Lobo em pele de cordeiro
De Anna Bianchi
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Lobo em pele de cordeiro - Anna Bianchi
Prefácio
Escrever requer coragem, algo que não tive por muitos anos.
Não tinha coragem de me expor, de colocar meu nome atrelado a algo que inevitavelmente associariam a mim: Anna.
Porque eu não sou meu livro, mas, ao mesmo tempo, sou. Diria até que usei do livro para expurgar alguns demônios. You write what you know.
No entanto o livro não deve se associar a mim, e sim a você.
Você que vai conduzir a narrativa. Eu, Anna, já não estou mais nessa jogada. Renuncio todas essas palavras que, antes minhas, agora se tornarão suas.
1.
2017,
Acordo com o barulho irritante de um martelo pulsando na parede como se estivesse batendo diretamente em minha testa. Consigo até imaginar no meu banco de dados de memórias aquele martelo preto fuleiro do caso dos maníacos de Dnepropetrovsk, na Ucrânia, que viralizou na internet há dez anos. Os vizinhos do andar de cima estavam reformando faziam meses e eu não aguentava mais essa morte violenta do meu sono. São dez da manhã, já tinha passado a hora de acordar. Resmungo e rolo na cama. Sem querer, acabo deitando sobre o rabo da minha gata, que mia reclamando.
Pela pequena fresta de luz da janela consigo me guiar, esquivando da bagunça de roupas sujas espalhadas pelo chão, e saio do quarto. Sem querer, piso em algo duro e olho para a sola do meu pé que agora apresenta um decalque de dez centavos. Na sala, encontro Nycole assistindo Law&Order na nossa televisão de tubo, sentada em um sofá velho e marrom destruído por arranhões de gato. Uma pilha de livros que comprei com a promessa de que leria, quem sabe um dia, acabou se tornando um novo móvel para o cômodo, completando a decoração do ambiente. A sala está relativamente arrumada para os nossos padrões, fora alguns papéis aleatórios e embrulhos vazios de salgadinho industrializado em cima da mesa de jantar. Além de uma clássica pilha de louça transbordando da pia na cozinha, que é separada da sala apenas pela bancada que deveria ser branca.
Meu outro gato me cumprimenta de cima da geladeira. Abro-a e pego uma fatia de torta congelada. Nycole pede uma também.
— Bom dia, flor do dia – diz sorrindo. Ela está de calças de pijama xadrez e uma camiseta do filme Alien, muito maior do que o tamanho PP que ela veste. Me pergunto de quem ela teria roubado essa camiseta, provavelmente de um dos seus boys. Seu cabelo cacheado está envolvido em um laço e no rosto usa uma máscara de argila verde que tapa sua pele negra.
— Bom dia, Nycole – respondo sem muita animação.
— Quais são seus planos para hoje?
Meus planos. Nos meus planos, hoje deveria ser uma terça-feira como a de qualquer pessoa ordinária. Acordar, ir trabalhar, voltar para casa, dormir. Mas desde que me formei, há um ano, estou desempregada, passando os dias mandando currículos, me lamentando e fumando maconha. Decido começar pelo último e acendo uma ponta que encontro no cinzeiro na varanda.
— Acho que vou pra Coqueiros ver minha mãe – falo entre tragadas.
— Boa sorte.
— E você?
— Ah, sabe como é, vou trabalhar. E de quebra ter que aturar o idiota do meu chefe fazendo comentários machistas desnecessários.
— Pelo menos você tem um emprego.
— Você conseguiria um cargo lá na padaria se quisesse, amiga. Você que não quer.
Não é tanto questão de não querer,