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Sete Vidas Em Nove Mundos
Sete Vidas Em Nove Mundos
Sete Vidas Em Nove Mundos
E-book610 páginas9 horas

Sete Vidas Em Nove Mundos

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Sobre este e-book

As drásticas consequências recaíram sobre os mundos desfazendo toda a ordem vigente estabelecida. Os temidos tempos sombrios haviam chegado e ninguém estava, de fato, preparado para eles. As guerras por poder deram lugar à uma jornada de autodescobrimento e reparação histórica que não tinha precedentes. Sem nada a perder, o capitão Saul Victor parte em busca de vingança tentando, desesperadamente, trazer de volta tudo o que se foi. Montblanc, por outro lado, busca redenção na mais profunda e desconhecida fé, mesmo que isso possa provocar efeitos devastadores para o Universo Expandido. Com as mudanças nos paradigmas dos nove mundos, resta aos fracos mostrarem porque os fortes devem lutar, e como fazer isso sem causar mais danos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de jan. de 2022
Sete Vidas Em Nove Mundos

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    Sete Vidas Em Nove Mundos - Ícaro Vinícios P. S. Beluco

    Prólogo

    O

    berço da criação é onde nascem e se desenvolvem a fase inicial das essências de cada criatura que um dia vagará pelo universo negro e sem fim. É um planeta pequeno, coberto por um adorável gramado de cor alaranjada. Com grandes árvores distantes, de troncos brancos e folhas azuladas que iluminam as noites. As águas cristalinas brincam com as cores do fundo do solo em pequenos lagos ao longo da superfície. Um lugar feito para a vida. Imaginado pelo Pai e sob proteção da Mãe e da Luz, as planícies se perdem no horizonte. Pequenos riachos decoram as áreas de convivência do planeta, sinuosamente dançando em volta das raízes das árvores. O céu é enfeitado pelas luzes constantes dos astros que compõem o pequeno sistema em uma harmoniosa coreografia.

    Não há espécies inteligentes do Universo Expandido, apenas essências e seres de Luz. Eles são longos, de corpos transparentes e leves, assexuados e de puro branco. Vivem armados com lanças brancas decoradas em preto e dourado e armaduras cinzas. Usam seus poderes para proteger as essências e são comandados pela Luz a manter a ordem inabalável do Berço.

    Longe, se aproximava um navio espacial, em suas cores negras e velas vermelhas estáticas no vácuo. Trazia medo e pânico em seus módulos como um organismo vivo se adaptando. A sombra do navio chegou cobrindo quase todo o solo do lugar. O laranja do gramado se tornou escuro. A luz do sol do sistema foi tapada. Mesmo fora da órbita, era como se conseguissem sentir as vibrações dos motores silenciosos da embarcação na atmosfera.

    Os guardiões da Luz já o esperavam, pois era um dia aguardado desde os eventos em Alador. A Luz do Nono Mundo havia avisado da chegada e reforçado a segurança. Pela primeira vez desde a criação, houve pânico em meio à calmaria, e a Luz não estava lá. Se o navio estivesse cheio de soldados dos Escolhidos do Prometido, então os guardiões não teriam a menor chance de defender as essências. Se aproximar do Berço era crime de guerra punível com morte, mas crimes de guerra não era mais algo incomum. Era necessária muita ousadia para desafiar o império, e principalmente, o Pai.

    — A ESSÊNCIA! – Gritou o maior dos guardiões, alertando as tropas para a formação. – Protejam-na com as suas vidas, a Luz irá nos servir e os exércitos estarão aqui em breve! – Disse, apreensivo.

    Uma horda de guardiões se organizou na frente das essências que ali estavam e se colocaram em guarda. O gigante negro se acomodava fora da órbita do pequeno planeta. A embarcação ficava se reorganizando o tempo todo e corrigindo sua forma. Dela, saíram três naves menores com as cores do navio, e suas velas se balançaram fervorosamente quando se inclinaram para a direção do chão. Como foguetes, desceram perfurando a leve nevoa que pairava no ar, deixaram um rastro de fumaça negra no céu.

    O medo começava a afetar os guardiões, ninguém havia chegado, nem o exército da Luz e nem o Capitão prometido. Próximo ao solo, as naves se ajustaram perturbando o balancear da vegetação. Mantinham o mesmo rastro de fumaça preta que cheirava a morte. Voaram em baixa altitude e devagar até os guardiões. Duas delas, nas laterais, elevaram a altura e miraram suas armas nos seres de Luz. Os guardiões permaneceram imóveis, teriam que, pela primeira vez em milhares de ciclos, lutar. Suas lanças começaram a emitir um brilho branco que deixava uma marca no ar. A embarcação central deu a volta e pousou suavemente, abrindo a porta traseira.

    — Só manter a calma – ordenou o guardião-mestre. – Não queremos assustar nosso inimigo – tentou encorajar os outros, mas nem ele acreditava nas próprias palavras. – Ele é louco para desafiar o Pai! – Reforçou.

    Uma fumaça acinzentada rastejou pelo chão chegando até os pés dos guardiões e cercando-os. Viram um risco vermelho se desenhar na horizontal dentro do escuro interior da nave. O som de passos firmes veio dentre a fumaça e da escuridão do interior se viu a silhueta de Montblanc. Seus pés batiam pesado no chão, em um tilintar metálico. O desenho de uma armadura suntuosa se formou, assim como o rastro vermelho da espada.

    — Ora, não perderemos tempo, sabemos muito bem o motivo de eu estar aqui. Deixem-me finalizar e nenhuma vida será perdida – ameaçou em uma voz fria como gelo. – É só uma que eu preciso, só uma para nunca mais termos problemas com espécies – olhou em volta, procurando pela essência especial dos Supremos, mas não a viu. – Vocês não entendem?!

    — Não! – Resmungou o guardião, então se pôs em modo de confronto junto aos outros. – Fomos criados para proteger as essências, e é o que vamos fazer para sempre – Apontou-o a lança. – Você merece a morte e a solidão.

    — É uma pena, sempre defendi que diplomacia não funciona. Eu não sei qual delas é, não tenho escolha senão destruir todas – ameaçou novamente dando alguns passos para a frente. – Sabe, não deviam fazer isso, vocês são seres tão patéticos. Como a Luz foi capaz de dar consciência e eternidade para coisas como vocês. E eu achava que eu fosse inútil. Não se cansam de existir apenas para isso? – Mostrou o ambiente.

    — Nem nós sabemos se ela foi gerada ainda, a última convergência não foi muito produtiva – avisou o guardião. – E temos orgulho de sermos o que somos, é bem reconfortante saber que fomos criados pelo Pai, e não por cientistas fanáticos! – O mestre relaxou. – Já sei qual será o fim disso.

    — Códigos-fonte não precisam da convergência. Então, onde está a essência dos Supremos?! – A voz de Montblanc saía calma, o que causava mais medo na pequena tropa de guardiões.

    — A profecia pode estar errada, ou ela não fala sobre o código-fonte do DNA Supremo.

    — Se a profecia estivesse errada, eu não existiria – exclamou o clone ao lado do original, virando-se para sua nave.

    — E quem disse que a profecia é sobre você?

    Montblanc voltou com um caminhar firme, se aproximou do guardião quase se pondo de joelhos. Seu peitoral ficou marcado com a ponta da lança do guardião. O encarou nos olhos por alguns instantes, e atacou-o de forma que o lançou para as essências que estavam por ali.

    As naves laterais iniciaram uma chacina, rajadas de raios rasgavam o ar e destruíam o ambiente. O solo começou a pular e os guardiões tentavam se esquivar dos ataques. Montblanc se posicionou na cabine de sua nave e assistiu a tentativa frustrada de defesa dos guardiões. As essências vagavam rápidas e sem rumo para todos os lados.

    O solo estava esburacado, fumaça e poeira se misturavam. Os lagos de gestação estavam sujos, e as sementes boiavam nas margens. Os clones procuraram a essência por alguns minutos, mas desistiram. Logo, todo o caos havia acabado, restando apenas a destruição para se admirar. O grande navio negro partiu rumo ao infinito e deixou uma enorme marca no solo do Berço.

    Tempos depois, outro navio se aproximou, mas não negro, um branco e cinza com toques de azul. Dele saiu apenas uma nave auxiliar, que desceu silenciosamente e navegou baixo sobre as mortes. O solo laranja agora estava um pouco mais vermelho com a terra revirada, corpos se espalhavam pelos campos arruinados. Saul desceu vestindo uma armadura branca e cinza com uma longa capa azul. Portava a espada de Jalium em punho. Ele caminhou entre a desordem como se procurasse por alguém.

    — Senhor Victor – murmurou um guardião que ainda lhe havia forças para falar. – Ele não a feriu, não chegou nem perto, a essência está pronta e à sua espera no lago central – terminou de falar liberando-se para a morte.

    — Ele foi mais rápido do que eu – disse para si mesmo. – Sinto muito pela minha falha – Saul se levantou e fez as honras ao corpo falecido.

    O Capitão voltou à sua nave e voou até o lago central, do outro lado do planeta. Aos pés de um penhasco baixo, mas grande o bastante para gerar milhares de essências, o lago era mais cristalino que os outros. As raízes das árvores se abraçavam na borda. A nave circulou a superfície e Saul avistou uma única essência no fundo, dentre as raízes e protegida por seres que nadavam ali. Era maior que as essências comuns, além de ser toda branca.

    Victor preparou as cordas, manteve a nave no ar e pulou. Foi ao fundo e espantou os animais. Agarrou a essência com dificuldade e delicadeza para tirá-la com segurança da água. Voltou à sua nave usando a corda e seguiu rumo à árvore da vida. Ela era a maior em todo o campo, com grandes folhas azuis e tronco tão branco que parecia emitir luz. Porém, estava marcada pelos últimos acontecimentos, as folhas caídas já secavam sobre as raízes firmes.

    Cuidadosamente, Saul levou a semente até às raízes e a desenrolou de seus braços, deixou que deslizasse até o tronco. A posicionou tentando fazer com que ela soltasse suas mãos. A essência foi absorvida e levada a um único tronco no alto, em meio à vegetação. Como uma torre natural da árvore, do tronco central saíam fios que dançavam com o vento suave, finos como fios de cabelos brancos. A essência foi carregada por esses capilares até o topo e como um raio foi disparado aos céus. E seu destino se iniciou.

    Dalí, Saul sabia que a essência iria para as linhas do fluxo e iniciaria a sua jornada, e logo se reencontrariam em uma nova vida. Uma vida que, para aquela essência, nunca seria normal. Montblanc era um perigo da qual devia ser protegida de qualquer forma.

    Victor foi até sua nave e contemplou todo o Berço com lágrimas nos olhos acinzentados. Respirou fundo o ar puro, sentiu o sabor do gramado e da terra em sua boca, e admirou as folhas caídas da grande árvore. As do chão já tinham perdido as cores, eram de um vermelho escuro, e novas folhas caíam com o vento. Ele entrou na nave, ligou os motores e olhou para o céu onde se encontrava o seu navio, que refletia a luz do sol deixando-o mais brilhante.

    — Tripulação, nosso alvo já está plantado, e em um dos sete mundos poderá nascer o código-fonte do DNA Supremo disse pelo comunicador dentro da nave auxiliar. – Temos que estar preparados quando o dia chegar.

    Um clone de Montblanc ainda estava no Berço, e assistiu Saul fazer todo o processo de iniciação do código-fonte. Assim que a nave de Victor foi em direção à Benção Branca, o clone voltou a andar pelo campo. Ele sabia que algo o queria ali, ainda que não soubesse o que era que o mantinha preso àquele planeta. Ao longo da gleba estavam milhares de essências apagadas e guardiões mortos, outros já haviam sido absorvidos e renasciam da terra.

    Montblanc se aproximou de um guardião que ressurgia e esperou que o processo terminasse. Quando o ser já estava quase todo formado e tomando consciência do ambiente, o clone o agarrou pelo pescoço.

    — Eu quero respostas – disse, sabendo que estava falando diretamente com o Pai. – Estou cansado dos seus joguinhos divinos!

    O guardião, parecendo vegetativo e com o olhar perdido, com rapidez segurou o braço de Montblanc e o acertou no peito. Uma luz branca e forte tomou conta do local, e o clone se viu nas ruínas de algum lugar perdido.

    Volte ao começo e entenderá o seu final. Ouviu-se do vento.

    Montblanc logo se deu conta de onde estava, era um lugar que sempre o assombrou por toda a vida. Olhou para o céu, só para ter certeza que aquele era mesmo o local de sua criação. Enxergou as constelações familiares da sua lua e do planeta em que cresceu, era possível vê-lo mesmo tão distante.

    Todo o entorno do laboratório estava destruído, grandes pedaços de rocha partidas ao meio, fragmentando a cidade que cercava a instalação.

    Como um raio, o Pai surgiu com a aparência de Ligerious Montblanc.

    — Shinkra, bem-vindo de volta – disse. – Já que você quer tanto saber dos segredos que constroem sua história, eu vou mostrá-las a você.

    — Eu odeio este lugar – rebateu o clone, triste. – Sempre quis...

    — ... vir aqui, mas nunca teve coragem – completou o Pai. – Eu sei.

    O Pai começou a caminhar pelos escombros, indiferente à situação de que Montblanc o seguisse ou não. Passou por vários locais onde o passado os havia deixado para o esquecimento. Haviam ossadas e pertences pessoais nas salas e espaços públicos. O lugar parecia intocado desde o colapso. A torre de gestação ficava no centro, mas estava tombada. Entraram por uma estrutura que estava estourada, como se por uma explosão ou choque. Então, a área de recreação veio à mente de Montblanc.

    — Eu me lembro disso – ele disse. – Vagamente, mas me lembro.

    — Do outro lado daquela porta está o começo das respostas que tanto procurou pelas suas desventuras – disse o Pai. – Imagino que entrar lá será doloroso para você, é um pequeno sacrifício que permite desistência.

    — Meus pais estarão lá? – Indagou o clone, já com lágrima nos olhos.

    — É claro que não, seus pais estão mortos – rebateu o Pai, andou até alguns brinquedos espalhados. – Vocês Supremos foram a maior decepção da minha criação, são egoístas e prepotentes, acharam que poderiam se colocar acima do poder da Luz. As coisas poderiam ter sido muito piores se não fosse pela competência de outras criações – o Pai confessou.

    — Você não parece estar falando do roubo do código-fonte do DNA Supremo e nem do fato de recriarmos vida – rebateu Montblanc.

    O Pai andou até a porta, colocou a mão no metal corroído e a porta se arrombou para dentro, revelando um saguão abandonado. Ele continuou seu caminho até o outro lado, onde uma grande cratera se abria aos céus.

    — Os Supremos foram onde ninguém jamais poderia ir, e pagaram o preço de sua curiosidade – disse o Pai. – Em alguns dias, seus seguidores irão fazer algo terrível, mas você nada fará para impedir. O Universo Expandido entrará em uma nova, e drástica, odisseia – admirou o clone olhando para o abismo destruído. – Não que precise de mim guiando seus passos, mas deve estar atento ao que vai fazer a partir do que será mostrado hoje.

    O Pai entregou um papiro para o clone, este o abriu, mas não entendeu nada do que estava escrito.

    — Isso é alguma língua perdida? – Questionou Montblanc.

    — É o idioma dos deuses, e ele te dará um vislumbre do passado que foi esquecido pelo futuro – respondeu o Pai, tocando-o no braço.

    No mesmo instante, Montblanc conseguiu entender a grafia no papel desgastado e leu, sem querer. O tempo fechou, as nuvens escuras despejavam raios com violência. O Pai empurrou o clone para o barranco e desapareceu no ar da mesma forma como havia surgido. O Supremo rolou pelas pedras de concreto e metal, e quando chegou no chão, seus olhos estavam cósmicos.

    Montblanc viu o laboratório como era, pôde ver Izra com uma criança Suprema nos braços e Volnar com outro. Um pouco afastado, Ligerious ria e brincava com alguns cientistas. Mas, havia algo de errado. Então, um alarme tocou e alguém importante gritou para que evacuassem a sala, enfatizou que as crianças fossem levadas para longe. Uma confusão se instaurou naquele mesmo lugar. As crianças, ou qualquer envolvido, não foram vistos. Em um milésimo de segundo, tudo explodiu, não por uma bomba, mas por algo que apareceu no laboratório. Montblanc viu um pássaro vermelho raivoso destruir tudo o que havia perto da instalação, assim como outras criaturas que faziam o mesmo usando diversos poderes.

    — Por isso o império nos descobriu – sussurrou para si. – Não houve apenas fraudes, algo de ruim aconteceu aqui e...

    Antes da visão acabar, o clone viu um Humano em chamas brancas e com uma capa cinza entrar no local e levar algumas coisas. Então, um ataque cardíaco matou o clone, deixando-o agonizar nos escombros de onde nasceu.

    Capitão Saul Victor, desliga

    — O

    império caiu – anunciou o capitão Saul Victor em sua cadeira na ponte superior, sendo transmitido para todos os mundos. – O imperador Tharus Liatu está morto, assim como seus irmãos. A espécie Liatu está oficialmente extinta. De acordo com a declaração de Alfro Liatu, um representante da espécie Suprema deve ser escolhido para assumir o poder. Há apenas dois possíveis candidatos em todo o Universo Expandido. Eu, capitão Saul Victor, do navio de exploração independente Benção Branca, sou o mais capacitado. Porém, reservo-me o direito da recusa – a surpresa veio todos que o assistiam. – Diante disto, a declaração de Alfro Liatu perde sua legitimidade, e a partir de deste momento está instaurado o sistema de repúblicas independentes. Os sistemas civis devem escolher o modelo político mais adequado à sua realidade sociocultural. Que a Luz esteja convosco neste momento de dificuldade... – parou para ver os olhares incrédulos dos comandantes. – Capitão Saul Victor, desliga.

    Saul se levantou, lançou um leve olhar culposo para as pessoas na ponte e saiu. BB21 e Vorax o esperavam no início do corredor, os outros tripulantes os cercaram com milhares de perguntas incompreensíveis.

    — Capitão! – A voz mecanizada do robô se destacou alto e forte entre a multidão. – Capitão Saul, precisamos falar com você!

    BB21 foi ignorado, assim como todos os outros. Victor passou pelas pessoas desviando delas e evitando tocá-las. Vorax até pensou em segui-lo pelo corredor, mas deixou que ele fosse sozinho, os tripulantes por si só já seriam um teste de paciência.

    Havia se passado sete dias desde o desastre. Todos achavam que Saul assumiria o império, mas após um dia do atentado, o Capitão não havia expressado interesse. Os conselheiros tentaram convencê-lo, mas sem sucesso. O atentado era mantido em sigilo absoluto, os poucos rumores que vazaram não conseguiam dar credibilidade às pessoas graças à natureza inacreditável do fato. Os dias seguiram até que Victor resolvesse se pronunciar e, por algum motivo, preferiu fazer isso de seu próprio navio. A imprensa, os governadores, oficiais do antigo império e todas as pessoas haviam recebido a notícia naquele exato momento.

    — Capitão! – Gritou o conselheiro Zander. – Não pode fazer isso com a gente, precisamos de você mais do que nunca.

    — Deixe-o em paz, conselheiro – alertou Vorax, com a frieza do metal que cobria seu corpo. – Ele sabe o que faz.

    — Primeiro-Oficial Ragath, por gentileza – implorou Cratvo, logo ao seu lado. – O Universo Expandido não pode voltar com as repúblicas independentes, novas guerras surgirão, se lembre do passado.

    Vorax o olhou transmitindo uma leve expressão de raiva.

    — Ragath já não existe mais, conselheiro, assim como o império também não – disse, calmamente. – Deixe Saul Victor em paz.

    — Isso não pode acontecer! – Protestou o Cratvo.

    De repente, Vorax jogou um olhar assustado para BB21, e o robô assentiu o ato. Foi em direção ao fim do corredor. Aproveitou a confusão do momento para mandar uma mensagem para a ponte:

    — General Cedard, prepare uma tropa de combate, com armas de disparo agora – disse Vorax para o alto. – Lia, precisamos de uma nave de transporte para dez tripulantes imediatamente.

    Desviou das pessoas e correu para o quarto de Saul, mas antes mesmo de se anunciar, a porta se abriu sozinha. Victor estava ali, parado no mirante frontal do quarto, de onde via toda parte superior do navio.

    — Entre, Vorax – disse o Capitão. – O que aconteceu dessa vez?

    — A Espada da Comunicação está sendo atacada – avisou em um tom de urgência. – Eu não havia notado o alerta – estendeu o braço e as imagens do ataque apareceram. – São os clones de Montblanc.

    — Acha prudente irmos até o satélite? – Questionou Saul.

    — Montblanc ainda é uma ameaça. Uma ameaça muito maior do que já foi – rebateu. – Sim, devemos, e já pedi uma tropa para...

    — Eu sei – interrompeu o Capitão. – Me espere no hangar.

    Assim que Vorax saiu, Saul se virou para uma área à direita e um armário secreto se abriu em dois lados. Dentro estava uma armadura cinza reforçada, com detalhes em branco, além de alguns tipos de armas de disparo e lâminas robustas na cor preta. O Capitão apareceu no porto interno em meio aos olhares confusos da tripulação. Vorax estava ao lado da nave, recepcionando a tropa. Ele e Cedard usavam armaduras pesadas e era possível ver as armas de disparo.

    — Onde vamos, Capitão? – Indagou Cedard.

    — Você fica, General – respondeu sem rodeios. – Alguém forte tem que ficar no navio para manter o controle.

    — Não posso deixar você ir – rebateu o comandante, segurando o braço de Saul, e então reparou na armadura. – O que está acontecendo?

    — Vorax vai comigo, não se preocupe – disse Victor. – Que bom que deu armas de disparo à guarda.

    — Me foi pedido combate, não escolta – o General falou com a expressão séria. – Não faça nenhuma besteira, Saul.

    O Capitão ameaçou entrar, mas voltou:

    — Eu vou resolver, Cedard – olhou para a plataforma acima, onde estavam os outros comandantes, e depois para os antigos conselheiros do império. – Trarei os tempos de paz, custe o que custar.

    A porta do transporte se fechou, o porto foi esvaziado.

    — Todos em seus lugares e apertem os cintos – anunciou Vorax.

    — Atenção, soldados – Saul disse. – Estamos indo ao encontro de Montblanc, não hesitem em atirar para matar!

    Continuou explicando o plano até ser interrompido por Vorax:

    — Acabou, Saul! Não há mais nenhum sinal sendo emitido pela Espada da Comunicação – falou com desesperança.

    — Continue, temos que fazer averiguação – disse Victor.

    Saul brigava consigo mesmo em sua cabeça. Não aceitava a ideia de que não havia previsto algo tão óbvio. Montblanc tomou a imprensa assim que chegou à Alador, controlava toda a informação dentro do sistema, e estava prestes a fazer isso em escala universal.

    O satélite ficava no segundo sistema, mas afastado dos planetas colonizados e fora dos radares. Era quase uma cidade, com servidores vivendo para a comunicação dos nove mundos. A aproximação só era permitida com autorização, mas agora o império não existia mais.

    Era a primeira vez que o Capitão iria ao satélite. Era uma estação espacial grande, com dezenas de braços móveis que trafegavam dados via buraco de minhoca. Estava apagada e sem vida, não havia destroços fora da instalação, nem sinal das naves de Montblanc.

    — Parece até que foi abandonado há dias – comentou Saul.

    — Desde o seu pronunciamento que não há sinal do satélite, e isso faz algumas horas – disse Vorax. – Eu não duvidaria se algum seguidor dos Escolhidos tivesse ajudado o Ditador entrar.

    — Ditador... – o Capitão murmurou. – Gostaria mesmo que fosse só um ditador. Nos leve para o porto – apontou para a extremidade onde uma grande porta estava aberta. – Já devem saber que estamos aqui.

    Assim que a nave de transportes adentrou o hangar interno do satélite, todos puderam ver as dezenas de naves negras vazias. Vorax foi na frente, usou seus sensores para detectar algum sinal de vida, mas por quilômetros não havia nada.

    — Seus olhos dirão tudo o que precisa saber, Capitão – disse ao apontar para os corpos nos cantos. – Só há isso.

    — Usem as armas de disparo, tripulação – Saul ordenou, deu três passos para dentro. – Vorax, consegue iluminar o caminho?

    — Cuidado com suas laterais e retaguardas – falou, acendendo as luzes de seu corpo. – Duvido que tenham ido embora.

    Vorax ativou as espadas de seus punhos e seguiu adiante. Mal se ouvia o barulho dos passos. Tudo estava destruído, corpos apareciam e sangue de múltiplas espécies estava espirrado nas paredes. Os espaços coletivos e os núcleos de processamento eram os mais afetados.

    Chegaram à sala de controle principal.

    — Faça a leitura – pediu Victor.

    — Mantenham suas armas em punho, estou detectando muitas pessoas lá dentro – alertou Vorax, apagando suas luzes.

    O grande salão se estendia por um espaço oval. Telões decoravam as paredes altas, mas estavam desativados, apenas as luzes de sinalização piscavam. Mesmo no escuro, Saul pôde ver as silhuetas adornarem o breu nos brilhos das cabeças claras que destacavam o contraste da pouca luz no ambiente. Da porta principal, duas escadas iam para cima e uma no meio ia para baixo. O Capitão e seus tripulantes entraram em silêncio e com as armas apontadas para todos os lados. Então, a porta atrás deles se fechou com um estrondo. As luzes do salão acenderam gradualmente revelando os clones e suas feições inexpressivas.

    — Finalmente – ecoou a voz grave de Montblanc. – Eu achei que teria que mandar alguém buscá-lo, capitão Saul Victor.

    O Capitão foi o único que não demonstrou reação.

    Montblanc rodou a cadeira central. Estava sentado entre as mesas de trabalho e cercado por centenas de clones. Cipherion estava ao lado com os braços apoiado sobre o encosto.

    — Shinkra – disse Saul, com desprezo. Relaxou, baixou a arma e endireitou sua postura. – Como sempre é um desprazer olhar para essa sua cara feia. Não que a dos seus clones sejam melhores.

    — Eu te achava o mais inteligente dos nove mundos e com certeza eu estava errado – disse o Ditador, saboreando as palavras. – Você veio me enfrentar com uma dúzia de tripulantes.

    — Eu achei que invadir o Berço seria o pior dos seus crimes, mas eu estava errado – Saul começou a descer as escadas. – Você conseguiu se superar e destruiu o império universal.

    Montblanc se levantou, respondendo:

    — Queria ter sido eu o autor do atentado, mas deste crime eu sou inocente e não tenho culpa sobre atos fanáticos. Sabe, as pessoas deviam parar de colocar o peso das suas vidas inundas em tentações em cima de símbolos quebrados. Você mesmo já foi vítima disso.

    — Sim, mas os descreditei – rebateu. – Era o que devia ter feito.

    Saul chegou ao chão sacando a espada de Jalium. Se aproximou de Montblanc e encostou sua testa na dele, olhando no fundo de seus olhos mórbidos. O Ditador continuou:

    — Não pode me enfrentar mais, Capitão, já não tenho mais medo da sua espada – abriu um sorriso maldoso. – Eu sou tudo...

    — ... e todos – os clones completaram.

    — Senhor – interferiu Cipher. – Talvez devesse considerar...

    — É hora de ir, Cipher – ordenou Montblanc, sem tirar os olhos do Capitão. – Eu o tirarei daqui em segurança, agora vá!

    O homem saiu pela direita, para uma porta pequena, mas antes de desaparecer do ambiente, Saul chamou sua atenção:

    — Você errou, prisioneiro – disse, em frustração. – Errou como o criador errou ao te criar.

    — A Luz trabalha de maneira misteriosa, Capitão Saul, talvez ele o despreze tanto quanto a qualquer um – disse Cipher, voltou dois passos para o salão. – Nossos erros foram iguais, fomos bons demais e amamos o desconhecido mais do que devíamos.

    Cipherion saiu, e alguns clones do salão o seguiram, ecoando os passos pela escuridão do corredor.

    — Permita que os seus vão atrás dele – disse Montblanc.

    — Vorax, vá e leve todos os tripulantes, mate o viajante do tempo e todos que conseguir – ordenou Saul. – Não deixe que ele saia vivo do satélite em hipótese alguma, ouviu? Em hipótese alguma!

    Vorax e os outros desceram as escadas correndo. Apontavam as armas para os clones, mas estes simplesmente saíam do caminho.

    — Capitão? – Indagou, quando passou perto de Saul.

    — Eu vou ficar bem.

    Montblanc se afastou de Victor e deu alguns passos em direção ao corpo metálico de Vorax.

    — Ragath – disse, com um tom arrogante. – Deve ser horrível ter a vida condicionada em uma máquina.

    Vorax ativou a espada de seu braço direito verticalmente entre o Ditador e ele. E então correu mais rápido que uma pessoa normal. Saul esperou, e quando Montblanc se virou, o atacou com a espada de Jalium de baixo para cima. Porém, um clone se colocou na frente e teve metade do seu tronco dividido. O sangue branco espirrou para o alto.

    Montblanc gargalhou rápido, após o susto.

    — Esse é o lado bom de ser todos – disse, retirando sua espada de lâmina laser da bainha. – Você sempre está olhando para tudo.

    O Ditador avançou após um chute no estômago de Saul. O metal e o cristal faziam um barulho agudo ecoar pela sala. Os clones formaram um círculo, mas em nenhum momento interferiram na luta. O Capitão pulou sobre uma das mesas, chutou o rosto do Ditador e usou sua espada para desarmá-lo. Dois clones foram feridos e um morto, e a espada ficou cravada na parede à esquerda.

    — Este é um novo começo, Saul Victor – disse Montblanc, com os braços para cima. – O universo já não merece mais os Supremos.

    Todos os clones apontaram suas armas de disparo para Saul.

    — Você não vai me matar, Shinkra – rebateu o Capitão, com um ar confiante. – Não tem coragem. Você nada mais é do que uma criança mimada achando que ainda é importante – rosnou.

    — Ainda não sabe quem você é? – Perguntou. – Estamos juntos nessa, Saul. Eu, você, Pagro, Zira..., Rurgar e Oulana – sorriu deixando a cicatriz da bochecha exposta. – Por que não se une a mim?

    Saul pareceu entender, mas ainda não tinha certeza. Desceu da mesa e rodopiou sobre o pé esquerdo, acertou o peitoral da armadura de Montblanc fazendo-o voar para o meio dos clones. Tirou sua arma de disparo e apontou para a cabeça do Ditador.

    — Atire em mim, ou eu atiro em você – o capitão Victor ordenou a Montblanc, que estava caído no chão. – Então, o que vai ser?

    — Quanta vontade de morrer. Está cansado de lutar? – Montblanc provocou, mas com seriedade. – Sabemos que estamos blefando. Acha que eu invadiria esse satélite para controlar informações?! Saul, você foi tão infantil ao pensar isso, estou até assustado.

    — Do que está falando?

    — Desinformação é a maior arma em tempos de medo. E com as repúblicas independentes, será questão de tempo para que uma guerra em escala aconteça – respondeu Montblanc. – Quando restar apenas ruínas nas lembranças, eles virão correndo até mim porque serei maior do que qualquer império jamais foi! Serei maior que o Pai ausente!

    Saul havia baixado a guarda perdido em pensamentos, os clones estavam prontos para segurá-lo, e o fizeram. O Capitão protestou:

    — O Pai nunca permitiria isso!

    — Já permitiu quando me criou, e permitiu novamente quando me deixou viver – rebateu. – Tudo está roteirizado, pense na ideia. Sei que sairá desse lugar antes de ele explodir.

    Saul usou toda sua força para se livrar dos clones, pulou para trás para conseguir uma boa visão, e atirou. Montblanc se assustou e tentou desviar, mas o tiro o acertou de raspão. O urro do Ditador ecoou por toda a sala e nos corredores próximos. Se ajoelhou com a mão no ferimento no alto da cabeça, e sentiu o sangue branco e quente escorrer pelo seu rosto e orelha. Seus olhos foram da sua mão lambuzada até Saul.

    Os clones próximos começaram a surrar o Capitão.

    — Pagará por isso, Saul Victor – disse Montblanc, sentindo a dor o consumir. – Diferente de você, eu posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo e saber de tudo em tempo real.

    O Capitão não entendeu. Observou todos os clones saírem pelas portas da sala em uma sincronia impecável. Sentiu o chão estremecer e as paredes colapsarem. Com dificuldade, se levantou. Pegou suas armas e foi a caminho do corredor de saída. Um pouco longe dali, viu Vorax finalizar alguns últimos clones que ainda restavam.

    — Venha comigo, Capitão – disse, apoiando-o sobre seus ombros sujos de sangue branco. – Eles estão indo para o hangar, nem mesmo tentaram se defender dos meus golpes.

    — Só sobrou você?! – Indagou, mas ficou sem resposta.

    Quando chegaram próximo ao porto interno, viram as poucas naves negras de Montblanc saírem pela comporta de contenção. Do lado de fora, inúmeras delas se uniam umas às outras, formando algo maior.

    — Gostou dele, não é? – Disse um clone com dificuldade, ainda agonizando no chão sujo. – É o Vestígio, meu navio.

    Vorax ativou e desativou a espada do braço esquerdo na cabeça do clone para matá-lo. Correu para a nave da Benção Branca, ajeitou Saul com cuidado e ligou os motores com pressa.

    Os primeiros pedaços do satélite começaram a se soltar no vácuo e as explosões ficaram maiores. Houve tempo suficiente para que a nave se colocasse em uma distância segura. E então tudo explodiu, fazendo a nave de transportes rodopiar no espaço vazio.

    Algumas horas depois, próximo à Benção Branca.

    — Meu navio está estranho – comentou Saul ao vê-lo solitário no porto espacial de Lalúria. – Aconteceu alguma coisa, Vorax?

    — A Espada da Comunicação não estava funcionando, desde que saí daqui, não recebi nenhuma informação – respondeu.

    Saul estava distraído quando o corpo de um dos seus tripulantes bateu no vidro da nave violentamente e escapuliu ao infinito. Naves de patrulha da guarda laluriana também vagueavam soltas no espaço junto com destroços e mais corpos. Finalmente viram uma nave de emergência aparecer por de trás do porto e recolher alguns corpos.

    — Vorax?!

    — Acho que os clones estiveram aqui.

    Pousaram no porto interno da Nuvem, Saul logo correu a procura de seus comandantes. Vários corpos de tripulantes estavam jogados pelos corredores. O Capitão gritava pelos nomes com uma mistura de raiva, medo e desespero. Quando chegou ao pátio principal, viu o que mais temia, e um grito profundo e doloroso ecoou para todo o navio.

    No lustre segurado pela estátua de Jalium estavam pendurados os corpos de todos os comandantes. Exatamente embaixo, sentado sobre a mesa, havia um único clone vivo com a espada em seu colo. Em meio às cadeiras caídas, mais corpos se espalhavam. Ele riu, então disse:

    — Você perdeu, capitão Saul Victor – gargalhou.

    — O que você fez, maldito? – Questionou o Capitão, segurando seus impulsos com toda a força que tinha.

    O clone deu de ombros.

    O Capitão sacou sua arma e disparou diversas vezes no rosto feliz do clone. Deu uma última olhada para cima e viu Cedard, Lia, Dário, Vânola, Matio, Gaidu, Franzeg e Naora pendurados. Saul chorou, um choro triste e doloroso. Então deu um último grito furioso para o alto.

    Bartan se aproximou, acompanhado de Vorax.

    — Capitão... – disse o piloto, indo até ele.

    Ir Onde Ninguém Jamais Esteve

    M

    ontblanc estava na lua, e seu ferimento na cabeça ainda estava aberto e latejava de vez em quando. Os clones que restaram da missão na Espada da Comunicação eram vistos andando com as cicatrizes de batalha a mostra, para que todos vissem. Por mais que o acontecido houvesse passado há meses, Montblanc não esquecia.

    — Aquele foi um péssimo dia – esbravejou o Ditador. – Péssimo!

    — Senhor, talvez devesse considerar uma nova estratégia para atuar em seus objetivos – Cipher estava logo atrás de Montblanc, pensou bem nas palavras antes de continuar: – Você é a matriz dos clones, e se você morrer, acredito que todos os outros morrerão também.

    O Ditador parou diante dos protótipos dos primeiros clones, olhou para o laboratório industrial, que estava em produção ativa.

    — Talvez tenha razão – concordou, parecendo distraído. Buscou nas memórias, mas ainda tinha dificuldade para pensar. – A engenheira Argelhi teria me falado caso eu tivesse dado chance a ela.

    — Está arrependido, senhor?

    — Não! – Concluiu, sem rodeios. – Eu preciso do código-fonte da espécie Suprema. Infelizmente, foi um sacrifício necessário. – Vou dar um jeito nisso – apontou para a cabeça. – Preciso que arranje mais uma incubadora para ficar aqui – sugeriu o estande. – Tenho que resolver o problema das minhas incursões nas missões.

    Clones com uniformes médicos chegaram e começaram a olhar o ferimento na cabeça do Ditador, após alguns segundos, saíram levando-o junto para o corredor. Cipherion dispersou o olhar, pensando.

    — Farei isso, senhor – disse Cipher. – Se bem que não precisa de mim para qualquer coisa – foi ignorado, então seguiu seu caminho.

    Horas depois, Montblanc já estava com novos curativos em seus ferimentos e nos outros machucados. Acompanhava a instalação do novo tubo no hall de entrada, porém, seu olhar estava perdido em pensamentos distantes e sombrios. No fundo, desejava que Cipherion estivesse ali por mais inútil que fosse sua presença, mas sentia a solidão mesmo sendo milhões em toda a lua.

    Cipherion se aproximou, assistindo à instalação. O tubo era bem maior que os outros quatro. Havia uma plataforma grande de forma que abrangia boa parte do cenário. Canos pulsantes desciam da parede e o líquido de conservação era mais claro. Muito mais luzes estavam acesas dentro e fora da incubadora. Um clone explicou:

    — Se o corpo original não pode morrer, então eu fui um completo estúpido ao pensar em ir ao satélite – disse Montblanc, sentindo o peso da culpa. – Por centímetros Saul Victor teria me matado e todo o plano estaria acabado. Vou suspender aquele corpo – apontou para o original parado no parapeito. – Mantê-lo vivo, claro, mas ele ficará aqui, onde é seguro e confiável. Serei quase imortal – esboçou um sorriso.

    Cipher deixou o clone e foi até o Montblanc original.

    — Tudo aquilo é realmente muito esperto – disse.

    — O capitão Saul Victor vai ver o problema das pessoas e poderei mostrar o quanto sua luta é desnecessária – respondeu, sem demonstrar muito entusiasmo. – Talvez, em alguns ciclos, ele me veja como quero.

    — Ele não vai acreditar em você – contestou Cipher, tentou não parecer leviano. – Você não deixou os registros no navio para provar.

    — O famigerado Capitão é inteligente o suficiente para notar que não tem corpos meus espalhados pela nave. Sua tripulação era preparada para varrer toda uma fortaleza sem o mínimo de esforço, uma pequena tropa não seria problema – tentou acreditar em suas palavras. – E caso ele não se atente a este detalhe, pela situação, talvez, eu mesmo o farei relembrar do que está em jogo.

    — E o que vai fazer com os discos? – Indagou Cipher, chutando de leve um saco com os registros físicos da Nuvem.

    — Destruí-los, é claro – respondeu. – Deixarei que ele descubra sozinho o que aconteceu na Benção Branca.

    — Ele vai achar que foi você, e virá atrás de você com a fúria de um tigre tamburiano.

    — Eu estou contando com isso – rebateu Montblanc, com um ar arrogante e satisfeito. – Está preparado para viver os novos tempos?

    — Ainda não tenho certeza. Tenho medo das consequências.

    — Eu também – confessou Montblanc. – Porém, eu estou atrás de coisas grandes e inimagináveis, ir onde ninguém jamais esteve.

    — O que te motiva agora?

    Montblanc, de repente, parou e seu olhar se perdeu. Um pequeno sorriso surgiu no canto da boca, levantando-se até o meio da bochecha.

    — Ainda não sei – finalmente disse. – O clone de retorno acabou de se aproximar vindo do portal de Alador. Tenho que admitir que estou decepcionado com Saul Victor, eu queria mais dele – a expressão de dor reapareceu rapidamente. – Vindo do ódio, a morte arde como fogo.

    — Talvez esteja esperando muito de um homem que já apanhou demais da existência – rebateu Cipher. – Não sei exatamente qual é o seu plano agora, mas se envolver Saul, eu sugiro que tenha cuidado. Não há nada pior que um homem que não tem nada a perder.

    — Há muito cinza entre o preto e o branco, Cipher. O Capitão não é mais virtuoso do que eu ou você – disse Montblanc. – Talvez, eu esteja vendo algo muito além da minha existência. Exterminar os Supremos é algo que acontecerá de qualquer maneira. Quando o código-fonte estiver no Universo Expandido, eu o matarei para ser o único, junto a Saul.

    — Tudo isso por uma briguinha de família.

    — Eu vou ao templo da Luz – continuou Montblanc, saindo em direção ao laboratório. – Não que o Pai irá querer me ouvir, mas é bom dar um último parecer. A incubadora já vai estar pronta, então...

    Cipherion foi para o lado oposto.

    O Ditador seguiu pelos corredores até a área social. Uma pequena cidade se erguia no interior da lua, nada complexo, apenas os prédios básicos de uma metrópole. No centro, havia um templo da Luz grande e imponente, mas todo o resto no entorno não passava de cenários vazios e simulações de vidas. Alguns clones ficavam por ali, vivendo como se fossem pessoas normais, tudo funcional, porém, inútil.

    Montblanc se aproximou das escadarias do templo, duas portas grandes o separavam do interior. Era vasto, alto e estava sempre cheio de clones fantasiados de fiéis, assim como o próprio sacerdote que o recebeu na entrada. O Ditador poderia ter feito o clone vestido de sacerdote o recepcionar, mas ele era tudo e todos, e qualquer interação seria, no mínimo, estúpida. Caminhou devagar até o altar alto com símbolos da Luz. Montblanc se sentiu pequeno diante da representação do Pai, uma estátua branca dele mesmo. Nu, em uma posição heroica sobre um tablado com o nome de Ligerious Montblanc.

    — Aqui estou mais um dia, para mais uma vez, Pai – começou sua prece de forma claramente forçada. – Talvez, você me ignorará, como sempre o fez depois que me concedeu uma missão, mas eu gostaria que me ouvisse. Estou aqui rugindo como um leão da pangeia. Já não tenho mais um motivo para viver, alcancei os nove mundos e além, mas ainda me sinto tão solitário. Eu fiz coisas horríveis, admito, mas foi o que me disse para fazer. Então, por que você se abstém das causas? – Sentiu uma lágrima surgir no canto do olho, a limpou. – Pai, não há mais Supremos e nem Liatu, ou milhares de espécies ao longo dos ciclos. O código-fonte dos Supremos logo estará entre nós, e o que você fará? Ficará na Mãe assistindo tudo e batendo palmas? – Os clones de toda a lua travaram em expressões dolorosas e lágrimas nos olhos. Montblanc havia perdido o controle da própria vida. Continuou após alguns segundos: – Pai, o que o faz fazer o que faz? Toda a nossa realidade está alterada e nem mesmo eu considero isso bom. Se está ouvindo, deve estar se perguntando se me arrependo. Não, talvez nunca estarei arrependido. Quer saber realmente como me sinto? Vazio, eu estou vazio. Nem mesmo ficar frente a frente com Saul Victor fez com que me sentisse inteiro de novo. Uma vez você me deu um objetivo, o faça novamente.

    Cipher, ao notar a mudança repentina no ambiente, resolveu ir atrás do Ditador. Seguiu para a cidade. Os clones nem sequer o notavam passando por entre eles. Quando chegou à porta do templo, ouviu a voz grave de Montblanc implorar por atenção, chorosa e desesperada.

    — Pela Luz! – Expressou para si mesmo.

    Entrou em silêncio e se sentou no primeiro banco, a alguns passos de onde o Ditador estava ajoelhado.

    — Eu fiz tantas ameaças que nem ao menos consigo contá-las em meus dedos – Montblanc não notou o cavaleiro ao lado. – Pai, por que permitiu minha criação? Por que deixou isso acontecer?! – Bateu forte no primeiro degrau. – É meu cúmplice, e cúmplice de Saul também. Me dê um motivo para existir, um que não seja viver seu plano ridículo, seja lá qual for. Se você criou os Supremos para dominar o universo, então dê um sinal para que eu o faça como se deve!

    Então tudo parou, o ar corrente, a lágrima que caía, o movimento dos tecidos que cobriam as paredes. Os ruídos mais singelos e distantes agora estavam silenciados. Até mesmo Cipher sentiu lentamente sua existência frear. Tudo estava congelado e sem vida.

    Montblanc viu o colorido a sua volta se apagar para um cinza escurecido e sombreado. Olhou para o seu manto, mas estava normal, no mesmo tom de azul. Mexeu os dedos e suspirou para ter certeza que ainda respirava. Observou seu redor e quando retornou, a estátua de Ligerious estava sobre ele, resfolegando e com as feições raivosas.

    O Ditador se jogou para trás, com medo, mas a estátua gigante se voltou a uma posição passiva, forçando-se a se acalmar.

    — Shinkra, não coloque a culpa de seus atos sobre meus ombros eternamente cansados – disse a estátua, com a voz de Saul. – Há algo de errado com você e com todo o universo. Você me pediu atenção, e agora a tem – a estátua voltou à posição original. Um flash de luz forte trouxe uma silhueta conhecida para o lugar. – Algo me diz que suas convicções não são mais as mesmas, não é? – Disse o ser, ao

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