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Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência
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Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência
E-book468 páginas6 horas

Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência

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Sobre este e-book

"A professora Esteves de Vasconcellos, que já tem contribuído com uma sólida produção no campo da epistemologia sistêmica, exibe neste volume um verdadeiro tour de force. Nessa obra, a autora demonstra não só sua genuína compreensão do processo criativo dos que forjaram o pensamento sistêmico de nossa época, como também sua capacidade rara de interconectar modelos complexos numa trama coerente. Ainda mais, entretece o nascimento e a evolução das ideias-chave de nosso campo, com uma descrição texturada do processo científico, o que assegura ao leitor uma síntese 'viva', profunda e fascinante do suporte conceitual dos modelos sistêmicos". Carlos E. Sluzki, MD Terapia Sistêmica, Análise e Resolução de Conflitos, Políticas Públicas, Clínica Psiquiátrica (Washington, DC / Arlington VA, USA)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2022
ISBN9786556501475
Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência

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    Pré-visualização do livro

    Pensamento sistêmico - Maria José Esteves de Vasconcellos

    PARTE I

    Rastreando as origens

    do paradigma de conhecimento científico

    1   IDENTIFICANDO AS NOÇÕES DE PARADIGMA E EPISTEMOLOGIA

    Em 1968, o biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy publicou um livro que teve grande repercussão, com o título Teoria geral dos sistemas (Bertalanffy 1968).

    Tendo estudado as peculiaridades dos fenômenos biológicos e suas diferenças em relação aos fenômenos físicos, propôs-se a identificar os princípios gerais do funcionamento de todos os sistemas. Sua teoria geral dos sistemas seria uma disciplina formal, aplicável às várias ciências empíricas, transcendendo fronteiras disciplinares.

    Na introdução desse livro, ele diz que um levantamento dos termos que vinham aparecendo com maior frequência na literatura científica, naquela época, certamente mostraria a palavra sistema no topo da lista.

    De fato, mais de 40 anos depois, o substantivo sistema e o adjetivo sistêmico têm tido uso muito frequente entre nós, aparecendo em diversas expressões, tais como: Ele é sistêmico?; Vim para conhecer a sistêmica; Trabalhamos com o sistema; Tenho muita afinidade com a abordagem sistêmica.

    Você mesmo pode fazer um exercício, listando palavras (substantivos) que você e outras pessoas costumam adjetivar com sistêmico/sistêmica.

    Assim:

    Paradigma

           Sistêmico

    Epistemologia

           Sistêmica

    É provável que sua lista em grande parte coincida com as listas da maioria das pessoas, em que as palavras que mais costumam aparecer são:

    Quadro 1 – O que pode ser adjetivado como sistêmico

    De fato, todas essas expressões – e outras – encontram-se na literatura científica contemporânea.

    Coloquei-as em três colunas que, grosso modo, poderiam corresponder a três dimensões geralmente reconhecidas na atividade científica, a saber: a epistemologia, a teoria e a prática.[3] Essa lista mostra que o termo sistêmico tem sido associado a essas três dimensões. Aqui vou abordar, de modo especial, a ideia associada às expressões que estão na primeira coluna. Entretanto, como veremos, pressupostos epistemológicos, além de poderem ser explicitados, manifestam-se não só na teoria, como também nas práticas correspondentes.

    Tenho considerado – e aqui vou desenvolver essa ideia – o pensamento sistêmico como o paradigma da ciência contemporânea ou como a epistemologia da ciência novo-paradigmática (Esteves de Vasconcellos 1995a).

    Quadro 2 – Pensamento sistêmico como paradigma ou epistemologia

    Portanto, vou trabalhar com as noções de paradigma e epistemologia e é muito importante que fique bem claro em que sentido vou usar esses termos. Posteriormente, também o sentido de sistêmico precisará ser bastante esclarecido porque, só num sentido bem específico desse termo, é que ele fica adequado na minha afirmação de que o pensamento sistêmico é o novo paradigma da ciência. Assim, explicitarei que nem tudo que se apresenta como pensamento sistêmico pode ser reconhecido como novo paradigma da ciência.

    A noção de paradigma

    Vou começar por um sentido em que o termo paradigma tem sido amplamente usado para se referir à forma como percebemos e atuamos no mundo, ou seja, às nossas regras de ver o mundo.

    Uma experiência bem simples e rápida pode nos ajudar a começar a entender o que queremos dizer quando usamos paradigma nesse seu primeiro sentido. Você pode realizá-la facilmente com um grupo de pessoas.


    A EXPERIÊNCIA DOS PROVÉRBIOS

    Inicialmente, prepare o material para a experiência. Escolha alguns provérbios que possam ser facilmente divididos em duas frases. Por exemplo: quando um não quer/dois não brigam. Pense numa forma de alterar a segunda parte do provérbio, mas mantendo uma frase que faça sentido. No exemplo, poderia ser: quando um não quer/não há casamento.

    Escolhidos os provérbios e alteradas suas segundas partes, escreva cada metade de cada provérbio em uma ficha, tudo em maiúsculas.

    Tendo um número par de participantes, cada um receberá uma ficha e andará pela sala, em silêncio, mostrando sua ficha aos demais e procurando ler as fichas dos outros. O objetivo de cada um será encontrar o colega cuja ficha forme, junto com a sua, uma frase de sentido completo. Quando, sem falar coisa alguma, duas pessoas concordarem que formam um par, deverão sentar- se. Limite o tempo, de modo que nem todos tenham chegado a sentar-se.

    Em seguida, peça aos participantes para dizerem como vivenciaram a experiência.

    Você provavelmente verá que aqueles que receberem a primeira parte do provérbio resistirão a aceitar a segunda parte modificada. Tendo uma expectativa já formada sobre a segunda parte da frase, insistirão em procurar a frase correta, ou seja, o provérbio conhecido. Os que receberem a segunda metade da frase não terão expectativas e poderão aceitar mais prontamente uma articulação com alguma outra frase. É claro que a familiaridade das pessoas com os provérbios será um fator que influenciará o seu comportamento nessa situação.

    Poderíamos dizer que as pessoas foram influenciadas por seu paradigma de provérbios, ou seja, por sua crença sobre a forma correta daquelas frases.


    Num vídeo que se chama A questão dos paradigmas (Barker, s.d.), são apresentados muitos outros exemplos de paradigmas e não é difícil identificá-los em muitas situações de nossa vida cotidiana.

    Definindo os paradigmas (do grego parádeigma = modelo, padrão) como conjuntos de regras e regulamentos, esse vídeo mostra que, além de estabelecerem limites – como o fazem em geral os padrões de comportamento –, essas regras e esses regulamentos vão nos dizer como ter sucesso na solução de situações-problema, dentro desses limites.

    O tempo todo estamos vendo o mundo por meio de nossos paradigmas. Eles funcionam como filtros que selecionam o que percebemos e reconhecemos e que nos levam a recusar e distorcer os dados que não combinam com as expectativas por eles criadas. Sendo diferentes os paradigmas de duas pessoas em relação a um determinado tema, o que é percebido por uma será imperceptível para a outra. É a isso que se chama efeito paradigma.

    O termo paradigma entrou em evidência depois que foi amplamente usado por Thomas Kuhn, em 1962, em seu livro A estrutura das revoluções científicas. Nesse livro, Kuhn descreve uma experiência de percepção, realizada por Bruner e Postman, com cartas de baralho, a qual também é reproduzida nesse vídeo.


    A EXPERIÊNCIA DAS CARTAS DE BARALHO

    Para a experiência, utilizam-se algumas cartas normais de baralho, que são intercaladas com outras que sofreram alterações: por exemplo, um seis de copas, porém com as figuras pretas, ou um nove de espadas, porém com as figuras vermelhas. Passa-se a sequência de cartas rapidamente (dois segundos para cada carta), pedindo-se que a pessoa identifique as cartas apresentadas. Passa-se uma segunda vez, com um tempo de exposição um pouco maior (quatro segundos para cada carta). E ainda uma terceira vez, com um tempo de exposição ainda maior (dezesseis segundos para cada carta).

    A maioria das pessoas não percebe as alterações – ou não vê as exceções – e identifica todas as cartas como normais. Antes de mostrar as cartas, costumo perguntar às pessoas se têm pouca ou muita experiência com baralhos. Em geral, aquelas que se consideram muito experientes em baralhos são as que mais distorcem os dados para ajustá-los a seu paradigma de baralho, vendo todas as cartas como se fossem normais. Será sempre muito difícil perceber aquilo que está além do nosso paradigma.


    Além de influir sobre nossas percepções, nossos paradigmas também influenciam nossas ações: fazem-nos acreditar que o jeito como fazemos as coisas é o certo ou a única forma de fazer. Assim costumam impedir-nos de aceitar ideias novas, tornando-nos pouco flexíveis e resistentes a mudanças.

    Tomemos um exemplo de paradigmas em ação. Os pais vão com as crianças lanchar na casa dos avós. Esses colocam um queijo na mesa e o menino toma a faca e vai cortá-lo em fatias, como se corta uma pizza. Imediatamente, a avó toma-lhe a faca, dizendo: não é assim que se corta o queijo, e mostra-lhe o jeito certo, que, para ela, é em cortes paralelos uns aos outros. O menino se assusta, e não entende em que errou – não sabe ainda que, para a avó, existe um jeito certo de cortar queijo, um paradigma de cortar queijo.

    Vamos ver mais uma experiência da influência dos paradigmas sobre nossas ações.


    A EXPERIÊNCIA DE LIGAR PONTOS

    Dado o conjunto de pontos reproduzidos abaixo, pede-se que, com apenas quatro segmentos de reta, se liguem todos os nove pontos, sem tirar o lápis do papel.

    Em geral as pessoas tentam, insistem e concluem ser impossível atender às instruções. É que seu paradigma – de que as linhas não deveriam ultrapassar o espaço delimitado pelo conjunto de pontos – as impede de encontrar a solução do problema. Para resolvê-lo, é preciso desenhar linhas que avancem para além dos pontos:


    Ainda no vídeo A questão dos paradigmas, encontramos ressaltados alguns aspectos importantes dos paradigmas:

    • Os paradigmas estão em todos os aspectos de nossas vidas, em nossas práticas domésticas, religiosas, profissionais, educacionais, sociais, científicas. Por exemplo: todos os pais têm certamente seu paradigma de educação de filhos.

    • Vimos que os paradigmas nos isolam dos dados que os contrariam. Mas, por outro lado, eles nos permitem recortar em detalhes as informações que recebemos, podendo ser úteis, na medida em que concentram ou focalizam nossa atenção.

    • Quando nosso paradigma se torna o paradigma, o único modo de ver e de fazer, instala-se uma disfunção que é chamada de paralisia de paradigma ou doença fatal de certeza. E essa doença é mais fácil de contrair do que se pode imaginar.

    • Em geral, as pessoas que criam novos paradigmas são pessoas que, sendo de fora da área, não estão amarradas a velhos paradigmas e, portanto, não têm nada a perder. Assim, os movimentos de mudança costumam começar nas bordas, nos limites da área em questão.

    • Os pioneiros de um novo paradigma têm que ser corajosos, porque ainda não há provas de que é assim – do novo jeito – que se deve fazer. As primeiras feministas, por exemplo, só sabiam que o modelo anterior não servia. Então, a decisão de abraçar um novo paradigma deve ser tomada com fé e exige coragem e confiança nas novas ideias.

    • Podemos decidir mudar nossas regras e nossos regulamentos, decidir ver o mundo de um modo diferente.

    Uma pergunta que pode nos ajudar a perceber os limites de nosso atual paradigma pode ser: O que hoje me parece impossível fazer, mas que, se fosse feito, mudaria radicalmente as coisas?. O que hoje nos parece impossível pode se tornar o padrão amanhã. Podemos fazer com que isso aconteça. Nossos antepassados lidaram com profundas mudanças de paradigmas, à medida que foram surgindo o rádio, o cinema, o avião, o raio X, a luz elétrica e tantas outras novidades. Também nós temos capacidade para criar e lidar com mudanças de paradigmas.

    Para terminar esses comentários sobre o vídeo, mais uma historinha que ele apresenta. Um homem ia dirigindo em alta velocidade por uma estrada, quando deparou com um carro que vinha na contramão, dirigido por uma mulher, que lhe gritou: porco!. Ele imediatamente gritou: vaca!, pois, de acordo com suas antigas regras, ele, ao ser xingado, devia também xingar. Xingou, acelerou e atropelou um porco.

    A paralisia de paradigma pode nos conduzir a não ver as oportunidades positivas que se encontram à nossa volta. Para reconhecê-las e usufruir delas, precisamos ser flexíveis e dispostos a visões diferentes daquelas a que estamos acostumados.

    Existem experimentos em neuroanatomia e neurofisiologia que demonstram que o sistema nervoso só começa a registrar estímulos a partir do momento em que esses começam a ter significado. Se não compreendemos o que vemos, não o vemos, ou seja, é preciso crer para ver, e não como se diz geralmente: ver para crer. Portanto, a maneira como descrevemos o que acontece pode ou inibir ou facilitar sua percepção (Foerster 1991b, p. 109). A paralisia de paradigma tem, portanto, uma base biológica.

    Edgar Morin, importante filósofo da ciência contemporânea, em seu livro Introdução ao pensamento complexo (1990),[4] considera que os paradigmas são princípios supralógicos de organização do pensamento, princípios ocultos que governam nossa visão do mundo, que controlam a lógica de nossos discursos, que comandam nossa seleção de dados significativos e nossa recusa dos não significativos, sem que tenhamos consciência disso.

    Num importante livro, Pragmática da comunicação humana. Um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação, Watzlawick (1967), um dos pioneiros na abordagem sistêmica das interações humanas, mostra como se formam essas nossas crenças, ou pressupostos – que ele chama de premissas de terceira ordem – a partir de nossas experiências ou vivências. Nossos contatos com o mundo nos permitem um conhecimento direto das coisas, de primeira ordem, ou seja, tomamos conhecimento de sua existência. Lidando com essas coisas experimentamos certas consequências do nosso modo de lidar com elas e assim elas adquirem significado para nós, ou seja, adquirimos conhecimento de segunda ordem. E, vivenciando repetidas vezes essas experiências, inferimos ou abstraímos algumas regras ou princípios a seguir em nosso estar no mundo, que serão nossas premissas de terceira ordem, cujo conjunto constitui nossa visão de mundo, uma síntese de nossas vivências. Nesse sentido, penso que poderíamos chamar nossas premissas de terceira ordem de nossos paradigmas.

    O economista americano Jeremy Rifkin (Rifkin e Howard 1980), em seu livro Entropia. Uma nova visão de mundo, faz algumas considerações sobre o papel que o paradigma desempenha em nossa vida. Ele diz:

    O aspecto mais interessante da visão de mundo de uma sociedade é que os indivíduos que aderem a ela, na maior parte, são inconscientes de como ela afeta o seu modo de fazerem as coisas, de perceberem a realidade em torno deles. Uma visão de mundo funciona, na medida em que é tão internalizada, desde a infância, que permanece não questionada. (p. 5) (...) Somos tão presos no nosso paradigma que todos os outros modos de organizar nossos pensamentos parecem totalmente inaceitáveis. (p.

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