A Clínica (im)possível
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A Clínica (im)possível - Luiz Ziegelmann
Apresentação
Transcendência é a ação ou ato de ultrapassar limites...
Este livro, organizado pelo Luiz Ziegelmann, nos instiga a ir além do legado dos sábios gregos e dos conhecimentos trazidos por cada uma das ciências da saúde, e nos coloca o desafio: é possível chegar antes do adoecimento!
Os autores não estão presos aos dogmas, às convenções e aos tratados que induzem a enfatizar a doença, pois se trata de lidar com a vida! Pensam por si mesmos e nos incentivam, com uma atitude verdadeiramente científica, a transcender campos de saberes e visões de mundo. Desafiam, incentivam e propõem a nós, equipes de saúde, potências de cuidado, que a nossa prática seja conduzida pela sensibilidade e técnica permeadas de emoções. Lembram-nos, ainda, que os problemas e sua complexidade são singulares – e universais.
Como abordar fatores de risco e vulnerabilidades no contexto da saúde integral, efetivando a interlocução entre diversos campos do saber, e tendo como referência a família, e nela especialmente as crianças e adolescentes?
Os autores apresentam propostas e nos orientam na aplicação dos valores e dos princípios que nós, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, agentes comunitários de saúde, odontólogos, farmacêuticos, arte-terapeutas – clínicos, pes-quisadores, educadores, pensadores – defendemos com o propósito de Chegar Antes!
Boa leitura!
Silvia Takeda
(Médica Epidemiologista do Serviço de Saúde Comunitária – GHC)
Prefácio
Como chegar antes do adoecimento?
Já estamos ali perto, quase dentro do ninho deles e como um cordão umbilical não cortado percebemos e sentimos na pele aqueles dramas cotidianos de vidas sofridas. Encontramos seres humanos machucados e bate forte a necessidade de criarmos vínculos de confiança, através da nossa escuta, olhar, sorriso e da angústia e tristeza compartilhada que se faz cúmplice nos passos a seguir.
A cama desarrumada, a louça acumulada, as janelas fechadas e os pijamas colados ao corpo são nossos sinais. Coloca-se para nós o desafio de chegar antes naqueles corpos despidos de desejo e que ameaçam cair.
Jordana Padilha Granna
Maria Margarete Jaskulski
Pâmela Grazielle Guimarães
Patrícia Vargas Antunes
Agentes Comunitárias de Saúde - IMESF – GSC / GHC
Nos dias de hoje parece difícil, mas não impossível, se levarmos em conta o contexto existencial de cada pessoa. Pensar no cuidado voltado para a prevenção em saúde, através de um olhar que vai além do técnico. Porém, surge uma indagação: o que leva uma pessoa a sofrer? Penso que seja o acumulado de eventos negativos experimentados ao longo da vida, que produzem sofrimentos e retiram a potência da vida e o prazer em querer viver. As pessoas se tornam prisioneiras de sentimentos ruins (tristeza, perdas afetivas, lembranças amargas, solidão, abandono e desesperança, entre tantos). Neste contexto, se tivermos a oportunidade de estarmos por perto, oferecendo um olhar e uma escuta diferente do habitual; um cuidado genuíno, afetivo e efetivo, que oriente e dê suporte no que for necessário. Acho que já é um bom começo.
Deisi Macedo
Arte terapeuta / CAPSII Adulto - GHC
Compreendendo a relação da determinação social e o processo saúde/doença, o sofrimento psíquico exige mais que uma resposta biomédica, ampliando o olhar multiprofissional, em um horizonte que compreenda como as condições de vida e de trabalho impactam na saúde da população.
A desigualdade social e o desmonte dos direitos sociais tornam-se grandes desafios às equipes de saúde, necessitando construir estratégias contra-hegemônicas ao sistema capitalista. Neste sentido, a proposta como chegar antes
, apresenta-se como uma alternativa de prevenção, implicando o reconhecimento do sujeito, enquanto ser social ampliando e fortalecendo suas redes de apoio. Sob esta perspectiva o trabalho na Atenção Básica configura-se em resistência e alternativa para redirecionar a abordagem ao sofrimento psíquico nos territórios.
Carine da Fontoura Fernandes
Claudia de Fátima M. M. Rodrigues
Assistentes Sociais - Serviço de Saúde Comunitária - GHC
Utilizar a ferramenta: como chegar antes
no nosso trabalho é estar próximo do usuário e de sua rede de apoio possível, conversando, discutindo questões que sejam importantes para ele e sua família, contribuindo com o nosso olhar sobre as mesmas. E com a certeza de que nada está pronto, as etapas desse processo, acontecerão na medida da necessidade e condições do usuário e equipe.
A nossa experiência nos mostra que é indispensável à interdisciplinaridade uma equipe que trabalhe com persistência, dedicação e afeto.
Carlos Eduardo Furtado Bones
Rosa Matilde Mendes Dias
Enfermeiros - Atenção Primária em Saúde - GHC
Como farmacêuticos percebemos uma grande medicalização. Medicamentos sendo utilizados para tratar problemas, quando na verdade poderiam ser resolvidos ou reduzidos se as pessoas tivessem melhores condições sociais, de vida, de relacionamento familiar, etc., mas isto não está sob nosso controle. Algo mais factível, que está sob nossa governabilidade seria se colocar mais no lugar do outro, escutando seus medos e suas angústias. Na farmácia, olhar com mais atenção às pessoas com repetidas queixas de dores e com constantes receitas de analgésicos, contribuindo com aquele cuidado em equipe no plano interdisciplinar. Contribuir com a adesão ao tratamento, avaliar a farmacoterapia, estimular as pessoas a participarem de atividades oferecidas pelo posto de saúde, com grupos terapêuticos, hortas comunitárias, terapias integrativas e complementares, promovendo assim o cuidado em saúde.
Ana Josane Fernandes
Elineide Camillo
Jaqueline Misturini
Luciane Kopittke
Rosa Maria Levandovski
Farmacêuticas - Serviço de Saúde Comunitária - GHC
Nos dias atuais, ao pensarmos em sofrimento psíquico no âmbito da Atenção Primária, nos deparamos com novos desafios e obstáculos. Isso implica em que os profissionais reconstruam suas práticas tradicionais e busquem novas habilidades que os preparem para chegar antes
e assim oportunizar uma abordagem terapêutica que evite ou minimize o sofrimento e a dor emocional.
O trabalho com prevenção e promoção em saúde é um desafio que gera sentimentos ambíguos em muitos profissionais, pois ao tratar o outro muitas vezes oportuniza o deparar-se com si próprio e com dificuldades impostas pelo sistema. Ao desafiar-se na busca de abordagens inovadoras e fora do tradicional o profissional perceberá a necessidade de um novo olhar sobre o processo de adoecimento.
Cláudio Luiz Muller
Diego Azevedo Conte de Melo
Marion Avellar dos Santos
Médicos de Família e Comunidade – Serviço de Saúde Comunitária – GHC
A nutrição é uma das funções primordiais do ser humano. Nutre-se o embrião no ventre materno. Nutre-se a criança do seio de sua mãe, do seu olhar, do seu aconchego. O ser humano depende de outro ser humano para que sua necessidade vital de alimentação seja atendida.
Quando o bebê começa a comer, um mundo novo de cores, sabores e texturas se apresentam. Nesse momento, a base da alimentação é constituída e as preferências alimentares se estabelecem. Trata-se de um momento muito oportuno para a promoção de hábitos alimentares saudáveis. É o nosso chegar antes. Comer é muito mais do que ingerir nutrientes. É um ato repleto de simbologias e afetos. É preciso um olhar atento e sensível para compreender tudo que envolve o alimentar-se
.
Bruna Franzoni
Lena Azeredo de Lima
Natália Miranda Jung
Renata Escobar Coutinho
Nutricionistas - Serviço de Saúde Comunitária - GHC
No âmbito da saúde bucal, principalmente no que concerne ao olhar sobre crianças e jovens, a Política Nacional de Promoção à Saúde tem sido instituída como um dos principais pilares que subsidiam nossos modos de atenção. Contudo, para não reduzi-la a um conjunto de práticas voltadas somente ao disciplinamento de indivíduos e coletivos, podemos tomar seus pressupostos como campo de ideias em disputa entre modos de ver e produzir saúde. Nesse sentido produzimos possibilidades de nos antecipar ao adoecimento à medida que buscamos compreender a importância das competências culturais para conhecermos e valorizarmos as práticas e saberes populares orientando a nossa atuação para a interdisciplinaridade.
Circe Maria Jandrey
Egídio A. Demarco
Fabiana Tibolla Tentardini
Odontólogos - Serviço de Saúde Comunitária - GHC
O convite/provocação feito pelo Luiz para chegar antes
, torna-se um grande desafio para as equipes de saúde, por exigir a costura entre diferentes tempos: o tempo da urgência, considerando o adoecimento grave já existente; o tempo do desaceleramento necessário para escutar e aproximar-se do que está fazendo adoecer ou que poderá provocar sofrimento no futuro; o tempo da caminhada para encontrar e sentir as vulnerabilidades do território; o tempo da construção e tessitura de redes e parcerias. O convite está feito. Vamos?!
Emanuele Luiz Proença
Silvia Maria Prado da Silva
Vera Lúcia Ludwig
Psicólogas - Serviço de Saúde Comunitária - GHC
Quando o assunto é Cuidado, chegar antes não é atropelar, passar na frente, desrespeitar regras. Neste contexto, nosso desafio é escutar antes de prescrever, olhar antes de indicar e acolher antes de tratar. Como Clarice Lispector, acreditamos que em matéria de viver, nunca se pode chegar antes
. Por isso não queremos encurtar caminho, ultrapassar o sinal, mas sim abrir mais nossos poros, ouvidos e ter disponibilidade para que, antes que quase nada mais possa ser feito, a vida pulse e nos antecipe no mapa do cuidado em saúde, por caminhos nunca antes navegados.
Marta Orofino
Melissa Sander
Terapeutas Ocupacionais
Serviço de Saúde Comunitária - GHC
Luiz Ziegelmann
Introdução
Uma pergunta incomoda e me cobra no tempo como uma tesoura cega que corta o silêncio das palavras e exige uma resposta. Porque chegamos tarde para atender condições crônicas e graves do adoecer psíquico, que têm início, na maioria das vezes, na infância e adolescência, em lugares não distantes das nossas práticas e em circunstâncias não estranhas ao nosso saber e experiência profissional?
O que produz um desassossego do corpo, ao longo da trajetória clínica em saúde mental é saber o quanto é difícil dar-se conta que o não reconhecimento cultural e social da população pobre e das suas necessidades básicas está na raiz do risco e da maior vulnerabilidade ao adoecimento.
Qualquer