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E-book109 páginas1 hora

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Sobre este e-book

Pierre Troppéry é um pacato senhor de 92 anos, que mora em Paris. Viúvo, ele vive apenas com seu cuidador, Olivier, e passa os dias caminhando pelas ruas da capital francesa – apesar da idade, Pierre é bem ativo. Um dia, passeado por Montmartre, ele encontra uma caderneta que lhe chama a atenção e, nela, decide realizar um de seus sonhos mais antigos: escrever a história de sua vida. Nesse diário, Pierre revela tudo sobre seu passado: como ele, aos quatorze anos, foi jogado no mundo da prostituição e como construiu sua vida em cima do sexo pago, além de suas mudanças de cidades, estados e países, seus casamentos e seus relacionamentos. Os clientes e as clientes do garoto de programa também ganham destaque nas páginas do diário, bem como descrições eróticas e imorais sobre suas performances e genitais. Atendendo por vários nomes ao longo dos anos, o garoto mostra que, no fim das contas, nunca deixou de ser apenas um garoto. “FUI!” é o segundo romance de Caio César Mancin, que já publicou “Imortalidade – Há muito mais entre o Céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia” em 2015, também pelo Clube de Autores. Além da literatura, Mancin também se dedica ao cinema (já roteirizou e dirigiu três curtas-metragens), ao teatro (integrou o elenco de diversas peças desde 2002, e esteve em cartaz em 2017 com o musical “Moulin Rouge – Os Filhos da Revolução”) e à administração do blog Música Na Vida, onde publica resenhas críticas de shows musicais e de peças teatrais e divulga a cena cultural brasiliense desde 2005. Caio César Mancin é formado em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de jan. de 2020
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    Pré-visualização do livro

    Fui! - Caio César Mancin

    Dedico esse livro a todas as crianças vítimas da prostituição infantil e da pedofilia, e também dedico aos garotos e às garotas de programa – não, não é uma vida fácil.

    Apresentação

    Meu primeiro contato com a temática da prostituição foi por volta do ano 2000. Na época, um garotinho precoce de apenas seis anos, eu, que ao escutar a ópera La Traviata, de Giuseppe Verdi, se sensibilizou com Violetta Valéry, a cortesã que se destrói por causa de um amor condenado pela sociedade, e amarga o fim de seus dias com uma tuberculose mortal. Não tinha noção realmente do drama da ópera, mas uma coisa era certa, a primeira pedra já havia sido atirada.

    A história dessa ópera se baseia na novela A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas, a qual serviu de fonte de inspiração para diversas obras ao longo dos séculos, e uma das que mais me chamou a atenção foi, sem dúvida, o romance de Satine e Christian no incensado musical de Baz Luhrmann, Moulin Rouge – Amor em Vermelho, de 2002, que assisti pela primeira vez na casa da minha avó Shirley, em Pirassununga (São Paulo), nos idos de 2004.

    Esse filme, estrelado por Nicole Kidman e Ewan McGregor, e cuja adaptação teatral tive o privilégio de participar recentemente, me fez abrir os olhos para a importância social da prostituição. Porém a minha percepção acerca do impacto e do estigma de ser uma prostituta veio depois de, aos quatorze anos, ler O Doce Veneno do Escorpião, relato autobiográfico de Raquel Pacheco que, por alguns anos, se prostituiu sob o nome de guerra Bruna Surfistinha, e Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída, dos jornalistas alemães Kai Herrmann e Horst Rieck, sobre a conturbada adolescência de Christiane F. que, aos treze anos, já se prostituía para sustentar seu vício em heroína e, ao longo de toda a sua vida, exerceu a profissão em períodos flutuantes, sempre com o intuito de conseguir dinheiro para se drogar.

    Mais tarde, aos dezesseis anos, tive contato com a história de Gabriela Leite, famosa prostituta da região paulistana da Boca do Lixo, que militou pela legalização e regularização da profissão de prostituta e, para ajudar na sua luta, fundou a Daspu, uma grife de moda feminina que parodiava a famosa loja de artigos de luxo pertencente à empresaria Eliana Tranchesi. Conheci a história de Leite por meio de uma reportagem em uma dessas revistas de variedades, e vi ali uma história de muita garra e uma mulher que não tinha tabus ao falar de seu passado.

    Por muito tempo a prostituição permeou minhas leituras, não apenas por ser um tema fascinante por ser um tabu, mas também por mostrar que a ideia machista de que as mulheres são o sexo frágil é completamente infundada, visto que ser uma mulher e prostituta é a forma mais dolorosa de se enfrentar o machismo nosso de cada dia. Com o passar do tempo, no entanto, fiquei me perguntando se os homens também não se prostituíam – então, fui atrás de mais leituras e, nas minhas pesquisas, me deparei com um personagem que eu me lembrava vagamente mas que representava a diferença primordial entre a presença masculina e feminina na prostituição: Mateus Güney, personagem de Cauã Reymond, na telenovela Belíssima (2005), de Sílvio de Abreu.

    Na trama Mateus era um garoto de programa e levava uma vida dupla, uma vez que sua família tradicional de imigrantes gregos, era extremamente conservadora; para se sustentar, procurava mulheres bem mais velhas para poder tirar-lhes todo o dinheiro e usufruir do luxo que elas podiam lhe proporcionar. Ele começa a novela como amante de Ornela Sabatini, personagem de Vera Holtz, mas a abandona no último capítulo para viver em uma cobertura em Paris com a vilã Bia Falcão, personagem de Fernanda Montenegro, que havia surrupiado toda a fortuna de sua família e se mandado para a capital francesa.

    Foi ali que me indaguei: por quê ele levou a melhor, e suas colegas mulheres continuam sendo denegridas socialmente? Enquanto, no decorrer da novela, Mateus era retratado como um cara esperto por aplicar golpes em mulheres mais velhas e estava quase sempre em cena mostrando seu torso nu, as prostitutas já mostradas na ficção sempre são taxadas de vadias e são crucificadas por seguirem a vida fácil. Hilda Furacão (Ana Paula Arósio, em minissérie homônima), Bruna Surfistinha (Deborah Secco, em filme homônimo), Bebel (Camila Pitanga, na telenovela Paraíso Tropical) e Danny Bond (Paolla Oliveira, na minissérie Felizes Para Sempre?) são apenas alguns exemplos recentes de prostitutas que, por serem mulheres, são menosprezadas por sua profissão e enfrentam diversas barreiras sociais (e até sentimentais) para provarem seu valor perante a sociedade.

    Entretanto tudo mudou em meados de 2015, depois de terminar meu primeiro romance, Imortalidade – Há muito mais entre o Céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia, ao assistir à uma reportagem no programa dominical Fantástico, da Rede Globo, sobre uma rede de prostituição infantil que fora desbaratada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público em Campo Grande (Mato Grosso do Sul). Na reportagem, cartas de mães que tiveram suas filhas sugadas pela prostituição são lidas pela atriz Letícia Sabatella, e são mostrados alguns figurões de peso da alta sociedade sul-mato-grossense envolvidos no esquema de aliciamento de menores – também há relatos de algumas garotas que se tornaram prostitutas e serviam a esses poderosos criminosos pedófilos. Os cafetões – um homem e uma mulher, que já trabalhava no ramo há mais de dez anos - obrigavam as garotas a filmar os encontros sexuais para chantagear os clientes – um deles, à época vereador da cidade, chegou a pagar R$ 100 mil para que as imagens não fossem divulgadas. Rodrigo Vaz é o jornalista responsável pela reportagem, que dá detalhes sobre o esquema e mostra entrevistas com os advogados dos homens acusados de terem relações sexuais com as garotas menores de idade – todos, é claro, negam as acusações e dizem que seus clientes não sabiam das idades das meninas, ainda que seja mostrado na reportagem que eles faziam questão de que fossem menores de idade.

    Sem dúvida a reportagem é chocante, mas mostra uma realidade comum em muitas cidades brasileiras e estrangeiras – a prostituição infantil é um negócio rentável, visto que está arraigada a ideia de que a mulher é objeto sexual desde o seu nascimento e está, desde então, submetida aos mandos e desmandos dos homens. Depois dessa reportagem, fiquei me perguntando, novamente, se garotos também não estavam sendo aliciados por cafetões e cafetinas para realizarem serviços sexuais para pedófilos – e não deu outra: logo, me deparei com diversos relatos de meninos menores de idade que eram cafetinados, muitas vezes, pelos próprios pais ou responsáveis para fazerem sexo com homens importantes, empresários, políticos e religiosos. Em muitos casos os meninos acabavam presos na rede de prostituição para pagarem as drogas em que se viciavam, como crack, cocaína e heroína, ou para sustentarem a família pobre e sem estrutura.

    Depois dessa nova imersão no universo da prostituição, dessa vez com foco na prostituição infantil, me veio a ideia de escrever sobre um garoto de programa. Eu não queria falar apenas de um garoto de programa: eu queria falar de uma criança que foi jogada no mundo da prostituição à contragosto, mas que, por não conhecer uma realidade diferente daquela, desenvolveu amor pela profissão e passou a sentir prazer naquilo que fazia, continuando no ramo até mesmo depois da terceira idade. Foi daí que surgiu FUI! – a história de Pierre é contada por ele mesmo da forma mais sincera e crua possível, sem frescuras nem amarras. Ele narra suas experiências, tira sarro de seus clientes, e mostra que, ainda que tenha tentado diversas vezes sair daquela profissão, ele sempre voltaria à ela por ser o que ele conhecia por porto seguro, por estabilidade.

    Colocar crianças para realizar tais serviços é abominável, pois são seres humanos em processo de aprendizagem e de formação de caráter, sem discernimento entre o certo

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