Manejo Clínico na Psicoterapia Psicodramática Bipessoal Integrativa
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Manejo Clínico na Psicoterapia Psicodramática Bipessoal Integrativa - Georges Salim Khouri
Sumário
PREFÁCIO, PRÉ-TEXTO OU PRETEXTO
PSICODRAMA NA VISADA DA SALA CLÍNICA
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
MORENO NO PSICODRAMA BIPESSOAL: MANEJO CLÍNICO, DIREÇÃO, RÉGUA E COMPASSO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
CAPÍTULO 2
QUALIDADE DE PRESENÇA TERAPÊUTICA SINTONIA DUAL E O CAMPO TÉLICO DE CURA
Desenvolvendo a qualidade de presença e potencializando resposta clínica
CAPÍTULO 3
O QUE BUSCAMOS NUM PROCESSO DE PSICOTERAPIA PSICODRAMÁTICA INTEGRATIVA - PILARES PARA A MUDANÇA PSICOTERAPÊUTICA
CAPÍTULO 4
TEMA PROTAGÔNICO & ENQUADRAMENTO NA PSICOTERAPIA PSICODRAMÁTICA
CAPÍTULO 5
MATRIZ DE TÉCNICAS PARA O PSICODRAMA BIPESSOAL
TÉCNICAS INICIAIS
Entrevista ou História biopatográfica
Técnicas clássicas do psicodrama utilizadas com mais frequência nas entrevistas e intervenções iniciais (duplo e solilóquio)
História psicodramática – presencial (Rojas-Bermúdez, 1997, p. 197).
História psicodramática de relações e conflitos diversos (adaptado de Rojas- Bermúdez, 1997, p. 197)
História psicodramática com expressão corporal: manejo presencial em salas sem espaço
Variante da história psicodramática Telepresencial usando objetos do contexto do cliente
História psicodramática com bonecos (adaptado) - manejo presencial
História psicodramática Telepresencial com desenhos, recortes de revistas ou imagens internet
História axiodramatica presencial ou Telepresencial com objetos ou desenho
Átomo Social & variantes
Átomo Social Familiar e variante Telepresencial com desenho do cliente
Átomo Social Telepresencial (online) variante com objetos do contexto Telepresencial do cliente
Átomo Social com bonecos (manejo presencial) – ver detalhes no capítulo para além das técnicas clássicas no item o psicodrama em miniatura.
Mapeamento das lembranças mais perturbado-ras (temas protagônicos) - Mapeamento de evento traumático ou de efeito traumático com indagações que geram movimento
Retrato de família com objetos do contexto presencial ou Telepresencial
Conexão com foto(s) real(is) da família em tempos diversos (se houver) - Manejo presencial ou em Teleatendimento
Roda da vida
Técnica de complemento de narrativa para Exploração de história de vida
TÉCNICAS CLÁSSICAS
Espelho
Inversão de papéis
Cadeira vazia
Diálogo trocando cadeiras (variante cadeira vazia)
Apresentação de sonhos (presencial e online)
Loja mágica a psicoterapia psicodramática bipessoal
Descrição da técnica adaptada para grupos
Adaptação para a psicoterapia psicodramática bipessoal
OUTRAS TÉCNICAS
Desempenho de papéis (de Fonseca na psicoterapia da relação)
Jogo duplo — espelho (de Fonseca na psicoterapia da relação)
Concretização
Maximização
Corporificação de sentimentos e emoções
Cenas com miniatura evocativa
Repetição
Técnica da presentificarão (Gestalt-terapia)
Técnica do Videoteipe
Viagem Imaginaria
Autodrama das partes envolvidas em conflito (presencial e online)
Monólogo das partes internas (papéis internos) (presencial e online)
Técnicas de Visualização criativa (visualizar para mudar
)
Cartas associativas & evocativas em psicodrama bipessoal
Construção de Imagens com blocos tipo LEGO
Psicodrama interno
Duplo operativo para construção de imagens em sessões online utilizando bonecos, lego e objetos do psicodramatista;
TÉCNICAS PARA CONTENÇÃO & GROUNDING: QUANDO O CLIENTE CHEGA OU FICA AO LONGO DA SESSÃO EM CRISE, FÓBICO E/OU COM MUITA ANSIEDADE
Técnicas de Relaxamento parassimpático com atenção plena (mindfulness)
Mindfulness traçado do corpo
Grounding e sequência bioenergética base – topo (adaptado de exercícios de bioenergética)
Empurrando parede
Abraço Coração-ombro de Peter Levine (SE)
Ponto de recurso no campo visual (adaptado do Braispotting)
Ponto de recurso no campo visual e estimulação bilateral tátil com mãos e pés
Grounding e estimulação bilateral (adaptado do EMDR)
Atenção plena no movimento das mãos, respiração e estimulação bilateral
CAPÍTULO 6
PARA ALÉM DAS TÉCNICAS CLÁSSICAS
TEORIA E TÉCNICA DA CONSTRUÇÃO DE IMAGENS TRIDIMENSIONAIS E BIDIMENSIONAIS COM TECIDOS
O PSICODRAMA EM MINIATURA: MANEJO COM BONECOS E BRINQUEDOS NO PSICODRAMA BIPESSOAL
PSICODRAMA INTERNO E O SEU MANEJO PARA TRATAMENTO DE TRAUMAS
ROLE PLAYING INTERNO PARA DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS
PSICODRAMA DO SISTEMA DOS PAPÉIS INTERNOS (ESTADOS DE EGO - PARTES)
Os estados de ego pela experiência psicodramática bipessoal: a externalização dos papéis internos (partes)
DO VERBAL À AÇÃO: PERGUNTAS CIRÚRGICAS
QUE GERAM MOVIMENTO NO PSICODRAMA BIPESSOAL
CAPÍTULO 7
O A PRIORI DA PSICOTERAPIA PSICODRAMÁTICA: UMA PITADA DE FILOSOFIA & VISADA NEURO
PÓS-MODERNIDADE E PSICOTERAPIA PSICODRAMÁTICA: A HORA E A VEZ DA CRIATIVIDADE- ESPONTANEIDADE
PELOS MEANDROS DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA: CONTEXTO HISTÓRICO, O AFLORAMENTO DA MULTIPLICIDADE DE QUESTÕES E A ESCOLHA DE UM
O UM (HUM... HUM...) é MAIS QUE UM: O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO
VELHAS PROBLEMATIZAÇÕES E CORROBORAÇÕES DE ROUPA NOVA E TENTATIVA DE NOVAS INSERÇÕES: EXISTENCIALISMO E A IDEIA DOS PAPÉIS EM MORENO
CAPÍTULO 8
O CAMPO DA NEUROSE EM PERSPECTIVAS: UM OLHAR PSICANALÍTICO
A QUESTÃO DA SEMIOLOGIA SINDRÔMICA E O DIAGNÓSTICO EM PSICOTERAPIA
RECORTE E COLAGEM SOBRE ESTRUTURA, NO CAMPO FREUDIANO – LACANIANO (NEUROSE, NEUROSE OBSESSIVA, NEUROSE HISTÉRICA, PERVERSÃO, PSICOSE)
PERCURSO DIAGNÓSTICO DE UM CASO DE HISTERIA EM PSICANÁLISE: HISTÓRICO DO CASO – SENHORA CARMEM
CAPÍTULO 9
INTRODUÇÃO À ESTRUTURAÇÃO BÁSICA DO PSIQUISMO EM ROJAS-BERMÚDEZ
ESQUEMA DA TEORIA DO NÚCLEO DO EU
INTERAÇÃO ENTRE AS PAUTAS GENÉTICAS E SOCIAIS: A COMPLEMENTARIEDADE
PSIQUISMO EM ROJAS-BERMÚDEZ
SUBSISTEMA NATURAL X SUBSISTEMA SOCIAL
EU NATURAL (HEMISFÉRIO DIREITO) X EU SOCIAL (HEMISFÉRIO ESQUERDO)
NEUROANATOMIA DO SISTEMA LÍMBICO (NÚCLEO DO EU)
ORIGEM DOS ESTÍMULOS E SEUS FOCOS PARALELOS E MATURAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO
FISIOPSICOPATOLOGIA DO NÚCLEO DO EU e O CAMPO DA NEUROSE
DINÂMICA DOS MECANISMOS REPARATÓRIOS (MR), OS SINTOMAS PRI- MÁRIOS E SECUNDÁRIOS
ÁREAS E PAPÉIS PSICOSSOMÁTICOS SOBREVALORADAS
SINTOMAS VICARIANTES E FISIOLÓGICOS
ALGUMAS ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS DO PSICODRAMA DE ROJAS-BERMÚDEZ NA NEUROSE
ENSAIO DO ENSAIO: SI MESMO PSICOLÓGICO NO PSICODRAMA DE ROJAS-BERMÚDEZ & A NEUROCEPÇÃO DA TEORIA POLIVAGAL DE STEPHEN PORGES
CAPÍTULO 10
O PSICODRAMA EM SÍNTESE TEÓRICA & SEM CERIMÔNIAS
A CONCEPÇÃO DO HOMEM EM MORENO
O CAMPO DE OPERAÇÃO DA ESPONTANEIDADE - CRIATIVIDADE EM MORENO
FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA ESPONTANEIDADE & CRIATIVIDADE
O EU UNIFICADO E A MATRIZ DE IDENTIDADE
PERCURSO DA PSICOTERAPIA DE GRUPO PARA O PSICODRAMA
O SISTEMA SOCIONÔMICO DE J L MORENO
TEORIA DOS PAPÉIS NO PSICODRAMA DE MORENO
A CLASSIFICAÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS NO PSICODRAMA DE MORENO
ESQUEMA DE PAPÉIS & PAPÉIS SOCIAIS EM ROJAS-BERMÚDEZ
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CITADA E CONSULTADA
ANEXO I: Canal YouTube: CONVERSANDO COM O PSICÓLOGO GEORGES KHOURI & RECOMENDAÇÃO DE CURSOS DO AUTOR NA PLATAFORMA HOTMART
ANEXO II: ÍNDICE DE FIGURAS
Não existe nada intermediário entre eu e o outro / estou diretamente no encontro / não estou sozinho no encontro / se sou um Deus, um tolo ou um louco / eu sou reverenciado, curado, libertado no encontro / mesmo que eu encontre a relva ou a divindade
Moreno (1914).
img_19J. L. Moreno e Jaime G. Rojas-Bermudez
...Por detrás dos teus pensamentos e dos teus sentimentos, meu irmão, há um senhor poderoso, um sábio desconhecido: chama-se o Em si. Habita no teu corpo, é o teu corpo.
Há mais razão no teu corpo do que na própria essência da tua sabedoria. E quem sabe por que é que o teu corpo necessita da essência da tua sabedoria?
Friedrich Nietzsche,
in ‘Assim Falava Zaratustra’
PARA QUEM COM MUITO AFETO
Para Khouri meu pai e mestre maior que com todo sacrifício, prazerosamente, nos deu a vara de pescar
sempre dizendo comida e estudo não vai faltar e Nilzinha com saudade dos passeios na praça, das reclamações constantes de que não aguentava mais andar blasfemando a velhice e relaxando rindo quando bebia a água de coco, no coco, e depois comia a carne cremosa com a pá do próprio coco que saudade de mainha!
Para Verinha, parceira antiga cada vez mais nova de caminhada e a turma que cresceu rápido demais: Salim, Ágatha e Jamille se tornaram adultos incríveis, com muito orgulho, cada um da sua maneira!
Para Naná, a Naomi, a mais nova da família, que chegou nos ensinando o que é fome de atos e que com a sua alegria e riso constante me transformou em um vovô babão!
AGRADECIMENTO
EM MEMÓRIA
Ao nosso mestre Jaime G. Rojas-Bermúdez (26 de julho de 1926) em Tunja, Colômbia - 6 de abril de 2022, em Sevilha, Espanha), o mais expressivo psicodramatista contemporâneo. Apesar de não ter convivido diretamente, os seus workshops e ensinamentos em Salvador - Bahia marcaram profundamente a minha prática clínica.
À mestra e amiga Thereza Valadares, onde quer que ela esteja iluminando o universo, por nunca me esconder o jogo de como se faz um manejo diferenciado no psicodrama.
EM VIDA
Aos preciosos clientes e supervisados que, em nome da ciência, me autorizaram a compartilhar seus casos em texto e imagens.
Ao Dr Waldeck D’ Almeida, por ter me apresentado, inicialmente, o modelo de Rojas-Bermúdez e ter me acompanhado individualmente, em terapia de grupo e supervisionado por alguns anos.
Ao mestre e amigo Mario Salvador, psicólogo galego, que me apresentou com leveza e humanidade como manejar no caminho da cura dos traumas, através da força de influência dos papéis ou partes internas (estados de egos), nas relações patológicas que tanto angustiam os meus clientes.
img_Página_012_Imagem_0001PREFÁCIO, PRÉ-TEXTO OU PRETEXTO
Não, não é um prefácio. É um Pré-Texto. Na realidade, é um pretexto para escrever sobre um cara que gosto, gosto e respeito. Respeito e reverencio sua competência onde e quando se mete a fazer algo. E olhe que ele se mete em coisas! Geólogo, psicólogo, gestor, psicodramatista, psicodramatista organizacional e psicoterapêutico, EMDR, Mindfulness. Não, não é ecletismo oportunista. Tudo é feito com profundidade, força e habilidade. Ele pensou sobre o que aprendeu. E criou.
Agora, este livro que vocês têm em mãos. Poucas vezes (se não nenhuma) vi um livro sobre psicoterapia, ou especificamente, sobre Psicodrama, com tamanho conteúdo absolutamente prático. E absolutamente fundamentado. E tudo dirigido para o melhor acolhimento, atendimento e efetividade de seu cliente/paciente. Há algum tempo vi uma frase de Alvin Toffler que diz: o analfabeto do século XXI (podemos atualizar para este século) não será o que não sabe ler e escrever. Mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender
. Para os conceitos Morenianos de Papéis, isso é a própria essência do desenvolvimento dos papéis. Role Taking, Role Playing, Role Creating. Criar no papel. Passar e ultrapassar o já feito. A nossa conhecida Conserva Cultural Moreniana. E o conhecimento, não sendo vivificado pela criatividade, torna-se uma conserva cultural. O Psicodrama pode se tornar uma Conserva Cultural. O Role Creating a que Moreno nos convoca é o Fiat Lux. A centelha divina. Como Khouri afirma: Para além das técnicas clássicas
. Criar é ir para além das fronteiras do conhecido.
Brilhante, Georges. Como é bom poder conciliar o amor que tenho por você com a admiração pelo trabalho inTelectual. E, pessoal que lerá e beberá dessa fonte, aproveitem e degustem essa viagem pelo universo psicodramático.
Antonio Carlos Souza - Tom
Psiquiatra e Psicodramatista
PSICODRAMA NA VISADA DA SALA CLÍNICA
Desde a chegada do Psicodrama ao Brasil, entre 1948 e 1950, o pioneirismo de Guerreiro Ramos (1815 – 1982) foi demarcado e sedimentado ao longo da sua trajetória por seu propósito social. Ramos, nos seus escritos, já anunciava que o psicodrama não é uma obra destinada a ser executada no palco, seguindo protocolos e instruções, pois estava sempre aberto às incertezas do que emergia, permitindo surpreender as emoções em seu estado nascente. Dito e feito.
Testemunhamos a consolidação da força do psicodrama brasileiro, através da sua técnica cada vez mais refinada, durante as intervenções das práticas sociátricas. Somos muito criativos no manejo com a nossa saudável deformação adaptativa
das técnicas originalmente elaboradas para a intervenção em grupos ou bipessoal nos seus vários contextos. Estou falando de um manejo que o aprendizado acadêmico não prevê e não dá conta quando nos deparamos com o real conforme a ideia de Dejours (2009) sobre o real do trabalho em que não há protocolo prescrito para tratar o que virá do emergente do protagonista. A dificuldade com o real é que frequentemente não se sabe como enfrentá-lo. Não se conhece a solução. O real é, na maior parte dos casos, uma prova inédita, inesperada, desconhecida
(Dejours, 2009). Esse é o dia a dia da nossa prática clínica que, diante da incerteza do emergente do paciente, vamos criando, recriando, adaptando, e confirmando a eficiência de uma intervenção técnica.
O sucesso dessa intervenção acontece na alquimia entre a qualidade de presença terapêutica (Tele e o Campo Telico de Cura), na técnica adequadamente escolhida, criada ou recriada para a situação e na sutileza da intervenção. Diante disso, ouso afirmar que a força do psicodrama está no seu manejo e nas suas técnicas. E a teoria? Testemunho, em inúmeras produções, que o novo, no campo teórico do psicodrama brasileiro, está no diálogo e na integração com outras abordagens do campo da psicologia, filosofia e medicina. Isso fortalece a minha tese de que o psicodrama de J. Levy Moreno, por se concentrar na ação e no experiencial, torna-se um sistema aberto capaz de permear e abraçar várias teorias no campo da psicologia e outras, sem perder a sua identidade fortemente centrada no ato, na prática. Pelo meu ponto de vista, essa possibilidade confere ao psicodrama o status de ser uma abordagem com potência de integração de outras contribuições teóricas e práticas ao seu constructo original sem ferir a sua identidade. E o que esperar dessa vocação?
Pela visada da clínica, é imperativa uma aproximação intensa do Psicodrama com as neurociências. Constato que alguns fundamentos propostos por Moreno estão sendo confirmados pelas neurociências com raríssimas ou nenhuma analogia com o seu constructo. Cito, como exemplo, o fenômeno Tele, a caixa de ressonância grupal e a catarse de integração que podemos relacionar a neurônios espelho, ressonância límbica, sintonia dual e regulação emocional do sistema simpático – parassimpático.
Ao convocar a aproximação e o diálogo do psicodrama com as neurociências, convido os colegas a visitar, revisitar, aprofundar e agregar conhecimento ao psicodrama de Rojas-Bermúdez. Pioneiramente, a sua equipe já vinha incorporando, no seu modelo, as neurociências, com modificações e inovações na teoria e na metodologia do psicodrama e suas possibilidades terapêuticas desde a década de 1960. Ressalto aqui as técnicas relacionadas às imagens psicodramáticas, principalmente, pelo fato dos recentes estudos neurocientíficos dos traumas psíquicos enfatizarem a importância do hemisfério cerebral direito, portanto, do elemento plástico (a imagem). Isto é, decorrente da não codificação da memória linguística em situação de traumas, restando o manejo dos registros da memória de imagens e sensações como caminho da cura.
Essas descobertas vêm corroborar com as possibilidades curativas das técnicas de construção de imagens, quer tridimensionais ou com tecidos (CIT), por facilitar o acesso às regiões mais profundas e primitivas do cérebro, se apropriando indiretamente dos processos internos da pessoa, de forma mais estruturada do que a palavra. A participação ativa do cliente facilita a reaferência, fenômeno cunhado por Rojas-Bermúdez (2012) que está relacionado à reorganização de conteúdos mentais, por meio das imagens psicodramáticas produzidas, promovendo ressignificações e a formação de novas redes de conexões neurais. Diante desse pequeno recorte do que espero para o psicodrama futurista do aqui e agora (Ôxiiiii!!), trago, das práticas clínicas para o palco científico brasileiro, novos aportes teórico e prático fundamentalista e também integrativo com outras abordagens (Ôxiii!! Novamente) que espero fortalecer ainda mais o nosso psicodrama brasileiro.
No Capítulo 1, apresento o psicodrama bipessoal de Moreno, que, apesar de não ter dado muita atenção nessa prática, seguramente nas suas poucas intervenções nos deu direção, régua e compasso para desenvolver essa modalidade de psicodrama. Já no Capítulo 2 e 3, entra em cena a importância da Tele e a construção do Campo Télico de Cura (CTC), denominação que dou ao estabelecimento de uma relação terapêutica que vai além do que a psicologia conceitua como rapport.
Ao propor os pilares para a mudança terapêutica, a qualidade de presença do terapeuta, a ressonância límbica e o CTC são fundamentais para um processo terapêutico efetivo. No Capítulo 4, abordaremos um tema que tenciona muito os psicoterapeutas e psicodramatistas, principalmente os mais jovens. Trata-se do tema protagônico e o seu enquadramento para realizar um processo psicodramático que chegue ou contribua para a catarse de integração de uma queixa emergente. No Capítulo 5, temos nossa matriz de técnicas que abrange as clássicas e outras tantas que frequentemente venho usando ao longo desses anos. Ressalto que não se trata de manual de técnica. Uma técnica qualquer, ao ser eleita, criada e aplicada, ela é sempre única, personalizada e seu efeito está diretamente relacionado à qualidade de presença e ao campo télico de cura estabelecido e, sobretudo, na espontaneidade e na criatividade do psicoterapeuta psicodramatista (PP). Como assegurou Perazzo (2010, p. 143), a técnica se cria e se recria, não se avia em nem se copia
.
No descritivo dessas técnicas, não me preocupo em detalhar o manejo, e sim apresentar a ideia para, de forma espontânea criativa, inspirar quem aplicará. Ressalto aqui as Técnicas de Contenção e Grounding, pescadas ou recriadas de outras abordagens. No Capítulo 6, vou além das técnicas clássicas e as outras apresentadas. Todas essas são bem fundamentadas na prática clínica, palco das intervenções. Apresentaremos o manejo com as técnicas de imagens com tecidos, com a expressão corporal, almofadas, bonecos, blocos, brinquedos, etc. enfim, objetos intermediários, além do psicodrama interno para manejo de traumas e o role play interno.
No capítulo 7, ouso sem ser filósofo nem sociólogo a tangenciar aspectos filosóficos, que, na minha visão, é a priori
para qualquer prática clínica. No Capítulo 8, mergulho na lembrança teórica da psicopatologia fundamental baseada na Psicanálise e me arrisco a falar da questão da semiologia sindrômica e o diagnóstico na psicoterapia, além de trazer o percurso de um caso de histeria, numa leitura psicanalítica. Já no Capítulo 9, apresento uma introdução à estruturação básica do psiquismo e o campo da neurose no constructo de Rojas-Bermúdez. Para finalizar, o capítulo 10 são transcrições livres de algumas aulas de psicodrama ministradas e gravadas no meu canal de YouTube¹.
Conversando com o Psicólogo Georges Khouri
é uma série de pequenas palestras e miniaulas de temas relacionados à psicologia, psicoterapia psicodramática grupal e bipessoal integrativa. Quando possível, dialogo com neuropsicoterapias do trauma, a exemplo do EMDR (dessensibilização e reprocessamento do trauma por meio dos movimentos oculares), do Brainspotting e da Terapia Somática (Somatic Experience) — ver lista de vídeo no anexo final do livro.↩︎
INTRODUÇÃO
Sempre fiquei muito atento à psicoterapia psicodramática bipessoal por conta de ser a porta de entrada ou o percurso frequente para terapia de grupos. Depois, com muitos anos de experiência, fui percebendo que alguns clientes respondiam muito bem à psicoterapia bipessoal psicodramática e, quando o colocava na terapia de grupo, o cliente travava. Não foram poucos os clientes que solicitavam retornar às sessões individuais com a queixa de que no grupo não aprofundava as suas questões. Relatavam que, quando começavam a vislumbrar uma questão importante e crítica, nas sessões subsequentes, frequentemente, não dava seguimento visto emergir a demanda de outros participantes.
Percebi também que muitos clientes em terapia bipessoal não avançavam, traziam poucas demandas, seus conteúdos estavam imersos nos subterrâneos da sua subjetividade, aprisionados em algum ponto que não aflorava. Não havia sinais nem na fala, nem na comunicação corporal que pudesse sinalizar um sintoma ou alguma demanda que o cliente poderia ter. Muitas vezes revelava e insinuava-lhes a possibilidade de fechar
o processo terapêutico, porém, invariavelmente, eles insistiam em continuar evidenciando que o fenômeno télico ou ressonância límbica psicoterapeuta-cliente estava presente como variável fundamental para a cura
. Clientes com comportamentos dessa natureza e com essa forma eram convidados a participar do psicodrama grupal e surpreendentemente eles davam um salto fantástico no seu processo terapêutico.
Falar sobre psicoterapia psicodramática bipessoal é um projeto antigo que vinha cada vez se fortalecendo por conta de, certa forma, me sentir marginalizado
por colegas psicodramatistas que diziam que eu dava muita atenção ao psicodrama bipessoal, mais do que ao psicodrama grupal. É verdade, pois percebi que o psicodrama bipessoal tem muito pouco referencial da teoria da prática. Via como uma possibilidade de recriar e criar no manejo terapêutico. Isso ficou mais fortalecido depois que conheci as técnicas do mestre Rojas-Bermúdez.
A participação nos seminários dirigidos por Rojas- BERMÚDEZ e Graciela Moyano, em 1998 e 1999, na cidade de Salvador-Bahia, tendo como foco fundamental a TÉCNICA DE CONSTRUÇÃO DE IMAGENS, foi a confirmação da infinita possibilidade do Sistema Socionômico de J.L. Moreno. O constructo de Rojas- BERMÚDEZ, a partir das ideias de Moreno, é o testemunho vivo do fundamental conceito da espontaneidade criatividade que se manifesta com um sentido cosmológico, ao explicar a constante criatividade no mundo, e com um sentido psicológico, ao procurar desenvolver um estado de perpétua originalidade e de adequação pessoal, vital às circunstâncias da vida cotidiana
. Facilitar o navegar em mares nunca dantes navegados
com uma nau ainda mais poderosa é a expressão metafórica que utilizo para expressar o que sinto ao acompanhar pessoas em psicoterapia psicodramática bipessoal ou em grupos, agregando com as possibilidades do método de construção de imagem postulado por Rojas-Bermúdez.
Refiro-me aqui não a construção de imagens tridimensionais corporais que tanto venho utilizando na minha prática ao longo desses anos, mas sim a técnica de construção de imagens psicodramáticas com tecidos (CIT), objeto pouco estruturado que não permite forma tridimensional específica e, com suas cores, textura e maleabilidade leva o cliente a plasmar, através de uma expressão plástica das suas experiências subjetivas, objetivada no tablado. Mais recentemente, como aporte do mesmo fundamento da construção de imagem psicodramática, introduzimos a construção de imagens, utilizando bonecos articulados. Todos esses recursos visa facilitar a pessoa em processo de desenvolvimento pessoal a olhar para o seu sofrimento, dor e angústia e perceber que gradativamente na sua produção, criação e recriação novas redes de significados são progressivamente tecidas, ampliadas, revistas, desconstruídas e construídas, para chegar a uma singularização existencial que coincida com um desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo onde nos encontramos com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedades, os tipos de valores que não são os nossos
, de acordo com Félix Guatarri e Sueli Rolnick, (1996)².
Nesse caminhar, a Bioenergética de Alexander Lowen sempre foi uma parceira fundamental na integração com o Psicodrama, além da Experiência Somática — SE (Somatic Experience) de Peter Levine e as terapias integrativas voltadas ao cérebro, especificamente o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing ou Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares) da Francine Shapiro, o Brainspotting do David Grand. Mais recentemente, a Psicoterapia de Integração e Reprocessamento do trauma pelo método ALECES do meu amigo galego Mario Salvador e a Terapia dos Sistemas Familiares Internos (SFI) de Richard Scwartz através das aulas do amigo e psicólogo português Anibal Henriques, agregaram significativamente ao meu manejo clínico. Aqui, emerge a Psicoterapia Psicodramática Bipessoal Integrativa (Figura 1) e não tenho dúvidas que existem tantas outras quanto o número de profissionais que tenham a mesma visão de que não há o bloco do eu sozinho
, visto que a evolução de qualquer abordagem requer diálogos com outras abordagens e outros campos do conhecimento. Isto é o imperativo da multirreferencialidade.
Figura 1: Psicodrama integrativo – modelo de Khouri (2019).
Fonte: Elaborada pelo autor
A escuta e a observação dos meus clientes individualmente ou em grupo estão fundamentadas no quanto ele se afasta ou se aproxima do Homem Moreniano nas suas relações interpessoais e com o mundo. O quanto ele se movimenta na sua existência sociométrica em vários contextos e como estabelece seus vínculos. Se é um isolado social, se é uma estrela sociométrica ou se trafega no meio comum. Para Moreno, doença é doença da relação e, dessa forma, ao conhecer a dinâmica do relacionamento interpessoal do cliente, nos vários contextos, saberemos o quanto eles estabelecem uma relação complementar patológica ou não.
Não me coloco na posição daqueles profissionais psicodramatistas que estão fechados no discurso de que, se não tem grupo, não é Psicodrama; ou seja, a terapia psicodramática só se realiza através do grupo. A meu ver, a questão que vai para a cena é semelhante à problematização formulada por Población (2015), ao afirmar: então estamos obrigados a perguntarmos se a terapia individual (bipessoal ou diádica) se submete à teoria psicodramática ou é um caso excepcional que rompe as regras de jogo deste modelo
. O autor conclui afirmando: se todo grupo é um sistema, duas pessoas em interação conformam um sistema relacional, portanto, creio que posso defender que esta terapia se desenvolve dentro de um processo grupal
(Población, 2015, p. 22).
Poderíamos começar a discutir essas questões a partir da denominação dessa modalidade de psicodrama. São várias denominações. Bustos (citado por Cukier, p.17, 1992 e Herranz, T. p. 29, 2006), o pioneiro nessa prática denomina psicodrama bipessoal; Fonseca maneja no contorno do que ele denominou psicoterapia da relação, como um psicodrama minimalista; Valéria Brito denomina psicodrama a dois; e Pablo Población nomeia de psicodrama diádico. Vladislavick-Schärli, K. (1999, p. 92) discorre sobre o psicodrama sem grupo como uma variante da monograma, problematizando sobre em que medida é possível transferir a experiência grupal psicodramática ao contexto da terapia individual?
. E também a denominação psicodrama dual.
Na visão de Herranz (2006, p. 29-31), não existe consenso sobre o que é psicodrama bipessoal. Nos centros formadores, na Espanha, é tratado como um tema menor do Psicodrama, como muitos centros formadores no Brasil que o coloca no lugar de Técnica Especial com mísera carga horária, quatro a oito horas, para aprendizado. Zoli (2012) optou por traduzir todos eles para o inglês one-to-one psychodrama psychotherapy ou one-to-one psychodrama. Fleury (2020) faz uma tradução literal de Zoli, nominando psicodrama um a um, enfim, muitas denominações para a mesma natureza de processo psicoterápico que é o Psicoterapeuta Psicodramatista e o seu cliente no contexto individual sem ego auxiliar em sala clínica. Não tenho intensão de buscar responder essas questões, e sim registrar que, a meu ver, essa multiplicidade de termos é um sintoma da falta de identidade dessa forma de manejo. Ou seja, é um manejo órfão e por ser assim, quem o adota cria, recria e integra com manejos de outras abordagens. Zoli (2012), nas suas pesquisas, afirma que o psicodrama pode ser aplicado como um método de tratamento individual - um paciente com um diretor e ego auxiliar, ou um paciente e o diretor. Revela também:
Moreno não dedicou muita atenção ao psicodrama um-a-um e, não o considerou como uma modalidade terapêutica importante, pois o via como um exemplo de contra espontaneidade, devido à incapacidade do diretor de incluir outros em seu trabalho. Na verdade, ele raramente mencionou essa possibilidade técnica, e mesmo quando o fez, foi de uma maneira um tanto pejorativa. (Zoli, 2012)
No que pese compreender Moreno, naquele contexto em que a psicanálise já permeava firmemente por toda Europa e o Psicodrama ainda no seu status nascendi
se desenvolvia em céu aberto no terreno social num movimento contrário ao hermetismo psicanalítico da época. Além disso, não podemos deixar de lado a mirada na dimensão individual que é um dos eixos da teoria moreniana. Particularmente, prefiro a denominação Psicoterapia Psicodramática Bipessoal e defendo a ideia de que o seu manejo merece atenção das escolas que formam especialistas em Psicodrama. O fundamento teórico de base é o mesmo que sustenta o Psicodrama Moreniano Clássico e as suas vertentes desenvolvidas por outros pesquisadores e profissionais. A sua prática ou o seu manejo para alcançar o objetivo clínico ou a cura
requer tempo de treinamento, desenvolvimento e supervisão, o que, em geral, não é o foco das escolas.
Como não há uma sistematização dessa prática, a sua construção fica por conta dos psicodramatistas experientes. Estes, num movimento particular análogo a uma convergência orogenética
, faz surgir uma cadeia montanhosa
de formas de manejo (técnicas) o que, em geral, é uma saudável deformação adaptativa
das técnicas originalmente elaboradas para intervenção em grupos nos seus vários contextos. Como já diziam meus mestres, uma intervenção técnica é similar a um bisturi que, em mãos inábeis, podem causar um estrago muito grande.
Apesar do desinteresse de Moreno em desenvolver o psicodrama bipessoal ser fato histórico, no decorrer do desenvolvimento do seu constructo socionômico, realizou intervenções algumas vezes nessa modalidade de psicodrama e deu direção, régua e compasso para quem posteriormente aderisse a essa forma de psicodrama. Questões recorrentes permeiam a comunidade técnica científica sobre o psicodrama bipessoal, sobretudo, os psicodramatistas iniciantes. O que é psicoterapia psicodramática bipessoal? Quais as dificuldades encontradas no processo e no manejo da psicoterapia psicodramática bipessoal? Quais as diferenças técnicas entre o psicodrama individual e o psicodrama de grupo? Essas questões em processo de supervisão gradualmente vão sendo esclarecidas devido à aproximação imperativa do labor psicodramático com a teoria num diálogo rico em espontaneidade-criatividade. Iniciar refletindo sobre dois casos clássicos de Moreno é um start robusto no processo de supervisão.
Félix Guatarri& Sueli Rolnick (1996), Micropolítica: cartografia do desejo;↩︎
Páginas de MIOLO GEORGES 22_08_2022 FINAL OKCAPÍTULO 1
MORENO NO PSICODRAMA BIPESSOAL: MANEJO CLÍNICO, DIREÇÃO, RÉGUA E COMPASSO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
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Na minha visão, o caso Rath é emblemático. Ele, senhor de 44 anos, queixa-se a Moreno que, durante 15 meses, tinha câimbra na mão direita ao escrever, tentando diversas formas de tratamento sem resultados. Advogado e relator de um juiz, alegre, dinâmico, extrovertido, com um senso jurídico brilhante quando está sóbrio. Ao longo do tempo, sem razão aparente, esse juiz começou a ficar insatisfeito com Rath e deixou de convidá-lo a encontros festivos na sua casa ou no clube. Nesse caso, Moreno maneja o psicodrama bipessoal, apesar de ter sua equipe de egos auxiliares já estabelecida, em Beacon. Logo, na primeira sessão, onde estava apenas os dois, Moreno solicita que ele imitasse o comportamento do juiz. Rath, sem cerimônia, imitou com muito humor e ironia:
Levantou-se, caminhou rapidamente pela sala e tornou-se tenso. Sua voz ficou mais baixa, seu aspecto furioso e cheio de hostilidade. Ameaçou o médico com o dedo e interpelou por suas iniciais, como o juiz fazia habitualmente com ele. Ficou vermelho de raiva, gritou, atirou-se contra o médico (no papel de cliente). O paciente no papel do juiz, acusou o médico de saber demais, tanto que seria suficiente para fazê-lo ser enforcado. A tensão aumentou, a respiração do doente tornou-se ofegante e suas palavras incoerentes. (Moreno, 1993, p. 298)
O primeiro ensinamento de Moreno foi sobre a importância fundamental da qualidade de presença e da sintonia que foi marcante com Rath, levando rapidamente a conexão télica. Entendo que esse momento foi lúdico e certamente fortaleceu a relação télica entre os dois. Moreno, aproveitando o aquecimento de Rath, pede para inverter o papel com ele. Ele aceitou rapidamente e, na ação, começou no papel dele mesmo a agredir o juiz encarnado por Moreno, cerrando os punhos, vociferando palavras duras, batendo na mesa numa descarga emocional que culminou com choro e grito. Depois de um tempo, Rath percebe que a paralisia das mãos se dissolve e com ela distendida levanta e grita: Meu Deus! Estou curado!
.
Aqui, Moreno nos apresenta o segundo ensinamento do psicodrama bipessoal relacionado à função do terapeuta neste enquadre, que é encarnar o ego-auxiliar sem perder de vista internamente o papel de diretor. É como duas partes internas do terapeuta (diretor e ego) que se manifestam externamente cada um no seu tempo colado na ação e na reflexão de forma híbrida. Seguramente, a minha experiência clínica me diz que esse não é um manejo fácil e simples, exigindo do terapeuta muita experiência para não misturar papéis. Moreno chamou essa intervenção de Choque Psicodramático e percebeu que, nos encontros posteriores, o tema protagônico do tratamento seria a relação com o juiz.
Cabe ressaltar, no entanto, que era uma sessão única com algumas reuniões de acompanhamento em vez de terapia processual. Penso que Moreno chamou Choque Psicodramático pela força da dramatização de Rath que estava superaquecido com o tema. Ele entrou numa ação profunda, conectando-se com a experiência que não foi cognitiva e sim experiencial. Em geral, ele denomina Choque Psicodramático um método muito utilizado em psicóticos para tornar mais tangível as suas alucinações (Cukier, 2002, p. 48-49).
Outro ensinamento que Moreno nos presenteia nesse caso é o aquecimento. Estudei a capacidade de aquecimento de atletas profissionais e seu comportamento espontâneo ao longo de sua atividade, notei que um início muito pouco ou exageradamente preparado, um começo rudimentar, tinha grande influência sobre o êxito esportivo
(Moreno, 1993, p. 300). Nesse mesmo texto, ele nos ensina que um aquecimento adequado leva o papel psicodramático em ação com uma nova combinação de músculos em movimento diferente do que normalmente o protagonista mobiliza.
Nos estudos contemporâneos, está cada vez mais evidente nas neurociências que as vivências traumáticas e as de grande intensidade de emoções (cérebro mamífero) ficam registrados não só no subcórtex (hipocampo), mas também na fisiologia do cliente. Moreno (1993, p. 300) formula uma regra de aquecimento que diz: todo processo de aquecimento patológico que se aplica a um campo reduzido da personalidade pode ser absorvido e incluído num processo de aquecimento mais geral, mas que englobe o processo particular
. Recomendo a leitura e o estudo cuidadoso do capítulo Psicodrama na Prática Clínica (ou Psicodrama Individual) que, em poucas páginas, traz uma riqueza de manejo e descobertas fundamentais do psicodrama, sobretudo, para a modalidade bipessoal.
Assim, vejamos um pequeno recorte síntese, comentado de alguns manejos e conclusões de Moreno (1993, p. 300-302):
Cliente gago e tímido em cenas com papel agressivo. Na vida como ela é, ele tremia e gaguejava na frente de um superior, mas, ao ser colocado no palco, em cena semelhante, vociferava sem gaguejar, de punhos cerrados, contra quem desempenhava o papel do patrão e o ameaçava. Essa ação alcançou o órgão motor da palavra que estava comprometida e, no final, da sessão, após catarse, se sentiu muito bem;
Uma mulher de 29 anos que perdeu sua voz natural desde os 10 anos após pedirem para ela recitar um poema na escola. Ela tinha uma voz encantadora e cristalina motivo de atenção de todos. Desde então, a voz saía deformada apesar de ser entendível. Em seu manejo, Moreno pede para ela representar numa cena, uma mãe conversando com o filho, porém, em vez de utilizar a fala normal, balbucia inocentemente como um bebê. Apenas com esse ato, a mulher foi encontrando a sonoridade normal de sua voz;
Um doente, que na minha visão era acometido da Síndrome de Tourette, tinha um tique do lado direito do rosto que iniciava na narina esquerda e dirigia-se até a boca, o nariz, a pálpebra, tomando todo o lado esquerdo. Moreno manejou colocando-o em cenas de situações agressivas ou, em cenas em que podia gritar ou dar ordens como um patrão ou um simples jornaleiro vendendo jornal. Para jogar esses papéis, segundo Moreno, ele utilizava durante o aquecimento, uma área mais ampla da sua personalidade e toda musculatura do lado esquerdo do seu rosto era mobilizada na representação. Após essas cenas, os sintomas desapareciam por horas e às vezes dias. A partir desse efeito, ele começou a comparar o processo de aquecimento entre os papéis normais e os papéis patológicos. A meu ver, Moreno já percebia que as patologias vinham