Psicanálise De Brasileiro
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Psicanálise De Brasileiro - Luiz Antônio Viegas E Renata Quiroga
PSICANÁLISE DE BRASILEIRO
VOLUME 2
Organização e apresentação
Luiz Antônio Viegas
Renata Quiroga
Clube de Autores – Brasil
Psicanálise de Brasileiro © 2021, Luiz Antônio Viegas e Renata Quiroga
ISBN ebook: 978-65-89416-34-0
Ilustrador: Waldez Duarte
Revisão de texto: Poliana Oliveira
Projeto gráfico e diagramação de miolo: Eliane Otani/Visão Editorial
Os textos e imagens aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores, cujos direitos foram devidamente cedidos por eles aos organizadores da obra.
PSICANÁLISE DE BRASILEIRO
VOLUME 2
Carlos Alberto Mattos
Cláudia Braga de Andrade
Denise Maurano
Joana Souza
Jorge Luiz Veschi
Lucia Perez
Luiz Antônio Viegas (org.)
Maicon Cunha
Maritza Garcia
Marlise Eugenie D’Icarahy
Paulo Sternick
Rafaela Quiroga
Renata Quiroga (org.)
Rita Maria Manso de Barros
Apresentação
O projeto Psicanálise de Brasileiro (1997) nasceu da reunião de diversos textos com a inserção de um bate-papo A psicanálise hoje no Brasil
, gravado em 1983 pelo periódico Gradiva.
A teoria psicanalítica endereçou grande esforço à instrução da função pátria como constituinte da subjetividade. Embora possamos preservar a importância da alocação paterna no processo de formação do sujeito, faz-se necessário um olhar de maior amplitude sobre a fratria.
De 1997 até o Brasil de hoje foram impressas algumas diferenças, tanto no brasileiro que se serve do divã, quanto no que oferta uma psicanálise à brasileira.
Nesse percurso temporal, a investigação do lugar do discurso psicanalítico ganhou corpo em face das promessas imediatistas de outras narrativas, possivelmente aderidas ao desejo do brasileiro.
O que se fez em 2020 com a herança de desamparo e culpa? Qual funcionamento regente liga os órfãos do pai primevo? Qual foi o destino da solidariedade e do visor de alteridade? Tais questionamentos direcionam-se aos achados relacionais entre os irmãos que tomam a cena nacional dos dias atuais.
O livro Psicanálise de brasileiro – Volume 2 convida ao pensamento sobre a construção do sujeito que aporta, ou não, na clínica atual. Convoca reflexões sobre as tecituras do brasileiro contemporâneo com o gigantismo cultural de sua pátria.
A organização teve a ideia de reunir textos inéditos de psicanalistas e interessados pelo tema para compormos um olhar de mosaico sobre a psicanálise no Brasil de 2020. A partir da contribuição de cada autor podemos lançar perspectivas futuras sobre o lugar da narrativa psicanalítica.
Renata Quiroga
Luiz Antônio Viegas
ÍNDICE
Agalma – brilho de amor no psicanalista brasileiro
Freud e as fantasias
Entre a morte e o luto: notas sobre uma experiência clínica durante a pandemia
A psicanálise na cultura brasileira
Sexualidade, dor e amor na experiência psicanalítica
Os efeitos do erotismo
O concerto é de piano
Juventude, violência e agressividade, qual o papel da cultura brasileira nessa articulação significante?
Psicanálise e a masculinidade à brasileira
Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes e a psicanálise?
A psicanálise do chinês. Mas não era de brasileiro?
Psicanálise de brasileiros no ano inicial da pandemia de Sars-Cov-2
Amor, há perigo na esquina
1
Agalma – brilho de amor no psicanalista brasileiro
Luiz Antônio Viegas¹
Renata Quiroga²
Por que tanto me encantas?
Por que tanto boles em mim?
Que enigma é esse?
Que efeito transformador é esse?
És algo da dimensão imaginária e é disto que a gente se alimenta: Agalma. Algo irrepresentável que provoca efeitos, de brilho, de luz, que pode iluminar o por-vir.
É nesse fascínio que esse brilho nos abate e a dinâmica do amor opera sobre o que não sabemos sobre nós. Brilho que denota revelação e ocultamento ao mesmo tempo.
Opera e nos transforma em seres desejantes, uma vez que a falta se evidencia no amor, que quer sempre mais. Logo, o amor constitui-se pela função da falta.
Assim, Agalma é suscitar desejo, filho da falta.
Alavancado pelo querer saber sobre seus porquês
, eis que o analisando se dispõe ao dispositivo da psicanálise. Seu desejo é o de vir a saber amar melhor do que até então.
E assim, a análise revestida de brilho, um véu poderoso, enigmático, capaz de alimentar essa demanda de amor. Ao analista, que paga o preço do seu não-ser, cabe viabilizar condições para que o analisando formule questões e respostas. Para tal, atos de repetição recheados de um passado esquecido podem advir e assim brindar com êxito o manejo da transferência.
Mas que transferência é essa?
É um ato, que repetido visa dar sentido, mas nunca o suficiente, pois o real é inacessível, mas tentador e só faz despontar uma névoa sedutora. E então, vê-se expressa uma limitação fálica ao que se afirma tratar de uma posição feminina. Ela, a análise, nela o amor seduz o coração ao que é bom e belo, reluz Agalma e faz produzir, incita o saber fazer com a falta e com a passagem do não-ser ao ser. Denota indução nas relações desejantes. Embarcados nesse lugar de transferência, de movimento, tem-se a via para transformação. É a prática analítica usando o amor como alavanca. É o amor que se dirige ao saber. Recobertos por Agalma, mola da transferência, analisando e analista envoltos nessa marca de ficção.
Agalma, termo grego, é ornamento e tesouro, representa em psicanálise o objeto a, causa de desejo. Alimenta a ilusão de que há um bem supremo.
Em O banquete, de Platão, Alcebíades compara Sócrates a silenos, que são aqueles objetos colocados em oficinas de estatuários, tipo aquelas bonecas russas, que vão se abrindo uma dentro das outras, que aponta para um valor, um tesouro escondido. Sócrates era brincalhão, mas quando sério, revelava beleza interior.
Assim, algo nessa relação existe: um suposto saber. Agalma, um traço. Algo que desperta atenção, satisfação, gozo. Algo de dentro e que provoca o amor, ou seja, que nos faz desejar. Eis Agalma, objeto do desejo. Que nos remete ao imaginário de que lá está, no interior, algo que falta e nos fará abastecidos.
Eis aí a demanda de amor, onde, transferindo, atualizando o inconsciente, o analisando reflete seu próprio desejo. Ao analista, a prontidão na sua postura de escuta e revelação.
E o psicanalista brasileiro?
Nossos pacientes nos revestem com poder e sabedoria. O próprio setting suscita na fantasia o desejo de que ali residem respostas.
Um oceano, um iceberg... um setting
Circum-navegação é uma viagem marítima que circunda um só lugar, poder ser uma ilha, um continente ou o planeta Terra. A previsão das tábuas das marés é imprescindível para uma rota segura. Portanto, os expedidores avaliam as condições de circulação de ventos e correntes marítimas que rodeiam os hemisférios. Todas as medidas de controle publicam os Avisos aos Navegantes com objetivo de salvaguarda da vida humana no mar, que parte bem protegida com suas Cartas Náuticas em punho.
As águas calmas e tranquilas a bordo da embarcação de luxo levam e trazem as ondas, repetidamente, ao longo de toda a viagem. A monotonia do céu azul e o jogar das marolas enjoam mais do que descansam os passageiros. É quando o desejo de conhecer novas rotas supera a calmaria e o viajante se lança ao mar. Se vai morrer ou vai mudar de oceano, ele ainda não sabe.
O navegador se encanta com as profundezas do oceano, pois jamais imaginava existir um fundo do mar emerso de suas histórias infantis de piratas e tesouros. O medo de afogamento parece ser esquecido em meio ao mar aberto e a vontade de descer até encontrar navios encalhados com joias, pérolas negras e caixas semicerradas com fortunas perdidas.
O viajante abisma-se em mergulho certeiro. O cilindro é seu pulmão, o oxigênio é seu desejo. Muito brilho reluzente sai de dentro do mundo submarino, que se torna fonte de acesso ao belo abstruso para além da ponta da pedra de gelo.
O navegante, então, enamora-se pelo desvelar e velar dos conteúdos do tesouro. A viagem é longa, mas sua embarcação, mesmo diante dos assombros do mau tempo e da escuridão, equilibra-se na imensa geleira sustentada por sua não-vela.
Essa arqueologia molhada funda uma metáfora com a inscrição do processo psicanalítico do brasileiro, remonta um conjunto contemporâneo de ancoragem ao sujeito. O processo arqueológico para além dos naufrágios utiliza métodos subaquáticos para observação de vestígios de objetos submersos em águas profundas.
Em terra firme... na famosa festa de Ágaton, os convidados bêbados disfarçam seus excessos em elogios exagerados a Eros.
A chegada de Alcebíades subverte a ordem do evento. O convidado, ainda embriagado, endereça a Sócrates o elogio extraviado do amor. Ele não ama Eros, ele ama o que Sócrates, supostamente, sabe sobre ele.
Alcebíades, o viajante do banquete, tem certeza de que Sócrates possui o objeto precioso e infinito: a Agalma. Durante todo tempo Alcebíades esperava encontrar a resposta bem guardada nos silenos sisudos. Sócrates, sábio de seu tempo, sabia que nada sabia. Sabia que ao se esquivar de seu suposto saber lançaria Alcebíades na proa de seu próprio desejo. A essência do vazio e da criação silenciosa alocou o saber de cada um dos dois em lugares distintamente parecidos.
A relação transferencial no banquete dos discursos inaugura a matriz ocidental das narrativas sobre o amor. O fenômeno do amor transferencial serve de palco para a encenação histórica de antigos amores, reencarnados em novos encontros.
A dialética de Platão, inserida no processo analítico, instaura a ordem simbólica de contorno do real e, tal qual seu amor platônico, permite a aproximação ao que se mantém inacessível.
Por onde deságua a psicanálise brasileira? Que mares navegam analista e analisando brasileiros?
Em uma contextualização histórica, a psicanálise foi recepcionada no Brasil pela literatura da Semana de Arte Moderna de 1922. A tendência literária da época se desligava das formas de concepções artísticas erigidas nas escolas acadêmicas enrijecidas.
Solto da tristeza do Romantismo, da psicologia das almas, o Movimento Modernista da criação livre entendia o passado como origem criativa e não como passadismo. A inquietude modernista, com o tema de brasilidade, capturou o viés psicanalítico sobre a escrita e sobre si mesmo ao reescrever o brasileiro. As obras literárias desviaram das descrições biológicas e positivistas, e lançaram esse personagem brasileiro às garras de sua própria cultura e singularidade.
Nesse sentido, dentre tantas formas da construção cultural brasileira, o mosaico clínico que se desenha não define o brasileiro em características uniformes. Sua miscigenação histórica e colonizadora criou aspectos difusos em sua constituição. Contudo, aderiram-se ao jeito brasileiro de ser as alcunhas antropológicas de acasalamento, relacionamentos, amalgamentos, ligações e tudo que se relaciona à sua capacidade criativa.
Livre produção modernista, miscigenação cultural, criatividade. Ingredientes que formam uma habilidade singular para o brasileiro analista e divãnista. Habilidade de requebrar diante das dificuldades, de sustentar um divã que também se insere nesse multissaboroso caldo cultural. A psicanálise brasileira tem, como patrimônio de competência, a capacidade em associar-se livremente às facetas do humor, do saber se dar como falta e a partir dela permitir o criar do desejo do analisando por ele mesmo.
A suposição agalmática que Alcebíades fez a Sócrates é a mesma que o analisando faz ao analista. Tal qual Alcebíades, o analisando brasileiro tem certeza de que a resposta está bem guardada nos tesouros de seu analista, até entendê-la esvaziada de função, pois esta torna-se parte do enredo de um filme sem atores.
A marca da ficção desvia-se para a compreensão de que a resposta esteve sempre ali: sustentada na espera que, como ouro, acompanhou a falta. O gerenciamento da falta é o ato amoroso que brilha dentro dos silenos.
Sócrates, sem de fato saber, emprestou sua escuta em semblante do sujeito a Alcebíades em sua falta-a-ser.
O sujeito é suposto saber pelo analisando e, disposto ao saber, pelo analista. Nesse lugar, o analisando insiste, sabiamente, na caminhada do silêncio. Seguem assim um Duo Elo pela Travessia que permite amar novamente mesmo que inclua o sofrer, pois o viver agora é um sonho feito com seu próprio braço.
O psicanalista brasileiro admite as dimensões continentais de seu Brasil, e pode desmontar a transferência após ser usada pela jornada do sujeito por sua fantasia fundamental. O sujeito pode superar o amor, curar seus sintomas e separar-se de suas identificações.
A psicanálise do brasileiro se propõe a ser continente do não saber e a conter a falta constituinte do sujeito, pois oferta o belo ornamentado a estrada transferencial. O nascimento traz ao mundo o inconsciente ainda sem o sujeito, a poesia sem o poeta. Ambos, psicanalista e analisando brasileiros, percebem que sua marca criativa permite o entendimento de que há uma bela trilogia que circula em volta de sua própria condição insular, aportada nos mares da vida: o nascer, a Agalma e o Renascer. Na certeza de que caminhando juntos, é sempre mais suave.
Referência
PLATÃO. O banquete. São Paulo: Editora 34, 2016.
2
Freud e as fantasias
Carlos Alberto de Mattos Ferreira³
O presente capítulo propõe-se a apresentar uma síntese sobre as pesquisas na