Sempre Existe Um Porém
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Sempre Existe Um Porém - Giuseppe Oristanio
Ao Totó,
À Steluccia, a minha dona Stella.
Ao Nóbile e à Teresa.
À Babi, à Juju e ao Vitor e
À Silvana, que vive comigo todas as alegrias e carrega comigo todos os pianos ao longo dos últimos 40 anos.
E há os amigos, velhos e recentes, por quem tenho enorme admiração e carinho, que enriquecem minhas experiências e me emocionam sempre.
Um agradecimento especial a todos os fotógrafos que participam do livro e que não consigo mais identificar. Caso alguém identifique a autoria, me avise e eu incluo créditos da segunda edição.
Aqui vão alguns nomes: TV História, Guga Melgar, Ivan Luna, Revista Manchete, Divulgação Globo, RecordTV. Adrian Teijido e Paulo Goulart Filho. Meu eterno agradecimento.
PREFÁCIO
Em 2022, completo 50 anos de carreira e resolvi comemorar. E há o que comemorar. Não por uma carreira brilhante, nem por riquezas conquistadas, nem por um pretenso reconhecimento de que gente pública gosta e espera. Embora haja um pouquinho de tudo isso, quando se analisa o quesito riquezas conquistadas, a coisa é fraca. Nem tudo são flores.
Há o que comemorar porque ser ator no Brasil é um ato de resistência e pouca gente aguenta por 50 anos. Muitos ficaram pelo caminho, por desgosto, por falta de oportunidades ou de vocação. Para 95% de nós, ser ator é mais que um ato de resistência, é um ato de teimosia. Felizmente, há uns 5%, talvez menos, que navegam em mar calmo, mas acredite: são exceção. Então, vale a pena fazer um bolinho para comemorar ter sobrevivido – e sobrevivido ativamente. O livro da minha cabeça seria batizado como 50.
Comecei com a ideia de que escolheria 50 fotos e contaria historinhas às quais as fotos me remetiam.
Porém, e sempre existe um porém, as coisas evoluíram na forma - embora o conteúdo permanecesse o mesmo. Comecei a perceber que tinha poucas fotos para coisas que queria escrever. Essa coisa de fotografar e gravar tudo o que acontece é muito recente. Resolvi refazer a forma e mudar o nome para Coisa Minha, mas isso durou pouco.
Um dia, tomando banho, coisa que ainda faço de vez em quando, imaginei o leitor pegando o livro nas mãos. Aí a pessoa veria o título e poderia pensar: "—Coisa Minha?! Bom, se é coisa dele, deixa pra lá, não vou me meter na vida do cara". O livro iria embolorar nas prateleiras das livrarias que ainda resistem aos modernismos da informática.
Aí resolvi ser mais avant-garde, mais antenado com a realidade, mais ligado na modernidade dos códigos binários e dos bits. E rebatizei o livro: #tbt.
A razão é simples: vinha publicando nos TBTs do Instagram, vez ou outra, umas coisinhas que, sentia eu, interessavam aos leitores. Então resolvi replicar no livro algumas dessas historinhas e contar várias outras, talvez um pouco grandes demais para o feed do Instagram. (Viu como eu sou moderno?)
Só que desisti por uma convicção de que é preciso preservar nosso idioma. Perguntei pra minha filha o que era TBT e, quando ela me disse que era uma sigla em inglês, resolvi mudar. Está tudo muito americanizado. Jobs, meetings and other things. Não é possível mudar isso no mundo, mas aqui o livro é meu.
O livro terminou batizado como SEMPRE EXISTE UM PORÉM, porque, na vida, quase sempre existe um porém.
A verdade mais verdadeira é a seguinte: longe de ser Biografia, (que eu não tô com essa bola toda), longe de ser Literatura, (que não me sinto preparado para executar), longe de ser Jornalismo, (embora eu tenha estudado isso), o que temos aqui é um bate-papo entre amigos.
Ao que parece, venho escrevendo isso ao longo dos anos, mesmo sem saber, exatamente quando conto essas histórias aos amigos durante conversas que jogamos fora nos intervalos de ensaios e de gravações. Poderia dizer que conto na mesa do bar, mas raramente me sento numa mesa de bar. São histórias que fazem parte da minha vida – dentro e fora dos palcos e estúdios.
Tem algo de importante aqui?
Sim. Não. Talvez. São histórias escritas com o coração. E para corações. Para mim, isso basta.
Foto em preto e branco de pessoas na frente de uma casa Descrição gerada automaticamenteDos 4 anos, 4 anos e meio para frente, lembro de muita coisa. Lembro da minha mãe recolhendo rapidamente as roupas do varal, porque estava começando uma chuvarada e ela me mandando entrar em casa, mas eu insistia em ficar agarrado na saia dela, barriguda da minha irmã. Lembro do meu pai, com uma pizza nas mãos, chegando na casa da minha nona, onde ele tinha nos deixado pra ir ao hospital ver minha mãe que acabara de parir, avisando que tinha nascido e era uma menina. Lembro, inclusive, de levar minha mãe ao hospital pra ter o bebê. Eu era menor que as pernas dela e, andando ao lado, a barriga dela me parecia imensa. Imensa.
Tenho uma lembrança afetiva interessante. Dormíamos no mesmo quarto, meu irmão e eu. E, sei lá, desde que me lembro até mais tarde, 10, 12 anos, eu dava valor a uma coisa prosaica, mas extremamente prazerosa que acontecia todo começo de manhã, tipo 5h30, 6h00 da matina.
Era o horário em que meu pai se preparava para o trabalho. Deitado, eu ouvia pequenos barulhos na cozinha. E cheiros. Um café sendo coado, minha mãe fritando alguma coisa pra colocar na marmita dele, (ainda sinto o cheiro das manjubinhas fritas), algo assim. Aquele burburinho matinal muitas vezes me acordava, mas era uma coisa muito feliz, era bom acordar com aquela rotina cotidiana. Depois, todos os dias, todos os dias antes de sair, meu pai entrava no quarto e beijava a gente, às vezes ajeitava os lençóis para nos cobrir melhor. Eu adorava sentir o cheiro da loção pós-barba no rosto dele. Eu fingia dormir para não interromper aquele momento adorável.
Outras vezes, ficava vendo Totó fazer a barba. À navalha, que não existiam aparelhos descartáveis, não. (Mais tarde, cheguei a fazer um dos comerciais de lançamento do Prestobarba: a primeira faz tchan, a segunda faz tchum, e tchatchantchantchan!). Era navalha, ou aparelho de barba com a lâmina colocada nele. A navalha fazia um barulhinho legal ao cortar a barba e se encher de espuma, que depois ia sendo lavada na torneira para recomeçar todo o processo. Achava muito legal ficar vendo meu pai fazer a barba.
Desde pequeno, eu tinha o hábito de me trancar no banheiro. Os motivos foram mudando com o tempo, mas a minha lembrança agora é de pegar os apetrechos do Totó, trancado no banheiro, subir num banquinho para me olhar no espelho, encher a cara de espuma com um pincel que, muitos anos depois, roubei dele e ainda hoje guardo comigo. Depois, a navalha. Logo na primeira, abri um talho no rosto. O sangue furou a espuma e, sob a ótica de agora, me parece uma cena bem legal. Plasticamente bonito ver o branco da espuma tingido pelo sangue. Aquilo não me apavorou. Fiquei mais preocupado em tomar bronca do que com o próprio acidente.
Sai do banheiro com aquilo tudo no rosto e não lembro se foi o Totó ou a minha mãe que, com a maior tranquilidade, (ah, esse menino...), lavou meu rosto e colou um papel higiênico para estancar o sangue e fechar o corte. Durante anos carreguei uma cicatriz na bochecha... há muito tempo, parece que sumiu.
Um pouco mais adiante, eu me trancava porque o meu irmão havia me ensinado uma coisa mágica. Se eu molhasse giz colorido e pintasse o rosto, assim que o giz secasse, as cores apareceriam. Eu subia num banquinho e, sempre trancado, pintava o rosto como um palhaço e ficava esperando o giz secar para ver as cores aparecerem. Era muito legal.
Demorei muitos e muitos anos para me dar conta de que isso, talvez, já pudesse ser um desejo pelo lúdico.
Os 3 irmãos: eu, com uns 7 anos, Teresa com 2 e o Nóbile, com 12. Cinco anos de diferença entre nós. Estamos em frente à nossa casa com essa porta de ferro onde meu pai, em algum momento, pretendia abrir um barzinho, coisa que nunca aconteceu. Mais tarde, eu tinha já uns 15, 16 anos, usei esse espaço para uma oficina de artesanato. Eu fazia, junto com um amigo, bolsas de couro, cintos, sandálias de pneu. Vendia-se muita coisa assim naquela época, fruto do movimento hippie que ainda deixava seus rastros nos costumes da juventude. Digamos que eu tenha percebido, logo cedo, que precisaria de uma alternativa ao teatro, mas desisti. Houve outras tentativas de empreendedorismo ao longo da vida, mas não é minha praia. Sem saída, vivo no risco.
Tudo isso apenas para falar dos cabelos da minha irmã. Vê-se na foto que ela já está de cabelos curtos e, quando ela cortou os cabelos pela primeira vez, foi um dia muito triste para mim – embora eu entendesse as razões de minha mãe.
Minha irmãzinha não era fácil na primeira infância. Queria fugir de casa, ir para casa da nona Helena, num trajeto perigoso e inapropriado para uma menininha tão pequena, mas ela costumava fugir de casa. Ela simplesmente fugia de casa. Também brincava muito na casa da amiga vizinha, bem pertinho, mas quando precisava voltar para casa, fazia o maior escândalo, gritava, esperneava. Quando minha mãe falava que eu devia ir buscar Teresa, eu já sabia: teria confusão.
Ela tinha cabelos lindos, encaracolados, muito bonitinhos naquela menininha pequena. O problema é que pentear aquilo era impossível. Ela reclamava, corria, gritava, chutava a gente. A Teresa era do babado quando pequena.
Minha mãe pediu que a vizinha, que era cabeleireira, resolvesse a questão.
Tenho claríssimo na memória o dia em que a Cidinha colocou a Teresa sentada num tronco caído ali perto de casa, na rua mesmo, e cortou os cabelos dela.
Quer saber? Teresa não esboçou reação, ficou quietinha e os cabelos caíram ao chão sem problemas. Eu observava de longe com os olhos marejados.
Ah! Só para deixar claro: Teresa cresceu e virou uma pessoa bastante civilizada.
Esse que me carrega de cavalinho em nossos tempos da primeira juventude é o Nóbile, meu irmão, 5 anos mais velho. Na verdade, na foto me carrega de cavalinho, mas me carregou no colo a vida toda, me carrega ainda hoje.
Uma vez, me levou ao dentista. Dentista da Prefeitura, que ficava dentro da Biblioteca do Jardim da Saúde, a 1 km, talvez 1500m de onde morávamos e onde ainda moram meu pai e