Pedro Paulo Palhaço...e Algumas Estórias Do Cotidiano
De M. L. Brevis
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Pedro Paulo Palhaço...e Algumas Estórias Do Cotidiano - M. L. Brevis
PEDRO PAULO PALHAÇO
Numa noite de quinta feira, pouco antes da chuva inundar o barraco da sua mãe e levar tudo o que ela tinha ganho de presente para o seu futuro bebê, nasceu Joaquim. E a festinha organizada por dona Carlota para festejar o nascimento, no bar da esquina no final da ladeira, que também foi levado pela enxurrada, ficou para depois. Não era para ser naquele dia, muito menos naquela noite de tanta chuva, raios, trovoada e ventania, mas a sua mãe ficou muito nervosa com o temporal. Ela tinha, desde pequena, medo de trovão. Sozinha no seu barraco e sem ter com quem falar, tentou se esconder debaixo da cama, mas a barriga não a deixou. Assim que ela ouviu o próximo trovão, seu susto foi tanto que logo, logo entrou em trabalho de parto e em menos de duas horas Joaquim, já posicionado, começou a abrir caminho entre suas pernas, mostrando desde o inicio, sua pequena cabecinha e pedindo para nascer. Ela foi levada às pressas para o hospital, onde o médico de plantão, um homem forte e bonitão, foi muito eficiente – com a ajuda de uma jovem enfermeira e outro funcionário magricelo que passava no momento pelo corredor, tirou Joaquim rapidamente do sufoco no qual ele se achava. Depois, desenrolou o cordão umbilical do seu pescoço e orgulhosamente o apresentou ao mundo. Só que Joaquim inicialmente não chorou. Continuou quieto, calado, talvez dormindo, e todos os que assistiam ao parto, esperando ansiosos por ouvir o som da vida ecoando pelo diminuto pescoço da criança, em silêncio também permaneceram. A mãe, dona Terezinha, como era conhecida na comunidade, sentiu a estranha quietude e notou a expressão ansiosa no rosto de cada um dos que estavam ali ao seu redor e também, da senhora moribunda que muito quieta, os olhava desde o outro lado do corredor. Então, bem na sua frente, ela viu seu filho recém-nascido, pequeninho e meio azulzinho e, embora estivesse bastante cansada pelo esforço do parto, dona Terezinha o chamou:
‒ Joaquim! Para de brincadeira, tá na hora de nascer! – Em seguida, ela disse meio nervosa, para os outros ali presentes:
‒ este menino vai ser um palhaço!
Joaquim, ao que parece, reconheceu a voz da mãe e começou a se mexer, fazer caretas, se espreguiçar, até que finalmente o choro se ouviu e os que estavam ao seu lado, aliviados, começaram a rir.
‒ Não disse, Esse menino vai ser palhaço! ‒ Terezinha voltou a falar, agora mais sorridente. Depois, pegou seu filho e o colocou no seu peito, e o alimentou com seu leite e com seu amor.
Ah... Mas isso foi muito bom para todos! Para Terezinha, porque apesar do roxo que Joaquim ficou, ele veio inteirinho, com todos os dedos dos pês e das mãos; para o médico de plantão, porque com tanta fatalidade acontecendo na emergência do hospital público nesse dia de temporal, ajudar no nascimento de um novo ser era mais um reforço à razão pela qual tinha escolhido a sua profissão; para a enfermeira que os ajudou, porque aquela era a primeira vez que presenciava um parto tão de perto, logo ela que, embora quisesse muito, com trinta e poucos anos de idade ainda não tinha gerado um filho; e para o funcionário que por acaso se encontrava no local, foi muito bom, porque cansado com tanta desgraça acontecendo pelos corredores do hospital, o choro de uma criança azul o fez sentir mais humano.
Joaquim, sem pai, sem avós e também sem irmãos, recebeu desde aquele primeiro dia de vida, muito amor da sua mãe, quem orgulhosamente o apresentou a todos na comunidade onde ela morava, como seu menino azul. Ele foi crescendo lentamente. Era sempre o menor, o mais miúdo dos meninos da sua rua, o mais atrasado no seu desenvolvimento. Joaquim demorou a começar a caminhar e também para falar. Houve alguns vizinhos que pensaram que o menino não era normal e que possivelmente era surdo-mudo.
Nos seus primeiros anos de vida, Joaquim realmente falou pouco, mas sempre percebeu como as pessoas riam muito dele ou do que ele fazia. Os meninos que moravam na ladeira onde a chuva varreu tudo no dia em que ele nasceu, a mesma ladeira na qual ele e a sua mãe voltaram a morar, depois de um ano de espera num abrigo por um lugar melhor, não o chamavam para brincar, e Joaquim cresceu sem a companhia de outro alguém da sua idade. Mas o menino não se afetava com isso, pois conseguia entreter-se com suas próprias fantasias. Às vezes, enquanto brincava na rua, na lama deixada por mais um dia de chuva, sonhava e imaginava que estava rodeado de muita gente e que todos riam, porque aquilo era o mais normal na sua vida e aquilo o divertia. Gostava de sentir as gargalhadas dos outros e ver o sorriso no rosto das pessoas, mesmo que para isso ele tivesse que engolir o choro, porque muitas vezes, alguma coisa no seu interior lhe doía.
Aos três anos de idade, Joaquim descobriu qual era o seu destino na vida e foi porque dona Terezinha, sem querer e sem saber, falando com a vizinha, contou-lhe o nome da sua profissão: palhaço.
‒ Eu sei – disse ela – todo mundo acha o Joaquim estranho, muito calado, que só olha pros outros, mas não se achega e não brinca com ninguém. Isso tudo é, porque ele é muito palhaço. Desde que nasceu este menino botou risadas nos outros! Eu disse pro doutor que ele era um palhaço... e não tava brincando, não!
Joaquim, que de tão quieto que ele era ninguém o via ou notava a sua presença, naquela hora estava do outro lado da porta de entrada ao seu barraco e ouviu tudo, embora sem compreender muito o significado daquela estranha palavra. Porém, como era sua mãe quem o dizia, ele acreditou que assim seria e que aquela seria sua profissão na vida.
Quando cumpriu seis anos de vida, Joaquim teve o seu primeiro dia de aula, o qual foi um tanto complicado. No caminho à escolinha, sua mãe, que naquele dia estava tão ansiosa quanto ele, disse-lhe que uma moça o levaria para uma sala cheia de outros meninos da sua mesma idade; foi o que ela lhe explicou, mas o que realmente aconteceu foi Joaquim ter ficado sozinho no meio de um pátio grande, todo cimentado, onde outros meninos vieram e curiosos, lhe perguntaram seu nome. A moça, que sua mãe tinha mencionado antes, apareceu mais tarde, no momento em que os outros meninos começavam a empurrá-lo, rindo de alguma coisa que ele não conseguia entender. Joaquim só se lembrava deles ter-lhe perguntado o seu nome e ele ter-lhes dito que quando crescesse iria ser um palhaço. Depois disso, todos riram, sem exceção. Veio o mais velho dos meninos e lhe deu um empurrão. Ele caiu no chão. Então, veio outro e lhe deu um pontapé. A moça, que ele acreditava ser amiga da sua mãe, agarrou-lhe pelo braço e de um grito só, fez todo mundo ficar quieto. E ele também. Mas, após aquele episódio no seu primeiro dia de aula, tudo ficou mais calmo e ele gostou da escolinha, porque tinha muita criança e porque todos também riam muito por lá .
Dona Terezinha, sem saber ao certo o que significava frequentar uma escola, esperava pelo seu filho todos os dias, no portão de saída da escolinha. Ela, muito interessada, queria saber o que seu filho fazia durante as cinco horas que ele passava lá e sempre lhe perguntava o que ele tinha gostado mais de fazer naquele dia. Joaquim sempre respondia que gostava de brincar.
‒ Mas meu filho, por que você brinca sozinho? Por que não brinca com os outros meninos? ‒ ela perguntou um dia, e Joaquim, intrigado com a pergunta, não soube o que responder. Mas não. Não era porque ele não quisesse brincar com outros meninos, senão porque ele preferia observar. Joaquim olhava tudo com muita atenção e imaginava a todos felizes, rindo do que ele tinha para lhes mostrar.
Um dia houve uma grande festa na escolinha e todas as crianças estavam muito animadas com a novidade do grande evento, pois diziam que haveria um show de final de ano e que, ao parecer, todos receberiam presentes de um tal de Papai Noel – um homem velho com cara de avô que gostava de se vestir de vermelho e viajava num trenó. Porém, Joaquim não se interessou, porque ele achava que o avô não era dele e não teria presente; também, não tinha lugar no barraco onde ele morava, para guardar presente algum. Mesmo assim, Joaquim foi à festa, pois tinha muita curiosidade de ver o avô vestido de vermelho. Sua mãe o levou e o deixou ali, no meio do pátio, no mesmo lugar onde ele chegou o primeiro dia de aula e foi recebido pelos seus colegas que, desde aquele dia e toda vez que podiam, gostavam de empurrá-lo e rir, rir