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Apartamento 157
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E-book193 páginas2 horas

Apartamento 157

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Sobre este e-book

Ela acabara de mudar de residência, mas ainda sentia no peito uma certa inquietação. No fundo sabia que a mudança de espaço físico era apenas a ponta de um iceberg de mudanças que estavam se anunciando no mar da sua inconsciência. Ela sabia que tinha o tempo da eternidade para seu aprendizado, mas neste momento a urgência de mudanças fazia presente como uma necessidade. De sua janela era sábia e saberia se abrir ao novo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de mai. de 2019
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    Apartamento 157 - Rodolfo Mhauro

    APARTAMENTO 157

    Ou felizes anos mortos.

    Rodolfo Mhauro

    Brasil

    2019

    "O que é noite para todos, é tempo de despertar para os aprendizes. E o  que  é manhã  para  todos, para o sábio  é noite"

    Bhagavad-Gitâ II, 69

    Para  àqueles que  caminham

    à  noite e encontram  luz.

    Rodolfo Mhauro

    20 de Dezembro – Sul do Equador.

    Pôr do sol! Vermelho violáceo.

    Ela admira as cores. Porém somente as frequências do espectro dos olhos do ser humano podem ser apreciadas.

    Miríades de cores coexistem embora não sejam vistas. Uma grande limitação do corpo físico: enxergar apenas as sete cores primárias e seus matizes. O corpo físico é primário.

    Da sacada de seu apartamento, Ela observa mais um pôr do sol. Mais um dia que se encerra como a vida que passa. O dia passa como passam as horas e a sua juventude.

    É verão. A temperatura estonteante ressoa nos tijolos e ferragens de sua moradia. Exala o calor, transpira.

    Um pouco de si sai pelos poros. Um pouco do sol sai pelos tijolos.

    O apartamento 157 é sua nova morada. Mudara de cidade, mudara de casa, mudara para mudar de vida. Mudara para poder mudar.

    Dessa varanda sentia o calor e via o tempo passar. Do alto via a cidade como uma grande possibilidade de mudar. Ela era a casa.

    Adorava os quelônios, os artrópodes e os crustáceos. Todos carregavam suas casas. Não era à toa que o signo zodiacal de caranguejo simbolizava o lar, residência e origem.

    A Lua na astrologia também simbolizava o lar, a nutrição, o seio, a mãe, o útero.

    A casa era o útero necessário que tirou o Homem das cavernas do relento e possibilitou a proteção necessária para uma vida mais longa e plena. As tartarugas viviam muito pois não saiam de casa.

    Ela era mística e estava em casa. Ela era do signo de caranguejo e encontrara sua própria casa.

    Seus principais sonhos oscilavam entre a ousadia e a segurança. Esse apartamento era um espaço de segurança. Mas ao mesmo tempo havia a ousadia.

    Gostara que o apartamento fosse no décimo quinto andar. O número quinze a remetia ao arquétipo da luxúria nas cartas do tarô. A casa nova seria o amuleto da luxúria.

    Ela queria a luxúria. Esse calor, esse suor, uma brisa fraca e a vista da sacada do décimo quinto andar, tudo inspirava e aspirava à luxúria.

    O desejo de ter um amante era tanto que às vezes achava as amizades uma perda de tempo.

    Queria dedicar-se em tempo integral ao desejo e à luxúria. Queria o sexo calmo com bocas urgentes. Queria um homem que se entregasse.

    Seu maior sonho não era morar num apartamento, mas ser a moradora nos olhos de alguém.

    O sol sumia dos seus olhos. Sumia atrás das montanhas. A luz difusa pintava o cenário como um quadro de Monet.

    Com o ocaso parecia que haveria trégua na intensidade do calor.

    Um pouco acima do horizonte a bela Vênus começava a se mostrar. Estrela que muito tem a ensinar às mulheres. Na mitologia grega, uma das histórias, é que ela teria nascido das espumas do mar e dos testículos de um Deus castrado, era o poder feminino que surgia das águas da inconsciência.

    Do outro lado, a lua silenciosa, emergia num laranja avermelhado contra o azul escuro do céu. Lembrava a bandeira do Japão ou a um botão de pérola num manto azul da grande deusa Nix.

    Ela era solar. Mas se sentia mais pertencente à noite. A noite trazia segredos e mistérios.

    De seu apartamento podia sentir cheiros de comida que instigavam o estomago e a alma. Não tinha a menor vontade de sair do parapeito da sacada. Ainda não sentia sede apesar da noite quente de verão.

    Não sentia fome. mesmo com tantos cheiros a provocarem as narinas. Não sentia. Simplesmente não sentia os instintos de sobrevivência. Aliás, não queria sobreviver. Queria viver.

    Sobreviver era uma palavra equivocada pois parecia acima do viver, o que Ela via na maioria das pessoas era o subviver.

    Seu corpo tinha outras fomes. Sua alma sentia outras sedes. A brisa noturna secava um pouco do seu suor, e vagarosamente sentia um leve frio sobre a pele.

    Com aquele verão, quase esquecera como era a sensação de frio.

    O calor teria sua culminância no solstício de verão. Esse calor de há séculos teria seu começo no dia seguinte.

    Estranho viver em contato com aquilo que nem sequer começou. Saber que o mais intenso ainda não chegara a seu ápice trazia alguma expectativa, mesmo que pequena.

    Olhava as luzes do céu e as luzes da cidade e lembrava- se de uma antiga oração de quando criança que a fazia refletir na similaridade das coisas que dizia: assim na terra como no céu.

    Luzes assim na terra como céu. Luzes. Flashes de luzes na sua mente traziam a lembrança de quando não havia luz elétrica e as lamparinas tremeluziam e projetavam fantasmas na sua casa. Lembrou que Ela própria era a casa e seus fantasmas.

    Vivia assombrada com tudo. Assombrava-se com a tecnologia que colocava o homem num outro patamar. Tanta informação lhe chegara que nem era possível digerir. Estava constipada de informação.

    A informação rápida pegava carona no tempo e dava a impressão que tudo acontecia muito rápido sem dar a chance de prestarmos a atenção ou ter um melhor foco. Essa rapidez contribuía para não fazer escolhas e ter dificuldades de experimentar.

    O ser Humano, na maioria das vezes, era um expectador da própria vida cujo filme era exibido de forma acelerada. Faltava um timing na modernidade, faltava um tempo para a própria vida.

    Ela era assombrada com tantas possibilidades de viver no mundo real e a grande preferência do momento era viver o mundo virtual.

    Conhecera num passado recente um homem que modelava o seu corpo como os dos fisiculturistas que via nas redes sociais. Ele queria tanto um corpo igual ao dos atletas que cada dia passava a detestar mais e mais seu próprio corpo. Conforme trabalhava na academia seu corpo ia pouco a pouco se parecendo com o modelo desejado, mais narcisista se tornava, incapaz de ver qualquer pessoa que não fosse a si mesmo. O ideal de corpo perfeito fazia com que ele renegasse o próprio corpo. E a não aceitação de si e do seu corpo, o deixava mais infeliz.

    Às vezes esse amigo sonhara em ter o corpo igual ao de David de Michelangelo. Esquecera, porém que David não se fez, mas foi feito. Não percebera que David não evoluíra, apenas permanecia. David estava no mesmo lugar.

    Seu criador evoluíra, mas David continuava na sua própria matéria inerte: mármore. O que havia de mais caro na época não andava, não se mexia, não evoluía. O narcisista se preocupa tanto em ser admirado que não consegue admirar ninguém.

    O amor começa com admiração, e o narcisista não sabe admirar, por isso não consegue amar de verdade. Admirar uma estátua ou um objeto também é egoísmo e medo.

    Ela por sua vez nunca amaria uma estátua. Ela nunca amaria quem não evoluía.

    Seu olhar acompanhava transeuntes que estavam 15 andares abaixo. Com o início do frescor noturno algumas pessoas saiam para caminhar.

    O que será que elas pensavam? Será que percebiam que há mais ou menos 35 metros acima delas, alguém as observava?

    Qual seria a sensação de ser observado sem que se soubesse? Existiria tal sensação? Ou haveria apenas a ignorância do não saber?

    A mesma ignorância que havia na maioria das pessoas em não perceber os planos paralelos e seus habitantes. Da mesma maneira que éramos observados o tempo todo e não percebíamos. Do mesmo jeito que não havia como perceber os matizes coloridos do pôr-do-sol ao entardecer.

    A sombra que agora fazia, permitia que as pessoas saíssem das suas casas e fossem caminhar, se exporem um pouco. Faziam o movimento contrário ao próprio ego, saiam nas sombras por não suportarem a força da luz.

    À sombra podiam sorrir e fingir uma suposta felicidade. A felicidade se resumira à falta de luz. À sombra era mais fácil mentir e se enganar.

    À sombra...

    Entendera que quando se assombrava com as coisas do cotidiano, além do fascínio, isso se dava por essas coisas permanecerem à sombra, difusas.

    À sombra, Ela podia invejar. Podia ser perversa. Podia ser ciumenta. Tudo que era politicamente incorreto e não aceito podia se viver na sombra. Será que por isso tínhamos sombras tão densas? Será que por isso nossas sombras eram tão grandes? Por isso haviam os estímulos das redes sociais, para permitir a manutenção da sombra e para continuar a não ser?

    O mundo que se perpetuava era o mundo das sombras. Estaria o plano físico descendo um pouco mais o seu nível frequencial para ser cada vez mais o mundo das sombras?

    Assombrava-se. Era a única maneira de continuar se relacionando com as pessoas, assombrada!

    Assim procurava um parceiro na luxúria. Era o assombramento que lhe dava forças para sair de casa e fazia se sentir sozinha e solitária. Era o assombramento que lhe trazia o incômodo e a levava a experimentar as coisas, os sentimentos e as relações. À sombra tinha-se licença para sofrer desde que se mantivesse nas sombras. As pessoas eram assombradas o tempo todo, por isso faziam muito barulho.

    A luz em si fazia com que Ela se recolhesse. Paradoxalmente a luz fazia com que ficasse isolada. A luz a preenchia e fazia com que Ela não precisasse de nada.

    Na luz, Ela por si e em si se bastava. A luz a distanciava das relações. A luz era para poucos momentos. A luz era para poucos.

    Ela entendia o momento de ser sombra e se assombrava. Entendia também o momento de ser luz e se iluminava. Essa era a verdadeira dança de Shiva.

    Um passo na sombra e outro na luz. A dança era ter esse entardecer em sombras como palco.

    O dia com sua luz e a noite com suas sombras. O dia projetava e refletia. A noite necessitava de luz para se movimentar.

    Dia e noite eram partes de uma mesma coisa. Shiva deixava um pé no dia e outro na noite, por isso em sua imagem trazia de um lado o sol e de outro a lua. Macho e fêmea juntos, à imagem e semelhança de Deus. Dia e noite juntos eram mais do que dois, era uma coisa além.

    O tecido negro da escuridão desceu sobre o cenário. As luzes artificiais da cidade pareciam filigranas a cintilar no manto negro da Senhora da Noite.

    Plena de lua, Ela se encantava. Desistira de olhar para baixo e passara a contemplar o alto. Seus olhos cor de mel, invadiam a abóbada negra. Chegara a ficar meio tonta e quase se desequilibrara na sacada. Seria uma queda e tanto!, pensara. Ou talvez seria o grande teste para saber se realmente conseguiria voar.

    Não! Não se desafia assim à toa as leis do próprio plano, como a lei da gravidade. Essa lei que aprisiona ao chão e impede a liberdade plena.

    As leis deveriam libertar e não aprisionar. Ao mesmo tempo que pensava isso, lembrava essa lei só se aplicava na densidade desse plano. A densidade é que aprisionava, a lei só regulamentava.

    Não

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