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O Campeonato do Mundo: A História e as Estórias
O Campeonato do Mundo: A História e as Estórias
O Campeonato do Mundo: A História e as Estórias
E-book1.112 páginas11 horas

O Campeonato do Mundo: A História e as Estórias

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Sobre este e-book

EDIÇÃO ATUALIZADA (REVISTA E CORRIGIDA)

Os melhores jogadores e os treinadores revolucionários.
Táticas, estratégias e ideias que mudaram o jogo.
O futebol, causa e consequência do mundo.
Todos os resultados e marcadores.

"O Campeonato do Mundo: A História e as Estórias" é uma obra de fôlego e referência para todos os amantes do desporto-rei e do maior evento desportivo do planeta, que só encontra paralelo nos Jogos Olímpicos. Página após página, o leitor tem acesso a informação detalhada sobre cada um dos 22 Mundiais já realizados, a todos os resultados e marcadores e ao seu enquadramento histórico. Conhecerá todos os heróis das fases finais, a evolução tática que acompanhou o jogo e as estórias imperdíveis de cada torneio.

Prefácio assinado pelo jornalista Carlos Daniel.

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CRÍTICAS

“É o livro mais completo que já li sobre os Mundiais e o futebol. Escrevi o prefácio com gosto, mas o que vale mesmo a pena são as 700 páginas do Luís Mateus.” —Carlos Daniel (jornalista e diretor-adjunto de informação da RTP)

“Obra incrível do Luís Mateus sobre uma das maiores competições desportivas do mundo. O prefácio apaixonante do Carlos Daniel é o mote para uma viagem a todos os campeonatos do mundo de futebol.” —Tarantini (ex-jogador de futebol e treinador-adjunto do FC Famalicão)

“Não se trata de um simples, mas de um verdadeiro compêndio… Quem gosta de futebol, estórias e história deve comprar esta obra.” —José Manuel Freitas (jornalista e comentador desportivo na CM TV)

“O Luís tem uma prosa fantástica e um profundo conhecimento do futebol tanto da sua história como do lado estratégico […] Documento altamente detalhado com todos os dados e mais alguns relacionados com o Campeonato do Mundo. Tem aqui tudo, desde as histórias, táticas, treinadores, jogadores, as fichas de jogo… não falta rigorosamente nada.” —Luís Aguilar (comentador desportivo na SIC Notícias)

“Livro fantástico! Contém histórias imperdíveis do futebol.” —José Gabriel Quaresma (jornalista na CNN Portugal)

“Se gostas de futebol, vais adorar este livro!” —Daniel Fontoura (animador de rádio na RFM e comentador desportivo na Sport TV)

“Uma obra de verdadeiro quilate literário” —Rui Matos Pereira (jornalista)

“Um guia essencial para compreender não só o Mundial do Qatar como todos os outros que aí vêm e os que já passaram.” —Ricardo Araújo Pereira (humorista, jornalista e comentador político)

“Um guia fantástico! Uma viagem completa pelos números e pelas histórias mais relevantes de cada uma das 21 edições já disputadas do Campeonato do Mundo, mas também uma antevisão muito interessante do Mundial do Qatar.” —Carlos Manuel Albuquerque (jornalista na RTP)
IdiomaPortuguês
EditoraKathartika
Data de lançamento29 de abr. de 2024
ISBN9789895626151
O Campeonato do Mundo: A História e as Estórias
Autor

Luís Mateus

Luís Mateus é jornalista desde 1996. Coordenador Geral e comentador d’ A Bola TV, é ainda atualmente colunista do jornal A Bola. Foi diretor do jornal MaisFutebol e comentador residente do programa televisivo com o mesmo nome na TVI24, além de editor de desporto da TVI e da TVI24. Colaborou com os jornais Expresso e Público, e com o site zerozero, e foi analista desportivo na TSF e na Eleven Sports, com comentários de jogos em direto das principais ligas e outras participações. É autor do espaço de crónicas “Era Capaz de Viver na Bombonera” e um apaixonado pelo lado mais puro do futebol e do desporto.

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    Pré-visualização do livro

    O Campeonato do Mundo - Luís Mateus

    Prefácio

    Começo pelo melhor elogio que posso fazer: prefacio um livro que gostava de ter escrito. Lê-se relembrando sucessivos momentos da vida ligados a nomes e datas que o jogo sublinhou: Onde é que vi o golo do Maradona à Inglaterra? E a cabeçada do Zidane? E o Portugal-Inglaterra épico de 2006? Não me esqueço é daquela maldição com Marrocos vinte anos antes. E o grito do Tardelli na final de 82? Depois o penalti falhado do Zico contra a França, o golo do Baggio aos checos, os braços a embalar do Bebeto, o regresso do avô Milla na brincadeira do Higuita, o poema de Bergkamp diante da Argentina, a chapelada do Ronaldinho ao Seaman, o atropelamento alemão ao Brasil no Mineirão, a vingança de Iniesta em nome do futebol poema. Está cá tudo, nesta viagem singular que se cumpre no plural, tantos os percursos que agrupa, num resgate de história e estórias, memórias e lugares, homens e ideias, sucessos e sonhos desfeitos, ambições e frustrações, tudo o que o mais belo jogo dá àqueles que irremediavelmente se apaixonam por ele. E não há como um Mundial para rebuscar tudo isto, nenhum outro palco do jogo deixa marca mais perene e impressiva. E mágica. Este é, por isto, um livro que nos reconcilia com o melhor que fomos e somos enquanto adeptos, o que não é de somenos neste tempo estranho em que — não apenas no nosso jogo, mas infelizmente muito nele — a identidade parece afirmar-se apenas por oposição, contra algo ou alguém. Não é um livro de fação, não interessa se Pelé foi melhor do que Maradona ou vice-versa, não separa o homem o que os deuses uniram, brilham aqui mais do que todos os outros esses dois, os maiores da longa história da prova maior, brilham porque merecem, a par. O autor não impõe teses, mas também não se conforma com as versões mais repetidas, seja sobre a morte misteriosa de Matthias Sindelar, talvez o primeiro futebolista genial da história, o golo validado à Inglaterra em 66 ou a influência de Videla na goleada da Argentina ao Peru em 78. É, neste sentido, um trabalho profundamente jornalístico, porque rigoroso, plural, livre. E como se funda no jogo mais importante do último século, é também um livro de História, com agá maiúsculo, que acrescenta conhecimento e não apenas sobre bola. De bola no pé percorre, todavia, todo esse século que teve fascismo, comunismo, colonialismo, ditaduras, guerras, revoluções, e o futebol não se cruzou apenas com tudo isso, superou tudo isso, não se deteve, antes se tornou maior e mais forte. Estamos a oito anos apenas de o Campeonato do Mundo se tornar centenário e o encantamento é sempre novo. E está a escassos meses o próximo Mundial e parece que nunca mais chega. Sinto isto desde sempre.

    Gosto da ideia do futebol como a recuperação semanal da infância. O meu pai foi guarda-redes e equipava de preto como o Yashine. O meu irmão mais velho mostrava-me os cromos dos melhores que por cá andavam, retratos embrulhados em rebuçados, alguns definitivamente melados pelo açúcar, mas eram o Eusébio, o Yazalde, o Cubillas, craques definitivos, ainda melhores nos meus jogos simulados que na realidade que desconhecíamos, tão poucas vezes os víamos jogar de facto. O meu avô levava-me pela mão ao Paredes, ao velho pelado das Laranjeiras, um palco de sonhos ao tempo. Cresci com futebol, a ver, a ler, a jogar na rua, e aí pelos 7 ou 8 anos descobri uma realidade extraordinária chamada Campeonato do Mundo. De quatro em quatro anos, os melhores jogadores do planeta juntavam-se todos num campeonato rápido, e os jogos até davam, também todos ou quase, na televisão, na RTP, que só havia uma. Era um jogo após o outro, dias seguidos assim, uma maravilha para quem estava acostumado à cadência semanal de um jogo a preto e branco. Passei a ter Réveillons mais felizes sempre que no ano seguinte havia Mundial. Começava uma contagem secreta, só minha, logo nessa noite inaugural, entre as uvas passas contava os dias para a grande prova do mesmo modo que qualquer criança que antecipa o aniversário seguinte. A minha prenda maior chegaria daí a uns meses, numa felicidade bissexta, mas que era uma grande felicidade. Ainda foi só a duas cores que vi a final de 78, a dos papelinhos no Monumental de Buenos Aires. Têm aqui, no livro, essa história dos papelinhos e a origem dela. Estou capaz de dizer que têm aqui as histórias todas, as que sempre recordaremos, as que tínhamos esquecido e mais uma série que são revelações de facto. Este livro é um reencontro definitivo com a paixão. Essa final foi a do Kempes e dos outros cabeludos da Argentina: Houseman, Luque, Bertoni, Tarantini. Só mais tarde percebi que o Tarantini era loiro. Foi quando deixou de ser a preto e branco.

    1982. Não haverá outro Mundial assim, o último dos românticos e o primeiro já com todas as cores na televisão em Portugal. Portugal, a seleção, não estava, aliás só tinha estado uma vez, contentávamo-nos com o Brasil, mas que Brasil aquele! Falavam-me da fabulosa equipa de 70, talvez a melhor de sempre num Mundial, com quatro números 10 espalhados pelo campo — Gerson, Rivellino, Pelé, Tostão — e o Luís também nos conta isso aqui, ao pormenor. A verdade é que havia cinco desses organizadores na equipa de 82, Zico e Sócrates à frente de todos, génios diversos, gémeos falsos, mas também Falcão e Cerezo, a pensar mais de trás, e ainda Júnior, encaixado a lateral esquerdo porque tinha de caber. Os golos marcados à então União Soviética, primeiro Sócrates e depois Eder, mostravam aos meus olhos pré-adolescentes uma exuberância de talento como nunca tinha visto. E depois houve aquela chilena do Zico, de novo Eder em folha seca, Sócrates por uma nesga à Itália, Falcão de raiva a seguir. E não chegou. Incrivelmente não chegou. Apareceu a Itália, trazendo às costas uma herança de décadas, de Vittorio Pozzo e Nereo Rocco, agarrada ao ferrolho com que se difundiu o catenaccio e a que somou três golos de Paolo Rossi. Foi o dia de uma aprendizagem dura, com lágrimas: nem sempre os melhores ganham. Ou então ganham, mesmo quando perdem. Mario Vargas Llosa previu que falaremos desse jogo do Sarriá mesmo quando os seus principais protagonistas forem só nomes vinculados à mitologia do futebol. Não duvido nada.

    Da mitologia, dos que ou são eternos ou se vão eternizar pelo que fizeram equipados, há de cruzar-se aqui com todos, de Meazza a Mbappé, sem falhar Sindelar, Schiaffino, Puskás, Di Stéfano, Albert, Pelé, Garrincha, Charlton, Eusébio, Jairzinho, Beckenbauer, Cruijff, Kempes, Rossi, Zico, Maradona, Matthäus, Romário, Zidane, Ronaldo fenômeno e Ronaldinho, Pirlo, Iniesta, Neuer. E Cristiano e Messi, pois claro, a quem sempre lembram que lhes falta um Mundial. Mas a lenda desses dois não acabou ainda, para nossa felicidade prossegue no Qatar, desta vez antes do Réveillon. Não falta nenhum dos homens mais brilhantes das pátrias em chuteiras, mas há lugar também, e com destaque merecido, para os que revolucionaram o jogo a partir do banco, pela força única das ideias: Pozzo, Meisl, Rappan, Sebes, Ramsey, Zagallo, Menotti, Telê, Beckenbauer, Jacquet, Lippi, direta ou indiretamente sempre Cruijff. E Guardiola, de igual modo. Este é um jogo admiravelmente tático desde as origens e os Mundiais (como os Europeus depois) foram, durante décadas, o palco privilegiado para exibir cada passo em frente no pensamento sobre o jogo. Vão mudando as respostas, repetem-se as perguntas: Estará mais perto de ganhar quem tem melhores individualidades ou mais competente organização? A dimensão física é decisiva? E quanto pesa a atitude? Pragmáticos ou românticos: quem se aproxima mais do sucesso? A história secular do mais belo jogo dá argumentos a todos, pelo que o debate prosseguirá, com base em nomes, números, ideias e emoções. As próximas setecentas páginas agrupam tudo isso na dose certa. Se me perguntassem até há umas semanas qual o livro que gostaria de ler sobre este tema, com que conteúdos, apontaria para algo semelhante ao que tem em mãos. Com uma diferença: o Luís Mateus fê-lo melhor ainda.

    Carlos Daniel

    jornalista

    Introdução

    Esta é uma viagem no tempo e se está desse lado é porque de alguma forma garantiu o seu bilhete para vir connosco. Partimos em 2022, com a 22.ª edição do Campeonato do Mundo, no Qatar, aí à porta, ao encontro do primeiro torneio, recebido pelo Uruguai, no para nós já longínquo ano de 1930. São 92 longos anos de história!

    Se continuarmos, se não travarmos em Montevideu, encontramos ainda um passado dessa era distante. Um então ainda fresco, com inúmeros pontapés de saída dados no Reino Unido, antes da onda migratória de todo o tipo de profissionais e estudantes que, em busca de melhores condições e oportunidades de vida, levam consigo uma bola de couro entre a bagagem. É a pré-história do futebol. Outro êxodo, mais focalizado, coloca depois igualmente treinadores britânicos a escolher a mesma estrada e a percorrer os mesmos caminhos. A sua missão, consciente ou não, é a de fazer evoluir o jogo, por vezes até numa direção oposta à que este leva em casa.

    São estes, todos estes, que lançam as sementes do jogo global, um desporto-rei com manto e cetro, que tanto nos apaixona. Talvez seja mais do que isso. O futebol não só move multidões enamoradas, fortunas, interesses e influências como também mexe com tudo o mais que o rodeia.

    Depois de semeado na Europa Continental e na fértil América, sobretudo a sul, e ao mesmo tempo um pouco por todo o lado, falta naturalmente uma grande competição que o faça florir e lhe acrescente verdadeira dimensão planetária. Jules Rimet, um dos fundadores e presidente da Federação Internacional de Futebol (FIFA), é o obreiro dessa primeira grande competição de seleções, que oferece o título de campeão mundial e legitima (ou oficializa) aquilo que até aí é apenas uma interpretação ou assunção que resulta da vitória no torneio olímpico.

    O francês tem de ultrapassar precisamente o ideal amador, associado aos Jogos e defendido pelo compatriota e fundador do Comité Olímpico Pierre de Coubertin, e por várias federações que professam esse mesmo espírito nas várias modalidades incluindo o futebol, como as britânicas. Em consequência, a Inglaterra deixa a FIFA em 1928 para só voltar em 1946, o que afasta a seleção dos três leões e autoproclamado país-inventor de fora dos três primeiros Mundiais, estreando-se apenas em 1950, no Brasil.

    A época talvez não seja a ideal e, como tal, não é um primeiro torneio perfeito. Várias potências europeias além das britânicas ficam de fora devido aos graves problemas económicos da década anterior, marcada pela Grande Depressão e pelo pós-Primeira Guerra. Mesmo em termos políticos e sociais, com o crescimento do fascismo por todo o Velho Continente e a tensão daí resultante, que irá conduzir à eclosão da Segunda Guerra Mundial, a conjuntura não é favorável. Só que o sonho existe desde a fundação da FIFA, em 1904, e é apenas adiado pelo primeiro conflito armado à escala planetária. Como tal, Rimet não desiste. O primeiro Campeonato do Mundo realiza-se mesmo no país do bicampeão olímpico de 1924 e 1928, que já abraça o profissionalismo e que também se dispõe a arcar com as custas das viagens dos participantes.

    Não é fácil imaginar o que seria hoje o futebol sem o Mundial, embora, admita-se, já tenha tido impacto bem maior do que atualmente. A expetativa de uma fase final era enorme quando a informação sobre jogadores e seleções não estava tão acessível como agora devido à internet, e não se podia assistir a praticamente todos os jogos das principais ligas a um ritmo quase diário. O Campeonato do Mundo começa por ser um evento romântico, sempre antecedido por nervosa contagem decrescente até aparecerem os maiores craques e se descobrirem outros até aí praticamente incógnitos. Hoje, não há grandes jogadores desconhecidos da maior parte dos adeptos durante os quatro anos de intervalo entre cada torneio. Essa viagem de descoberta já não se faz. Infelizmente.

    Esta é também a competição que eleva os maiores ao estatuto de lendas, casos de Pelé, Cruijff, Maradona ou até Zidane. Quando se fala de Lionel Messi ou de Cristiano Ronaldo, não falta quem lembre que nenhum deles ainda venceu o tal Campeonato do Mundo que lhes confirmaria estatuto primus inter pares. O melhor (ou os melhores) entre iguais. Enquanto não acontecer, e o tempo para que aconteça já não é tão abundante quanto isso, haverá sempre quem atire com os nomes de Pelé ou Maradona para cima da mesa para reavivar a discussão. É o Mundial o que torna o melhor indiscutível. Se a competição é hoje menos apaixonante, exótica ou misteriosa, ainda tem esse desígnio: decidir quem merece o título de melhor do mundo ou mesmo o de melhor de todos os tempos.

    Mais do que a história do futebol, este livro pretende contar-lhe a história do torneio nas suas 21 edições, e as suas estórias mais marcantes. Um Mundial não existe isolado no espaço e no tempo, é causa e também consequência da evolução do jogo, que vai encontrando o seu caminho através da dialética de várias ideias, quase sempre opostas: os pensamentos ofensivo e defensivo, o jogo direto e o apoiado, a estética e o pragmatismo, o espaço e a falta deste, ou ainda o jogador especialista e o multifuncional. Enquadra-se também em vários contextos, desde logo o futebolístico, mas também outros mais globais, como o político, o económico ou o geográfico.

    É esse o livro que me propus escrever, influenciado por vários outros que li, mas também jornais, excertos e artigos online, bem como filmes, documentários, jogos em direto e vídeos avulsos vistos na televisão, no cinema ou em suportes digitais. Espero, sinceramente, que goste tanto como eu do jogo. Esta é sua mais bela história. Agora, aperte o cinto e desfrute da viagem.

    1. Uruguai 1930 — A Consagração da Celeste Olímpica

    Campeão: Uruguai (1)

    Finalista vencido: Argentina

    Total: 70 golos (média 3,89)

    Melhor ataque: Argentina, 18 golos

    Bélgica e Bolívia não marcaram golos

    35 jogadores com golos marcados

    À Descoberta de Novos Mundos Desde a Isolada Inglaterra

    A Inglaterra inventa o jogo, mas, ao isolar-se, até mais intelectualmente do que territorialmente, do resto do continente, estagna precisamente na fisicalidade e verticalidade que implementa dentro de portas. Apesar dos vários alertas recebidos posteriormente ao longo da história, muitas vezes até dentro da fortaleza que se torna Wembley, e dos constantes fracassos em todos os torneios à exceção de 1966, realizado em casa, os ingleses nunca perdem o complexo de superioridade que os afasta da evolução. Mesmo que não percam uma única oportunidade para cantar It’s coming home, a verdade é que o troféu nunca está realmente perto de voltar a casa.

    É naturalmente ainda com snobismo que a Mãe do Futebol se revê a si própria nas décadas de 20 e 30, quando, quase por ironia, alguns treinadores britânicos como o pioneiro Jimmy Hogan deixam a Velha Albion para trabalhar e estabelecem os alicerces da Escola do Danúbio e do futebol continental, que toma de assalto Hungria, Áustria, Checoslováquia e até a Suíça.

    Influenciado pelo modelo de equipas como o Queens Park Rangers, Hogan e os compatriotas exilados recuperam o passing game em todos os clubes que treinam, da Holanda à Suíça, antes de se estabelecerem no eixo Áustria-Hungria. Para os frequentadores das coffees houses das margens do Danúbio, que discutem o fenómeno futebolístico como se de política se tratasse, há algo de semelhante entre aquele jogo apoiado e o que viram, anos antes, logo após a viragem do milénio, em equipas como o Glasgow Rangers, em digressão pela Europa. Não estão enganados.

    O primeiro fruto suculento nascido das sementes lançadas pelos ingleses fora de portas é a Wunderteam, liderada pelo treinador e dirigente Hugo Meisl, e que tem Jimmy Hogan como pai intelectual. Amigo e conselheiro de Meisl, o inglês, treinador desde os 28 anos, estabelece nestas duas décadas os fundamentos de um estilo que, cerca de quarenta anos mais tarde, será chamado de… futebol total.

    A explosão da fabulosa seleção austríaca, assente na leveza, elegância e elasticidade do homem de papel Matthias Sindelar, é retardada, adormecida para lá do primeiro Mundial por culpa da crise que assola a Europa, e terá a sua única oportunidade quatro anos mais tarde, já abafada por todos os lados pelo fascismo. Em 1934, na Itália de Benito Mussolini, a Áustria é eliminada nas meias-finais pela politizada squadra azzura — os políticos rapidamente reconheceram o poder do futebol para fazer passar a mensagem — e, quatro anos depois, nem chega a viajar para França devido ao Anschluss, a anexação do país pela Alemanha nazi.

    Sem Inglaterra e os restantes países do Reino Unido, que preferem continuar amadores no que ao futebol diz respeito, e ainda sem não só as principais potências europeias como também as emergentes Áustria, Checoslováquia e Hungria da zona do Danúbio, o favoritismo muda-se quase na totalidade para a América do Sul e para as margens do Rio de la Plata, de onde se avistam Uruguai, bicampeão olímpico, e Argentina, que, depois de falhar Paris-1924, obriga em Amesterdão a Celeste a uma repetição da final, que perde por fim por 2-1.

    O futebol chega ao Rio de la Plata como praticamente a todos os outros cantos do mundo: através dos ingleses. Entre os fins do século XIX e o início do século XX, o investimento britânico na América do Sul é já enorme, com explorações de cobre no Chile, guano no Peru, carne, lã e peles na Argentina e no Uruguai, e café no Brasil e na Colômbia. Em Buenos Aires, no distante ano de 1890, já vivem 45 mil britânicos, com registo de comunidades mais pequenas também em Montevideu, Rio de Janeiro, Lima e Santiago. Além do investimento que trazem, fundam jornais, hospitais, escolas e clubes desportivos. Em troca do que levam para Sua Majestade, deixam o futebol.

    Se em Viena, capital da presença britânica na Europa continental, o jogo trata-se fundamentalmente de um fenómeno urbano, praticado pela classe média-alta, é nos portos e zonas pobres de Buenos Aires e Montevideu que se desenvolve um estilo de jogo muito próprio e influenciado pelo crioulo, que assenta na autoexpressão e liberdade individual. Os argentinos chamam mais tarde la nuestra a essa identidade do seu jogo, carregado de truques, fintas e toque. Já os uruguaios acrescentam-lhe o trabalho, o foco, a determinação e a energia e criam a garra charrúa, que os acompanha até hoje em praticamente todos os momentos.

    Na terra das Pampas, Alexander Watson Hutton é o primeiro grande nome dos primórdios do jogo. Formado na Universidade de Edimburgo, viaja para Buenos Aires para ensinar na St. Andrews Scotch School, mas demite-se quando a escola recusa aumentar os campos de jogo. Muda-se para a English High School e emprega um especialista para ensinar futebol aos alunos. É aí que nascem os Alumni, clube formado por ex-estudantes e um dos primeiros grandes dominadores do jogo no país.

    Do outro lado do Rio de la Plata, jovens profissionais ingleses fundam clubes de críquete e de remo, que acabam também por desenvolver secções de futebol. William Leslie Poole é igualmente professor na English High School, mas de Montevideu, quando em 1891 forma o Albion Cricket Club, que envereda pela prática do futebol e começa a defrontar clubes semelhantes de Buenos Aires. Digressões posteriores de equipas como os húngaros do Ferencváros em 1922 confirmam a proximidade entre as ideias da Escola do Danúbio e as do Rio de la Plata, assentes na técnica individual e distantes já da fisicalidade que vinga em Inglaterra, hermeticamente fechada sobre si própria.

    O sistema tático não sofre grande evolução. Joga-se em 2x3x5 e não há ainda grandes razões para mudar. Se na Mãe do Futebol permanece a rigidez de um futebol muito físico e direto, já na Áustria e na Argentina e Uruguai há dinâmicas causadas pela necessidade de um jogo mais apoiado. Na Wunderteam, Sindelaar baixa no terreno para criar os ataques, enquanto nos sul-americanos são os avançados-interiores que recuam para acrescentam criatividade ao conjunto.

    A Mitropa Cup, Primeira Taça dos Campeões

    A UEFA é fundada em 1954, e a Taça dos Clubes Campeões Europeus nasce um ano depois, na época 1955/56, contudo a ideia de uma competição continental de clubes remonta a fins do século XIX.

    Ainda não é necessariamente global, uma vez que é criada para o Império Austro-Húngaro com o nome de Austro-Hungarian Challenge Cup — curiosamente inventada por um canalizador inglês de nome Jack Gramlick Senior —, no entanto apresenta-se, de 1897 a 1911, como a antecessora da bem mais importante Mitropa Cup. É naturalmente dominada por equipas de Viena, Budapeste e Praga, cidades-estado da Escola do Danúbio.

    Depois da Primeira Grande Guerra, o conceito é revisitado, impulsionado pela eclosão do profissionalismo, precisamente na Áustria (1924), Hungria (1925) e Checoslováquia (1926). Nasce então, em 1927, em Viena, a Mitropa Cup — abreviatura de Mittel Europa, ou Europa Central — e ainda uma prova de seleções, a Coupe Internationale Européenne, conhecida depois da Segunda Grande Guerra por Dr. Gerö Cup, em honra de Josef Gerö, antigo árbitro e dirigente da federação austríaca.

    O grande impulsionador da Mitropa Cup é o poliglota e carismático Hugo Meisl, treinador, líder da associação nacional do seu país, futuro selecionador da Wunderteam e homem de inúmeras ligações com algumas das personagens mais importantes do jogo, como Herbert Chapman e Jimmy Hogan. A competição conta inicialmente com duas equipas de cada um dos quatro países com ideias mais progressistas — Áustria, Hungria, Checoslováquia e Jugoslávia — e preferencialmente das suas capitais. Cada eliminatória é disputada a duas mãos, tal como as competições que surgem posteriormente nos anos 50. As sugestões de um formato de liga são abandonadas devido às dificuldades de logística e calendarização.

    Na edição inaugural, o campeão Admira Viena, a atravessar a sua era dourada, e o terceiro classificado Rapid, também da capital, são os clubes designados pela Áustria, ficando o vice Brigittenauer AC de fora por razões desconhecidas, tal como o Ferencváros, que vê a Hungria ser representada pelo segundo colocado no campeonato local, o Ujpest TE, e pelo terceiro, o MTK Hungaria Budapest, treinado por Jimmy Hogan. Na Checoslováquia não há surpresas, uma vez que os convidados são o Sparta, orientado pelo escocês John Dick, e o Slavia, enquanto a Jugoslávia contribui com o Hadjuk Split, que festeja o primeiro campeonato, e o OFK Belgrado.

    A primeira final opõe o Sparta, que beneficia da desclassificação do MTK por alegada utilização irregular de Konrad Kalman, até então jogador dos Brooklyn Wanderers dos Estados Unidos, ao Rapid. É ainda a Checoslováquia contra a Áustria, cuja rivalidade disparara nos anos anteriores. O Sparta vence em Praga por 6-2, ao que o Rapid responde com um triunfo magro, em Viena, por 2-1. Não chega. A multidão de 40 mil nas bancadas não encaixa a derrota, acerta com uma pedra no capitão checo Karel Pesek quando este se prepara para erguer o troféu e invade o campo. Os incidentes não diluem, no entanto, a euforia em torno de uma competição que ganha força — é a primeira em que aparecem os relatos radiofónicos — até desaparecer com a Segunda Grande Guerra, extinguindo-se definitivamente em 1992, após várias tentativas infrutíferas em recuperá-la, com outras designações como Zentropa ou Danube Cup.

    Só o Campeonato do Mundo, que apenas arranca em 1930, tem importância semelhante na expansão e evolução do jogo nas primeiras décadas de existência.

    A Taça Internacional da Europa Central

    A Coupe Internationale Européenne é outra competição organizada por Hugo Meisl, agora destinada a seleções. É dividida em duas ligas, uma para amadores e outra para profissionais. Polónia e Roménia apenas participam enquanto amadores, mas Itália, Áustria, Checoslováquia, Hungria, Suíça e Jugoslávia, esta última apenas na derradeira edição, apresentam tanto equipas amadoras como profissionais. Decorre de 1927 a 1960 e cada edição ultrapassa os dois anos de duração. As duas últimas realizam-se em cinco anos cada.

    Os italianos, liderados por Giuseppe Meazza — que hoje dá o nome ao estádio partilhado por Inter e AC Milan em Milão — dominam as primeiras edições com dois triunfos (1927-30 e 1933-35) e um segundo posto, atrás da Áustria, em 1931-33. O Anchluss suspende o torneio, que volta para uma longa edição que vai de 1948 a 1953, vencida pelos Poderosos Magiares da Hungria, à frente da Checoslováquia. Os checos vingam-se em mais uma longa edição, a derradeira, de 1955 a 1960, ao terminarem precisamente à frente dos húngaros, que a meio caminho veem uma revolução contra o governo estalinista eclodir no país, o treinador Gusztáv Sebes ser demitido e substituído por Márton Bukovi, e o exílio das suas principais figuras.

    A maior parte dos jogadores alinha pelo Budapest Hónved, que perde a primeira mão da primeira ronda da Taça dos Campeões de 1956/57 com o Athletic, em Bilbao, por 3-2, e é apanhada fora do seu país quando estala a revolta armada. Os atletas recusam voltar, organizam o segundo jogo com os espanhóis em Bruxelas, no Heysel, mas são eliminados. Num limbo, resgatam as famílias de Budapeste e, apesar da oposição da federação húngara e da FIFA, partem em digressão por Itália, Portugal, Espanha e Brasil para angariar dinheiro.

    No regresso à Europa, cada futebolista decide seguir o próprio caminho. Sándor Kocsis e Zoltán Czibor assinam pelo Barcelona, e Ferenc Puskás ruma ao Real Madrid. Não voltam a representar a Hungria e o Major Galopante chega mesmo a vestir a camisola de Espanha, entre 1961 e 1962.

    Precursora do Campeonato da Europa, a Taça Internacional da Europa Central revela-se também tubo de ensaio para as mais poderosas seleções europeias de então, como a Áustria dos anos 30, a bicampeã mundial Itália de 34 e 38, a majestosa Hungria da década de 50, finalista no Mundial de 1954, ou a Checoslováquia, vencida pela Itália em 34 e pelo Brasil em 1962 nos jogos decisivos e terceira classificada no Europeu de 1960.

    A Copa América

    Conhecida de 1916 a 1975 como Campeonato Sudamericano de Fútbol (Campeonato Sul-Americano de Futebol), a Copa América é a mais antiga competição de seleções ainda em vigor, com Argentina e Uruguai a confirmarem também aqui, durante os primeiros anos, ser as seleções mais fortes do continente. A Celeste Olímpica vence seis das 12 edições organizadas até ao Mundial de 1930, com os albicelestes a triunfar em quatro. O Brasil conquista as duas restantes.

    No início do Século XX, com o futebol a crescer em popularidade, a federação argentina, fundada em 1893, organiza em 1910 um torneio para comemorar o 100.º aniversário da Revolução de Maio, que depôs o vice-rei espanhol Baltasar Hidalgo de Cisneros y de la Torre, criou um governo autónomo e deu origem ao país. O Chile e o Uruguai marcam presença, mas o evento não é posteriormente considerado oficial pela Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), formada apenas em 1916. Nesse mesmo ano de 1916, a Argentina organiza novo torneio, desta vez para festejar a independência de Espanha, e convida Chile, Uruguai e Brasil. É a primeira edição do Campeonato Sudamericano, ganha pelo Uruguai, em Avellaneda, após nulo diante da seleção da casa. O Uruguai termina com cinco pontos, mais um do que o rival.

    É apenas depois desta primeira edição, e após proposta da federação uruguaia, que nasce a CONMEBOL, com Argentina, Brasil e Chile também como membros fundadores. O torneio regressa no ano seguinte, em 1917, desta vez organizado no Uruguai, que consegue mesmo o bicampeonato e novamente diante da Argentina, ao ganhar no último jogo por 1-0. A edição de 1918 é cancelada devido a um surto de gripe no Rio de Janeiro, mas o Brasil organiza a prova em 1919 e vence-a, diante do Uruguai, por 1-0, num play-off. Viña del Mar, no Chile, assiste à supremacia da Celeste no ano seguinte, para a Argentina conquistar o primeiro troféu em 1921, em Buenos Aires, já com o Paraguai como participante e país-afiliado da CONMEBOL. Uruguai e Argentina continuam a dominar a competição e estendem a rivalidade além-fronteiras, até aos Jogos Olímpicos de 1928, em Amesterdão, e ao Campeonato do Mundo de 1934, em Itália. Entre as primeiras conquistas charrúas, os argentinos conseguem uma pequena vingança, precisamente em 1929 no Sul-Americano, já com Bolívia (desde 1926) e Peru (1927) em campo, ao vencerem os vizinhos no encontro decisivo.

    A rivalidade entre os dois países torna-se em inimizade logo após o primeiro Campeonato do Mundo e impede que o Sul-Americano se realize até 1935, numa edição considerada especial. A oficialização do regresso só acontece em 1939, agora também com o Equador.

    Rimet Tem Um Sonho

    O visionário Jules Rimet, insatisfeito com o torneio olímpico de futebol, considerado quase um Mundial oficioso, realiza em 1930 o sonho da organização de um Campeonato a sério. Presidente da federação francesa, vê o seu primeiro projeto ser rejeitado em 1914 no Congresso da FIFA e, depois, a Primeira Grande Guerra e a Grande Depressão obrigam-no a ser paciente, sem nunca perder a persistência. O alastrar do profissionalismo na década de 20 cava um fosso entre a elite e o movimento olímpico, e a ideia de Rimet ganha força, sustentada ainda pelo sucesso do futebol nos Jogos de Paris, com o Uruguai a vencer e a beliscar o orgulho dos europeus, o que volta a fazer quatro anos mais tarde, em Amesterdão, com nova conquista.

    A dupla medalha de ouro, o apoio económico que pretende oferecer às seleções participantes, a promessa da construção de um estádio imponente digno de um primeiro Mundial e os festejos do centenário da independência do país — que dá o nome à nova infraestrutura — tornam o Uruguai o candidato ideal para receber o torneio finalmente aprovado dois anos antes.

    A atravessar ainda natural fase de amadorismo e numa altura de crise económica global — do colapso de Wall Street e da Grande Depressão —, muitos jogadores recusam a participação na prova, por temerem que, no regresso, os respetivos empregos estejam entregues a outros. Alemanha, Áustria, Checoslováquia, Espanha, Holanda, Hungria, Itália e Suécia, países onde o fenómeno futebolístico já recolhe grande entusiasmo, declinam participar e Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte deixam a FIFA devido ao diferendo em torno do profissionalismo e, como tal, também não estão presentes. Só com muita persistência é possível convencer França, Bélgica, Jugoslávia e Roménia para que haja representação do Velho Continente no primeiro Campeonato do Mundo. No país dos Cárpatos, é o próprio Rei Carol quem assume o papel de selecionador e faz a convocatória, ao mesmo tempo que oferece aos jogadores três meses de férias e lhes dá a garantia de que terão emprego no regresso.

    França, Bélgica e Roménia, mais o Brasil, recolhido no Rio de Janeiro, chegam a Montevideu no dia 5 de julho de 1930 a bordo do paquete Conte Verde. Dois dias depois, é a vez da Jugoslávia, que desembarca do Florida. Uruguai, Argentina, Peru, México, Chile, Bolívia, Paraguai e Estados Unidos compõem o lote de finalistas. O futebol separa-se de vez do olimpismo e o desporto mundial não volta a ser o mesmo. Tudo por culpa de um francês: Jules Rimet.

    Pontapé de Saída

    Chega o dia de escrever-se história. A 13 de julho de 1930, dá-se o pontapé de saída para o primeiro Campeonato do Mundo. Na verdade, são dois, separados por poucos quilómetros. Em simultâneo e em Montevideu, a França vence o México (4-1) no Estádio Pocitos, enquanto os Estados Unidos ultrapassam a Bélgica (3-0) no Parque Central. O futebol arranca nesse dia para uma globalização gradual, que o transforma naquilo que é hoje: o desporto-rei.

    Apesar de o futebol ter ficado excluído do programa olímpico para dois anos depois, em Los Angeles, nos Estados Unidos, o presidente da FIFA Jules Rimet não olha a esforços para organizar um primeiro torneio internacional em 1930. Contrariando as expetativas de jogadores e dirigentes europeus, o palco escolhido para o evento é a terra natal dos vencedores das medalhas de ouro olímpicas de Paris (1924), França, e Amesterdão (1928), na Holanda: o pequeno Uruguai, espartilhado por dois gigantes, o Brasil a norte e, a sul, a Argentina. E é do confiante país das Pampas que surgem as primeiras declarações de autoafirmação como melhor seleção do mundo, o que, como sempre ao longo da história, tem de ser provado em campo.

    A Primeira Grande Polémica

    Depois de conseguirem reunir equipas competentes, Uruguai e Argentina são vistos como os principais favoritos a reclamar o tão desejado título de campeão do mundo, com França e Estados Unidos a aparecer num segundo plano. Cabe ao francês Lucien Laurent — operário da Peugeot em Sochaux e jogador em part-time do clube da cidade —, meses depois de se estrear pelos Bleus curiosamente numa derrota frente a Portugal (2-0, com dois golos de Pepe, aos 44 e 70 minutos) no Campo do Ameal, no Porto, a honra de marcar o primeiro golo de sempre em Mundiais, e o primeiro de dois apontados pelos gauleses em toda a sua carreira. O remate que grava para sempre o seu nome na história logo na sua segunda internacionalização surge aos 19 minutos da primeira parte, na sequência de um cruzamento de Ernest Liberati. Já Marcel Langiller e André Maschinot (2), autores dos restantes golos diante do México, não fogem ao anonimato, também por culpa de uma prestação coletiva medíocre, em que a equipa não vai além da primeira fase, e do pouco interesse que a prova cativa no seu país.

    Os gauleses são derrotados no dia seguinte pela Argentina (1-0) num dos encontros mais controversos da história dos Campeonatos do Mundo. Aos 84 minutos, precisamente quando la caille (a codorniz) Langiller corre isolado para a baliza à guarda de la maravilla elástica (a maravilha elástica) Ángel Bossio, Gilberto de Almeida Rêgo apita para o fim da partida. A seis minutos dos 90! Seguem-se duros protestos por parte dos europeus e é já com as equipas nos balneários que o árbitro brasileiro reconhece o erro e convence os jogadores a cumprir o tempo que falta. Para os franceses vai dar ao mesmo, uma vez que não surge outra oportunidade como aquela e o resultado não se altera. A França está praticamente eliminada, o que se confirma no dia 19 diante do Chile.

    A polémica não belisca o estatuto de Rêgo, que está em mais dois encontros dessa fase final, ambas com o anfitrião Uruguai como vencedor indiscutível: na goleada por 4-0 à Roménia e no atropelamento da Jugoslávia, na meia-final, por 6-1.

    Aí Está Um Tomba-Gigantes!

    Apesar da pobre presença dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de dois anos antes — em que os norte-americanos são esmagados por 11-2 pela Argentina, no Olímpico de Amesterdão, na Holanda, ainda na primeira ronda — a seleção das Stars and Stripes consegue uma participação bastante competente no Uruguai, ainda hoje a melhor de sempre em fases finais. Para isso muito contribui a ausência das mais fortes seleções europeias, como Inglaterra, Escócia, Itália, Áustria, Checoslováquia ou Hungria, bem como a força que a American Soccer League (ASL) — a primeira liga nacional profissional, embora a operar sobretudo no nordeste do país — tem nos anos 20 e início da década de 30, e que exponencia um nível futebolístico já bastante interessante, praticado na St. Louis Soccer League e na National Challenge Cup, precursora da US Open Cup. Igualmente importante é ainda o facto de a ASL decorrer do outono à primavera, o que prepara os jogadores para as condições climáticas encontradas no Uruguai, além do rigoroso programa de treino que a equipa cumpre a bordo do SS Munargo, desde o embarque em Hoboken, Nova Jérsia, e que eleva a condição física dos futebolistas ao ponto de tornar os Estados Unidos uma das seleções em melhor forma em Montevideu.

    Na equipa treinada pelo irlandês Jack Coll, no país desde 1922, figuram seis jogadores nascidos em território britânico, todos a viver nos Estados Unidos desde a adolescência, e apenas um que tinha jogado profissionalmente em Inglaterra: George Moorhouse. Uma realidade bem distante da que eram acusados, a de serem um conjunto formado à volta de seis ex-profissionais ingleses.

    Os norte-americanos ultrapassam facilmente a Bélgica por 3-0, resultado que repetem diante do Paraguai, graças ao primeiro hat-trick da história de um Campeonato do Mundo, assinado por Bert Patenaude, só reconhecido pela FIFA 76 anos mais tarde, em 2006, já depois da sua morte. Apesar de praticamente todos concordarem com o nome do autor dos três golos, desde jogadores e treinadores aos media — que até tinham como desculpa a barreira da língua, a falta de números nas camisolas, de informação e de conhecimento dos jogadores e até a inexistência de repetições televisivas —, ao jovem de 20 anos de ascendência franco-canadiana, nascido em Fall River, no Massachusetts, eram apenas creditados golos aos 10 e 50 minutos, não o que tinha sido marcado aos 15. O relatório de jogo da FIFA atribui-o ao capitão Tom Florie, enquanto a Rec.Sport.Soccer Statistics Foundation (RSSSF) designa-o como autogolo. Patenaude, que marca 114 golos em 158 jogos na American Soccer League entre 1928 e 1931, não parece importar-se com a falha e nem tenta que a FIFA mude de opinião. Tudo se altera no início dos anos 90, na sequência de uma conversa entre um jogador reserva da equipa norte-americana de 1930, Arnie Oliveira, e o historiador Colin Jose, que, alertado para o caso, consegue descobrir uma ficha de jogo nos arquivos do jornal Estado de São Paulo a confirmar o hat-trick e um diagrama dos três golos na publicação argentina La Prensa, todos creditados a Patenaude. O investigador junta os achados da América do Sul a testemunhos dos companheiros de equipa, ao relatório do selecionador Wilfrid Cummings e aos registos da federação norte-americana e envia-os à FIFA em abril de 1995, com o organismo a responder, um mês depois, a dizer que vai entregar o assunto a um especialista externo. O feito é reconhecido, embora timidamente, numa revista oficial ainda antes de 2000, no entanto seis anos depois, provavelmente motivada pelo regresso do interesse norte-americano pelo soccer, a FIFA faz um anúncio formal da alteração. Patenaude morre 32 anos antes, em 1974.

    No dia 26 de julho de 1930, no Estádio Centenário, em Montevideu, a Argentina apresenta-se demasiado forte para os norte-americanos, que são obrigados a jogar com dez jogadores desde a primeira parte, devido à infelicidade de Raphael Tracy, que fratura uma perna. As substituições não são permitidas e, depois de chegar ao intervalo a vencer por 1-0, a seleção das Pampas acrescenta mais cinco golos ao score no segundo tempo e vence por 6-1.

    Tira-Teimas em Montevideu

    Sem surpresas, os dois favoritos chegam ao jogo decisivo, com 93 mil pessoas nas bancadas do Estádio Centenário. É a reedição da final dos Jogos Olímpicos de Amesterdão, dois anos antes, mas ainda o reflexo da primeira grande rivalidade. A Argentina reclama para si o título de melhor equipa do mundo, mas é o Uruguai que mais uma vez prevalece, graças a uma melhor organização e capacidade defensiva, que equilibra todo o talento que também tem ao seu dispor.

    Alberto Suppici surpreende e deixa de fora do jogo decisivo Peregrino Anselmo, um dos primeiros falsos-9 da história e autor de dois golos na meia-final com a Jugoslávia. Hector Castro, que tinha perdido o braço esquerdo aos 13 anos num acidente com uma serra elétrica, entra no seu lugar.

    Aos 12 minutos, Pablo Dorado faz o primeiro golo ao fazer passar a bola por entre as pernas do guarda-redes Botasso. Aos 20, Carlos Peucelle empata, ao corresponder com um remate fortíssimo ao passe de Varallo. Dezassete minutos depois, a Argentina passa para a frente, por intermédio de El Infiltrador Guillermo Stábile, em aparente posição de fora de jogo não sancionada pelo árbitro belga John Langenus. Os uruguaios voltam à carga no segundo tempo e Pedro Cea assina o empate aos 57 minutos. Sente-se que o título pode cair para qualquer dos lados e os argentinos parecem ter um trio ofensivo mais poderoso, com Peucelle, Evaristo e Stábile. Contudo, um remate espantoso de Santos Iriarte a 30 metros da baliza bate Botasso pela terceira vez, aos 68 minutos. Stábile ainda deixa na trave, pouco tempo depois, o que pode ser novo empate e surge então o herói improvável Hector Castro, que apenas tinha jogado no encontro de abertura, a garantir o triunfo, de cabeça, após cruzamento de Dorado.

    El Gran Mariscal ("O grande xerife") José Nasazzi garante o direito de levantar a Jules Rimet pela primeira vez. Mas apenas em teoria. Os fragmentos de filme e as poucas fotografias do momento que resistem ao tempo mostram os uruguaios a fazer a volta de honra com um troféu de prata nas mãos, mas não com o galardão desenhado por Abel Lafleur e transportado pelo presidente da FIFA no Conte Verde até Montevideu. A Taça aparece em fotos na companhia de Rimet e do presidente da federação uruguaia Raul Jude num banquete a 6 de julho, contudo depois desaparece de vista, aparentemente guardada num cofre do Banco República, na capital, até ser novamente fotografada durante a viagem de regresso à Europa.

    Não há taça ou sequer medalhas para vencedores e vencidos. O gesto de atribuição de recordações de ouro e prata, além de uma pequena placa de bronze destinada à federação local, é aprovado quatro anos antes no congresso de Budapeste, mas só são recebidas pelos jogadores quase quatro meses depois da final, a 11 de novembro, numa cerimónia organizada pela associação charrúa. Provavelmente, consequência de uma organização inexperiente e apressada.

    Resultados

    Uruguai, de 13 a 30 de julho de 1930

    Vencedor: Uruguai (1.º título)

    Finalista vencido: Argentina

    3.º lugar: Estados Unidos e Jugoslávia

    Grupo A

    13/07

    Estádio Pocitos (Montevideu)

    Árbitro: Domingo Lombardi (Uruguai)

    França-México, 4-1

    (Lucien Laurent, 19; Marcel Langiller, 40; Andre Maschinot, 43 e 87)

    (Juan Carreno, 70)

    15/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: Almeida Rêgo (Brasil)

    Argentina-França, 1-0

    (Luis Monti, 81)

    16/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: Henri Christophe (Bélgica)

    Chile-México, 3-0

    (Carlos Vidal, 3 e 65; Manuel Rosas, 52 pb)

    19/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: Anibal Tejada (Uruguai)

    Chile-França, 1-0

    (Guillermo Subiabre, 65)

    19/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: Ulises Saucedo (Bolívia)

    Argentina-México, 6-3

    (Guillermo Stábile, 8, 17 e 80; Adolfo Zumelzú, 12 e 55; Francisco Varallo, 53)

    (Manuel Rosas, 42 gp e 65; Roberto Gayón, 75)

    22/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: John Langenus (Bélgica)

    Argentina-Chile, 3-1

    (Guillermo Stábile, 12 e 13; Mario Evaristo, 51)

    (Guillermo Subiabre, 15)

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    Grupo B

    14/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: Anibal Tejada (Uruguai)

    Jugoslávia-Brasil, 2-1

    (Aleksandar Tirnanic, 21; Ivica Bek, 30)

    (Preguinho, 61)

    17/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: Francisco Mateucci (Uruguai)

    Jugoslávia-Bolívia, 4-0

    (Ivica Bek, 60 e 67; Blagoje Marjanovic, 65; Djordje Vujadinovic, 85)

    20/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: Thomas Balvay (França)

    Brasil-Bolívia, 4-0

    (Moderato Wisintainer, 37 e 73; Preguinho, 67 e 83)

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    Grupo C

    14/07

    Estádio Pocitos (Montevideu)

    Árbitro: Alberto Warnken (Chile)

    Roménia-Peru, 3-1

    (Adalbert Desu, 1; Constantin Stanciu, 79; Nicolae Kovacs, 89)

    (Luis Souza, 75)

    18/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: John Langenus (Bélgica)

    Uruguai-Peru, 1-0

    (Hector Castro, 60)

    21/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: Almeida Rêgo (Brasil)

    Uruguai-Roménia, 4-0

    (Pablo Dorado, 7; Hector Scarone, 24; Juan Anselmo, 30; Pedro Cea, 35)

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    Grupo D

    13/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: José Macías (Argentina)

    Estados Unidos-Bélgica, 3-0

    (Bart McGhee, 23; Tom Florie, 45; Bert Patenaude, 69)

    17/07

    Parque Central (Montevideu)

    Árbitro: José Macías (Argentina)

    Estados Unidos-Paraguai, 3-0

    (Bert Patenaude, 10, 15 e 50)

    20/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: Ricardo Vallarino (Uruguai)

    Paraguai-Bélgica, 1-0

    (Luis Vargas Peña, 40)

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    Meias-Finais

    26/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: John Langenus (Bélgica)

    Argentina-Estados Unidos, 6-1

    (Luis Monti, 20; Alejandro Scopelli, 56; Guillermo Stábile, 69 e 87; Carlos Peucelle, 80 e 85)

    (Jim Brown, 89)

    27/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: Almeida Rêgo (Brasil)

    Uruguai-Jugoslávia, 6-1

    (José Pedro Cea, 18, 67 e 72; Juan Anselmo, 20 e 31; Victoriano Iriarte, 61)

    (Djordje Vujadinovic, 4)

    Final

    30/07

    Estádio Centenário (Montevideu)

    Árbitro: John Langenus (Bélgica)

    Uruguai-Argentina, 4-2

    (Pablo Dorado, 12; Pedro Cea, 57; Victoriano Iriarte, 68; Hector Castro, 89)

    (Carlos Peucelle, 20; Guillermo Stábile, 37)

    Ficha da Final

    URUGUAI | Ballestero; Mascheroni e Nasazzi (c); Andrade, Fernández e Gestido; Dorado, Scarone, Castro, Cea e Iriarte

    ARGENTINA | Botasso; Della Torre e Paternoster; J. Evaristo, Monti e Arico Suárez; Peucelle, Varallo, Stábile, Ferreira (c) e M. Evaristo

    Marcadores

    8 GOLOS | Guillermo Stábile (Argentina)

    5 GOLOS | Cea (Uruguai)

    4 GOLOS | Patenaude (Estados Unidos)

    3 GOLOS | Peucelle (Argentina), Preguinho (Brasil), Beck (Jugoslávia) e Anselmo (Uruguai)

    2 GOLOS | Monti e Zumelzú (Argentina), Moderato (Brasil), Vidal (Chile), Maschinot (França), Vujadinovic (Jugoslávia), M. Rosas (México), Castro, Dorado e Iriarte (Uruguai), e Subiabre (Chile)

    1 GOLO | M. Evaristo, Scopelli e Varallo (Argentina), Langiller e L. Laurent (França), Marjanovic e Tirnanic (Jugoslávia), Carreño e Gayón (México), Peña (Paraguai), Souza (Peru), Desu, Stanciu e Kovacs (Roménia), Scarone (Uruguai) e Brown, Florie e McGhee (Estados Unidos)

    AUTOGOLOS (1) | M. Rosas (México)

    2. Itália 1934 — A Menina dos Olhos do Fascismo

    Campeão: Itália (1)

    Finalista vencido: Checoslováquia

    Total: 70 golos (média 4,12)

    Melhor ataque: Itália, 12 golos

    46 jogadores e todas as equipas marcam

    Mussolini, Futebol e Propaganda

    A tensão política na Europa cresce a olhos vistos. A crise que resulta da Primeira Grande Guerra provoca em Itália grande instabilidade política, elevada taxa de desemprego, greves em massa, manifestações da classe operária, ocupação de fábricas por sindicalistas, coletivização das terras e ações de guerrilha de milícias de extrema-direita e de extrema-esquerda. É um período de intenso conflito social que se estende por dois anos, o biennio rosso, e que dá força ao movimento fascista, nascido em parte como resposta à Revolução Russa de 1917 e às ideias liberais-democráticas que surgem após o primeiro conflito armado à escala planetária.

    A agressiva reação fascista à convulsão social culmina, no dia 28 de outubro de 1922, com a Marcia su Roma (Marcha sobre Roma) por parte de dezenas de milhar de camisas negras, liderados por Benito Mussolini, que reivindicam a liderança do país. Pressionado, o rei Manuel III declara então a transferência do poder para o Partido Nacional Fascista (PNF) e para o novo chefe de governo Mussolini, e o fim da democracia liberal, sem necessidade de derrame de sangue.

    Ainda mais radical do que o fascismo italiano é o nacional-socialismo alemão, que dispara exponencialmente após a derrota na Primeira Grande Guerra. Os conflitos sociais surgem logo em 1918, com várias revoltas a pedir o cessar-fogo e um novo governo. O comunismo vai igualmente aproximar-se do poder em 1919, o que obriga os governantes a olhar para dentro e a abdicar da guerra, com um acordo de paz desfavorável, já inclinada para o lado dos Aliados com a entrada dos Estados Unidos. Banqueiros e empresários veem então no nazismo a salvação e a oposição às políticas de esquerda, e financiam um partido que se torna cada vez mais poderoso.

    Para consolidar a sua ascensão (e o seu programa, assente também na superioridade racial), Adolf Hitler vê-se obrigado a explicar a derrota ariana na Primeira Grande Guerra com uma conspiração internacional judaica e inicia a perseguição aos judeus logo após tomar o poder, em 1933. Primeiro são os semitas comunistas, o que lhe permite eliminar a oposição, perseguir e assassinar os líderes sindicais e reforçar o totalitarismo. A perseguição ganha posteriormente contornos de limpeza étnica e genocídio, e também se alimenta a crença de que a Alemanha tem direito a expandir fronteiras, o que resulta na Segunda Grande Guerra seis anos depois.

    É nesta conjuntura que se realiza o segundo Campeonato do Mundo, precisamente na Itália de Benito Mussolini. O fascismo apropria-se de toda a estrutura desportiva italiana, do campeonato de futebol às organizações da juventude, enquanto cria condições para a expansão de jornais sintonizados com a doutrina e faz crescer a rádio para amplificar a propaganda. Il Duce vê o futebol como veículo de glorificação do regime, símbolo patriótico da sua superioridade, e não poupa esforços: constroem-se estádios de raiz em Roma, Turim, Florença e Milão. A squadra azzurra não pode comprometer e está obrigada a vencer em casa, tal como o Uruguai tinha conseguido fazer quatro anos antes.

    Dezasseis equipas (12 europeias, três sul-americanas e o Egito, a primeira africana) viajam para a fase final, disputada no sistema de eliminatórias, depois de uma qualificação em que participam 32 seleções nacionais.

    O campeão em título Uruguai decide ficar em casa, em jeito de vingança pela recusa por parte da maior parte dos países europeus em participar no seu torneio. E o boicote britânico continua. Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales dão preferência ao ancestral British Home Championship, com o Reino Unido na linha da frente da batalha entre amadorismo e profissionalismo.

    O Campeonato do Mundo de Itália é o primeiro a ser acompanhado pela rádio, embora não tenha praticamente cobertura no Reino Unido, focado no seu próprio torneio, que os britânicos, inventores do jogo, consideram o verdadeiro Mundial. Por culpa da excessiva propaganda fascista, também em França o torneio é novamente incapaz de gerar grande interesse.

    Depois de, quatro anos antes, todos os jogos serem disputados na capital Montevideu, em Itália a competição distribui-se por Roma, Nápoles, Milão, Turim, Florença, Bolonha, Génova e Trieste. É decidido que os encontros passam a ter prolongamento quando empatados ao fim de 90 minutos, e há direito a repetição caso se verifique nova igualdade no final desse período. A primeira partida a precisar de meia-hora extra é o Áustria-França (1-1), com a Wunderteam de Meisl a levar a melhor no prolongamento por 3-2.

    O italiano Angelo Schiavo, avançado que passa toda a carreira ao serviço do clube da terra Bolonha, torna-se o primeiro europeu a marcar um hat-trick, precisamente no triunfo dos transalpinos no jogo de abertura diante dos Estados Unidos (7-1).

    A Espantosa Wunderteam

    O futebol total nasce, por muito que ainda possa parecer estranho, na Áustria da década de 30. É o jogo apoiado de passes curtos da Wunderteam que inspira a Hungria de vinte anos depois, a Holanda da década de 70 e ainda a Espanha de 2008 a 2012, curiosamente a única entre estas que sai vitoriosa de um grande torneio. O pico da grande Áustria surge dois anos antes do Campeonato do Mundo de 1934, embora mesmo assim ainda consiga atingir as meias-finais — ao fim de uma série de 101 golos marcados em 21 jogos ao longo de três anos —, nas quais tem pela frente a Itália que tinha derrotado em fevereiro, em Turim, por 4-2, em jogo da Dr. Gerö Cup. É esse o último obstáculo que separa a Áustria da final do Mundial. E, provavelmente, da consagração.

    A história do futebol austríaco remonta a finais do século XIX e à expansão do comércio britânico pelo restante continente europeu, com a famosa bola de couro a acompanhar sempre de perto os homens do ofício. O povo austríaco toma o gosto ao jogo e, cinco anos após o primeiro encontro entre dois onzes de Viena, em 1894, chega a primeira equipa inglesa em digressão à Westbahnhof, a concorrida estação de caminho de ferro no lado oeste da capital. O Oxford United arrasa um combinado vienense por 15-0 no domingo de Páscoa de 1899 e, no dia seguinte, novo encontro volta a ser favorável aos britânicos por… 13-0. Um ano depois, é o já profissional Southampton que toma o mesmo caminho, embora desta vez com um resultado ligeiramente mais simpático: 0-6.

    A visita que, contudo, mais influencia os austríacos e, por arrasto, a Escola do Danúbio é aquela protagonizada pelo Rangers em 1905. Os escoceses goleiam, o que não é novidade, mas desta vez fazem-no com estilo e é à sua imagem que o jogo local se molda. Em troca do legado deixado, Glasgow torna-se a nova casa do jovem guarda-redes Karl Pekarna, a quem é oferecido um contrato e acompanha os escoceses na despedida, depois de brilhar entre os postes.

    1926 é o ano da estreia de Matthias Sindelar na seleção, às ordens do carismático Hugo Meisl, selecionador há sete anos. O magro e esguio avançado-centro, a quem carinhosamente chamam Homem de Papel, é o representante perfeito do estilo austríaco — o triunfo da mente sobre o físico, da inteligência sobre a força — e corresponde com um golo na vitória sobre a Checoslováquia em Praga (1-2). Depois bisa na demolição da Suíça por 7-1 e assina outro remate certeiro diante da Suécia. Não pode ter melhor arranque. Só que Meisl hesita surpreendentemente e dá um passo atrás, ao apostar no avançado-centro bem mais físico Josef Uridil para os encontros seguintes. Durante o resto da década, Sindelar tem de habituar-se a um papel secundário e, por vezes, inexistente. É apenas durante uma quebra nos resultados, com escassos dois triunfos em sete partidas, que Der Papierene volta à ação, em 1931, precisamente com a visita da Escócia a Viena. Sindelar volta a marcar — é o seu primeiro golo internacional desde 1926 —, mas mais importante para o seu futuro e o da equipa é a vitória estrondosa por 5-0, que assinala o nascimento da Wunderteam, a equipa-maravilha.

    Sindelar é aquilo a que hoje se chama de falso-9. Recua do ataque do então habitual 2x3x5 para organizar as jogadas, com visão de jogo e um manancial incrível de truques, mudanças de direção e de velocidade, não perdendo nunca o discernimento necessário para conseguir ser letal quando pisa a área. Marca 16 golos em outros tantos encontros, com a Áustria a atravessar uma série impressionante: 6-0 à Alemanha em Berlim, depois 5-0 em casa; 8-1 à Suíça em Basileia; 2-1 à Itália em Viena; 8-2 como anfitriã da Hungria; 3-4 na Suécia…

    Em dezembro de 1932, no auge da sua forma, a Wunderteam torna-se a terceira seleção convidada a jogar em Inglaterra, depois de a Bélgica perder por 6-1 em Highbury em 1923 e por 4-0 no ano seguinte nos Hawthorns, em West Bromwich, e a Espanha ser goleada por 7-1 também no estádio do Arsenal, em 1931. Meisl pede ao velho amigo inglês Jimmy Hogan, ele próprio pioneiro da expansão do estilo escocês pelas margens do Danúbio, para assistir ao encontro de Stamford Bridge, em Londres. A Inglaterra chega rapidamente a uma vantagem de dois golos, na sequência de um bis de Jimmy Hampson e, apesar da resposta dos austríacos no segundo tempo, com Sindelar a marcar e a assistir, vence mesmo por 4-3. Para os britânicos, o resultado é o triunfo do físico sobre a técnica e uma lição objetiva sobre as limitações do passing game. Vinte e um anos depois, os ingleses receberão a mesma lição, mas ao contrário, por parte da Hungria. No que diz respeito à Áustria, o 6-1 seguinte à Bélgica faz rapidamente esquecer o contratempo.

    Der Papierene é o maestro, mas não joga sozinho. Josef Smistik tem papel preponderante como central (o termo correto é centre-half, uma vez que os marcadores dos avançados adversários no 2x3x5 fazem parte do trio do meio-campo), Josef Bican, apenas com 20 anos em Itália, vai ser um dos maiores goleadores de todos os tempos, Johann Horvath é um espantoso interior esquerdo e Rudi Hiden um guarda-redes bastante competente. A Áustria parece ter passado o seu pico de forma, mas mesmo assim ainda vence a Itália em Turim por 4-2, na Suíça por 3-2, e a Hungria e a Bulgária respetivamente por 5-2 e 6-1 na antecâmara do Campeonato do Mundo. No entanto, no torneio, os triunfos são bem mais sofridos: 3-2 no prolongamento diante da França e 2-1 numa batalha intensa em Bolonha com a Hungria, com Horvath e Karl Zischek a marcarem os golos decisivos.

    Vittorio Pozzo, um dos primeiros adeptos da marcação individual, transforma a Itália numa máquina de combate e encontra no oriundo Luisito Monti o homem perfeito para o papel mais importante do metodo, o de não deixar o adversário jogar. O finalista de 1930 pela Argentina é um forte e impiedoso defensor, que também sabe ler o jogo e passar a bola com qualidade, e é-lhe entregue a missão de tirar Sindelar da partida, o que cumpre com um rigor inatacável.

    É a arte de defender contra a de atacar, atletas contra estetas e, desta vez, a vitória sorri à fisicalidade. A Wunderteam perde a única oportunidade que tem para atingir a glória suprema, num percurso mais uma vez muito semelhante ao da Hungria e também ao da Holanda, muitos anos depois, já que a final de 1978 é atingida sem Johan Cruijff. O jogo decisivo dos Jogos Olímpicos de 1936, que perde novamente para a Itália, é o canto do cisne de uma das mais apaixonantes equipas da história. Felizmente, o futebol costuma lembrar também os seus mais brilhantes perdedores.

    Il Metodo Pozzo

    Vittorio Pozzo é nomeado três vezes treinador principal da seleção italiana, a última de forma definitiva e com o sucesso que hoje se lhe reconhece. É o único selecionador bicampeão mundial na história.

    Na altura do derradeiro envolvimento do técnico com a Nazionale, já existe uma liga profissional e o regime fascista não só reconhece a utilidade do desporto enquanto instrumento de propaganda como está disposto a investir fortemente em estádios e infraestruturas. Pozzo aproveita o entusiasmo, mas decide ficar à margem das questões políticas, nunca declarando o apoio ou oposição às ideias fascistas.

    Em campo, tal como aconteceu na Argentina e no Uruguai, o comum 2x3x5 é desmontado para garantir mais gente no meio-campo, ao recuarem-se os avançados interiores. No entanto, se os sul-americanos o fazem para dar mais espaço aos elementos criativos, Pozzo pensa sobretudo na estabilidade defensiva quando divide as suas linhas num 2x3x2x3, ou mais concretamente num WW. O miolo torna-se compacto, a fim de proteger a defesa e lançar contra-ataques fulminantes, muitas vezes com longos passes para os flancos.

    Ex-militar, o selecionador impõe ainda uma fortíssima disciplina de trabalho e exclui jogadores mais problemáticos ou com comportamentos menos profissionais, como, por exemplo, fumadores. Vittorio Pozzo dá fortes cargas físicas aos futebolistas e preocupa-se muito com o seu estado emocional, ao ponto de assobiar canções associadas a histórias de resistência das tropas italianas, como na Batalha de Piave, na Primeira Grande Guerra, em que estas fazem frente ao avanço das tropas alemãs e austro-húngaras.

    O Peso dos Oriundi

    Com Giuseppe Meazza, Giovanni Ferrari e Angelo Schiavo já como principais figuras, o selecionador não olha a meios para fortalecer a squadra também com oriundi, estrangeiros com ascendência transalpina.

    Tanto a ideologia professada por Pozzo como a que carrega Benito Mussolini ao poder assentam no triunfo do coletivo sobre o indivíduo. Il Duce começa por tentar formatar o desporto à imagem do fascismo em 1926 com a Carta di Viareggio, que proíbe as equipas de terem mais do que dois estrangeiros nos respetivos planteis, ao mesmo tempo que reconhece, pela primeira vez, o futebol enquanto profissão, cerrando definitivamente a cortina sobre o amadorismo, há muito colocado em causa no país.

    O conceito estrangeiro é, no entanto, deixado algo vago. A maior parte dos jogadores não italianos no calcio é de origem húngara ou austríaca, agora inelegíveis. É necessário encontrar mais italianos, como aqueles que emigraram durante a diáspora, sobretudo no início do século XX, desde o sul de Itália para Argentina e Brasil.

    Só o país das Pampas recebe ao longo de várias décadas perto de três milhões de italianos. Cerca de 53% da população do distrito de La Boca em Buenos Aires é de origem transalpina, sobretudo de Génova. O Boca Juniors é inclusive fundado por cinco italianos — Esteban Baglietto, o primeiro presidente, Santiago Scarpatti, Santiago Sana e os irmãos Juan e Teodoro Farenga —, ex-jogadores da equipa local Independencia Sud, no dia 1 de abril de 1905. Depois dos nomes Hijos de Italia e Estrellas de Boca

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