Andarilho
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Andarilho - Marcos Freitas
Parte I
Elemento Terra
terraO tempo é um pássaro esculpido na pedra.
Francisco Carvalho in Raízes da voz
Colegiais
As meninas deixam os seus sossegos
cegos da noite, em busca do sol
forte, matinal. Doravante, o aconchego
é o colégio estridente
ao som da campainha sábia.
Parecem um exército espúrio,
mas são guerreiras sociais
de flores brancas nos olhos
e tuítas na garganta
para desprender do ego
o grito da fome de liberdade
No espaço físico e bifásico,
comendo mundo,
bebendo bálsamos,
cheirando o perfume violado
em violinos para sonata...
Beethoven lhes abençoe!
Boa Viagem
A escuridão parecia gincana
ver qual das mãos avulsas
tocava a mão de Adriana
sem saber se as calejadas
podiam tocar beleza
passeando juntos pela calçada
de Boa Viagem a Fortaleza.
Rimando o excesso de cansaço
só podia deleitar um pedaço
do cinema em seu sorriso
transformando o meu em desejo
quando as mãos dormindo
deixavam de ficar comigo
para irem ao encontro febril
de encontro àquele corpo aconchego
se é o sol que beija abril
quando por ela a paixão não é sossego.
Marina
Como posso, Marina,
te ver neste estado natural,
prolongando a vida,
gerando vida,
comendo vida,
se ainda vi nesses olhos claros
alguma coisa esquecida?
Como pude, Marina,
te conhecer em cinco minutos
e me deparar com ágape,
o desejo que devora,
vindo dessa alma
e fazendo um carnaval com o corpo?
Como explicar, Marina,
te ver com uma menina
no corpo e outra n’alma,
se eu mesmo queria estar em ti,
me alimentando de tua essência?
Como fazer, Marina,
se partirás levando um pedacinho meu,
logo no apogeu de tua adolescência,
sonhando amor,
pedindo amor,
comendo amor,
se a única coisa que te fiz
foi pegar teus livros
e te fazer este poema?
Comunicação
Quantos beijos
saem com suspiros
piro em sabê-los
cabelos caem
saem músicos?
Quantas vezes
disse saudade
idade nova e velha
era amor
mero sabor
ou elo desejo?
Quantos duendes
doem nos dentes
da alma adentro?
Quantos cheiros
lágrimas acaso
sorrisos evidentes
coração velho mágico
surpresa represa
paixão incomunicável?
Sacrifício
Moa a cana
e o caldo alimenta
Moa a verdura
e a vida sustenta
Moa a ramagem
e o gado fomenta
Moa a carne
e ainda aguenta
Moa o corpo
e não suspenda
Moa a alma
e o resto não surpreenda.
Vela reza
Tomo I
Se todos fazem a mesma prece,
por que ainda não acenderam a vela?
É por que é amarela
ou a transferência não tem pressa?
Por que o mundo gira, lira, pira
nossas cabeças de lebre
se a alma está com febre
e a mão sente, mente, mas não escreve?
Se iremos para o Futuro,
a quem vendemos o Presente?
E por que ainda não acenderam a vela?
Se gostar-amar-ficar o escuro
é porque alguém não pressente
que o antepassado vira janela?
Caso sinta o gosto elétrico
é porque decerto não vemos
que ainda somos macacos patéticos
sem o verdadeiro sabor do beijo.
Tomo II
Verossimilhança, vaga vela velha?
se aqui vim ver-te, verde,
vende a própria luz
e ao nosso pensamento faz jus
como se consola com o balanço da rede?
Se o corpo explodisse...
quem será que disse
uma palavra à alma
e se não fosse nada disso?
As mãos penteiam os cabelos do céu,
os pássaros o enfeitam.
Como, se não menos potentes?
São asas turbinadas de dentes?
Se muitos sabem essa reza,
será assim que a bíblia está velha,
ata de testemunha que pesa
nos conceitos sociais modernos?...
Se amar
Se o sol sair, prometo-te a lua
e veremos as estrelas deitados no chão.
No choro, riremos o gosto extravagante
do perigo, dos abraços, num só ritmo.
E a decepção talvez não nos alcance,
porque é um sonho só,
um só suspiro desgarrado,
sem palavra alguma para atrapalhar.
Afinal, somos mudos mesmo.
Somos a imaginação do que pensamos
do mundo: planta decorativa.
E assim amamos.
Versão
Para Thiago
Pela manhã tão pequenino,
vem a mim meu cavaleiro;
me desperta e faz
da vida seu brinquedo.
Já comigo fica treinando
de arrancar meus velhos pelos,
me faz sentir saudades,
comigo meu cavaleiro.
O mundo é pequenino,
a aventura, gigantesca;
me dá prazer pueril
até puxando os meus cabelos.
Depois me pega pela mão
e me leva à sua ilha:
assim somos dois andarilhos,
eu e meu cavaleiro.
Sonhetos
Tomo I
O roço que invade a alma
É devaneio em curso e se devora
Chamado o amor e vindo agora
É o mundo em plateia batendo palmas
E o calor de amar fez marca no seio
Tomara Deus seja agraciada ventura
Pois se acaso só for outra aventura
Dos meus planos de vida futura não os sei
Mas se o sorriso em plenitude é rochedo
Amar a mulher será sempre lugar primeiro
Enquanto vida tiver e alma se espreitar
Porque amando é sentido viver
Mesmo da partida quando enfim morrer
Revolverei montanhas e entranhas para amar.
Tomo II
Não sei escrever sem ver miniatura
Amar o amor inconteste sem ternura
Desgastar até o fim o sabor do beijo
Sem beijar infinitamente no calor do seio
E o corpo só é palpável com a alma
Entregar-me-ei com as duas construções da alva
Quando por um momento de amor for terno
Sejam riso