÁCIO
... e o homem apronta tanto que se esforça por nos levar ao Ano Zero.
Marcellus Bellezzo, visionário desde sempre, já na década de 90, quando começou a escrever essa história, tratava do tema ambiental, o que torna a obra tão atual.
Os Felínios
são uma espécie que nos inspira a buscar o melhor de nós. Enquanto nos mostram a beleza e leveza da vida com a verdade, honestidade, justiça e lealdade, nos levam a reflexão de se utilizar o necessário − somente o necessário
.
O respeito ao mais velho do grupo, a validação de toda sua experiência de vida, o conhecimento e o REconhecimento da natureza e de tudo o que ela nos proporciona, a gratidão por t udo o que ela nos oferta.
Ao mesmo tempo, os amigos Diana, Marco e Zé nos dão lições de vida mostrando a importância da amizade, companheirismo, confiança e cumplicidade.
A lealdade do personagem Marco é um ponto forte na história. Mostra-nos as consequências da proteção aos amigos e de nunca abandoná- los.
Os amigos vão vencendo os desafios em meio aos perigos da vida selvagem, resistindo e enfrentando as forças da natureza, através da união e trabalho em equipe.
O amadurecimento precoce deles é resultado da resiliência e temperança, cujos predicados eles se permitem experimentar.
- 7 -
E assim, mergulhando nessa deliciosa aventura, vamos de parágrafo em parágrafo incitando nossa imaginação, atiçando nossas virtudes, despertando para a consciência quanto ao respeito pela natureza e pelo próximo.
Bem ele, o RESPEITO, que defino sempre como sendo A BASE DE QUALQUER RELAÇÃO
.
Abra sua mente! Abra seu coração! Abra sua consciência!
E boa leitura!
Bem vindos ao Ano Zero. O ano dos sonhos!
Andréa Madeo
J aneiro/2018
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Quando nos identificamos com uma aventura, queremos que ela continue nos conduzindo cada vez mais para dentro do novo mundo que foi criado.
É a sensação que o autor nos faz sentir ao longo das experiências dos três personagens de Ano Zero e, através delas, passamos a compartilhar as emoções, medos e expectativas dos amigos Marco, Zé e Diana.
É fácil observar que, com o correr do tempo, o vínculo que os une vai ficando cada vez mais forte e a cumplicidade entre eles permeia todas as conversas e pensamentos que nos deixam escapar, fazendo com que nos sintamos como expectadores muito próximos deles.
Não raro percebemos que as questões ganham de maneira sutil, uma outra conotação que nos leva à reflexão da importância e responsabilidade dos nossos atos no desenrolar da vida e da natureza em nosso planeta.
Ano Zero nos permite sentir que os portais de um mundo melhor, tão bem guardados, podem ser abertos sempre que a coragem e a amizade perceberem que é momento de colocar o coração como alicerce da nossa existência e esperança.
Vera Novo, espaço Novo Mundo
Livraria Nobel
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Capítulo 1
Uma aventura no tempo.............................................................................. 13
Curiosidade..................................................................................... 15
Otimismo ........................................................................................ 26
Desapego ....................................................................................... 43
Introspecção................................................................................... 62
Sabedoria........................................................................................ 85
Autoconfiança............................................................................... 108
Responsabilidade.......................................................................... 134
Capítulo 2
O mundo dos felínios ................................................................................. 141
Altruísmo ...................................................................................... 144
Coragem ....................................................................................... 167
Honra............................................................................................ 184
Simplicidade e abnegação ............................................................ 205
Determinação............................................................................... 226
Lealdade e felicidade.................................................................... 245
Capítulo 3
O décimo quinto milênio ........................................................................... 269
Ética e compaixão......................................................................... 269
Empatia......................................................................................... 295
Resiliência..................................................................................... 315
Confiança...................................................................................... 339
Amizade........................................................................................ 358
Sinceridade ................................................................................... 385
Perseverança ................................................................................ 406
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Capitulo 1
Uma aventura no tempo
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Curiosidade Fevereiro de 1997, na folia do carnaval de São Paulo,
Marco acabara de brigar com sua namorada e saía do seu caso amoroso mais duradouro. Aliás, quase dois meses era um recorde absolut o.
− Não consigo acreditar que só nesta cidade existam mais de 34 milhões de pessoas! Considerando que aproximadamente 60% são do sexo feminino, de sconsiderando minha mãe, a sua e as mulheres de uma faixa etária...
− Cala boca Marco − disse aos berros seu amigo Zé, e completou. − Você só pensa em números..., é proporção daqui porcentagem dali...
− Em primeiro lugar se eu só pensasse em números, não estaria falando em mulheres, e apenas me utilizei deles para mostrar a quantidade delas.
− Tá vendo? De novo, quantidade! E o que adianta ter tantas, se você não consegue ficar mais de dois meses com uma? − Zé meu chapinha, isso se chama seleção.
Marco era um gozador, apaixonado pela vida e de aguçada curiosidade a tudo que lhe parecesse novo. Gostava de física clássica, sempre viajava
nas teorias relativistas e acreditava que seu maior cárcere era o cartão de ponto. Ocupava seu tempo livre com projetos mirabolantes e invenções, que nunca eram concluídas. Sua ferramenta sempre foi a lógica, e suas amarras, a incons tância.
Zé e Marco eram amigos desde a época do colégio; sempre brigavam, mas nunca se separavam. Era a primeira vez que passavam o carnaval em São Paulo. A grana estava curta e não puderam viajar naquele ano.
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Lá pelas tantas, caía uma garoa fina e Zé já se preocupava com a volta pra casa, pois seu companheiro estava mais pra pierrô bêbado do que apaixonado, e a única carona possível tinha, há tempos, se mandado com uma odalisca gaúcha.
− Marco..., hei Marco...; estamos sem condução pra casa, e essa hora não tem mais ônibus. Vai ser uma boa caminhada.
− Num esquenta
Zé, se a canoa não virá
olé, ol ê olá, eu chego laaá...
− Vamos ficar aqui no salão até passar o circular de manhã cedinho. Pelo menos não estaremos no sereno.
Zé era ponderado, quase não bebia e até se realizava com as confusões em que Marco entrava. Embora não admitisse, gostava de se lembrar das enrascadas que entravam e como saiam delas. Meio caipira meio urbano, viveu sua infância entre a fazenda do seu tio avó e a metrópole paulistana, arrastando um forçado sotaque interiorano.
Empurrando o resto da madrugada, lá pelas cinco da manhã, viu um guarda roupas
chutar o traseiro chinfrim de um pierrô inconveniente. Com a lealdade que lhe é peculiar, pulou nas costas do brutamonte .
A confusão estava armada.
Ali foi pé que subiu, cabelo que desceu, roupa que rasgou, chopp na cara, serpentina na boca, mesa que caía dos camarotes etc.
Conclusão: seis da matina, Zé e o que sobrou do Marco, abraçados na caminhada de volta pra casa.
− Zé, você foi grande cara!
− É, mas o sujeito era maior que nós dois juntos. − Era grande, mas não era dois.
− E daí? Bateu nuns vinte !
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− Cê viu Zé, como uma coisinha à toa pode provocar uma guerra?
− Pois é Marco, o milagre da multiplicação dos socos. Mas o que você fez ?
− Só sei que no bolo, mordi um braço e dei uma pá de chutes.
− Marco você estava esperneando no chão, chutando a mesinha de apoio.
Mostrando um roxo no antebraço continuou. – Reconhece a marca dos seus dentes? Mas você não respondeu minha pergunta. O que aconteceu pra aquele gorila começar a te bater?
− Ele não me bateu. Quando eu ia mostrar pra ele minhas habilidades na capoeira você segurou o sujeito, e eu achei covardia surrá-lo naquelas condições.
− Tá bom Marco, tá bom. Vamos indo que ainda tem muito chão.
Após caminharem por algum tempo, entulhados pelos atalhos milagrosos que Marco conhecia, constataram que estavam realmente perdidos.
O sangue já esfriara, e as dores do incidente começaram a aflorar às juntas. Avistaram uma casa velha, muito antiga e aparentemente abandonada. Decidiram, após uma breve discussão, proteger-se do sereno e esperar que o sol saísse da toca.
Feito um breve reconhecimento e motivados pelo cansaço, deitaram sobre um estrado de madeira e antes que percebessem a companhia de um gato à espreita, pegaram no sono.
Amanheceu. Nada se modificou; os dois continuaram dormindo como se estivessem na estufa da maternidade.
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Um facho de luz que vinha de um furo no teto caminhava lentamente em direção a Marco, até que atingiu sua testa. Já passava das onze horas.
Ele virou-se para o outro lado e continuou dormindo. Zé foi o primeiro a acordar. Meio tonto, com a cabeça doendo, olhou para Marco, e tentando abrir melhor os olhos, ergueu as sobrancelhas, enrugou toda a testa, e quase desistindo da proeza fechou-os novamente.
− Acorda. Hei...; Acorda columbina desvairada. − Calma lá... Já vou mãe.
− O babão! Já é dia! Vamos embora?
Marco nada de acordar. Zé começou a inspecionar a casa. Praticamente em ruínas; o telhado cerâmico se confundia com o que restou de um forro de madeira completamente deteriorado; pé direito elevado; janelas grandes; não se reconhecia a cor das paredes, mas parecia que já tinham sido amarelas; o assoalho no qual dormiram, de tábuas largas, rangia ao caminhar. Não havia nenhum móvel.
− O império do pó !
− Finalmente você acordou ?
− Meu estômago acordou. Estou morto de fome.
− Vamos dar uma vasculhada. Parece que esta casa é mais antiga que o arco da velha.
− Tá vendo aquele barro ali? − O que é que tem Marco? − Resto do dilúvio!
− Que barulho foi este?
− Meu estômago acaba de comer meu fígado.
− Pare de brincar, Marco. Eu ouvi mesmo alguma coisa.
O barulho vinha dos fundos da casa. Estava um pouco escuro, havia muitos quartos e um corredor assombrosamente longo.
- 18 -
Cada porta que abriam aumentava a curiosidade e o
medo.
Marco estimou haveria pelo menos uns trinta metros de corredor. As janelas estavam todas travadas pelo tempo. Não eram venezianas, mas de madeira maciça; muito velhas, porém intactas .
Não conseguiam entender, como estando ela a tanto tempo fechada, ninguém a tivesse invadido ou simplesmente destruído, saqueando portas e janelas de tão bom material. Místico seria a definição do primeiro impacto. A o
fundo uma mesa de pedra polida, parecendo uma espécie de altar, desses que se via em rituais antigos.
Marco, que sempre tinha uma piadinha pra tudo, somente observava; respiração curta, voz trêmula... não conseguia pronunciar sequer uma palavra.
Lentamente, desceram os dois degraus que davam acesso ao misterioso salão. Pisaram com receio no chão frio e úmido. Havia claridade e mesmo sem qualquer janela ou abertura além da que entraram, estava mais claro que n o corredor.
− Incrível! – diz Zé, quebrando o silêncio .
− Só! − e isso foi tudo que Marco conseguiu falar.
– Dá só uma olhada nisso! Parece que as pedras estão apenas encaixadas, intertravando umas nas outras, até fecharem no teto. Uma redoma perfeita.
− Só.
− Tá exp licado!
− O que é que está explicado Zé? − Finalmente falou Marco baixinho.
− Porque ninguém invadiu esta espelunca. Macabro ! Vamos sair daqui.
- 19 -
Passados apenas dois dias, Marco jazia em seu quarto, enterrado sob pilhas de livros, buscando alguma explicação para o que viu. Rituais, misticismo, seitas, Paulo Coelho, Alan Kardec etc.
− Marquinhooooo... − Era sua mãe já preocupada com o sossego que pairava no lado leste da casa.
Marco quando criança sempre foi de fazer artes elaboradas, normalmente inspiradas nas aventuras do vovô Ulisses. Quando tudo estava muito tranqüilo, alguma coisa estava por acontecer. Desta vez ele simplesmente estudava.
Zé possuía uma estamparia e estava sem muito serviço. A época forte, que era nas campanhas políticas, onde a estamparia faturava os tubos, já tinha passado.
Menos curioso, não se prestou às pesquisas que Marco fez, porém sua curiosidade e ociosidade o obrigavam a retornar àquela casa.
O que será que tem, nos outros compartimentos em que não entramos? – indagava-se. Como a luz dentro do salão poderia ser mais intensa do que nos outros lugares da casa? Marco provavelmente teria uma explicação científica pra isso. Será?
− Marquinhooooo..., o Zé está aqui.
− Pede, por favor, pra ele subir e trazer a minha mamadeira, mamãe.. .
Por mais que tentasse, Marco nunca conseguiu que sua mãe o visse com os 19 anos que já tinha.
− Zé, como sua mãe o trata? Feito bebê? – perguntou o amigo assim que Zé entrou no quarto.
− Só falta me dar chupeta e dois tapinhas na bunda quando vou dormir, porque de resto...
− Mãe é tudo igual, só muda de endereço.
− É, mas o dia em que elas tratarem a gente
pelo que merecemos, estamos ferrados.
- 20 -
Caíram na risada.
Marco explicou, sob vários aspectos, o que não poderia ser aquela casa. Mas o que realmente seria... isso ele não conseguiu.
No dia seguinte, bem cedo, voltaram para vasculhar o restante da enigmática e curiosa casa.
− Você contou para alguém sobre a nossa missão ? − Claro que não Zé. E você ?
− Bem... Pra falar a verdade... Só falei pra Diana.
− Pô. Que raio de homem é você que não sabe guardar um segredo? E justo pra Diana?
− Espera aí. Não era segredo!
− Não era ?
− Não.
− Bom, neste caso eu posso confessar que também contei pra Diana.
− É...? Lindão! E aquele papo de raio de homem que não guarda segredo
?
− Esquece. Não era segredo, lembra? Mas absorva a lição de moral.
− E que moral você tem pra me dar lições?
− Esquece. Que cara chato...
Após alguns instantes...
− A Diana sabe mesmo guardar um segredo. Né? − Quem será que contou primeiro...?
Entraram na casa. Ela estava como deixada.
Um grito histérico e absurdamente alto, de mulher, ecoou em sentido contrario à direção que caminhavam.
− Vamos fugir, este lugar esta tomado por espíritos.
− Olha Zé. Uma alma penada. E vem vindo em nossa direção .
− Corre !
- 21 -
Os dois se bateram pela porta de saída e já lá fora se embolavam no chão, depois de tropeçarem na soleira da porta.
O pavor chegou ao extremo quando a tal alma penada caiu por cima deles.
− Haaaaaaaaaaaa... −os três gritaram.
− Diana? O que você está fazendo aqui?
− Pensamos que você fosse uma alma penada.
− Penada é a mãe! Dá pra tirar esse pé cheio de dedo s de cima de mim, por favor?
Diana não prima pela educação, é extremamente independente e acredita que as mulheres dominarão o mundo quando se unirem. Contudo adora um mimo. Carente de afeto , veste-se como cigana, adora filosofia e idolatra Janis Joplin.
− E aí Lady Di
veio constatar? Não acredita nos amigos?
− Tanto acredito que estou aqui. Mas não achei o salão com crânios espalhados pelo chão, altar de sacrifícios manchado de sangue e nem inscrições nas paredes cobertas de teia de aranhas gigantes.
Cada um sabia a parte que lhe cabia da história e resolveram deixar tudo explicado com uma gargalhada sarcástica.
− É..., vamos dar uma boa olhada em tudo novamente. Marco, desta vez, trouxera um capacete de espeleólo go, (daqueles que têm chama a carbureto) fruto de um curso de exploração de cavernas que fizera há pouco tempo.
Entraram na casa pé ante pé, ouvidos e olhos aguçadíssimos não perdiam nenhum detalhe.
Agora não poderiam recuar. Onde ficaria a moral?
− Para de respirar em cima de mim, Zé. Vai apagar a chama!
− Não sou eu não, estou aqui atrás.
− Então quem está fungando no meu cangote ?
- 22 -
− Sou eu, seu cagão. Minha rinite está atacada. Vê se olha pra frente, e ilumina o caminho.
Entraram no salão, agora com a luz do capacete e não percebiam se ele estava, como da outra vez, mais claro que o resto da casa. Atrás da mesa escondia-se uma abertura pequena com uma escada, que dava acesso a uma espécie de porão.
− Olha uma escada.
− Tá subindo, ou tá descendo?
− Na verdade, ela está paradinha...
− Legal, agora vê se tem alguma alma penada nela. Uma escada esculpida na própria rocha dava acesso a
um porão cravado de pilares e paredes do mesmo material argiloso. Os degraus gastos davam a certeza que outrora havia m sido muito usados. Frio e úmido, o cheiro de terra era dominante. O porão em si, na verdade, mais parecia uma mina abandonada, escavada há muito tempo.
Passagens estreitas e caminhos sinuosos não permitiam ter-se uma noção da extensão do lugar.
Caminharam por alguns instantes, sob a luz do carbureto.
− Esperem − disse Marco levantando a mão.
− O que foi? O que você viu? Tá me deixando com meeeedo !
− Depois sou eu o cagão, né? Estamos parando porque me lembrei de um procedimento básico de exploração que não estamos seguindo. Poderemos nos perder se o caminho de volta não estiver corretamente demarcado.
− Tudo bem, eu não queria mesmo prosseguir.
− Não senhor; vamos voltar até a escada e retomar nossa expedição ao desconhecido.
− Marco? Você não está empolgando um pouco de mais ?
- 23 -
− Minha cara colega, o que seria do desenvolvimento científico se não fossem os gloriosos homens de nossa história, que desbravaram as entranhas do raciocínio humano e buscaram, muito além do mundo cotidiano as respostas para as mais intrigantes e obscuras perguntas? Temos que viver as perguntas e nos entregar inteiramente às soluções. O futuro depende de nós, que neste momento não devemos fraquejar e superar o medo, o frio, a angústia, a fome...
− É Zé, seu amigo pirou de vez.
− O gás do carbureto não tá fazendo nada bem...
− Desculpa gente..., eu estava indo tão bem, que me empolguei.
Na volta ao ponto de partida, desenharam setas indicando o caminho percorrido.
Um labirinto de barro e areia.
− Estou me sentindo a própria minhoca.
− Viagem ao centro da terra. Quem leu Julio Verne? – perguntou empolgado Marco.
− Pelo visto só você Einstein. – Respondeu o amigo.
− Einstein... Aquele cara engraçado que tirava foto com a língua de fora? Vai se achando! – exclamou Diana com ar de deboche.
− Não é incrível imaginar que tudo isso foi construído por uma civilização culturalmente muito mais atrasada que a nossa, e que somos os primeiros seres do segundo milênio a testemunhar o que estava intocado a centenas, talvez milhares de anos?
− Marco? De onde você tirou essas conclusões? − Estou só imaginando.
− Então, imagina só, se essa meleca toda caísse em cima da gente.
- 24 -
− Não se preocupe Diana, o tempo que permaneceremos aqui, é infinitamente pequeno em relação à eternidade da existência destas galerias.
− E daí? O que é que eu tenho a ver com isso?
− Não sei, mas foi assim que me ensinaram no curso de cavernas.
− Hei Zé..., cê tá vivo? Fala alguma coisa...
− E dá tempo? Vocês não fecham a matraca um só segundo!
Chegaram de volta ao pé da escada, e não podia ser maior a surpresa. A abertura por onde entraram estava fechada. − Trancaram a gente aqui...! E agora, o que faremos?
− Foram os espíritos... Eu falei que o lugar era mal assombrado!
− Calma... Estamos muito nervosos. Vamos analisar calmamente a situação.
− Será que a escada que nós descemos não é esta?
− Vejam... O que está fechando a passagem é o tampo do altar!
− Vamos Zé. Ajude-me a tirar essa pedra, não pode ser tão pesada.
− Socorro! Estamos presos! – gritou Diana desesperada.
- 25 -
Otimismo
Por mais que se esforçassem, não conseguiram movê - la.
− Eu quero sair daqui! −Gritou apavorada Diana. − E agora? O que faremos?
− Não sei Zé. Mas não vou ficar aqui esperando o carbureto acabar. Vamos procurar outra s aída.
Virando-se para Diana falou energicamente.
− A melhor coisa que podemos fazer é manter a calma. Temos que pensar em alguma maneira de sair daqui. Entendeu? Diana não respondeu, mas entendeu o recado. Caminharam pelo trilho já conhecido, fazendo nova s marcações.
Não caminharam muito e uma corrente de ar apagou a chama do capacete.
− Black-out... Agora sim estamos perdidos.
− Engano seu... Fiquem todos juntos. Vou acender a chama novamente e seguir o nosso guia para fora deste labirinto. − Já se elegeu o guia da expedição, Marco? − Irritada
Diana não percebeu o que acontecera.
− Não sou eu. O nosso guia é o vento que apagou a chama, só temos que segui- lo.
− Tá legal Marco! Você meteu a gente nesta furada, com aquele papo mole de entranhas do raciocínio humano
e agora tá se achando a Poderosa Isis. Porque o Senhor Sabe Tudo
não tira as calças e deixa o seu passarinho voar para a liberdade e nos tirar dessa enrascada?
- 26 -
− Minha cara..., o vôo do condor fica pra mais tarde. − Você vai ver o quanto eu sou cara. E vai me pagar.
Zé só dava risadas. Diana tinha esse jeito estourado, mas era boa companheira. Seus comentários serviam para descontrair um pouco.
Não demorou muito, o aperto dos corredores foi substituído por uma sala não muito grande, de formas irregulares e areia muito fina como piso.
Marco iluminou a sala e viu uma faca fincada na parede. Embaixo da faca, e sobre a areia fina, uma caixa de pequeno porte, muito bonita e pesada, constituída de um material desconhecido, parecia chumbo com textura plá stica. Não possuía dobradiças ou fechaduras.
Zé arrancou a faca que estava fincada e com um ar de incógnita voltou-se para os outros.
− Está quente!
− Como quente? Muito quente?
− Não. Mas tudo aqui é gelado, e a faca não está nem fria: está morna .
Realmente curioso. A faca tinha como cabo um osso polido pelo uso. Possuía uma lâmina macetada, mas pouco afiada. Na junção, entre a lâmina e o cabo, um trançado de juta era o único acabamento mais elaborado.
− E esta caixa? O que tem dentro?
− Não da pra abrir. Não tem fechadura ...
Olha, uma pedra cravada nela!
Ao tocar na pedra, misteriosamente a caixa se abriu. Dela saiu uma luz extremamente forte que obrigou todos a fecharem os olhos. Um calor intenso tomou a sala de imediato.
− A maldição... – gritou Di ana.
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Caíram todos no chão, e ali ficaram sem consciência por alguns instantes.
Diana voltou a si, e chacoalhando a cabeça como de costume, não acreditou no que viu.
As paredes da sala estavam petrificadas, como as que encontraram no primeiro salão. Seu anel robusto em forma de caveira estava tão quente que ela o tirou do dedo.
− Hei cara... Acorda !
− Que foi isso? O que aconteceu?
− Aconteceu que essa caixinha aí, deu um super mega choque na gente. E dá só uma olhadela nas paredes e no teto. A bagaça virou tudo pedra.
− Incrível! Zé?... Zé, você tá legal?
− Aaaai! Essa caixa é muito brava meu irmão! Deu- me um chacoalhão animal.
Diana comentou a respeito do seu anel, e eles verificaram que todos os metais que estavam na sala absorveram de certa forma a energia desprendida pela caixa.
Deixaram a arca aonde ela caíra. Apanharam somente a faca de cabo de osso e prosseguiram à procura de uma saída, intrigados com o que acabara de acontecer.
− Joga essa faca fora Zé. Vai ver, esse cabo foi feito com osso de gente!?
− É Diana. Pode ser. Mas também pode ser a explicação do que aconteceu com a gente. Além disso, eu simpatizei muito com ela.
− O perigo é ela não ter simpatizado com você.
Marco pela primeira vez não falava nada. A luz que saiu da caixa, as paredes que viraram pedra, tudo aquilo era muito enigmático. Seus conhecimentos físicos não compreendiam o que havia acontecido.
− O que temos de equipamento e comida? − perguntou Zé.
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− Olha Zé... Eu tenho mais umas dez ou doze pedras de carbureto. Dá pra bastante tempo. De equipamento, além do capacete, só temos o isqueiro e a faca. Comida eu não trouxe nada.
− Temos um chocolate, que eu só vou dividir quando me tirarem daqui.
− Diana, sei que é brincadeira sua, mas espero não precisar comer antes disso. O que mais temos?
Ninguém se manifestou. Entreolharam-se e sem dizer nada, buscavam conforto na companhia do outro.
Os caminhos se tornavam mais difíceis à medida que avançavam e superando inúmeras adversidades, chegaram a uma nova bifurcação.
Normalmente optavam pelo caminho mais largo ou de melhor acesso, mas esse era muito duvidoso.
− Direita ou esquerda?
− Tanto faz, estamos perdidos mesmo.
− Temos sempre que pensar na melhor situação.
− Essa sua insistência em pensar é que me deixa louca. Por que a gente não deixa ser guiada pela minha intuição feminina?
− Porque eu não quero parar no inferno! Espera aí, é verdade!
− Gostou da minha sugestão?
− Não, do inferno. Nós temos que subir. Então o melhor caminho é o que está subindo.
− Legal, mas qual dos dois está subindo?
− Nenhum deles. Mas aquele está − e apontou para uma fenda acima e na lateral.
Era muito mais estreito do que os outros, dava medo só de pensar em entrar.
− Nem sonhando... Você tá ficando louco, de novo. Zé , fala pro rapazinho aqui que nós não somos tatus .
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Zé não abriu a boca. Marco passava muita confiança no que dizia e Zé sabia que não fora culpa de Marco eles estarem naquela situação.
− Bem, dois a um. A bancada feminista perdeu. Querem ir junto ou esperar que eu faça um reconhecimento primeiro?
− Você vai primeiro. − respondeu rapidamente Diana − Mas deixa a lamparina aqui com a gente.
− Zé; me ajuda a subir. Fiquem sentados, que eu volto o mais rápido que puder.
− E a lamparina? − reivindicou inconformada.
Marco não deu nem atenção. Já na beira da fenda, estendeu a mão, que Zé apertou em silêncio. Seu olhar dizia tudo .
Marco cerrou os lábios, acenou com a cabeça e sumiu lentamente dentro da fenda.
− Ele está certo, Diana. Temos que arriscar. − Eu sei disso. Mas tenho medo sabe?
− Estamos todos com medo. Ou você acha que é mais fácil entrar lá sozinho, do que ficarmos os dois aqui, mesmo que sem luz.
− É... Posso sentar na sua perna? Esse chão está tão gelado...
Não demorou muito e já viram um clarão. Era o Marco retornando.
− E aí... Alguma coisa?
− Infelizmente não tem saída, mas dê só uma olhada nisso.
− O que você tem na mão? Parece só uma raiz. − E é uma raiz.
− Pra falar a verdade, não estou com fome agora. Mas é comestível?
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− Provavelmente não − Marco sempre fazia certo
mistério.
−Vai Marco, fala logo: qual é a charada ?
− Se você não tiver uma resposta no mínimo coerente, vou fazer com que você engula essa mandioca subnutrida.
− Calma, fofinha... Não gaste suas energias. Vai precisar delas.
− Tá legal, Marco, desembucha.
− Essa raiz é sinal de que cheguei bem próximo da superfície. Temos que achar outra passage m.
Marco sabia que algumas árvores poderiam cravar suas raízes a muitos metros de profundidade, porém alimentar as esperanças dos companheiros era seu real objetivo.
Andaram por várias horas e já enfrentavam um terrível inimigo. A sede.
− Não temos água, correto? − perguntou Zé já sabendo da resposta.
− Na verdade a única água que temos é a do cantil do carbureto. Mas não podemos bebê-la ou ficaremos sem luz.
− Desde quando precisa de água pra pegar fogo na sua lamparina fedorenta? − lógico que foi a Diana que indagou. E Marco respondeu :
− A pedra de carbureto precisa da água para liberar o gás que vem por esta mangueirinha até o queimador aqui em