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E-book110 páginas1 hora

Antes de agora

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Sobre este e-book

"Antes de agora" é uma obra literária coletiva. Produto final de residência literária que reuniu 18 escritores/escritoras e publicadores/publicadoras de Goiás. O livro é composto por contos e crônicas produzidos a partir dos cursos ministrados por Cidinha da Silva, Paulliny Tort e Tino Freitas. A edição e a concepção do livro, como objeto, foi realizada com consultoria da ilustradora Suryara Bernardi, do editora Paulo Verano, da designer Laura Del Rey e da produtora gráfica Lília Góes. O conteúdo dos textos perpassa questões existenciais, culturais e sociais do nosso tempo, um dos períodos mais violentos já vividos pela chamada "civilização", duramente atacada pela pandemia da Covid-19. Ilustração: Álvaro Paiva
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de out. de 2022
ISBN9786599185182
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    Antes de agora - Vários

    titulo

    Este livro só veio à luz graças à colaboração de Paulliny Tort, Cidinha da Silva, Tino Freitas, Suryara Bernardi, Paulo Verano, Laura Del Rey, Lilia Góes, Larissa Mundim, Carol Schmid e Bia Menezes.

    Sumário

    Prefácio

    Enquanto você crescia

    Literatura

    Primeiro voo

    mailer-daemon

    À sombra do abacateiro

    Pode me chamar de tia

    Asfixia

    Danças de um corpo escrito

    Novos caminhos

    Duas freiras e uma mãe solteira

    Desvio de conduta

    Sacrifício

    Lua em Escorpião

    Ronda noturna

    O Apocalipse

    As crianças do Bosque dos Buritis

    Sobre autoras e autores

    Prefácio

    um livro assim é sobre generosidade, delicadeza, respeito, embora seja improvável alcançar tais notas apenas na leitura dos contos e das crônicas aqui publicados.

    Antes de agora não seria possível escrever um texto como este, para cumprir a função técnica de apresentação do conteúdo e com habilidade para expressar sutilmente o que houve entre nós.

    O programa da Residência Literária da Livraria O Jardim foi composto em eixos, com o desejo de estruturar envolvimentos possíveis entre aquelas/aqueles capazes de escrever e aquelas/aqueles capazes de materializar o livro, como objeto.

    Com recursos financeiros da Lei Aldir Blanc, a virtualidade permitiu à negalilu editora engajar uma equipe surpreendente de instrutores e viabilizar a participação remota de 18 residentes bolsistas, geograficamente espalhados, mas conectados a Goiás.

    Duas encruzilhadas foram planejadas para promover a relação entre residentes: 12 lives com 24 publicadores independentes de todo o Brasil¹ e quatro rodas de leitura comentada. Tudo gratuito e aberto para profissionais e pessoas apaixonadas pelo Livro. No entanto, o almejado encontro entre eixos se deu com força a partir da palavra escrita. E por meio de sua apreciação.

    Esta entidade, a palavra escrita, desafiou, amansou, expandiu. Em seguida, deu-se ao gozo, com confiança, mergulhando os pés numa bacia devidamente benzida por Santa Dica transbordando de água escaldante, temperada com sal, ervas e rosas.

    Quem tem a sapiência de ouvir, testemunhou também com os olhos − durante e depois − o que falo neste momento. Pode não parecer, mas estou apresentando Antes de agora, o livro que é fruto desta inesquecível Residência Literária. Ainda que este não seja o prefácio mais objetivo já escrito para alertar nossas leitoras e nossos leitores sobre os conteúdos sensíveis, alertas de gatilho, que podem ser encontrados nas páginas seguintes.

    Não minto; e não minto ao dizer que a generosidade, a delicadeza, o respeito têm lastro nesta obra literária, que encontrou meios de vir à superfície mais pela exposição da miséria humana do que pela capacidade que todas/todes/todos temos de vivenciar a epifania.

    Larissa Mundim, escritora, editora e livreira, coordenadora editorial da Residência Literária da Livraria O Jardim

    Enquanto você crescia

    Gabriela Domiciano

    Você já foi um mundo, Maristela.

    Enorme, pairava à altura dos meus olhos. Tinha um meridiano para nos guiar, do umbigo da Mãe até embaixo, na divisa com os elásticos das calças largas que ela passou a usar. Na fronteira com os pelos quando tomávamos banho juntas. Minhas mãos percorriam sua circunferência ensaboada, iam e voltavam, de novo e de novo. Você também já foi uma bolha de sabão, uma que eu podia tocar e, ao se mexer, cismava se estava prestes a estourar e se desmanchar. Porém, você não começou desse tamanho.

    O princípio foi imperceptível. Soube depois, por causa dos soluços da Mãe trancada no banheiro. De tanto bater e chamá-la, ela gritou que eu teria um irmão. Iluminei-me. Sentei no chão e esperei. Quando abriu, queria saber onde você estava e por que ela chorava. Disse-me que era uma surpresa e precisaríamos de paciência, você crescia dentro da barriga dela. Como a semente que plantei no algodão. Levaria semanas colocando água até que a casca amolecesse e houvesse força interna para rompê-la, mesmo as folhinhas sendo pequenas e verdes, quase transparentes. Criariam raízes e buscariam a luz. Um dia seriam maiores e verde-escuras e, com sorte, haveria uma flor.

    Assenti. Mas era difícil compreender o motivo pelo qual algumas coisas necessitam crescer e outras não. A Mãe disse que as coisas vivas crescem. Eu não a via crescer. Ela envelhecia, respondeu, era o que sucedia ao se crescer o bastante. E que eu parasse de caraminholas. Logo, não lhe contei que caraminholava porque somente uma coisa viva pode caraminholar sobre as demais coisas vivas.

    Vigiava você a todo momento. Mãe, levanta a blusa! Nada mudava. Duvidei. Você era uma mentira. Abandonei você. Às vezes, esquecíamos o quintal, semanas, meses sem ir lá, sol e chuva rolavam, o mato tomava. Você apontou. Uma colina suave e gramada que eu subia e descia correndo, sem cansaço. Eu sentia, você vivia, de verdade. Tanto que deveria ser vestida. A Vó trouxe o pagãozinho do batizado. Estendeu-o sobre o sofá e o rodeamos, contemplamos cada ponto do tricô, a agulha atravessando o túnel de laços, repetidas vezes, tramando você, materializando-a como uma bruma suave e atalcada. A lã tinha uma certa aspereza contra a pele em contraste com o liso das pérolas pregadas. Ele foi colocado nas alturas do meu guarda-roupa, junto aos agasalhos e cobertas de inverno, em um saco plástico para protegê-lo da poeira, e do meu alcance.

    Algo se esgueirou rasteiro, lançou sua rama, me fez de suporte, enroscou, enrolou-se em arcos de mola, subiu.

    Bebê, neném, assim nos referíamos a você, que não era menino nem menina, ou ambos misturados e irreconhecíveis. A definição veio numa tarde em que a Mãe chegou com fotos suas. Tiradas por uma máquina que enxergava através da transparência da bolha de sabão. Em imagens preto e branco, como há mais de cem anos, seu esboço pairava sereno no invólucro. Cabeça, duas pernas, dois braços, perfeita, disseram. Nomeada a estrela que flutuava numa bolha no fundo do mar, Maristela. Menina, igual a mim. Você existia cada vez melhor.

    Uma Tia presenteou sua primeira boneca. De cabelos cor de sol e olhos verdejantes, se assemelhava à pintura que conheci na escola. Nela, as rosas não cresciam nem murchavam, congelavam no ar. Rosas eram também as bochechas e os peitos de Vênus. Acabara de nascer, numa concha, nas águas, e vinham cobri-la. Bela, não cresceu, apareceu perfeita, a professora falou. A Tia alimentava a esperança de que, pelo menos, você viesse bonita. Menina, entretanto, diferente.

    Dois homens chegaram carregando um berço e o levaram até meu quarto. Projetaram um eixo longitudinal, arrastaram minha cama para um lado. Colorido de rosa pastel, alguns arranhões revelavam a madeira abaixo da tinta, um dossel de margaridas e voal, o berço do outro lado. Queria abrir as cortinas para verificar o que se poderia encontrar lá dentro. A Mãe não permitiu, o tecido poderia

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