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Feiticeiros de Acbar: Os governantes - Livro I
Feiticeiros de Acbar: Os governantes - Livro I
Feiticeiros de Acbar: Os governantes - Livro I
E-book389 páginas5 horas

Feiticeiros de Acbar: Os governantes - Livro I

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Sobre este e-book

O primeiro volume da saga - aqui em segunda edição, com ilustrações de Pedro Zenival - descreve a amizade entre os estudantes da Escola de Magia de Acbar, Alarim e Akilor, que precisam harmonizar suas personalidades e poderes, para governar com sabedoria o reino de Acbar. Para combater as ameaçadoras forças do caos, os feiticeiros vão unir-se às fadas e aos elfos, infringir leis milenares e realizar profecias, tentando restaurar o equilíbrio e a esperança. Mas a primeira conquista será,vencer a proibição que impede os governantes de amar e casar.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de out. de 2022
ISBN9786554390132
Feiticeiros de Acbar: Os governantes - Livro I

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    Feiticeiros de Acbar - Simone Aubin

    Naquela época, o mundo era dividido em províncias espalhadas entre colinas, abismos, florestas e grandes rios. Juntas, formavam um imenso território chamado o reino de Acbar. O esplendor desse reino provinha de uma próspera cidade que possuía o mesmo nome: a cidade de Acbar. Ela era habitada pelos chamados sem-dom, que não possuíam nenhum poder. No entanto, dessas pessoas simples, algumas vezes, nasciam outras cujos dons eram extraordinários. Eram chamadas de dotadas e imediatamente retiradas de suas famílias para serem educadas na reputada Escola de Acbar.

    A Escola de Acbar era a maior e mais importante escola de magia do reino. Formava grandes feiticeiros, fornecendo os melhores professores, curadores, guerreiros, guardiões e governantes para os quatro cantos do mundo.

    A escola ficava no alto de uma montanha próxima à cidade de Acbar. A construção era imensa, com um imponente portão de entrada onde foram esculpidos desenhos proféticos. Toda a estrutura fora construída com tijolos alaranjados e com grandes portas e janelas em forma de arco. A majestosa edificação era composta por diversas alas repletas de salas, quartos, jardins e pátios de refinada beleza.

    A força dessa escola provinha dos homens que a dirigiam. Não eram homens comuns: eram quatro feiticeiros conhecidos por sua sabedoria, que não apenas coordenavam a Escola de Acbar, mas também a cidade e todo o reino. Chamavam-se Terrae, Aelius, Aquos e Fogare.

    Em um meio sacudido constantemente pelos movimentos dos elementos naturais, a ação conjunta dos quatro governantes era primordial para o equilíbrio da natureza. Cada um, como seus nomes indicam, possuía o domínio sobre um elemento. Assim, Terrae comandava os poderes da terra; Aelius, os do ar; Aquos, os da água e Fogare, os do fogo. Respeitados e amados, os quatro anciãos dirigiam Acbar com justiça e bondade, acalmando sempre a violência dos vulcões, tornados, inundações e terremotos que assolavam o reino de tempos em tempos. Dessa forma, as províncias habitadas pelos sem-dom podiam se desenvolver e prosperar em paz.

    Na Escola de Acbar, todos conheciam a lei: quando um Grande Governante chegava perto da morte, imediatamente nascia outro, misteriosamente, em algum lugar das redondezas, como se uma inteligência invisível cuidasse atentamente da harmonia de tudo.

    Os quatro anciãos sabiam que só lhes restavam mais alguns anos de vida, o tempo suficiente para formar outros governantes. Eles esperavam que os profetas revelassem o lugar onde poderiam encontrar quatro novas crianças, cada uma delas possuindo um dom sobre os elementos da natureza. Elas seriam educadas e treinadas na Escola de Acbar.

    Contudo, para espanto dos Grandes Governantes, os profetas só tiveram visões nas quais duas crianças foram reveladas, em vez de quatro. Eram dois meninos, mas algo diferente, que intrigava e preocupava Terrae, Aelius, Aquos e Fogare, estava ocorrendo. Rapidamente localizaram os lugares onde eles moravam, vestiram suas capas de viagem e foram procurá-los.

    Uma das crianças nasceu na base de uma enorme montanha, ou melhor, de um vulcão ainda ativo, mas que era controlado por Terrae e Fogare. Ela já estava com sete anos. Agitado, alegre e entusiasmado, Akilor foi levado à presença dos quatro feiticeiros, que o olharam atentamente da cabeça aos pés.

    Era evidente que possuía o poder do fogo, visto que seus cabelos eram castanho-avermelhados e que também possuía um forte temperamento, impulsivo e vivo. No entanto, algumas características o ligavam ao elemento terra: era moreno, tinha olhos escuros e um corpo atlético, no qual já se percebiam músculos bem formados para sua idade.

    Os mestres desconfiaram que Akilor possuía, pela primeira vez na história do reino, o poder sobre dois elementos: a terra e o fogo. O enigma começava, então, a ser desvendado. O encontro com a outra criança solucionaria o resto do mistério.

    O segundo menino nasceu nas margens do maior rio do reino, perto de uma cachoeira onde os ventos circulavam com força e vida. Era magro e muito alto. Chamava-se Alarim, possuía cabelos tão dourados que eram quase brancos, olhos serenos e azuis, quase acinzentados. Concentrado, sério e calmo, veio ao encontro dos quatro feiticeiros como se já os conhecesse há muito tempo.

    Os governantes observaram Alarim como se estivessem lendo sua alma. Viram, em seu coração, a tranquilidade dos lagos e o fluir dos ventos. Esse menino de sete anos possuía, claramente, o poder das águas e dos ares. Tudo agora estava explicado e uma profecia muito antiga começava a se realizar:

    De quatro sábios, surgirão dois

    E será o começo de um novo tempo.

    A balança poderá se desequilibrar

    E tudo destruir.

    O destino está aberto e é frágil.

    De dois sábios surgirá um feiticeiro único em poder

    Será guardado por quatro outros como uma joia rara

    Mas possuirá sua própria joia.

    Assim está escrito… e se cumprirá.

    Os quatro sábios, depois de conversas com as famílias das crianças, que já haviam percebido as diferenças de seus filhos, levaram Akilor e Alarim para a Escola de Magia de Acbar, onde seriam tratados não apenas como estudantes de feitiçaria, mas também como os sucessores. Começaria, para essas duas crianças, um incrível destino.

    Akilor e Alarim se estranharam um pouco no início, pois eram muito diferentes. Alarim impressionou-se com a espontaneidade e o entusiasmo de Akilor, sempre alegre e falante, o que o incomodava às vezes:

    — Você não pode ficar um pouco calado? — perguntava Alarim.

    — Você é que deveria falar um pouco mais — respondia Akilor, mas na verdade ele se surpreendia com a sabedoria e inteligência de Alarim, sempre pensativo e sereno: o primeiro era extrovertido, gostava de artes marciais e festas; o segundo, introvertido, gostava de poesia, passava horas estudando e observando a natureza.

    Com o tempo e a convivência, reconheceram-se como verdadeiros irmãos, unidos por um destino maior. O tamanho de suas diferenças passou a ser o tamanho da amizade que sentiam um pelo outro, mas que, muitas vezes, terminava em grandes brigas. Akilor, então, com seus poderes desequilibrados, queimava os livros de Alarim. Este, com mãos ainda descontroladas, destruía e molhava por inteiro o que Akilor havia fabricado durante horas.

    Além das aulas normais de qualquer feiticeiro de Acbar, eles tinham inúmeras aulas extras para aprender a controlar seus magníficos dons e adquirir o máximo de conhecimento. Sobrava-lhes pouco tempo para brincar ou descansar, pois não eram crianças comuns, eram os escolhidos. Quando Akilor estava cansado de ler nos jardins da escola, escrevia uma mensagem para Alarim e a colocava dentro da terra. Com seus poderes, fazia a mensagem caminhar por baixo do solo até o irmão que estava do outro lado do pátio. Para se divertir, jogava o papel para fora da terra em cima de Alarim, que ficava todo sujo:

    Alarim, vamos embora daqui brincar com os outros estudantes. Não aguento mais ler! Podemos sair devagar… ninguém vai ver.

    Então Alarim respondia jogando o papel pelos ares e fazendo com que um vento criado por ele levasse a resposta até Akilor:

    Ainda não acabei de ler. Vá você primeiro, se quiser. Vou quando terminar.

    A perfeição e seriedade de Alarim irritavam seu colega, que gostava mais de correr e se divertir do que de estudar. Chateado, abandonava o livro sobre um banco, pulava o muro e saía correndo. Isso sempre lhe valia punições: trabalhar nas horas vagas, não brincar com as outras crianças e, o pior de tudo, não ir à aula de artes marciais de que tanto gostava. Alarim procurava lhe ensinar os golpes que aprendera durante a aula, mas era muito desengonçado.

    Os anos foram se passando e os dois amigos começaram a trabalhar o equilíbrio entre seus poderes, pois precisavam agir sempre juntos, harmonizando os quatro elementos da natureza. Terrae, Aelius, Aquos e Fogare eram agora seus professores.

    Alarim e Akilor tinham carinho e respeito por seus mestres, que eram muito diferentes uns dos outros. Terrae, extremamente racional, sempre tinha soluções lógicas para tudo. Aelius levava a vida como se ela não fosse realmente séria. Sorria com frequência e gostava de piadas. Fogare era impulsivo e mal-humorado, mas nunca estava cansado, sempre trabalhando dia e noite. Aquos parecia o mais tranquilo de todos, isso quando não o provocavam demais. Era filosófico e sábio, tendo sempre uma resposta poética para tudo. Os quatro professores estudavam a manhã toda com seus dois alunos. O tempo passava rápido e eles tinham muito o que aprender.

    Terrae lhes ensinava a ouvir a voz da natureza, os batimentos do coração da terra. Aelius falava do sopro de vida atravessando tudo, do balançar das asas dos pássaros e insetos que podiam se comunicar com os feiticeiros. Aquos explicava que as coisas eram um contínuo fluir de vida tentando se expressar: para isso, era preciso ter os ouvidos atentos e uma alma aberta. Fogare mostrava que o mundo era banhado em um imenso amor ardente capaz de fazer maravilhas.

    Alarim e Akilor escutavam os ensinamentos com brilhos nos olhos. Tanta beleza os tocava profundamente. Eles queriam aprender, fazer bem-feito, mas ainda eram crianças. Para comandar os quatro elementos, precisavam estar em perfeita harmonia, conhecer a força e os limites de seus poderes.

    Por vezes, ainda se estranhavam. Então, Akilor, com raiva, jogava uma bola de fogo em Alarim que a apagava com outra bola de água. Alarim, com um redemoinho de ventos, atirava Akilor contra a parede. Este abria o chão e fazia Alarim cair dentro do buraco. Se os professores não parassem as brigas, a Escola de Acbar poderia até ser destruída. Por causa disso, eles eram constantemente vigiados por dois feiticeiros guardiões.

    Akilor e Alarim se divertiam imaginando como poderiam perturbar os guardiões. Alarim, com seus ventos amigos, arrepiava os cabelos e levantava as capas de seus perseguidores, impedindo-os de ver onde as crianças se escondiam. Enquanto isso, Akilor comandava as pedras para que se colocassem nos caminhos deles. Os guardiões perdiam o equilíbrio, tropeçavam e caíam no chão. Os pequenos feiticeiros riam de suas grandes ideias até que Terrae, Aquos, Aelius e Fogare os convocavam. A brincadeira ficava sem graça depois das punições: Akilor deveria trabalhar na cozinha preparando as refeições para todos os estudantes. Ele acendia vários fornos ao mesmo tempo e fazia as águas ferverem mais rápido. Às vezes, elas transbordavam das panelas, molhando tudo. Alarim deveria limpar os imensos corredores da escola. Ele fazia a água escorrer pelo piso e o sabão espumar abundantemente. Em certas ocasiões, era tanta água que ela entrava pelas salas de aula. Terminavam tarde os trabalhos e se deitavam, exaustos.

    Para a felicidade dos professores e guardiões, os dois feiticeiros cresceram e ficaram um pouco mais calmos.

    Alarim, aos quinze anos, tornou-se um jovem muito alto, com traços finos e alongados. Seus olhos continuavam serenos e expressavam a elevação de sua alma. Todos os gestos eram naturalmente misteriosos, pois ele compreendia melhor do que ninguém o quanto a vida era mágica e secreta. Prometeu dedicar a sua ao estudo desses mistérios.

    Akilor, ao contrário, possuía agora um porte atlético. Era um jovem prático e cheio de vida. Era enérgico, incansável e determinado em tudo o que fazia. Sua simpatia era conhecida assim como a força de seu espírito. Generoso e prestativo, Akilor não media esforços para ajudar a todos.

    Alarim possuía a sabedoria, Akilor a colocava em prática. A vida escolhera a dedo os futuros governantes de Acbar, cujas características complementares não podiam ser separadas. Cada vez mais, eles estavam aprendendo a trabalhar juntos. Terrae, Aquos, Aelius e Fogare os levavam agora em todas as suas expedições e, em um esforço conjunto, professores e alunos apagavam incêndios, controlavam inundações, tempestades e terremotos. Realizando essas tarefas, muitas vezes eles colocavam suas vidas em risco.

    De volta a Acbar após uma dessas viagens, Alarim descansava em seu quarto quando uma pedra atravessou a janela quebrando a lâmpada. Claro que era uma mensagem de Akilor:

    Alarim, tem uma festa na cidade hoje. Podemos sair da escola disfarçados. Eu o espero na saída da segunda torre às 22 horas.

    Alarim suspirou e sorriu: ele não tem jeito, pensou. Nesse mesmo instante, Terrae e Fogare entraram em seu quarto. O jovem feiticeiro escondeu o bilhete embaixo de um livro.

    — Você deve aceitar o convite de Akilor — falou Fogare. Alarim tentou fazer uma cara surpresa.

    — Nós o conhecemos bem — continuou Terrae —, pois éramos como ele, apesar de nos interessarmos mais pelos estudos. Akilor parece não querer aprofundar muito as aulas. Ele precisa de sua presença ao seu lado.

    — Um futuro feiticeiro governante não deve sair da escola apenas para se divertir — acrescentou Fogare. — Ele deve saber para onde e por que está saindo. Akilor não conhece ainda o verdadeiro sentido do que pensa e faz. Acompanhe-o. Enviaremos também Turi e Assir, dois dos nossos melhores aprendizes feiticeiros. Vocês três tentarão colocar um pouco de juízo na cabeça de Akilor.

    Alarim não teve tempo de responder. Os dois mestres, tão rápido como entraram, saíram do quarto. Antes de fechar a porta, Fogare acrescentou:

    — A mensagem de Akilor que você escondeu está embaixo de um livro muito ruim, tem até alguns feitiços errados.

    Fogare retirou do bolso um livro azul envelhecido:

    — Leia esse, você vai aprender três vezes mais sobre como direcionar sua vontade para deter tufões e inundações.

    Alarim pegou o livro azul. Quando a porta fechou, ele jogou o outro livro no lixo e pensou: Como sempre, Akilor pensa que pode se esconder e fugir de seu destino. Mas quem seriam Turi e Assir? Não se lembrava deles.

    Na hora marcada, Alarim vestiu uma roupa de jardineiro tentando esconder seus longos cabelos quase brancos, pois chamavam muito a atenção. Depois, foi até a saída da segunda torre.

    Rodeando a escola, havia várias torres. Algumas eram portas de saída menores que davam acesso a diferentes lugares. Tanto quanto o portão principal, elas eram arqueadas e esculpidas. A partir da segunda torre, existia um caminho que levava os feiticeiros até a cidade de Acbar. Akilor já esperava pelo irmão no lugar marcado, vestido de lavadeira, com um pano na cabeça e uma saia colorida. A visão do amigo assim fantasiado provocou uma crise de riso em Alarim, geralmente muito sério.

    — O que é isso, Akilor!?

    — A única roupa que encontrei quando estava vindo para cá. Estava estendida em um varal perto da cozinha. O que você acha?

    — Você está horrível!

    Em seguida, os dois feiticeiros escutaram passos muito perto. Dois guardas vigiavam a saída da segunda torre.

    — Quem está aí? — perguntou um deles.

    — Sou eu — disse Akilor tentando imitar a voz de uma mulher —, uma lavadeira da escola. Estou indo para a festa da cidade com meu… namorado. Alarim fez uma cara de nojo, mas entrou no jogo abraçando Akilor.

    No entanto, os guardas retiraram seus capuzes e apareceram dois jovens da mesma idade de Akilor e Alarim.

    — Vocês não sabem mentir — disse uma estudante morena com várias tranças penduradas atrás da cabeça.

    — Quem são vocês? — indagou Akilor sorrindo.

    — Chamo-me Assir. Sou aprendiz-feiticeira da linhagem guerreira. Esse é Turi, aprendiz-feiticeiro da linhagem dos curadores. Também estamos indo para a festa da cidade.

    — Ah! — gritou Akilor entusiasmado. — Então não sou o único maluco nessa escola! Alarim sempre me diz que sou louco e imprevisível. Está vendo, irmão? Tem outros malucos por aqui. Vamos logo para não perder a diversão.

    Assir e Turi tentaram disfarçar a emoção de estar ao lado dos dois futuros governantes de Acbar. Turi falou baixinho para Assir:

    — São eles mesmo? Nunca estive tão perto deles. São poderosíssimos. Podemos virar um churrasquinho nas mãos de Akilor e morrer afogados nas de Alarim. Essa missão é bem perigosa, Assir.

    — Cala a boca, Turi! Nossos mestres nos pediram para cuidar deles e é o que vamos fazer.

    — Eles não precisam de proteção. Nós é que precisamos. Assir olhou para Turi, muito séria.

    — Nossa, Assir! Você não tem nenhum senso de humor! — falou Turi.

    Após algum tempo descendo a colina, os quatro feiticeiros avistaram a cidade de Acbar, a capital do reino. Construída em círculos, ela possuía, em seu centro, um imponente casarão: a sede do governo dos sem-dom. Os feiticeiros entraram na cidade observando tudo com interesse, pois nunca haviam estado tão próximos dos sem-dom nem de suas edificações. As ruas circulares eram muito ordenadas, tendo, de cada lado, bonitas casas vermelhas, amarelas e laranja. As janelas, arqueadas, seguiam o modelo da Escola de Acbar.

    Os sem-dom gostavam de flores, que eram colocadas em pequenos canteiros na frente das casas. A cidade tinha inúmeras praças arborizadas; a maior, porém, encontrava-se ao lado da sede do governo onde ocorreria a festa daquela noite.

    Havia muita animação no centro de Acbar: músicas diversas e variadas danças. O povo festejava o fim da colheita, magnífica naquele ano. As reservas de alimento da cidade estavam cheias. Antes de se aproximarem da multidão, Alarim deu um conselho aos feiticeiros:

    — Aconteça o que acontecer, não usem os seus poderes: sejamos discretos, verdadeiros camponeses.

    Todos concordaram e se misturaram aos cantos e danças.

    Alarim, com seu porte alto e sério, não dançava, mas observava tudo com atenção. Ele ia raramente à cidade e nunca fora a uma festa.

    — Nossa, irmão! — falou Akilor. — Dá para você sorrir um pouco? Veja quantas camponesas bonitas, quanta comida gostosa… e quantos homens feios! — acrescentou, mostrando alguns que dançavam.

    Akilor tinha um dom raro: fazer rir Alarim. Sua alegria era contagiante! Retirou sua roupa de lavadeira e saiu rebolando entre todos. Alarim balançava a cabeça e ria do irmão.

    Assir estava em pé como um guarda. Ela levava muito a sério sua missão. Não perdia Akilor de vista. Era a melhor aprendiz-guerreira de Acbar. Seus dons foram descobertos quando tinha quatro anos e lutara, pela primeira vez, contra os bruxos do caos. Nessa ocasião, seus pais descobriram que ela dava golpes tão fortes que podiam jogar longe o inimigo. Sua concentração era impressionante: ela tinha o olhar de uma águia procurando a presa. Seu alvo era certeiro. Assir, sem sombra de dúvida, possuía a alma de uma guerreira. Foi levada à Escola de Acbar, onde, desde então, aperfeiçoava seus dons.

    Ao seu lado, Turi se balançava ao som da música. Era um aprendiz feiticeiro um pouco desajeitado, mas com um extraordinário talento. Fora descoberto por Zur, o Grande Curador, quando ainda era um bebê.

    Durante uma de suas inúmeras viagens pelo reino, em uma sala cheia de doentes que vieram vê-lo, Zur percebeu que alguém estava curando os enfermos, mas não era ele. Observando atentamente, viu fios de luz verdes translúcidos saírem das mãos de um bebê. Eram tão finos que apenas ele, o Grande Curador, poderia notá-los e senti-los. Os fios eram puríssimos e suaves, mostrando que o bebê possuía um canal aberto para as energias de cura.

    Zur levou o bebê para Acbar. Tornou-se seu pai e mestre. Estava lhe ensinando tudo o que sabia sobre a importante arte da cura. Não havia se enganado, Turi era fascinante com seus poderes, um canal perfeito, mas era também muito atrapalhado: costumava derramar os vidros de remédios e misturar as receitas. Algumas vezes, quando os fios de luz saíam de suas mãos em direção aos ferimentos, escapavam de seus dedos, fazendo cócegas nos pacientes e levantando seus cabelos.

    Com o tempo, Turi se tornou um jovem bondoso, de olhos tão puros quanto a sua alma. Ele seria provavelmente um excelente curador, com grandes responsabilidades, mas o jovem feiticeiro ainda não sabia disso. No momento, despreocupado, cantava alegre as músicas da festa.

    — Você canta muito mal — disse Assir.

    — É melhor cantar mal do que não cantar. Você está tão dura como um soldado. Cantar lhe faria bem.

    — Eu sou um soldado! — respondeu Assir, chateada. — E não gosto de cantar. Estou concentrada, pois Akilor não para de se mexer de um lado para outro. Ele até que dança bem, mas parece que nunca cansa. Estou exausta só de olhar.

    — Já que você está cansada de ficar vendo Akilor, posso dançar para você — falou Turi, brincando.

    — Não, obrigada. Já vi você dançando — disse Assir. — É muito desajeitado.

    — Pelo menos danço. Você nem isso sabe fazer! Parece uma estátua guerreira que engoliu a própria espada.

    Antes que Assir respondesse, Turi saiu requebrando pela festa, chamando as camponesas para dançar. Assir não gostou, mas continuou em pé, observando Akilor e Turi. Alarim aproximou-se dela:

    — São malucos, não são?

    — Nunca vi piores! Diga-me, Alarim, você acha que eu pareço uma estátua guerreira que engoliu a própria espada?

    Alarim sorriu e respondeu calmamente:

    — Acho que somos duas estátuas, Assir, as únicas que sabem que não estão aqui por acaso. Deixei todos os meus livros para acompanhar meu irmão a essa festa, mas os mestres devem saber algo que desconhecemos. Compreenderemos em breve.

    A voz serena de Alarim acalmava Assir. Ele parecia sempre muito seguro de si. Com certeza, eles estavam ali por alguma razão.

    Uma das danças mais conhecidas chamava-se Tolda, quando os pares iam sendo trocados sempre que a música mudava de ritmo entre rápida e lenta. Era a preferida do povo, pois permitia que todos se conhecessem melhor: crianças, jovens e velhos. Em uma dessas mudanças de pares, Akilor pegou nos braços uma jovem de olhos e cabelos negros, com um belo sorriso e roupas muito simples.

    Ele parou e ficou, pela primeira vez, muito sério, observando com atenção o rosto da menina.

    — Como você se chama? — perguntou Akilor dançando, impressionado com as mãos suaves da garota e seus bonitos gestos.

    — Dina. Sou a filha de Toscato, o agricultor — respondeu ela, alegre.

    — Você mora aqui em Acbar, Dina, filha de Toscato?

    — Não na cidade, mas nos campos perto da Floresta do Alto.

    Ao redor de Acbar, havia duas grandes florestas, a de cima das colinas e a de baixo. Nas clareiras das matas, os camponeses construíam casas e plantavam.

    Akilor fez muitas perguntas a Dina apenas para ouvir sua melodiosa voz. Porém, a música mudou de ritmo e o feiticeiro viu as mãos da menina deslizarem para as de outro jovem. Sem pensar, ele naturalmente segurou-as firme, não deixando Dina pegar o novo par.

    — Ei, você não conhece as regras dessa dança? Mesmo os casados devem mudar de par! — disse o jovem, aborrecido, puxando Dina pela outra mão.

    Akilor soltou a mão de Dina e pegou a de uma outra senhora. Começaram a rodar rápido, mas ele não conseguia tirar os olhos de Dina, que também o observava, surpreendida pela beleza e força que emanavam do futuro governante. Quando chegou o momento de mudar de par, Akilor tentou puxar novamente Dina para si, mas um homem o empurrou, fazendo-o cair no chão e jogando-se sobre ele. Não se controlando, Akilor deixou escapar de seus dedos uma pequena faísca, que começou a queimar o casaco do homem.

    Vendo a cena, Alarim e Assir correram o mais depressa que puderam. Assir imobilizou Akilor com um golpe rápido e Alarim abraçou o desconhecido fingindo separá-lo da luta para, discretamente, molhar seu casaco e apagar o fogo. Porém, suas costas já haviam se queimado. Turi chegou às pressas, e antes que as pessoas vissem a queimadura, colocou as mãos sobre ela, fazendo desaparecer o ferimento e a marca. Tudo ocorreu em segundos. O homem se afastou com raiva. Assir liberou Akilor, que queria ir atrás do agressor.

    — Se sair daqui — disse Assir, enérgica —, vou dar outro golpe em você e quebro as suas pernas!

    — Se fizer isso, eu torro você! — respondeu Akilor, contrariado.

    Assir não esperou mais: deu uma rasteira em Akilor, que caiu no chão. Antes que se levantasse, Alarim apareceu a sua frente, olhando-o severamente. Akilor conhecia bem esse olhar, que sempre conseguia fazê-lo respirar profundamente e se acalmar.

    — Vamos embora daqui — disse Alarim em tom de comando.

    Os quatro feiticeiros saíram da festa devagar para não chamar a atenção das pessoas. Antes de sair, Akilor procurou Dina com os olhos. Encontrando-os, despediu-se, na esperança de revê-la.

    No caminho, Akilor procurou Alarim, que andava isolado e si-

    lencioso.

    — Você não está exagerando um pouco? — perguntou Akilor.

    — Exagerando? Akilor, você ameaçou torrar Assir e incendiou um homem só porque ele o provocou… e com razão! Você estava tirando a sua parceira de dança. Não pode usar seus poderes assim! Precisa estudar mais e controlar suas vontades.

    — Sei que você tem razão… Está bem, vou tentar estudar mais. Prometo!

    Desde o dia da festa, Akilor parecia mais pensativo. Algo nele estava diferente. O mais surpreendente é que chegava na hora em todas as aulas, ficava estudando até tarde, fazia todos os exercícios, praticava sem cessar o controle de seus poderes, não errava mais as magias nem reclamava de suas inúmeras responsabilidades.

    — O que você tem, Akilor? — interrogou Alarim, preocupado. — Está doente? Essa seriedade fica muito estranha em você. Disse que deveria se concentrar mais, porém não precisava ficar tão sério! Esse não é você!

    — Irmão, estou com um problema e a única pessoa com a qual posso falar é você.

    — Nossa, que mistério! Dá até medo! Algum exercício de magia deu errado? Você criou um gigante de fogo ou um monstro de pedra que está destruindo a cidade?

    — Deixe de brincadeira, Alarim! Meu problema não é fácil de resolver. Eu tentei, tentei muito, mas não consigo tirar da cabeça aquela menina com a qual dancei na festa.

    — Então o grande Akilor, o futuro homem mais poderoso do mundo, revelou sua fraqueza? — falou Alarim brincando, mas logo ficou sério. — Irmão, você sabe que isso não é possível. Nenhum feiticeiro governante, até hoje, casou-se com alguém. Todos os livros dizem que isso é proibido, pois não somos feiticeiros comuns. Devemos nos concentrar inteiramente na nossa missão, que ocupará todo o tempo de nossas vidas. Você vê o quanto trabalham nossos mestres.

    — Isso deve mudar! Poderíamos ser mais eficientes em nossas funções se pudéssemos escolher alguém para ficar ao nosso lado, caso desejássemos. Alarim, diga-me sinceramente o que você acha e não o que leu nos livros. Confio em sua sabedoria.

    — Você quer realmente saber o que eu penso? — perguntou Alarim, sempre muito calmo.

    — Você é a pessoa mais importante para mim. Daria a minha vida por você!

    — Pois bem. Acho que você tem razão — disse Alarim com sinceridade. — Não compreendo muito bem o que está sentindo, mas deve ser poderoso, para torná-lo tão esquisito. Nunca o vi tão estudioso! Pela primeira vez, terminou os exercícios antes de mim! A garota da festa deve ser uma mulher especial para merecer o seu interesse. Sim, acho que o governo e o amor não deveriam ser separados caso o governante sinta, em seu coração, que esse é o caminho. Só não entendo muito bem por que os livros proíbem esse sentimento.

    — Alarim, você é incrível! Não consigo imaginar ter outro irmão que me entenda tão bem! Então acha que devo procurá-la?

    — Vendo o que essa menina está fazendo com você, se não a procurar, agitado como é, ficará mais ainda. Mas tenha cuidado, não se envolva tanto antes de compreender melhor a lei. Apenas um conselho: não revele quem você é. Isso poderia assustá-la…

    Akilor abraçou o irmão e saiu correndo, mostrando novamente sua alegria e entusiasmo. Alarim ficou sentado, pensando: — O que eu fiz? Meu conselho vai contra todas as regras! Se os mestres souberem… terei muitos problemas. No entanto, ver Akilor tão feliz lhe fez bem.

    A partir de então, Akilor ia sempre que podia visitar Dina

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