Os frutos da figueira
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Sobre este e-book
Pois sob frondosa copa, a portoalegrense Suzana Outeiral gentilmente nos convida a recostarmo-nos na mais antiga das árvores: a figueira. E de seus guardados cuidadosamente desocultados, vamos colhendo – um a um – os seus frutos acredoces e nos emocionando com ora erráticos percalços ora determinados passos desta gaúcha-candanga, que se foi fazendo forte e feminista; artista e professora; atriz e dramaturga; amiga, filha, mãe, avó: mulher, enfim, em todo seu contraditório e desafiador feixe de avanços, recuos, disparates, acertos, atrevimentos – percurso a margear aquela alegria benfazeja, também 'amaciada de tristeza', derramada no caminho pelo Menino de Guimarães Rosa, lembrando-nos, sempre, que, não à toa, etimologicamente, a palavra coragem ('coraticum') guarda a mesma raiz de coração."
- Luciana Barreto, poeta e professora.
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Pré-visualização do livro
Os frutos da figueira - Suzana da Costa Outeiral
© Suzana Outeiral 2022
Produção editorial: Vanessa Pedroso
Revisão: Helen Bampi
Ilustração da capa: Marcelo Munster
Design de capa: Igor Outeiral
Editoração: Igor Outeiral
Conversão para epub: Cumbuca Studio
CIP-Brasil. Catalogação na Publicação
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
O97f
Outeiral, Suzana
Os frutos da figueira [recurso eletrônico] / Suzana Outeiral. - 1. ed. - Porto Alegre [RS] : Buqui, 2022.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-8338-642-1 (recurso eletrônico)
1. Outeiral, Suzana. 2. Mulheres - Brasil - Biografia. 3. Autobiografia. 4. Livros eletrônicos. I. Título.
22-79291
CDD: 920.72
CDU: 929-055.2
Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439
Todos os direitos desta edição reservados à
Buqui Comércio de Livros Eireli.
Rua Dr Timóteo, 475 sala 102
Porto Alegre | RS | Brasil
Fone: +55 51 3508.3991
www.editorabuqui.com.br
www.facebook.com/buquistore
www.instagram.com/editorabuqui
Printed in Brazil/Impresso no Brasil
Dedico este livro às mulheres e
a todas as pessoas que querem se transformar
para construir um mundo melhor e mais justo.
APRESENTAÇÃO
Biografias me afetam, me encantam, me surpreendem. Pela singularidade de cada alma humana, pelos dramas e desafios vivenciados em diferentes contextos, pelos enfrentamentos e busca de superação. Ainda mais quando se trata de uma autobiografia.
É o caso deste livro, testemunho vivo de alguém em movimento, que desde muito cedo faz uso da imaginação e do questionamento como dispositivos pessoais.
Suzana escreve sobre sua vida, sobre diferentes etapas, de um modo sequencial. E o faz com detalhes, com desenvoltura e com crítica. Inicia com o relato das casas de sua infância, das casas dos avós paternos e maternos, e depois da casa dos pais. E aos poucos vai trazendo elementos históricos, a realidade social e política brasileira e chilena dos anos 1960/70, assim como as experiências vivenciadas na juventude que fortaleceram a busca por um caminho diferente do discurso vigente na família conservadora e tradicional em que nasceu e foi criada. E é aí que vai revelando a ousadia da busca de um caminho pessoal, os percalços e as lutas na descoberta de si mesma e dos seus espaços no mundo: Tive que abrir meu caminho. Aos trancos e barrancos
.
A narrativa evolui pela vida adulta, envolvendo trabalho, relações de amizade e amor, filhos e constituição da própria família, chegando ao momento atual, com Suzana colhendo os frutos da maturidade.
Na segunda parte do livro — As histórias de Tuti Lalau
—, aparecem crônicas que misturam fantasia e realidade. Foi a forma escolhida por Suzana para a escrita de situações divertidas que de alguma forma não se encaixavam na primeira parte e lhe possibilitam dar asas à sua fértil imaginação.
Acredito que o trabalho como professora de espanhol e as vivências com traduções fizeram com que Suzana se aproximasse da produção textual. E foi assim, durante a pandemia, que o prazer de lidar com palavras foi crescendo junto à percepção de que teria algo a dizer. Descobri que é bom escrever
, diz ela. E foi pensando nas quatro netas — Clara, Carolina, Mariana e Elisa — que o livro foi escrito.
Para nós, leitores, fica a generosidade deste compartilhar, a coragem em revelar-se e as inúmeras reflexões que esta leitura nos possibilita tecer.
Para mim, que disfruto da fiel amizade com Suzana há cinquenta anos, fica a honra de ter sido convidada a escrever estas palavras iniciais. Temos em comum o gosto pelo dinamismo da vida, a valorização dos afetos e a tendência a sempre vislumbrar um futuro.
Sônia Azambuja Fonseca
Psicóloga clínica e escultora
PARA COMEÇAR...
No início, foi um sonho. Uma neta lia a minha história. Aos poucos, a ideia de ter o que dizer foi amadurecendo, durante a pandemia planetária, algo assim como a responsabilidade de alguém que pertence a uma geração que veio para incentivar a mudança.
E, assim, com um prazer novo de lidar com palavras para uma narrativa, nasceu OS FRUTOS DA FIGUEIRA.
Tuti Lalau foi como me chamei desde muito pequena. Como me chamavam Suzi, eu traduzi por Tuti. E o sobrenome Outeiral, por Lalau. Aqui cabe uma curiosidade:
O meu tataravô Manuel veio de Portugal, no século XIX, com o sobrenome Ferreira de Souza, segundo registro de um cartório da época de Santa Maria/RS, onde foi morar com um irmão, também vindo com ele. Adotou o sobrenome de Outeiral provavelmente por ser originário de uma região de Portugal chamada Outeiro ou por um arbusto com esse nome. A razão da mudança teria sido a separação do irmão, que foi para a Argentina tentar a vida, e o desejo de não se perderem um do outro. Seriam os únicos com esse nome. Com essa invenção, nos nomeou com um sobrenome que ainda causa estranheza em muita gente, mas que a mim me agrada justamente por ter sido inventado.
Encontrar uma saída me acompanha. Nasci no Hospital São Francisco, em Porto Alegre, primeira neta das duas famílias, e como era costume antigamente, me chamariam pelo nome das duas avós: Rosa Margarida. Mas o meu avô chegou da rua com a novidade de uma opereta de muito sucesso chamada A casta Suzana
. Com esse nome novo na época, me livrei de ser chamada pelo outro, que, embora traga à memória duas lindas flores, não seria bom andar pela vida com ele.
Não seguir a tradição foi o que sempre me atraiu. Como um sapato cujo molde não se adequa a um pé ou um vestido bonito e apertado que traz desconforto e agonia, impossível de usar, eu também nunca me ajustei à vida que me ofereciam e não acreditei que seria a melhor opção para mim.
Não gosto da expressão lado certo da História
, por isso digo que queria viver minha história na História, do meu jeito.
O fato é que pertenço a uma geração rebelde e nascida em uma cidade provinciana, no seio de uma família com valores rígidos, não foi fácil tentar o salto para ser eu mesma. A vida de uma menina, criada pelos padrões exigidos pela classe média gaúcha da década de 40, não permitia vislumbrar o que viria depois.
Parece que um puxão do destino empurra para diante porque temos que destruir para construir até chegar a um porto seguro: o outro lado do rio. Para alguns é mais fácil; para outros, há mais chão para andar, voltas e voltas para dar e lágrimas para curtir. Enquanto fazia este relato, vi que alguns fatos ficaram de fora, enquanto outros se ocultavam nas entrelinhas. Tive a ideia, então, de fazer deles pontos de partida para textos que misturariam imaginação e realidade, o que, a meu ver, enriqueceria a história, deixando-a no mínimo mais divertida.
Seria a imaginação uma parte do real captada pelo inconsciente? Encobriria o real algo inconsciente que a imaginação capta e reelabora?
Com essas indagações, escrevi as crônicas que compõem as Histórias de Tuti Lalau
. Umas são mais reais do que imaginárias; em outras, a realidade passa de raspão. Por exemplo, Meu amigo Jaime
só tem de imaginário o sonho dele com a narradora, o resto todo é real. Em outras, metade é inventado, como em Dona Rosa, minha avó. É claro que ela não trazia os armários fechados à chave, assim como meu avô Pereira não fazia discursos nas praças da cidade. E por aí vai… sendo o Autopreparo
uma abordagem cinestésica da meditação. Espero que curtam.
Com o coração na mão, vou abrir este baú. Me acompanhe.
Suzana Outeiral
Brasília, 08 de outubro de 2021.
A CASA DA VÓ ROSINHA
Na casa da Rua Otávio Correa, número 45, viviam a Vó Rosinha, a tia Hélia e o tio Bayard, até quando ele se casou. Não conheci meu avô Ottoni, que havia morrido muito antes de eu nascer. Eu, meu pai e minha mãe, enquanto morávamos em São Paulo, passávamos as férias de meu pai com eles.
Era uma casa grande, mas simples, com móveis antigos, sem muitos enfeites, embora tivesse até telefone, daqueles ainda na parede, no qual se discava o número que se queria girando com o dedo e soltando, um por um. Na entrada, havia um pequeno jardim com hortênsias de cores azul e rosa, com canteiros dos dois lados.
Na parede da sala dos fundos, reservada para os acontecimentos importantes, havia um coração de Jesus sangrando, que me acompanhava com os olhos e fazia com que eu deixasse a sala andando de costas ou olhando para trás, morta de medo. O mesmo medo que sentia quando, com uns 4 anos, a pedido do meu pai, tinha que descer a escada da casa de Santana, em São Paulo, caminhar no escuro até o outro lado da sala, subir em uma cadeira, tatear a parede para acender a luz, descer da cadeira, e só então ir até a cozinha pegar um copo de água. E a volta? Essa era pior. Com o copo na mão, subir na cadeira e apagar a luz. No trajeto até a escada, escorregando o pé no chão para encontrar o primeiro degrau, o escuro me golpeava as costas, olhava para trás assustada, para ver se havia algo ou alguém, e, finalmente, começava a subir, já tendo sentido várias gotas que caíam e que continuavam molhando a escada na subida. Não me queixava, nem reclamava.
Até hoje sou assim: aguento o sacrifício, esquecendo depois o tanto que me custou. Isso pode ser bom, mas talvez dê uma falsa impressão de que não necessito de apoio ou de ajuda.
O quintal da casa da minha avó não tinha muitas plantas, por isso não era bonito. Me lembro apenas de um pé de buquê de noiva com suas cachopas brancas.
A Vó Rosinha não era muito da cozinha nem da casa, só limpava e fazia reluzir as torneiras, que brilhavam nas pias. Gostava era de ler o Correio do Povo, único jornal da época, ou ficava quieta, encolhida, pensando. O tio Bayard dizia que quando ela