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Uma História das Copas do Mundo - volume 1
Uma História das Copas do Mundo - volume 1
Uma História das Copas do Mundo - volume 1
E-book749 páginas8 horas

Uma História das Copas do Mundo - volume 1

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Sobre este e-book

Para conhecer o futebol. Para conhecer a História. Para conhecer o mundo. Em Uma História das Copas do Mundo – futebol e sociedades, Airton de Farias faz uma apaixonante análise da trajetória do esporte mais popular do planeta e suas conexões com diversas sociedades e processos históricos.“Nunca foi feito nada igual no Brasil”, escreve Juca Kfouri, em sua apresentação do livro Uma História das Copas do Mundo – futebol e sociedade, de autoria do historiador Airton de Farias, a ser lançado em abril pela editora Armazém da Cultura. O texto, em mais de mil páginas, editado em 2 volumes, aborda a contextualização política do mundo pré-Copa, de 1930, ano da primeira Copa, até hoje, quando chegamos à vigésima, insere e relaciona o esporte mais popular do planeta na vida e na política com grandes fatos e processos históricos do final do século XIX, XX e início do XXI. Em nome da bola fez-se guerras, como entre Honduras e El Salvador, em 1969. Em nome da bola, torcidas digladiar-se-iam. Em nome da bola, a paz aconteceu. Com a bola, o neonazismo se expande na Europa, aproveitando-se da crise que o mundo capitalista vive desde 2007. Em nome da bola, povos se confraternizaram, a ponto de inimigos irreconciliáveis, a exemplo de Irã e Estados Unidos, darem-se as mãos dentro de campo e ficarem lado a lado, como se fossem velhos companheiros em divertido jogo de várzea no final da tarde. Com a bola, um indiozinho argentino (Maradona) venceu um gigante inglês, vingando toda uma nação que perdera uma ilha numa guerra delirante estimulada por uma ditadura sanguinária. São relatos do autor Airton de Farias, fundamentados em pesquisa de dois anos e meio com inúmeras fontes e matérias que respaldam e conferem absoluta credibilidade ao livro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de jul. de 2021
ISBN9788584920112
Uma História das Copas do Mundo - volume 1
Autor

Airton de Farias

José Airton de Farias nasceu em Santana do Acaraú-CE, em 1973. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), é, também, Mestre em História Social pela mesma UFC. Atualmente é doutor em História pela Universidade Vale do Cariri/Universidade Federal Fluminense. Exerce a profissão de professor há mais de 20 anos, ministrando aula em diversos colégios e faculdades do estado. Já escreveu 30 livros sobre os mais diversos temas, abrangendo biografias, ensaios e esporte.

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    Uma História das Copas do Mundo - volume 1 - Airton de Farias

    capa.jpg

    Copyright ©2014 by Armazém da Cultura


    Editora

    Albanisa Lúcia Dummar Pontes

    Secretária Administradora

    Telma Regina Beserra de Moura

    Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica

    Francisco Oliveira

    Rudsonn Duarte

    Suzana Paz

    Foto de capa

    Alessandro Puccinelli

    Assessora de Comunicação

    Mariana Dummar Pontes

    Revisão

    Carlos Augusto Ribeiro Neto

    Paulo Bentancur

    Revisão final

    Vessillo Monte

    (Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema,sem prévio consentimento da editora)

    TEXTO ESTABELECIDO CONFORME O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


    Farias, Airton de

    Uma história das Copas do Mundo : futebol e

    sociedade, volume 1 / Airton de Farias ;

    ilustrações Daniel Brandão. -- Fortaleza :

    Armazém da Cultura, 2014.

    ISBN: 978-85-63171-92-4

    1. Copa do Mundo (Futebol) 2. Copa do Mundo

    (Futebol) - História 3. Política - História

    I. Farias, Airton de. II. Título.

    14-03734                                                                                         CDD-796.334668


    Índices para catálogo sistemático:

    1. Copa do Mundo : Futebol : História

    mq1

    Todos os direitos desta edição reservados ao Armazém da Cultura

    Rua Jorge da Rocha, 154 – Aldeota

    Fortaleza – Ceará – Brasil

    CEP: 60150.080

    Fone/Fax: (85) 3224.9780

    Skype: armazem.da.cultura

    Site: www.armazemcultura.com.br

    E-mail: armazemdacultura@armazemcultura.com.br

    capa.jpg

    Bem aventurados os que não entendem

    nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.

    Carlos Drummond de Andrade, in Sermão da Planície

    Para Marília, moça de livros, sonhos e lutas

    SUMÁRIO

    Apresentação

    Prefácio

    Capítulo 1 - As Origens do Futebol

    Além da bola

    A difícil padronização

    Religião leiga

    Pelo mundo

    Bola e guerra

    Capítulo 2 - Primórdios do Futebol no Brasil

    O Pai do Futebol

    Na capital

    Um evento social e civilizado

    A popularização do futebol

    Semiprofissionalismo

    Racismo

    Cariocas versus Paulistas

    Seleção Brasileira

    Capítulo 3- A Copa do Mundo no Uruguai, em 1930

    A criação da Copa

    Os preparativos

    E no Brasil

    A bola rola

    As finais

    Capítulo 4 - A Copa do Mundo da Itália, 1934

    Futebol e fascismo

    O Brasil de Vargas e futebol

    Em campo

    O triunfo da força

    Capítulo 5 - A Copa do Mundo na França , em 1938

    Futebol e nazismo

    Preparativos

    Brasil: enfim, uma seleção forte

    Bola em gramados franceses

    A força italiana novamente

    Capítulo 6 - A década sem copa

    A II Guerra Mundial

    A bola (quase) para

    O Brasil e as rivalidades sul-americanas

    O futebol no Brasil nos anos 40

    Capítulo 7 - A Copa do Mundo no Brasil, em 1950

    Agora é Brasil

    Eliminatórias

    O otimismo brasileiro

    Sob o sol dos trópicos

    Quadrangular final

    Maracanaço

    Capítulo 8 - A Copa do Mundo na Suiça, em 1954

    Os magiares mágicos

    Uma copa neutra

    Um novo Brasil

    Fórmula confusa

    A batalha de Berna

    O milagre de Berna

    Capítulo 9 - A Copa do Mundo na Suécia, em 1958

    Stalinismo e futebol

    A geração de ouro do Brasil

    Eliminatórias para a Suécia

    Brasil contra a União Soviética

    Rumo ao título

    O mundo é do Brasil

    Capítulo 10- A Copa do Mundo no Chile, em1962

    Mitos chilenos?

    Favorito para o bi

    Um país em crise

    Disputando uma vaga para o Chile

    Ao largo dos Andes

    A copa de Garrincha

    Polêmicas

    O mundo é novamente dos brasileiros

    Capítulo 11 - A Copa do Mundo na Inglaterra, em 1966

    Golos

    A copa dos inventores

    Desorganização

    Na terra da rainha

    A zebra é vermelha

    O choque das surpresas

    A taça fica com os donos da festa

    Capítulo 12 - A Copa do Mundo no México, em 1970

    Sob a tutela da ditadura

    As feras do Saldanha

    A guerra do futebol

    Na terra asteca

    Catenaccio

    Desafio peruano

    A Jules Rimet é do Brasil

    Tri a serviço da ditadura

    Capítulo 13- A Copa do Mundo na Alemanha Ocidental, em 1974

    Carrossel mágico

    O preço da vitória

    A sombra de

    Eliminatória para

    Germânia

    Retranca verde-amarela

    O carrossel frustra o tetra

    A Alemanha para a Holanda

    Capítulo 14- A Copa do Mundo na Argentina, em 1978

    Copa do país da guerra suja

    Eliminatórias

    Auge da militarização

    Tensão

    Perdidos

    Copa suja?

    Albiceleste campeã

    Capítulo 15 - A Copa do Mundo na Espanha, em1982

    Rebeldes da bola

    O Corinthians tem uma democracia

    Sócrates, Zico e Cia.

    Uma outra Espanha

    Azurra

    Arranjo, goleada, inovação de campo

    O Brasil encanta

    Muito além do campo

    Uma tragédia em Sarriá

    A Itália também é tri

    Capítulo 16 - A Copa do mundo no México, em 1986

    De que Planeta vieste?

    Onde será a copa?

    Eliminatórias

    De novo Telê

    Copa quente

    Demais

    Sonhando de novo

    Dramas e surpresas

    Au revoir, Brèsil

    Dios, guerra e honra

    Argentina é bicampeã

    Apresentação

    Juca Kfouri

    Jornalista e formado em Ciências Sociais pela USP

    Airton e Daniel acabam de formar uma das mais perfeitas tabelinhas da história do futebol mundial.

    Airton de Farias e Daniel Brandão, o primeiro craque da pesquisa e do texto, o segundo um ilustrador de primeira.

    Farias e Brandão, dê você o nome que quiser à dupla, nos dão o prazer de ler e ver uma goleada como nunca antes, ao menos no Brasil, havia sido produzida tendo as Copas do Mundo como tema.

    Uma História que vai além das quatro linhas do gramado, sem descuidar, ao contrário, da fantasia que as coisas da bola aprontam dentro dela.

    A contextualização política do mundo pré-Copa (quase escrevi pré-histórico, como se fosse impossível pensá-lo sem futebol...) e de 1930, ano da primeira Copa, até hoje, quando chegamos a 20a, insere o esporte mais popular do planeta na vida e na política como ele merece.

    Chute certeiro no preconceito dos que o viam como alienante e na exata medida de sua importância cultural e política, até como fator de resistência democrática.

    Ora, não serei eu a enumerar aqui os exemplos, para não tomar o seu tempo e, principalmente, o prazer da leitura ricamente ilustrada.

    Ressalte-se, ainda, apenas como conclusão deste rápido pré-jogo, a abordagem da década perdida, a década sem Copa, a de 1940, para justa inconformidade dos hermanos argentinos que tinham tudo para se consagrar bicampeões mundiais em 1942/46, com o que se igualariam aos italianos que, antes da Segunda Grande Guerra, em 1934/38, alcançaram a façanha. Depois dela, como se sabe, duas seguidas, só, nós, os brasileiros, em 1958/62.

    Mas isso é História e aqui você a encontrará muito mais bem contada por dois goleadores.

    Sim, porque esta Uma História das Copas do Mundo - Futebol e sociedade é daquelas que o apresentador gostaria de ter escrito.

    Certamente não há em língua portuguesa nada igual, porque, repita-se, é muito mais que uma história futebolística das Copas, mas uma apaixonante história política e social desde os primórdios do esporte.

    Nas mais de mil páginas em dois volumes há mais citações que os gols de Pelé, todas de boas fontes e que não atrapalham a fluidez da leitura, ao contrário, a respaldam e conferem absoluta credibilidade.

    Em resumo, o que você tem nas mãos é uma obra portentosa. Nem mais nem menos.

    PREFÁCIO

    Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida

    ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Posso

    garantir que futebol é muito, muito mais importante.

    Bill Shankly, técnico do Liverpool, da Inglaterra entre 1959-74

    Serei bem claro: este é um livro de síntese, com certo caráter didático, para aqueles que desejam dar os primeiros passos na tentativa de compreender melhor o futebol além dos gramados. Não é uma obra de estatísticas futebolísticas (embora as use também, eventualmente), nem uma obra rigorosamente factual e cronológica (nos capítulos, como o leitor perceberá, há muitas idas e vindas no bailar contraditório e instável dos anos). Também não visa realizar uma hagiografia de boleiros, ainda que fale bastante da trajetória dos jogadores, pois, como de se esperar numa obra deste tipo, os atletas são considerados atores sociais, alvos de grande atenção dentro do processo histórico. Igualmente, não tenho a intenção de focar nestas linhas causos pitorescos ou folclóricos e, muitos menos, detalhar todas as escalações, treinadores, lugares e horários das partidas das copas e o exato tempo de jogo em que aconteceram os cartões e os gols. Você está alertado, caso deseje prosseguir (se é um leitor igual a mim, que deixa para ler por último o prefácio, esse primeiro parágrafo é totalmente dispensável e sua frustração, caro leitor, é deveras compreensível...).

    E do que trata este livro, afinal?

    Sou um aficionado por futebol e, como professor há 20 anos, um apaixonado por História, igualmente. Dito isso, fica fácil perceber o objetivo principal da obra: entender a História (ou uma parte da História) da humanidade, entre o final do século XIX e o começo do século XXI, através da modalidade esportiva mais popular do planeta. Essa abordagem, creia, é algo fascinante. É incrível a quantidade de episódios históricos e conflitos, simbólicos ou não, que podem ser percebidos nas partidas de clubes e seleções, afora indicativos, características, contradições e pormenores das sociedades. Não é temerário afirmar que a História do mundo, nos últimos cento e tantos anos, passou pelos estádios de futebol.

    É uma obra, portanto, ousada (audaciosa) e, por isso mesmo, aberta a críticas. A primeira dessas, de caráter mais historiográfico, talvez se refira à pretensão do autor de querer tratar de toda a História do futebol (e do mundo!) em cerca de 1000 páginas. Aceito o reparo dos colegas historiadores. A História do futebol vai além, mas muito além destas páginas. Certamente por abarcar mais temas, peco em não aprofundá-los devidamente (embora, digo de coração, minha intenção fosse fazê-lo e busquei atingí-lo dentro do possível). Sem esquecer que vários outros temas ficaram à margem. O profissional da História sabe que, num livro, não é por acaso a escolha de um tema e o esquecimento de outros estudiosos. O Historiador, ao fazer uma pesquisa, traz, consigo, suas perspectivas ideológicas, culturais, etárias, étnicas, de gênero, etc. O pesquisador escolhe a pesquisa – mas a pesquisa também escolhe o pesquisador. Assim, saiba, amigo leitor, a História do futebol vai igualmente bastante além dos temas e abordagens aqui realizados. Este livro é apenas um leve aquecimento para quem deseja, de fato, entrar em campo...

    Há ainda o problema das interpretações. A obra não é só minha (por isso, inclusive, uso o chamado plural da modéstia). Procurei me apoiar no que havia de mais recente na produção acadêmica (teses, dissertações, monografias, artigos, etc.), tudo devidamente citado para aqueles que desejem aprofundar a leitura e os estudos. São produções dos cursos de História, Sociologia, Educação Física, Comunicação Social e áreas afins de todo o Brasil. Igualmente fiz uma leitura das obras clássicas, produzidas por memorialistas, jornalistas, biógrafos, etc. Documentos e fontes, especialmente jornais, estão discriminados ao longo dos capítulos. No final do livro há uma gigantesca lista de referências. Sei que algumas vezes tantas citações congelam a leitura, principalmente numa obra que alimenta pretensões didáticas e gerais. Mas, por honestidade intelectual e respeito ao leitor e aos colegas pesquisadores, não poderia deixar de fazer isso. Espero compreensão.

    Assim, novamente, alerto o leitor, mormente aquele que não tem maiores intimidades com as lides historiográficas, que este livro traz uma interpretação, não a interpretação. Há muito que a História abandonou a obsessão em encontrar a verdade. A História (e suas interpretações) é fruto dos embates atuais e dos desejos futuros, e das contradições entre os vários grupos sociais. Não espere neutralidade nestas páginas. Não sou o portador da verdade. Nem o quero ser. Possivelmente, muito do que está dito aqui seja passível de contestação ou provoque acalorados debates. Isso é bom. É assim que as ciências humanas avançam. A crítica e o debate são da essência mesma da História.

    Mas por qual razão um leitor se interessaria por uma obra que gasta páginas e páginas falando do extracampo e não sobre seu craque favorito ou da conquista memorável? Os livros sobre futebol encerram contradições. Muitos torcedores estão satisfeitos em compreender as táticas de seus times e os assuntos mais comuns das colunas esportivas dos jornais ou dos programas de rádio e televisão. Por outro lado (por muito tempo), o mundo acadêmico tratou com certo desdém o esporte das multidões. Quando não era visto como ópio do povo, ignorava-se quase por completo o espetáculo da bola em si. O torcedor e o acadêmico pareciam seres de dimensões antagônicas.

    Entretanto, cada vez mais estudiosos deixam de ver no futebol uma prática alienante. É óbvio, como veremos a seguir, que, sim, distintos regimes políticos, fossem ditatoriais ou democráticos, buscaram utilizar a modalidade na intenção de angariar apoios internos ou exibir prestígio internacional. Mais recentemente, dentro de um intenso processo de mercantilização, o adepto do futebol passou a ser visto apenas como um consumidor e o jogo como um lucrativo negócio. Essas perspectivas, entretanto, como normal dentro do dinamismo e diversidade das sociedades, não são absolutas. Se ditadores usaram o futebol, este igualmente serviu como estratégias de resistência e de questionamentos aos dominados. Não poucos jogadores tiveram destacados papéis políticos em seus países, questionando e expondo estruturas sociais autoritárias e viciadas. Clubes expressavam os anseios de povos por liberdades. Em estádios, multidões entoaram gritos de guerra contra governantes ou os vaiaram enfaticamente. Protestos iniciaram-se exatamente quando competições esportivas aconteciam... Alienante, como assim? Cada vez fica mais claro para os pesquisadores da área de humanas que as sociedades e suas peculiaridades e contradições passam (também) pelos estádios de futebol, mundo afora.

    Assim, questões de nossa época podem ser pensadas a partir das partidas de futebol, particularmente nas copas do mundo. A criação do próprio Mundial, por Jules Rimet, não pode ser desvinculada dos crescentes sentimentos e tensões nacionalistas que varriam o mundo, especialmente a Europa, nas primeiras décadas do século XX – e que contribuiriam para a eclosão de duas Guerras Mundiais. A seleção italiana, bicampeã em 1934 e 1938, fazia a saudação dos adeptos de Mussolini, como se fosse a materialização de um fascismo de chuteiras. Em nosso País, o futebol foi e é forte componente na formação da identidade nacional – não por acaso, ainda hoje é popular a expressão Pátria de Chuteiras e falamos, geralmente, do Brasil jogando, e não da seleção brasileira de futebol, como se a nação fosse a onzena verde e amarela. Tal componente não escapou aos interesses variados de diversos atores sociais e políticos e por vezes teve de lidar com problemas que ainda hoje incomodam a sociedade brasileira, a exemplo do racismo. O goleiro da Seleção de 50, Barbosa, que o diga. E a Alemanha que, de certo modo, se reergueu do Nazismo e da II Guerra ao conquistar o título de 1954? Não se pode desconsiderar a conquista da Taça Jules Rimet para a autoestima de um povo arrasado como aquele. Um raciocínio parecido pode ser feito para a Argentina, que após sofrer uma dolorosa derrota na Guerra das Malvinas, em 1982, acabou sendo campeã do Mundo, em 1986, superando os rivais ingleses, o que levaria à divinização de Diego Maradona.

    Em suma, este livro fala de Histórias – Histórias de vários povos/sociedades e futebol, buscando evidenciar as intercessões, influências e tensões que apresentam, particularmente nas Copas do Mundo e que, não raro, passam despercebidas por grande parte dos torcedores e analistas. E mesmo que isso não lhe desperte a atenção, posso dizer que o livro trata de futebol e ao mesmo tempo, de alguma coisa de história política. Ou, inversamente, aborda um pouco (não tão pouco) de história política e de futebol. Reúne duas paixões do autor. Sim, podemos aprender história através do futebol. E, sim, aquele jogo decisivo do campeonato tem muito a informar sobre nossas sociedades.

    Os dois volumes da obra somam 23 capítulos, cada um tratando das respectivas Copas em sequência e contando ainda com um tema transversal principal. Assim, na Copa de 1958, abordo o futebol na antiga União Soviética/Stalinismo; na Copa de 1966, falo do futebol em Portugal/Salazarismo; na Copa de 1970, trato da Ditadura Civil-Militar/Tricampeonato mundial brasileiro; e assim por diante. Há quatro capítulos que não tratam de Copas (pelo menos, não diretamente). O primeiro, quando abordo as origens do futebol; o segundo, que trata da chegada do futebol ao Brasil; o sexto, que tem como objetivo os anos 1940, a década sem Copa, devido à II Guerra; e o último, que foca nos acontecimentos que antecederam o Mundial brasileiro de 2014. Embora tenha tentado desenvolver uma linha cronológica tradicional, isso por vezes não foi cumprido rigorosamente, falando-se detemas e épocas soltas onde melhor se encaixassem, dentro do desenrolar das Copas e jogos das seleções. Também recorro muitas vezes a boxes ao longo das páginas, o que, a meu ver, enriquece o livro, pois trata de questões importantes que não teriam como serem abordadas no texto-base.

    Por fim, não poderia deixar de falar acerca das ilustrações do livro, feitas pelo talentoso quadrinista Daniel Brandão. Os desenhos de Brandão trouxeram a arte para dentro das páginas, tornando a leitura bem mais agradável. O leitor mais minucioso poderá perceber como os painéis do desenhista são um resumo de cada capítulo. E são desenhos maravilhosos, de grande perfeição e beleza. Diria, usando o jargão do mundo da bola, que Daniel, com muita categoria e astúcia, e fazendo tabelinhas geniais com este autor, entrosou ainda mais o livro para o deleite do leitor.

    Espero que o livro atenda as suas expectativas e que o motive a analisar o futebol – e as sociedades – com outras perspectivas.

    O autor

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    Além da Bola

    Um fator fundamental para entender como o futebol se difundiu pelo mundo, tornando-se uma das maiores paixões da humanidade, é até simples: sua vinculação à expansão do capitalismo no final do século XIX e começo do século XX.

    Embora tenhamos informações de muitos outros povos desde a antiguidade correndo atrás de uma bola, o futebol, tal como o conhecemos hoje, surgiu na Inglaterra. Foi ao longo do século XIX que os ingleses passaram a criar regras para padronizar as velhas práticas dos jogos com bolas (redondas ou ovais), cujas origens remontavam à Idade Média e que então eram bastante populares, apesar de violentas. Especificamente, o período entre 1810 e 1840 registrou a apropriação desses jogos populares pelos alunos internos das public schools e a sua transformação em práticas competitivas melhor organizadas e menos truculentas. Verdade que, a princípio, houve uma resistência à incorporação dos jogos, pela sua origem – as escolas inglesas e universidades eram frequentadas, afora a nobreza, pela classe média e burguesia em ascensão, para quem aquilo tudo era "indigno de um gentleman". Apesar das restrições, por iniciativa espontânea dos alunos, teve-se ao longo dos anos a transformação do jogo das multidões em esporte escolar (PRONI, 1998: 148).

    Vale lembrar que nas escolas e universidades inglesas havia já toda uma prática de jogos e competições físicas, a exemplo do arco e flecha e da esgrima. Tais práticas eram vistas como maneiras de controlar os impulsos da juventude, preparando as futuras lideranças do vasto império colonial britânico, propagando valores como disciplina, companheirismo, honra, boa conduta, honestidade e cavalheirismo, dentre outros (AQUINO, 2002; MELO, 2000).

    Igualmente havia a intenção de, afora exercitar o físico, preparar aquela elite para a defesa militar da Inglaterra, algo fundamental para um império que em não raras vezes dominara e explorara outros povos pela força das armas e que angariara não poucos inimigos. Assim, jogar o que chamamos hoje de futebol e rúgbi, no começo do século XIX, era antes de tudo um sinal de virilidade e arrojo. Reclamar de um chute na canela não era o comportamento a ser esperado de quem estava sendo preparado para comandar e enfrentar desafios e guerras. Houve, em escolas, casos de jovens mortos durante partidas que poderiam durar duas horas e meia (AGOSTINO, 2002: 21).

    Com a busca da padronização do futebol, os ingleses começaram a transformar o que era jogo em esporte, submetido tanto a regras universais e bem definidas quanto a uma estrutura organizacional responsável por zelar pelo seu cumprimento e administrar as competições entre as equipes (FRANZINI, 2009: 107). Essa intenção de estabelecer regras fixas para o jogo não deve ser vista como mera obra do acaso – ocorria o mesmo em vários domínios da vida inglesa à época. Ao longo do século XIX surgiram várias leis, normas, decretos regulando questões penais, civis, comerciais, etc., para os súditos do Império Britânico. Embora já existisse, em outras épocas e sociedades, a fixação de normas deve ser associadas à consolidação do capitalismo e à busca da burguesia por maior regulamentação e controle da sociedade e das contradições e tensões sociais. Não é de estranhar, portanto, o estabelecimento de regras para o futebol naquele momento, como já ocorrera com outras modalidades esportivas, a exemplo da corrida de cavalos em 1750, golfe, em 1751; ciclismo, em 1868, entre outras (FRANCO JÚNIOR, 2007: 26; MURRAY, 2000: 21).

    A Difícil Padronização

    A padronização, porém, não foi algo fácil. Havia muita coisa a ser regulada – a começar pela própria bola. Na Rugby School, por exemplo, os jogadores, além de usar os pés, passavam a bola de mão em mão, até chegar à meta adversária. Em outras escolas, a maioria, por sinal, a exemplo de Eton, a bola deveria ser controlada apenas com os pés – o uso das mãos só era permitido na cobrança de laterais ou ação dos goleiros (criados em 1871), os únicos jogadores habilitados a usar pés e mãos. Igualmente existiam controvérsias quanto às dimensões dos campos, o número de jogadores por times, o tempo de jogo, etc. (AQUINO, 2002: 18; FRANCO JÚNIOR, 2007: 32; MURRAY, 2000: 19).

    Em consequência das duas formas distintas de controlar a bola, surgiram o rugby e o association football. Em 1846, os rapazes da Rugby School estabeleceram as regras da modalidade do mesmo nome e que, depois, em 1871, seriam ratificadas com a criação da Rugby Football Union. Lembra Bill Murray que não foram exatamente os internatos ingleses que inventaram o association football, mas, sim, os old boys (ex-alunos) que, após iniciarem sua vida profissional, e ansiosos de continuar praticando os esportes favoritos da época de faculdade, deram impulso à elaboração dos primeiros regulamentos nacionais (MURRAY, 2000: 21). Assim, em 1863, em sucessivas reuniões de ex-alunos e alunos de diversos internatos, numa taverna londrina chamada de Freemason, foram estabelecidas as mesmas regras para a modalidade, todos concordando ainda em aceitar as decisões de uma entidade dirigente maior, a Football Association (FA, que corresponde atualmente à Federação Inglesa de Futebol)¹.

    Assim, o que entendemos como futebol hoje surgiu quando as regras foram estabelecidas e ficou clara a demarcação entre aqueles que jogavam e aqueles que assistiam ao jogo, superando os tradicionais embates durante os jogos de rua, nos quais qualquer um podia entrar a qualquer momento (AGOSTINO, 2002: 21). É o caso, por exemplo, da fixação do número de jogadores por equipe, que acabou se impondo onde o futebol à moda inglesa fosse praticado. Acredita-se que a decisão da composição dos times com 11 jogadores tenha sido casual ou devido ao fato de as turmas de Cambridge terem dez alunos e um inspetor de classe/bedel ou porque foram 11 os representantes das equipes que fixaram as regras a serem seguidas pelos praticantes do futebol em 1863 (AQUINO, 2002: 18; AGOSTINO, 2002: 21).

    Daí em diante as regras foram sendo aperfeiçoadas, estabelecendo padrões a serem seguidos. Das reuniões da Freemanson Tavern de 1863, foram codificas 14 regras do association football, as quais acabaram a seguir publicadas em livros e cartilhas, e distribuídas pelo País de modo a se tornarem públicas. Apesar disso, ainda existiam controvérsias e dúvidas sobre o que podia ou não ser feito em campo, especialmente quanto à dose de violência a ser aceita. Alguns praticantes queriam manter a violência em nome da virilidade, essencial ao futebol em sua visão, pois, retirá-la reduziria a modalidade a uma prática apropriada para franceses (MURRAY, 2002: 22). Não foi coincidência que no ano de 1868 surgia o árbitro, figura cuja função era determinar em campo o que era ou não permitido para os jogadores (FRANZINI, 2009). O juiz, no entanto, atuava fora das quatro linhas [para ter uma melhor visão das jogadas] e comunicava suas decisões aos gritos. A partir de 1875, porém, os juízes passaram a apitar as pelejas usando um apito e, depois de 1881, começaram a atuar dentro das quatro linhas (AQUINO, 2002: 180). Em 1891, surgiriam os auxiliares do juiz principal, os chamados bandeirinhas. Muitas mudanças ainda iriam ocorrer nos anos seguintes².

    O juiz assumiu funções absolutas dentro do jogo, a exemplo de controlar o tempo de duração das partidas (um poder nada desprezível), equilibrar as tensões que o jogo acarreta (um dos aspectos centrais de sua emoção) e manter sob controle a violência entre os jogadores. Tantos poderes eram impensáveis nos primórdios do futebol, quando não se imaginava a necessidade de alguém regular o que acontecia em campo, visto que os próprios jogadores ou capitães controlavam as faltas de suas equipes (AGOSTINO, 2002: 22).

    A Football Association (FA), de Londres, tornou-se em poucos anos a única autoridade do futebol na Inglaterra e cada vez mais adeptos e associações locais se filiavam a ela. O association football espalha-se por outras ilhas britânicas. Em 1882, A FA as associações de Gales, Irlanda e Escócia instituíram a International Football Association Board (IFAB – mais conhecida apenas por Intenaticional Board, Conselho Internacional). O órgão daí em diante passou a ter o monopólio sobre as alterações nas regras do futebol, para o que é preciso a unanimidade de seus membros. Fundada e constituída por britânicos, nela o espírito jurídico era (e, em certa medida, permanece sendo) o do direito consuetudinário inglês. É isso que explica sua relutância em aceitar [hoje] certas modernidades (sobretudo, recursos eletrônicos) no futebol (FRANCO JÚNIOR, 2007: 37).

    Em 1871, para melhor divulgar o football e demonstrar claramente para o público as regras do esporte, a Football Association (FA), de Londres, criou uma competição entre os principais clubes ingleses, a Challenge Cup (Copa Desafio), dando origem à Copa da Inglaterra, uma das mais antigas e populares competições de futebol do mundo e ainda hoje disputada, cuja final é assistida desde 1914 pelo ocupante do trono, que entrega a taça ao vencedor. Essa competição estimulou muito o interesse pelo jogo, atraindo multidões. No ano de 1872, aconteceu o primeiro jogo internacional de que se tem conhecimento, em Glasgow, entre Inglaterra e Escócia, que empataram sem gols (AGOSTINO, 2002: 23; FRANCO JÚNIOR, 2007: 34; MURRAY, 2000: 26).

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    Religião Leiga

    Em pouco, rugby e o association football se difundiram pela Inglaterra, atraindo adeptos, simpatizantes e levando à fundação de clubes, embora o primeiro se centrasse mais entre os setores abastados, enquanto o segundo saiu do ambiente escolar e se disseminou rapidamente entre a cada vez mais numerosa classe operária britânica, mergulhada nas contradições sociais advindas com o processo da Revolução Industrial e intensa urbanização (FERREIRA, 2005)1. Em seu berço, nasceu na época do crescimento da classe operária, em plena Revolução Industrial, e era um esporte que levava para locais públicos toda a revolta e as insatisfações do operariado explorado. Tamanha era a violência que até a primeira década do século XIX era proibido pelo Estado inglês. Foi exatamente para controlar as classes mais baixas e a violência do jogo que se impôs regras ao futebol, que se tornou uma importante – e interessante para as elites – válvula de escape dos explorados (MAGALHÃES, 2010: 14).

    O historiador inglês Eric Hobsbawm diz que o futebol virou uma espécie de religião leiga para os ingleses de origem operária, constituindo-se um dos elementos marcantes da construção da identidade proletária no período (HOBSBAWN, 1987: 262). Não raro, os clubes surgiam no interior das fábricas, com o auxilio de patrocínio dos patrões ou por iniciativa dos próprios trabalhadores.

    Um fator importante para a interação entre proletariado e football foi a gradativa ampliação dos horários de lazer dos trabalhadores (surgindo o que chamamos de final de semana), conquista do operariado obtida ao longo da segunda metade do século XIX. A folga após o meio-dia de sábado (o denominado sábado inglês) permitia os jogos entre times, não raro compostos por operários das diversas fábricas espalhadas pelo país, a exemplo do Manchester United (ligado à ferrovia) e Arsenal (indústria de armas), reservando-se o domingo para a ida à igreja, conforme as convicções cristãs/protestantes. Ainda hoje a realização de jogos no sábado à tarde é uma tradição existente no campeonato inglês de futebol. Muitos operários também iam assistir às partidas, atraídos pelos times de suas fábricas, comunidades e até mesmos por aspectos religiosos. Várias equipes de futebol surgiram em torno de igrejas, a exemplo do Aston Villa, fundado por jovens metodistas.

    Na Escócia, há o Rangers, criado em 1872 por protestantes e unionistas (ou seja, defensores da unidade com a Inglaterra, que invadiu a Irlanda no século XVII), com cores branca, azul e vermelha (as mesmas da Inglaterra), e o Celtic, surgido em 1887 por iniciativa de católicos e defensores da independência irlandesa, de uniforme verde e branco, e tendo como emblema o trevo (símbolos do país). Clubes apareceram também em torno dos pubs, famosos bares ingleses. "Quaisquer que sejam as origens, os clubes de maior sucesso eram constituídos por jogadores da classe operária (MURRAY, 2002: 28).

    Com a massificação e proletarização, o futebol acabou levado à profissionalização, entenda-se, à remuneração dos jogadores com salários. Conforme afirma Eric Hobsbawm, a questão do profissionalismo tornou-se, na década de 1880, a questão central no esporte britânico (HOBSBAWM, RANGER, 1984: 297). A princípio desenvolvido como um esporte amador e modelador do caráter pelas classes médias e elites das escolas, o futebol se tornou um espetáculo para um público predominantemente masculino. Ou seja, virou um evento capaz de atrair milhares de pessoas dispostas a pagar para presenciá-lo. Assim, equipes criaram formas de remuneração para que seus jogadores pudessem dedicar mais tempo aos treinamentos e melhorar o desempenho. Os dirigentes da Football Association, porém, se opuseram tenazmente a qualquer forma de pagamento a jogadores. As elites consideravam que o pagamento era uma afronta às tradições do esporte amador, embora os jogadores operários, precisando de dinheiro, não pensassem assim. As equipes do norte inglês, em que a maioria dos jogadores vinha das classes trabalhadoras, ameaçaram retirar-se do campeonato e criar uma liga independente. Estava em jogo não só a preservação dos princípios éticos do futebol, mas o próprio controle da modalidade pelos lords ingleses.

    Chegou-se a um acordo em 1885, com uma solução salomônica. O profissionalismo foi aceito entre os atletas, mas os dirigentes permaneceriam amadores. Ou seja, os atletas/pobres apenas jogariam, deixando a administração e controle do futebol (portanto, ficando submissos), em nome dos princípios morais, para os setores abastados e homens de negócios, uma situação que, a grosso modo, se mantém até hoje... Durante alguns anos, as equipes inglesas ficaram dividas entre as que adotavam o profissionalismo e as que preservavam o amadorismo. Em 1888, os dirigentes dos times profissionais, sobretudo das cidades industriais do norte e do centro do país, decidiram criar a primeira liga profissional de futebol, na intenção de organizar melhor as competições, atrair mais público e aumentar as arrecadações. Demonstrando a inevitabilidade do profissionalismo, por volta de 1892, as equipes do sul aderiram também ao profissionalismo, sendo estabelecidas divisões inferiores na Liga (PRONI, 1998: 151).

    Pelo Mundo

    Da Inglaterra, o futebol ganharia o mundo, numa estreita associação com o capitalismo/imperialismo e com o que se convencionou chamar de belle époque – o domínio econômico, político, cultural, etc; europeu sobre o globo. No final do século XIX, o capitalismo britânico se difundira pelo planeta, com destaque para os investimentos financeiros e comerciais, disseminação de ferrovias, desenvolvimento de infraestrutura e serviços urbanos, etc. A presença de comunidades inglesas ligadas a tais empreendimentos – fossem soldados, trabalhadores, os marinheiros, homens de negócios de sua majestade – por todos os lugares difundia a paixão pela bola.

    O imperialismo inglês [...] exportava não apenas uma série de produtos industriais e de serviços, mas também fenômenos sociais e culturais que os acompanhavam, mesmo sem premeditação, e cuja origem inglesa [e europeia de modo geral] por si só atraía, conferindo-lhes ares de modernidade. Dentre eles, o futebol (FRANCO JÚNIOR, 2007: 40). Conforme as crenças da belle époque, a busca da modernidade, da civilidade, do progresso, da beleza e distinção social estavam em acessar/copiar/reproduzir as práticas e comportamentos do Velho Mundo. Não por acaso, era para a Europa que partes dos filhos das classes dominantes brasileiras e da América Latina iam, em geral, estudar. Ali, tais jovens entraram em contato com os jogos e competições físicas das escolas e, ao regressarem para suas respectivas pátrias, traziam as práticas esportivas, difundido-as. O exemplo mais famoso do que se fala é o do paulista Charles Miller, que ao regressar dos estudos na Inglaterra, em 1894, trouxe bolas, chuteiras e livros de regras, sendo considerado por isso o pai do futebol brasileiro, conforme veremos no próximo capítulo.

    Não por acaso, na América Latina, vários times adotaram nomes ingleses. Na Argentina (Banfield, Boca Junior, Newell’s Old Boys, River Plate, Vélez Sársfield); no Brasil (Arsenal de Mato Grosso, Corinthians de São Paulo, Ríver do Piauí, Tranways de Pernambuco), no Chile (Everton, Green Cross, Wanderers), na Bolívia (The Strongest) ou no Peru (Sporting Cristal). Foi na América Latina, inclusive, que aconteceu o primeiro jogo internacional de futebol fora do Reino Unido, em 1901, em Montevidéu, quando o Uruguai perdeu para a Argentina por 3 x 2 (MURRAY, 2000: 55).

    Mas houve o reverso da medalha: territórios que formalmente tinham feito parte do Império Britânico resistiram à adoção do futebol, o que lhes dificultou posteriormente o desenvolvimento da modalidade, tanto que, via de regra, continuam ainda hoje secundários no universo futebolístico (África do Sul, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia). Também não foi casual que o futebol tenha se mantido associado à cultura ocidental cristã. Em terras muçulmanas, a introdução do futebol foi precoce, ocorrida em 1918, no Egito (protetorado inglês), país que participou já da segunda Copa do Mundo [...]. Sua popularidade no mundo islâmico dar-se-ia tardiamente, a partir da década de 1970, depois de o símbolo do imperialismo ter deixado de ser a Inglaterra, berço do futebol, passando a ser os Estados Unidos, país sem tradição no esporte [...] (FRANCO JÚNIOR, 2007: 23-4).

    Mesmo na Europa, pelo menos de início, houve algumas resistências em adotar o futebol, em virtude de sua origem britânica. Explica-se: o final do século XIX e começo do século XX caracterizam-se por intenso crescimento do nacionalismo em decorrência das rivalidades entre as potências imperialistas nas disputas por mercados e territórios. Esse clima de rivalidades contribuiria para a eclosão da chamada Grande Guerra (Primeira Guerra Mundial - 1914/18). Não surpreende, portanto, que rivais ingleses, a exemplo da Alemanha, relutassem em aceitar o esporte bretão. Ali, o futebol chegou a ser comparado a uma doença dos ingleses e uma coisa de macacos desengonçados e desnutridos, incompatível com a disciplina corpórea e o ideário militarista prussiano, tão importante para o processo de formação do Estado alemão, encerrado em 1871. O Turn, ginástica clássica coletiva, era considerado desde o século XIX a verdadeira alma germânica. "Principalmente em Berlim, mas em vários outros locais da Alemanha, os parques públicos, clubes, fábricas e escolas tinham suas associações de Turn, com hierarquias próprias, altamente prestigiosas" (SILVA, 2006: 17). Apenas às vésperas da I Guerra Mundial que muitos dos preconceitos em relação aos trabalhadores seriam superados entre os alemães, especialmente por obra da geração mais jovem de trabalhadores (AGOSTINI, 2002: 29).

    Mesmo assim, o futebol em pouco propagou-se pelo continente, igual a uma praga, derrubando barreiras, virando paixão. Há times de futebol na França em 1872; na Suíça, em 1860; na Holanda, em 1879; na Bélgica, em 1878; na Dinamarca, em 1876; na Itália, em 1893. Em pouco começaram a acontecer jogos entre equipes de países distintos. O primeiro jogo internacional na Europa continental deu-se em 1902, quando a Hungria goleou a Áustria por 5 x 0 – foi, na verdade, uma disputa entre os melhores jogadores das capitais, Budapeste e Viena. Nada mais simbólico da popularização que a admissão do futebol como esporte olímpico em 1908 (AQUINO, 2002: 20). Do início do século XX até o nascimento dos grandes times italianos da década de 30, os clubes de futebol de Viena, Budapeste e Praga dominariam o futebol europeu [continental] (MURRAY, 2000: 46, 49 e 55). A empolgação que o esporte bretão despertava levaria o filósofo marxista italiano Antônio Gramsci a dizer: O futebol é o reino da liberdade humana ao ar livre (apud AGOSTINO, 2002: 30).

    Richard Giulianotti observa que após expandir o futebol globalmente, a Inglaterra fez pouco (ou pouco pôde fazer) para preservar a liderança em termos políticos e administrativos – sintoma de uma nação em declínio no começo do século XX. Assim, num vácuo organizacional com a recusa inglesa de liderar o movimento e num momento de crescente nacionalismo, em 1904, sete nações europeias (Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça), por iniciativa do francês Robert Guérin e do holandês Carl Anton Wilhelm Hirschman, criaram em Paris a FIFA (Federation Internacional of Football Association). Seu papel: coordenar as diferentes associações nacionais e uniformizar as regras do jogo. Assim, a fundação visava tornar a FIFA uma instituição de caráter internacional, visto que os membros eram confederações representantes de Estados nacionais (GIULIANOTTI, 2002: 44).

    Em 1914, havia 24 países filiados, incluindo, entre outros, Argentina, Chile, Estados Unidos e África do Sul, o que dava à entidade já certo caráter mundial. Em várias tentativas, os demais países tentaram, sem sucesso, acolher os britânicos na FIFA, fazendo-lhes concessões especiais, como prova o fato da International Board (entidade britânica) continuar a ser aceito como o legislador máximo do futebol – apenas a partir de 1913, a FIFA passou a ter dois representantes naquele órgão. A insistência não era obra do acaso. Tinha-se a Inglaterra como a pátria do futebol e o nível de seu futebol, a princípio, era bem superior, tanto que receber um time das ilhas britânicas era um frissom para os demais países. Até mais ou menos meados da segunda década do século XX, normalmente os times ingleses venciam facilmente seus adversários nas excursões realizadas, não raro os goleando. Em rigor, era o futebol britânico o mais organizado, que mais atraía público e era o único com jogadores profissionais em período integral (MURRAY, 2000: 60-65).

    Por anos, a Inglaterra manteria uma postura arrogante de distanciamento da FIFA – e mesmo de confronto –, vendo-se como superiora no domínio do futebol e recusando-se a discutir seu esporte em pé de igualdade com estrangeiros, povos que não estavam incorporados ao império britânico e eram livres para terem suas próprias perspectivas e trajetórias culturais. Além disso, muitas eram nações rivais, adversários, países com quem os ingleses travavam cada vez mais acirradas disputas diplomáticas e econômicas, no contexto das disputas imperialistas que levariam à I Grande Guerra (1914-18). Não foi por acaso que os britânicos se filiaram (a primeira vez, em 1905) e se desfiliaram várias vezes à FIFA e se recusaram a participar das três primeiras Copas do Mundo (1930, 1934 e 1938). Apenas após a II Guerra Mundial (1939-45) que a mentalidade isolacionista inglesa iria diminuir, tanto que os britânicos se reintegraram à FIFA em 1946 e enviaram um time para a Copa do Mundo no Brasil, em 1950, (GIULIANOTTI, 2002: 44 e 45).

    Não obstante, às vésperas da I Guerra Mundial (1914-18), a vulnerabilidade do futebol inglês já era evidente – muitos atletas, ex-jogadores e, sobretudo, treinadores britânicos passaram a trabalhar no continente, melhorando o nível técnico de equipes de outros países. Na década de 20, com a expansão do profissionalismo pela Europa, a Inglaterra perdeu definitivamente a liderança do futebol (MURRAY, 2000: 65).

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    Bola e Guerra

    A força do futebol era tão grande nas primeiras décadas do século XX que mesmo durante a I Guerra Mundial sua prática continuou, embora em grau menor. Na Inglaterra, o esporte foi usado como estratégia do esforço de guerra e fortalecimento do sentimento nacionalista. Postos de alistamentos eram instalados nos estádios em que aconteciam jogos importantes. O exército inglês chegou a usar equipes de football composta por soldados para se exibir nas cidades do país e estimular o voluntariado entre os jovens. Uma dessas equipes ficou conhecida como Os Extremados, dando grandes exibições por todo o país. Com o prolongar-se da guerra (imaginava-se de início que o confronto seria breve, resolvido até dezembro), campeonatos nacionais acabaram suspensos e muitos jogadores foram para o front, não raro perdendo a vida

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