Copa Do Mundo Do Outro Lado Da Telinha
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Copa Do Mundo Do Outro Lado Da Telinha - Joaquim B. De Souza
1962 – Copa do Mundo no Chile
A Copa do Mundo de Futebol, no Chile, em 1962, aconteceu no período de 30 de maio a 17 de junho, com a participação de 16 seleções: Alemanha, Argentina, Brasil, Bulgária; Chile, Colômbia; Espanha, Hungria, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Ocidental, Suíça, Tchecoslováquia, União Soviética, Uruguai³. O Brasil com Pelé e Garrincha se consagrou campeão, conquistando o bicampeonato.
Elenco da Seleção Brasileira de 1962
Goleiros:
Gilmar e Castilho;
Laterais direitos:
Djalma Santos e Jair Marinho;
Zagueiros:
Mauro, Bellini, Zózimo e Jurandir;
Laterais esquerdos:
Nilton Santos e Altair;
Volantes:
Zito;
Meias:
Didi, Zequinha e Mengálvio;
Atacantes:
Garrincha, Zagallo, Vavá, Pelé, Jair da Costa, Coutinho, Amarildo e Pepe.
Técnico:
Aymoré Moreira⁴.
Para acompanhar a Copa do Mundo de 1962, meu pai comprou um rádio Semp. Foi um evento e tanto aquela aquisição. Quando ele, com ajuda de meus irmãos mais velhos, instalavam a antena no beiral da casa, vizinhos curiosos se plantaram nos portões de suas cercas para entenderem o que estava acontecendo. Eu fiquei sentado na caixa d’água do terreirão de café observando tudo. Não ajudei numa palha! Num zás-traz os vizinhos mandaram seus fedelhos especularem. Embora, fossem meus colegas na mesma idade, chegaram com as caras desenxabidas, disfarçando o pretexto.
A notícia correu a Araripa de que seu
José comprara um rádio para assistir a copa. O intuito era, de fato, para que todos acompanhassem os jogos em casa. À noite, os vizinhos mais próximos vieram fazer uma visita disfarçadamente com o intuito de saberem das novidades. Meu pai ouvia orgulhoso, as notícias no rádio, umas boas e outras inacreditáveis pela crueldade, como a ordem do governador Carlos Lacerda, de mandar eliminar mendigos visando a limpeza da cidade
⁵.
Claro, meu pai convidou a todos a virem também nos dias de jogos do Brasil, ouvir os jogos da seleção e torcer pelos brasileiros. O grifo na palavra brasileiros
é devido o bairro ser tomado por famílias descendentes de italianas, cerca de 90%.
O rádio seria a partir de então um novo canal de informação e, ainda que insipiente para aqueles matutos, iria estimular debates, gerar novas fontes de conhecimento. Pois, a notícia chegava de qualquer canto do mundo. Revelou-se um influente aparelho de propaganda política. A Igreja augusta até aquele momento, por intermédio de suas doutrinas nas vozes de padres, cônegos e bispos, aufere uma forte concorrência: a opinião díspar de radialistas. Nunca até então em casa houve um material de ideias que não fosse o da Igreja Católica: revistas, panfletos, etc. Meu pai, por exemplo, era um assíduo Congregado Mariano. Minha mãe, do grupo Apostolado de Oração. Neste instante, vozes de radialistas de todos os cantos do país, quiçá do mundo, saíam daquela caixinha mágica. Uma nova era se iniciava na casa de seu
José, a era do rádio.
Através do rádio foi possível a família descobrir os conflitos políticos que o Brasil vivenciava, na época. Por exemplo, as motivações da renúncia de Jânio Quadros (PTN) à Presidência da República, em 1961. Das dificuldades do vice-presidente, João Goulart (PTB), assumir o comando do Brasil. Grupos conservadores formados pela elite brasileira, Igreja e Forças Armadas não aceitavam Jango, devido às suas ideologias políticas de esquerda. Até chegaram a dar posse ao presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli (PSD)⁶, contudo, setores sociais e políticos ligados a João Goulart, como o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, iniciaram um movimento de resistência e a tentativa de golpe foi exaurida. O instituto da democracia suplantou os golpistas. Mas, o país vivia em estado de insegurança, porque Jango tinha relações com a China e Cuba, o que levava os Estados Unidos se oporem a posse de João Goulart. Apesar desses conflitos generalizados, o Brasil armou uma seleção forte, com os principais craques da época, incluindo Pelé⁷ e Garrincha⁸.
Nesses dias fazia muito frio, embora estivéssemos no outono. Ficávamos de agasalho o dia todo, pois o frio era intenso. Meus pais e meus irmãos mais velhos, que já estavam à frente dos negócios da roça, temiam por uma forte geada que, certamente, se acontecesse iria destruir as lavouras de café. Eles aguardavam ansiosos uma grande floração a partir de setembro. Os cafezais era a maior fonte de subsistência, na época, como também a principal economia do país. Devido ao frio descomunal, minha mãe repetia todas as noites:
— Dormem com as roupas de flanelas. Não quero ver ninguém resfriado! — Ela mesma fazia essas peças de roupa em sua máquina de costura. A máquina me parecia um tanto surrada, mas era dali que saíam as peças de roupas para todos da família. As entretelas de tecidos de flanela eram compradas nas Casas Buri ou Lojas Riachuelo.
Uma tia, irmã de minha mãe, que morava noutra casa ao lado com sua família, no mesmo sítio, às vezes, ficava responsável por nós, ainda miúdos. Ela era uma senhora idosa, mas bem humorada e supersticiosa, ficava em casa enquanto os adultos iam às novenas de Nossa Senhora de Fátima, no mês de maio, que acontecia naquele rincão entre as famílias. Cada dia o terço era num vizinho.
— Cuidem bem de sua tia! — diziam os adultos de casa.
— Cuidem bem desses meninos! — diziam os adultos da casa dela.
Ela mandava a gente subir na taipa do fogão à lenha para nos aquecer do frio. O frio da casa mal rejuntada e sem forro, em contraste com a temperatura do fogão, trincava a pele de nossas canelas. Mas, criança sabe como é, faz algazarra e importuna os adultos. Para nos fazer silenciar, quietar-se, ela fingia assoviar como ventríloquo nos amedrontando:
— Ouviram? É o saci pererê! Não, Não! É a mula-sem-cabeça! — depois disso ninguém se atrevia dar um pio. As crianças acreditavam nessas bobagens.
Na época, eu tinha sete anos e logo deveria estudar na escola primária, na estrada Caraná. Era uma escola multisseriada e distava cerca de três quilômetros de casa. Os colegas do rincão que já estudavam lá estavam empolgados com a Copa do Mundo daquele ano. Não falava noutra coisa, até o professor deles se aborrecia e ameaçava um corretivo se não fizessem silêncio. Eles mesmos contavam quando nos encontrávamos. O professor, diziam, é um primarião!
Eu pouco compreendia de futebol, apenas aquelas peladas nos terreirões de café, com meus irmãos, ou no campinho improvisado na invernada, com os amigos do rincão Araripa. Ali mesmo no pasto com as traves de bambus, entre os montes de estrumes de gado, divertíamos nos finais de semana. A Copa do Mundo mexia com os nervos dos adultos, e contagiava as crianças. Sempre que um pirralho marcava o gol, gritava: gol de Pelé
!
Nos dias de jogos da Copa do Mundo víamos a casa encher com os rapazes da vizinhança que vinham torcer para o Brasil. Minha mãe se incomodava um pouco com o barulho na sala. A rapaziada se sentia à vontade, e entre batucadas e palavrões, aquelas tardinhas e o anoitecer eram barulhentas. Apesar da empolgação, ninguém podia beber cachaça ou rabo-de-galo⁹, ou fumar na sala¹⁰. Meu pai não aceitava esse tipo de extravagância, como ele mesmo dizia. O rapazio numa tagarelice que dava medo àqueles que escutavam de longe. Eu espiava a barulheira, mas sem me enxerir.
No dia 30 de maio, às 16h00min, o Brasil estreou na copa contra o México, o 20º no ranking da FIFA, e venceu por 2 x 0. Os gols foram assinalados por Zagallo e Pelé. Na casa de meus pais, os rapazes da vizinhança ainda estavam com suas roupas da roça, suados, uns deixaram a enxada do lado de fora do alpendre, suas botijas e chapéus. Tudo para não perder um minuto da partida. O único que chegou atrasado foi o Chaveiro, o rapaz do lote de cima, ele cuidava de sua mãe cheia de problemas de saúde e principalmente, mental. A alcunha se deu devido ele portar um volumoso molho de chaves à cintura, de todas as portas, para evitar que a mãe se trancasse inadvertidamente.
No dia 2 de maio, às 16h00min, o jogo entre Brasil e Tchecoslováquia, a 38ª no ranking da FIFA, não