Descobrimentos e Outras Ideias Politicamente Incorrectas
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Sobre este e-book
Este livro é um combate contra os apologistas e praticantes do pensamento politicamente correcto, que são os mesmos que têm aversão mental aos Descobrimentos e ao Império, e que flagelam Portugal com o tema da escravatura, esforçando-se por transpor essa flagelação para o nosso ensino secundário.
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Descobrimentos e Outras Ideias Politicamente Incorrectas - João Pedro Marques
Título: Descobrimentos e Outras Ideias Politicamente Incorrectas
Autor: João Pedro Marques
© Autor e Guerra e Paz, Editores, Lda., 2023
Reservados todos os direitos
A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico.
Acompanhamento editorial: Maria José Batista
Revisão: Neusa Garcia
Design: Ilídio J.B. Vasco
Isbn: 978-989-702-930-1
Guerra e Paz, Editores, Lda
R. Conde de Redondo, 8–5.º Esq.
1150-105 Lisboa
Tel.: 213 144 488 / Fax: 213 144 489
E-mail: guerraepaz@guerraepaz.pt
www.guerraepaz.pt
Índice
Prefácio
Descobrimentos e Império
As memórias do Império
A palavra Descobrimentos não está proscrita nem tem peçonha
Um Museu dos Descobrimentos deve chamar-se exactamente assim
Negros e brancos
Que será feito do Museu dos Descobrimentos?
O império português não foi o nazismo
Escravatura
Aula prática de escravatura (em árabe)
O passado colonial não faz de nós racistas
Quando os números nos enganam
Qual foi a parte que Fernanda Câncio não compreendeu?
O Barco
Os pregadores do arrependimento
A UNESCO e a abolição: uma teoria que vem de longe
É falso que Portugal tenha sido responsável por 50 % do tráfico transatlântico
Brasil, Portugal, escravos: trocando em miúdos
Portugal e os negros. Dois enganos e uma artimanha
Escravatura branca
E pur si muove!
Mamadou Ba e o mito do Haiti
Fazer reset e avançar pela calada
Manuel Loff e a Trova do Vento que Passa
Caçar com gato e pontaria ad hominem
Ensino da História
Narrativas alternativas e passados dolorosos
A leitura emocional da História
Ajustando a História à vontade do freguês
Espero que o Governo não vá na conversa
Portugal não varre história para debaixo do tapete
O manual «descolonizado» com que os activistas sonham
Politicamente correcto
Politicamente correcto
Freud e o rei Paipai
Cruzadas e terrorismo islâmico
RAP deu um abanão no politicamente correcto
Os filósofos brancos são para deitar fora
1984 em pezinhos de lã
Falinhas mansas
Demolindo estátuas
O politicamente correcto não é a antiga boa educação
Estátuas caídas e outras aberrações politicamente correctas
Uma pergunta aos Macrons do nosso mundo
O mérito não tem cor de pele nem etnia
A História a martelo
O Ocidente a caminho da idiotia
É pró menino e prá menina?
António Costa e Wiriamu
A era dos idiotas
Posfácio
Prefácio
Irá Lisboa ter um Museu dos Descobrimentos, como nos foi prometido, ou continuará essa promessa a ser bloqueada pelo clamor dos radicais de esquerda, académicos ou não, e pela falta de vontade política para os enfrentar? E tentarão esses mesmos radicais prosseguir a sua campanha de desinformação acerca do envolvimento de Portugal na escravatura, ou terão perdido o ímpeto e assanhamento inicial? E que dizer da sua atitude quanto à estatuária e outra monumentalidade? Continuarão a querer demolir ou remover alguma dela, bem como alterar e policiar os livros e a nossa linguagem do dia-a-dia? E como responderemos nós a essa pressão? Iremos resistir-lhe, ou vamos modificar os programas da disciplina de História, no secundário, para lhes satisfazer a vontade? Essas são algumas das questões que este livro aborda e a que procura responder.
Não são perguntas despiciendas, longe disso. Há, de há uns anos a esta parte, uma luta intensa, por vezes mais expressa, outras vezes mais subterrânea, sobre a memória que o país deve conservar do seu passado e qual a que deve transmitir às gerações seguintes. A história dos Descobrimentos, da escravatura e do colonialismo estão no cerne dessa luta, sobretudo a segunda, que tem sido, desde 2017, tema e objecto de um grande debate público.
Em 2020, a Guerra e Paz publicou Combates Pela Verdade: Portugal e os Escravos, uma colectânea de artigos que escrevi no âmbito desse debate. Todavia, como ele não cessou inteiramente por alturas dessa publicação, e teve réplicas, ainda que menos intensas e frequentes, faz sentido publicar, três anos depois, um novo volume com o que, entretanto, fui escrevendo sobre o assunto, para, de certa forma, documentar e consolidar o que se conquistou, e que, em minha opinião, foi muito. Julgo que, nessa área, nada ficou por esclarecer, excepção feita aos ataques ad hominem a que não respondi na altura, mas que farei aqui (pág. 103).
Este novo livro é, portanto, a continuação de Combates pela Verdade, mas não se fica por aí, pois alarga-se para outros temas e territórios. Compõe-se de 40 artigos previamente publicados nos jornais nacionais e de cinco ainda inéditos, e divide-se em quatro vertentes. A primeira, reúne os textos que abordam (e defendem) o projecto de um Museu dos Descobrimentos e questões conexas, como, por exemplo, a natureza do Império Português. Como é sabido, e já foi mencionado acima, o Museu dos Descobrimentos era uma promessa do anterior Presidente da Câmara, Fernando Medina. Todavia, suscitou tanta oposição de auto-proclamados anti-racistas e de sectores académicos que foi deixada cair no esquecimento. Os artigos incluídos na primeira parte deste livro relembram essa promessa, esse debate, e procuram estimular o relançamento dessa ideia.
A segunda parte do livro, incide sobre a já referida questão da escravatura, que, se bem que mais amortecida, ainda se mantém viva, quando mais não seja por via da pressão que é feita para introduzir mudanças nos programas e no ensino da disciplina de História. O fito é duplo: quer-se, por um lado, culpabilizar o país por episódios e práticas violentas e sangrentas do seu passado e, por outro lado, criar uma ficção acerca da participação dos povos africanos em vários momentos desse passado, nomeadamente nos que se prendem com a criação e prosseguimento do tráfico transatlântico de escravos e com a abolição da escravatura. É precisamente esse duplo fito que está, a par de outros, na pretensão de alteração do ensino da História, assunto que será abordado na terceira parte do livro.
Na sua quarta e última parte, reúnem-se textos de contestação ao que convencionou chamar-se pensamento politicamente correcto. O leitor encontrará nela artigos sobre as tentativas de controlo e policiamento da linguagem; considerações sobre a forma como, no Ocidente, as pessoas politicamente correctas tendem a lidar com o terrorismo islâmico; análises sobre o efeito corrosivo do politicamente correcto na universidade e no ensino (e, retroactivamente, de como esse politicamente correcto é, por sua vez, corroído pelo humor); e, sobretudo, apreciações sobre a sua relação com a onda de demolições censórias que se abateu sobre certas estátuas e outras figurações no espaço público, sobretudo nos Estados Unidos e em Inglaterra, com um ou outro eco no nosso país. Essa é, em minha opinião, a manifestação mais espectacular e, eventualmente, a mais danosa, dessa forma de sensibilidade e pensamento. Vivemos numa época que poderíamos baptizar de «Era dos Idiotas», em que os radicais do politicamente correcto querem, de escopro e martelo na mão, demolir certos símbolos do passado, convencidos de que, por essa via, repõem justiça e equilíbrio aos tempos idos, e que os purificam.
Ainda que pareça esdrúxula, esta última parte do livro tem um nexo com as três anteriores, pois os que têm aversão mental aos Descobrimentos e ao Império, e que flagelam Portugal com o tema da escravatura, esforçando-se por transpor essa flagelação para o ensino secundário, fazem-no, também, ou sobretudo, a partir de posições politicamente correctas. O politicamente correcto é, portanto, a grande manta que irmana, subentende e justifica todas as páginas deste livro. Não deve, por isso, surpreender que, aqui e ali, haja entrecruzamentos e sobreposições, e que o leitor encontre um artigo sobre escravatura que remete para o pensamento politicamente correcto; outro que transborda para o problema do ensino da História; outro, ainda, que questiona os Descobrimentos ou o Império; um quarto que toca os vários temas no mesmo impulso.
Parte dos textos que integram estas quatro secções foram escritos no contexto de um debate, e alguns deles respondem especificamente a outros textos ou a outras intervenções nesse debate, ou seja, são réplicas e elementos de uma polémica. Incluí, por isso, no livro, em nota de pé de página, a referência que permitirá ao leitor, se assim o desejar, ler os escritos ou notícias a que alguns dos meus artigos respondem.
Descobrimentos e Império
As memórias do Império
A Praça do Império, em Belém, tem 32 brasões, feitos em buxo e flores, que vêm da época salazarista e representam Portugal e as suas ex-colónias. Esses brasões já tinham sido tema de debate em 2014 e voltam agora a sê-lo, porque a Câmara Municipal de Lisboa quer substituí-los por um outro arranjo vegetal no qual não constem referências às colónias.
Em favor da substituição, os vereadores do PS, que têm maioria na Câmara, elaboraram uma série de argumentos, alguns deles razoáveis, outros de mera circunstância e outros, ainda, de pura má-fé. Vou focar-me apenas nos que foram verbalizados por Duarte Cordeiro, vice-presidente da Câmara, porque eles são muito representativos de uma certa forma de pensar. Segundo os jornais, Cordeiro terá dito que os brasões «estão datados e até podem ser ofensivos».
Esta frase incomoda pelo que tem subjacente. Claro que os brasões estão datados. O castelo de Guimarães está datado, assim como tudo aquilo que um país com uma longuíssima história decidiu conservar. São essas e outras coisas datadas que lhe dão a profundidade da memória e uma identidade no decurso do tempo. Se fizéssemos o aggiornamento de tudo o que é antigo e datado, se anulássemos tudo aquilo de que não gostamos e o puséssemos de acordo com os padrões estéticos e morais da nossa contemporaneidade, Portugal seria uma espécie de Dubai da Europa, um mostruário de modernices sem antiguidade nem raízes.
Os brasões estão datados, e ainda bem que assim é. São testemunhos de um tempo. Mas Duarte Cordeiro acrescenta que, além de «datados», eles podem ser «ofensivos». Ofensivos para quem e porquê? Não nos é dito, mas subentende-se que será para os anti-salazaristas ou para os naturais das ex-colónias.
No século xx, houve em Portugal uma ditadura que durou quatro décadas. Há milhões de vestígios dessa época: fotografias, edifícios, monumentos, obras públicas, obras de arte, numa palavra, há tudo aquilo que é humano. Essas coisas não são para apagar, apenas porque existiu um ditador chamado Salazar, de quem não gostamos. Pode detestar-se Salazar e o que ele significa – como é o meu caso – e, ainda assim, preservar as memórias do seu tempo. Para lá das nossas emoções e da nossa parcialidade, gostemos ou não do que essas coisas representam, não podemos esquecer que elas fazem parte da nossa História.
E outro tanto se passa com o que diz respeito às ex-colónias. Portugal teve, numa determinada fase da sua existência como país, um império colonial e um espírito imperial. Tudo isso existiu e, depois, deixou de existir, sem que seja motivo de vergonha nem de ofensa para ninguém. Não projectemos as nossas concepções e avaliações modernas sobre os tempos idos, e sobre as pessoas que neles viveram, porque o anacronismo é o maior pecado que se pode cometer quando se lida com o passado. O império colonial português teve os seus heróis e os seus cobardes, as suas boas e más intenções, a exploração dos outros e o altruísmo, as almas grandiosas e os espíritos mesquinhos, teve tudo o que é humano, o bom e o mau, como qualquer outro domínio territorial de qualquer outro povo que tenha vivido sob a luz do Sol, desde que a espécie humana existe. Só não perceberá isto quem tiver uma visão estreita e circunstancial da História.
É claro que os vereadores do PS não parecem estar interessados em preservar uma visão histórica da Praça do Império. Parecem apenas interessados em apagar uma determinada memória, substituindo-a por outra, supostamente mais pura ou mais asséptica, por razões que serão estritamente ideológicas e determinadas por uma subordinação vesga e míope aos ditames do politicamente correcto. Eu lamento que assim seja. Neste caso concreto, os vereadores do PSD, CDS e PCP, que votaram contra a supressão dos brasões coloniais, têm, ainda que por razões diferentes, toda a razão.
(in Diário de Notícias, 27 de Julho de 2016)
A palavra Descobrimentos não está proscrita nem tem peçonha
O programa eleitoral de Fernando Medina promete a construção de um Museu das Descobertas (ou dos Descobrimentos) em Lisboa. Há dias, o Expresso publicou uma carta contra essas designações (e também contra a de Museu da Interculturalidade de Origem Portuguesa, que fora, entretanto, sugerida por Matilde Sousa Franco)¹. A carta foi assinada por mais de 100 historiadores e cientistas sociais, vários dos quais conheço e considero, o que não me impede de discordar do que subscreveram. Porquê?
1 – Diz-se, na referida carta, que a palavra Descobrimentos foi «frequentemente usada durante o Estado Novo para celebrar o passado histórico» e «convoca, por isso mesmo, um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático». Ora, as palavras não são propriedade de ninguém nem prisioneiras de nenhum período histórico. O facto de Descobrimentos ter sido usado e abusado no período salazarista não desclassifica a palavra nem a contamina para todo o sempre. Descobrimentos já se usava muito antes de Salazar e continuou a usar-se depois. Basta recordar que existiu, há poucos anos, uma Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, sem que essa designação tenha conotado a dita comissão com o salazarismo ou imposto alguma canga ideológica ao seu trabalho ou ao país.
2 – Diz-se, na carta do Expresso, que o que se faz na actual investigação são «exercícios de reflexão crítica» que escolhem as «melhores palavras» para evitar imprecisões e melindres, e que têm construído histórias «não nacionais» porque «incluem pessoas e experiências de vários espaços geográficos». Os museus – alega-se – não podem ignorar isso. Porquê, então – pergunta-se –, insistir na palavra Descobrimentos, que só valoriza os portugueses «em vez de valorizar, tanto quanto for possível, as experiências de todos os povos que estiveram envolvidos neste processo»? E sugere-se, até, que a utilização dessa palavra comprometeria, por si só, o futuro museu, mesmo que depois, no seu interior, os aspectos negativos e positivos dos Descobrimentos viessem a ser «exemplarmente narrados».
Mas, pode um nome comprometer as coisas a esse ponto? E estarão erradas e em desuso as perspectivas e designações nacionais para evocar museologicamente os grandes acontecimentos do passado? Não sou museólogo, mas julgo que não. A França tem vários museus napoleónicos. Os seus nomes evocam um homem odiado por muitos dos povos que os seus exércitos